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A audiência de conciliação, um instrumento pouco ou mal utilizado pelo judiciário

 

                                                            Clovis Brasil Pereira*

 

 

1. Introdução 2. A audiência de conciliação e sua oportunidade 3. Da pouca eficiência das audiências conciliatórias 4. Análise crítica das razões da ineficiência 5. Conclusão

1. Introdução

 

A conciliação entre os litigantes, no curso de um processo judicial, é medida salutar para a solução dos conflitos, e contribui de forma eficaz para abreviação do tempo das demandas entre os jurisdicionados.

 

Atento a essa realidade, nosso legislador, possivelmente movido pelo clamor da sociedade em geral, e da comunidade jurídica em especial, tem procurado criar, ao longo do tempo, mecanismos processuais para estimular a conciliação entre as partes, nos diversos procedimentos judiciais de natureza cível em nosso país.

 

Nesse passo, a realização de audiências de tentativa de conciliação, que no início da vigência do atual Código de Processo Civil, em 1973, era prevista apenas para as ações que seguiam o procedimento sumaríssimo, então previsto na lei adjetiva (hoje denominado sumário, conforme modificação introduzida pela Lei 8.952/94), foi estendida mais tarde ao procedimento ordinário, quando da minireforma do estatuto processual, ocorrida em 1994. Logo depois, quando da conversão do Juizado de Pequenas Causas em Juizados Especiais Cíveis e Criminais (Lei 9.099/95), igual obrigatoriedade foi atribuída no caso das ações cíveis promovidas perante os Juizados Especiais.

 

A importância desse procedimento, e sua pouca ou má utilização pelo Poder Judiciário, é o objeto desse pequeno estudo, e que tem, tão somente, a intenção de estimular a discussão e fazer uma reflexão, a respeito do melhor aproveitamento da audiência conciliatória, como meio eficaz, de agilização dos procedimentos judiciais.

 

2. A Audiência de Conciliação e sua oportunidade

 

São várias as oportunidades dadas ao Magistrado pela legislação processual, para a busca da conciliação. Tanto é verdade, que o artigo 125, IV, do Código de Processo Civil, prescreve que “ao juiz compete tentar, a qualquer tempo, conciliar as partes”.

 

Ainda, quando da realização da audiência de instrução e julgamento, segundo o artigo 448, do CPC, antes de se iniciar a instrução, “o juiz tentará conciliar as partes”.

 

Não bastassem essas recomendações contidas no CPC, em obediência ao princípio da maior celeridade processual, o legislador determinou, em emendas que alteraram a legislação processual, a realização de audiência de tentativa de conciliação, nas ações que seguem o procedimento comum ordinário (art. 331, CPC) e sumário (art. 277, CPC), além das ações que tramitam perante os Juizados Especiais, no âmbito da Justiça Estadual (Lei 9.099/95) e Justiça Federal (Lei 10.259/01).

 

Na simples leitura dos artigos da legislação mencionada, se pode concluir, que a clara intenção de tais mudanças foi tentar aperfeiçoar, ao longo da vigência do Código de Processo Civil e legislação especial, os mecanismos processuais, para buscar uma rápida e eficiente solução dos conflitos, e diminuir o número de atos processuais, e com isso, encurtar o tempo de duração das demandas, já que muitas delas, demoram em média de 5 a 8 anos, as vezes, até mais, desde sua distribuição até seu trânsito em julgado.

 

Assim, para todos os procedimentos mencionados, prescreve a legislação processual que a audiência preliminar de conciliação, deve ocorrer no prazo de até 30 dias, contados da distribuição dos feitos.

 

O que se vê no cotidiano da vida forense, notadamente no Estado de São Paulo, onde temos atuação e experiência como advogado militante, é que nesse prazo, na maioria das vezes, o processo não é, ao menos, autuado e registrado, e as audiências acabam sendo realizadas, em média entre 6 a 9 meses, em flagrante desrespeito à legislação pátria.

