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A Execução Eterna





Mário Gonçalves Júnior*





Por incrível que possa parecer, garantir a execução mediante depósito da quantia executada devidamente atualizada e com juros de mora até a data do efetivo depósito pode não significar o fim do processo de execução. O mesmo pode se dar nas penhoras de contas-correntes.

É que borbulham na jurisprudência dos Tribunais Regionais do Trabalho de todo o país duas teses antagônicas: uma, que considera que a garantia da execução atualizada e com juros de mora até a data do depósito ou da penhora libera o devedor de acréscimos futuros (monetários e moratórios), e uma segunda corrente no sentido de que o devedor continua respondendo por eventuais diferenças havidas após a garantia da execução.

Esse estranho fenômeno só é possível porque as instituições bancárias aplicam índices de correção monetária e taxas de juros inferiores aos praticados pela Justiça do Trabalho para os débitos reconhecidos em sentenças.

Essa discrepância deveria ser resolvida entre o Poder Judiciário e o Banco Central, envolvendo o Poder Legislativo se fosse necessária lei unificando índices, mas o que se tem assistido, paradoxalmente, é que o devedor, na Justiça do Trabalho, paga e, nada obstante, continua devendo, principalmente se discordar da conta de liquidação e utilizar os meios impugnativos necessários ao duplo grau de jurisdição.

Tomando-se, por amostragem e aleatoriamente, decisões de dois Tribunais Regionais do Trabalho - o de São Paulo e o de Minas Gerais - constata-se que há realmente essa divergência de entendimentos jurisprudenciais.

No Tribunal Regional da 2a. Região, por exemplo, a 1a. Turma já decidiu num sentido, enquanto a 4a. e a 10a. Turmas decidiram noutro:

Já no Tribunal Regional da 3a. Região, polarizaram, de um lado, a 2a. Turma, e de outro, a 3a. e a 4a. Turmas. A 5a. Turma, dependendo da composição, julgou nos dois sentidos:

O mais desconfortante, do ponto de vista processual, é que divergências jurisprudenciais entre Turmas de diferentes Tribunais Regionais do Trabalho sobre esse tema não se sujeitam à revisão do C. Tribunal Superior do Trabalho, porque o recurso de revista, em fase de execução, cabe apenas contra violação literal e direta de normas constitucionais (parágrafo 2o. do artigo 896 da CLT), diferentemente do que ocorre com os recursos de revista da fase de conhecimento (alínea "a" do artigo 896 da CLT). Como a Constituição Federal não disciplina quais os índices e taxas aplicáveis às execuções trabalhistas, nem quem deve responder pelas mesmas após a efetivação das garantias de execuções trabalhistas (esses assuntos têm sede infraconstitucional), qualquer alegação de violação do devido processo legal (inciso XXXVI do art. 5o. da CF/88), da legalidade estrita (inciso II, idem) ou qualquer outro princípio constitucional seria meramente reflexa (indireta), ou - simplificando demais -, equivaleria a gritar no deserto.

Essa é uma questão, todavia, que reclama exame da instância máxima da Justiça do Trabalho, porque desafia o próprio princípio da isonomia: uns pagam mais (havendo até a possibilidade de nunca conseguirem pagar até o último centavo da dívida judicial), outros menos, dependendo fundamentalmente de sorte: ter seu agravo de petição distribuído para alguma Turma Regional que considere quitada a dívida com a garantia da execução.

A outra maneira de escapar dessa ciranda seria sacrificando a ampla defesa, suportando mesmo contas de liquidação manifestamente erradas. Se o executado embargar a execução e agravar de petição, ainda que tenha razão e consiga reformar a sentença de liquidação, o tempo médio de demora judicial para exame dessas medidas pode superar o valor do erro da conta impugnada. Em outras palavras: é calar-se ou calar-se!

Isto porque, num esforço incrível de criatividade, para muitos "garantir a execução" (ainda que em valor atualizado e com juros até o dia do depósito) não seria o mesmo que "satisfazer a obrigação", o que só ocorreria quando o dinheiro finalmente se aninhasse no bolso do exeqüente.

Assim, quem quisesse exercer o contraditório, mesmo contra sentenças de liquidação visivelmente equivocadas, não poderia, segundo essa corrente, se beneficiar do artigo 794, I, do CPC, verbis:

"Extingue-se a execução quando:

I - o devedor satisfaz a obrigação".

Quando o sistema jurídico oferecer margem a esquisitices, a palavra de ordem deve ser, das duas, uma: alterá-lo ou interpretá-lo com maior atenção à razoabilidade.



*Demarest & Almeida Advogados. Pós-graduado em Direito Processual Civil e Direito do Trabalho.


Jus Vigilantibus, Vitória. Disponível em: <http://jusvi.com/>. Acesso em: 8 jul. 2006.