 

Claro está que não se pode carrear a todos os Magistrados e aos Servidores do Poder Judiciário, a culpa ou responsabilidade por tal situação, pois é evidente e cristalina, a falta de estrutura dos cartórios, ofícios e varas judiciais, quer pela precariedade de instalações e equipamentos, quer pela defasagem dos recursos humanos, indispensáveis à movimentação dos processos.

 

3. Da pouca eficiência das Audiências Conciliatórias

 

Apesar de estimuladas pela legislação, as audiências de tentativa de conciliação acabam se transformando, na maioria das vezes, em instrumento de pouca ou nenhuma eficácia, em prol dos jurisdicionados.

 

Em nosso entender, muitas são as razões para que isso ocorra, algumas das quais alinharemos a seguir:

 

Nos Juizados Especiais, na maioria das vezes, a tentativa de conciliação é presidida por conciliadores leigos, escolhidos dentre os estudantes de direito e bacharéis, que prestam serviço voluntário, na qualidade de estagiários ou colaboradores do Poder Judiciário.

 

É prática comum ainda, as Instituições de Ensino, em convênio com os Tribunais Estaduais de Justiça ou Tribunais Regionais Federais, instalarem Unidades desses Juizados, como Anexos, dentro de suas instalações, ou em unidades externas, por elas patrocinadas, com o objetivo de atender exigência do MEC, para estimular a prática jurídica e proporcionar a prestação de serviço à Comunidade, já que está é uma das funções institucionais das Universidades, Faculdades e Centos Universitários, em geral.

 

Se é verdade que tais Anexos, se constituem em excelente meio de aprendizado para os estudantes, além, é óbvio, de economia considerável aos cofres do Poder Público, face ao uso gratuito de mão-de-obra, não é menos verdade, que a falta de experiência, e muitas vezes, a falta de comprometimento de tais conciliadores, com o mister desenvolvido, acaba se refletindo na frustração de inúmeras conciliações, que deixam de ocorrer no cotidiano dos Juizados.

 

Por sua vez, nas ações que tramitam pelo procedimento ordinário, quer na Justiça Estadual, quer na Federal, a convocação dos Juizes, para a tentativa de conciliação, nem sempre é atendida por uma, ou por ambas as partes. E quando estas comparecem, observa-se na postura de alguns Juizes, pouca diligência para tentar se obter a conciliação.

 

Muitas vezes, as partes criam uma grande expectativa, se preparam para o “dia da audiência”, que para alguns, por ser um acontecimento formal, se torna importante, inusitado, e quando chega o dia designado, indo ao Fórum, entram e saem da sala de audiência, sem saber ao menos, se ela se realizou.

 

4. Análise crítica das razões da ineficiência

 

Porque, afinal, as audiências de conciliação, na vida prática, se mostram de pouca ou nenhuma utilidade para os jurisdicionados?

 

Temos uma pronta resposta, que deflui da prática, de anos a fio, freqüentando assiduamente as Unidades do Poder judiciário, ou seja:

 

• Primeiro, porque são tão rápidas, e não contam com uma intervenção ativa do Juiz Presidente, que por vezes, ao menos cumprimenta as partes;

 

• Segundo, porque ao menos o Magistrado indaga dos presentes, sobre o interesse na conciliação;

 

• Terceiro, porque o Juiz não faz, preambularmente, uma pequena intervenção, dizendo de suas vantagens, como meio mais rápido e eficiente de apaziguamento dos conflitos judiciais.

 

Alguns Juizes, simplesmente mandam o escrevente de sala indagar dos advogados, se há possibilidade ou proposta para acordo, e ante a exitação dos patronos, que embora representantes das partes, não são titulares dos direitos disputados, simplesmente determinam a lavratura do Termo de Audiência, dispensando de imediato as partes, chamando os autos à Conclusão, para posterior deliberação, no chamado despacho saneador.

 

Este, para nós, é um grande equívoco, na interpretação do artigo 331, § 2º, do Código de Processo Civil, que textualmente afirma: “Se, por qualquer motivo, não for obtida a conciliação, o juiz fixará os pontos controvertidos, decidirá as questões processuais pendentes e determinará as provas a serem produzidas, designando audiência de instrução e julgamento, se necessário.”

 

Temos que essa norma processual, não separa o momento da audiência de tentativa de conciliação, do momento do despacho saneador, e nesse oportunidade, com as partes presentes, acompanhadas de seus respectivos procuradores, é que deveria, como regra, serem fixados os pontos controvertidos, e deferidas as provas pertinentes.

 

Da maneira como usualmente ocorre, afigura-se a audiência de conciliação, como uma verdadeira perda de tempo, de pouca ou nenhuma utilidade ao processo e aos jurisdicionados, além de se constituir em um grave desrespeito às partes e aos próprios procuradores, que muitas vezes se deslocam de uma Comarca à outra, em grandes distâncias, simplesmente para cumprirem uma formalidade, muitas vezes em homenagem e respeito ao próprio Poder Judiciário, porém sem nenhum resultado prático.

 

Certamente, existem magistrados que tem plena consciência da importância do ato da audiência conciliatória. São convictos de que uma conversa amistosa e respeitosa com as partes, às vezes um simples sorriso, um olhar atento nos olhos das partes, acaba desarmando os espíritos, muitas vezes ainda contaminados pela mágoa, decorrente do que a parte julga ser “uma justa pretensão, resistida”, ou pelas desinteligências que normalmente se originam no nascedouro dos conflitos.

 

Ocorre que essa aparente perda de tempo, de 15 a 20 minutos, no máximo, poderia acabar numa rápida e profícua conciliação, que certamente eliminaria a prática de dezenas e dezenas de atos processuais, na maioria das vezes de utilidade duvidosa, e que acabam por abarrotar as prateleiras e os balcões do Poder Judiciário.

 

5. Conclusão

 

Critica-se no dia a dia, aos quatro cantos, a morosidade da Justiça, e sua pouca eficiência.

 

Discute-se formas e mais formas para torná-la mais ágil, mais respeitada, e menos onerosa. A Emenda Constitucional nº 45/2004, denominada de “Reforma do Judiciário”, em seu artigo 1º, ao acrescentar ao artigo 5º da Constituição Federal, o inciso LXXVIII, assevera que, “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

 

Embora tal disposição tenha conteúdo vago e subjetivo, certamente por razoável duração do processo, não se deve entender uma causa que tenha a demora entre 5 a 8 anos para ser resolvida, como hoje ocorre.

 

Por fim, dezenas de Projetos de Lei dormem nas gavetas da Câmara dos Deputados e Senado Federal, aguardando mudanças e adequação da legislação processual, com objetivo de dar uma resposta à Sociedade, que dá sinais de desesperança com o Poder Judiciário.

 

No entanto, parece-nos oportuno, como medida efetiva de melhoria da prestação jurisdicional, e consequentemente, o de buscar o desentulhamento do Poder Judiciário, que se dê plena eficácia às normas processuais já existentes, notadamente, às normas que garantem a realização das audiências conciliatórias, em praticamente todos os procedimentos judiciais.

 

Para tanto, basta tratar as audiências de tentativa de conciliação com seriedade, e tratar os jurisdicionados com o devido respeito.

 

Será, ao nosso ver, um ato de cidadania, que em muito contribuirá para o fortalecimento da imagem do Poder Judiciário, perante a Sociedade.

 

*Advogado, Especialista em Direito Processual Civil, Mestrando em direitos difusos e coletivos, Professor Universitário, ministra cursos na ESA – Escola Superior da Advocacia no Estado de São Paulo e Cursos de Atualização Profissional em Cursos Jurídicos, É colaborador com artigos publicados nos Sites Jurídicos www.ultimainstancia.com.br; www.jus.com.br; www.jusvi.com; www.juristas.com.br; www.trinolex.com e www.prolegis.com.br, do qual é coordenador e editor responsável. Tem artigos publicados nas Revistas Consulex, Adcoas e Jurisclick.

Email: prof.clovis@prolegis.com.br

 

 

PEREIRA, Clovis Brasil. A audiência de conciliação, um instrumento pouco ou mal utilizado pelo judiciário. Jus Vigilantibus, Vitória, 26 nov. 2005. Disponível em: <http://jusvi.com/doutrinas_e_pecas/ver/18890 >. Acesso em: 14 set. 2006.