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A Execução Eterna
Mário Gonçalves Júnior*
Por incrível que
possa parecer, garantir a execução mediante depósito
da quantia executada devidamente atualizada e com juros de mora até
a data do efetivo depósito pode não significar o fim do
processo de execução. O mesmo pode se dar nas penhoras
de contas-correntes.
É que borbulham na jurisprudência
dos Tribunais Regionais do Trabalho de todo o país duas teses
antagônicas: uma, que considera que a garantia da execução
atualizada e com juros de mora até a data do depósito
ou da penhora libera o devedor de acréscimos futuros
(monetários e moratórios), e uma segunda corrente no
sentido de que o devedor continua respondendo por eventuais
diferenças havidas após a garantia da execução.
Esse estranho fenômeno só é possível
porque as instituições bancárias aplicam índices
de correção monetária e taxas de juros
inferiores aos praticados pela Justiça do Trabalho para os
débitos reconhecidos em sentenças.
Essa
discrepância deveria ser resolvida entre o Poder Judiciário
e o Banco Central, envolvendo o Poder Legislativo se fosse necessária
lei unificando índices, mas o que se tem assistido,
paradoxalmente, é que o devedor, na Justiça do
Trabalho, paga e, nada obstante, continua devendo,
principalmente se discordar da conta de liquidação e
utilizar os meios impugnativos necessários ao duplo grau de
jurisdição.
Tomando-se, por amostragem e
aleatoriamente, decisões de dois Tribunais Regionais do
Trabalho - o de São Paulo e o de Minas Gerais - constata-se
que há realmente essa divergência de entendimentos
jurisprudenciais.
No Tribunal Regional da 2a. Região,
por exemplo, a 1a. Turma já decidiu num sentido, enquanto a
4a. e a 10a. Turmas decidiram noutro:
"Satisfazendo o devedor a
obrigação de pagar o débito reconhecido em
juízo mediante o depósito em instituição
bancária, a atualização monetária e
juros de mora passam a ser computados de acordo com as regras
editadas pelo Banco Central" (processo TRT-2a. Reg. -
19990501680 - AP - 1a. Turma - Ac. 20000248694 - Relator Juiz Plínio
Bolívar de Almeida - Agravante: Banco Bozano Simonsen S/A -
Agravado: Ricardo Macedo Costa - julg. 22/05/00 - publ. DOESP
02/06/00)
"EXECUÇÃO - DEPÓSITO.
Não optando a executada pelo pagamento do débito mas
sim pelo depósito bancário, simplesmente para garantir
o juízo e se utilizar dos recursos legalmente cabíveis
e como em todo esse período o trabalhador não teve seu
crédito, privilegiado ante o caráter alimentício,
efetivamente atualizado pelos índices determinados pelas leis
que regem a atualização dos créditos
trabalhistas, deve a executada responder pelas diferenças
advindas" (processo TRT-2a. Reg. - 02990343789 - AP - 4a. Turma
- Ac. 19990536360 - Relator Juiz Afonso Arthur Neves Baptista -
Agravante: Roberto Xavier Oliveira - Agravado: Banco Sudameris
Brasil S/A - julg. 05/10/99 - publ. DOESP 22/10/99)
"Atualização
de débito - O valor do depósito, efetuado para
garantia do Juízo está sujeito à atualização
até a data do levantamento (data do pagamento) pelo credor,
sendo a diferença apurada em razão de juros e correção
monetária, de total responsabilidade do devedor e não
do banco depositário" (processo TRT/2a. Reg. -
02990253429 - AP - 10a. Turma - Ac. 19990426506 - Relator Juiz
Fernando Feliciano da Silva - Agravante: Erasmo Pedrosa da Silva -
Agravado: Eletropaulo Metropolitana Eletricidade SP S/A - julg.
17/08/99 - publ. DOESP 17/09/99)
"Juros. Cálculo
e incidência. A atualização monetária,
pela sua própria finalidade de recompor o valor real do
débito, há que atentar para que o crédito, em
valores presentes, seja efetivamente fiel à respectiva
expressão econômica.
Se a executada preferiu
efetuar o depósito para simples garantia da dívida,
interpondo diversos recursos, apenas ficou liberada da correção
monetária. Permaneceu, entretanto, devedor de juros
processuais, que na Justiça do Trabalho é de 1%. A
Justiça e o sistema jurídico não podem
prestigiar aquele que não paga no momento devido,
conferindo-lhe vantagem indevida" (processo TRT/2a. Reg. -
02990184915 - AP - 10a. Turma - Ac. 19990426026 - Relatora Juíza
Vera Marta Públio Dias - Agravante: Virgínia Débora
Dias Ribeiro - Agravado: Banco Bandeirantes S/A - julg. 17/08/99 -
publ. DOESP 17/09/99)
Já no Tribunal Regional da 3a. Região, polarizaram, de um lado, a 2a. Turma, e de outro, a 3a. e a 4a. Turmas. A 5a. Turma, dependendo da composição, julgou nos dois sentidos:
"DEPÓSITO
JUDICIAL, ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA. O entendimento
predominante nesta Eg. Turma, em sua composição atual,
ressalvado o ponto de vista desta Relatora, no sentido de que, uma
vez efetuado o depósito judicial do valor principal do
débito, devidamente atualizado, ainda que à disposição
do Juízo, cessa a responsabilidade do executado por
atualizações futuras" (processo TRT/3a. Reg. -
AP/3018/01 (RO/1055/00) - 2a. Turma - Relatora Juíza Alice
Monteiro de Barros - publ. DJMG 27/06/01 pág. 23)
"DEPÓSITO
PARA GARANTIA DA EXECUÇÃO - PAGAMENTO - ATUALIZAÇÃO
DO DÉBITO. Se o depósito feito para garantia da
execução, à disposição do Juízo,
não foi logo liberado em favor do credor, justamente em razão
de recursos interpostos pela reclamada, ora agravante, isto através
de embargos à execução e posterior interposição
de agravo de petição, impossível à
executada querer eximir-se da responsabilidade pelo pagamento de
diferenças decorrentes da atualização
monetária, pois a correção realizada pelo banco
depositário não atende aos padrões legalmente
estabelecidos para a correção dos créditos
trabalhistas" (processo TRT/3a. Reg. - AP/4938/01 (AP 47/98) -
4a. Turma - Relator Juiz Márcio Flávio Salem Vidigal -
publ. DJMG 12/10/01, pág. 09)
"AGRAVO DE
PETIÇÃO. ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA E
JUROS DE MORA. DEPÓSITO PARA GARANTIA DA EXECUÇÃO.
O art. 39, da Lei 8177/91, disciplina a responsabilidade do devedor
pela correção do débito e juros de mora,
determinando sua aplicação ao crédito exeqüendo
no período compreendido entre a data de vencimento da
obrigação e o seu efetivo pagamento. O depósito
levado a efeito pela executada para garantia do juízo não
impede a atualização do débito e acréscimo
dos juros de mora porque não se equipara ao efetivo pagamento
do crédito do reclamante. Uma vez inviabilizada a liberação
do crédito, responde o devedor pelos acréscimos e
acessórios" (processo TRT/3a. Reg. - AP/1599/02
(RO/11008/99) - 4a. Turma - Relator Juiz Júlio Bernardo do
Carmo - publ. DJMG 04/05/02, pág. 10)
"PENHORA
QUE RECAI SOBRE DINHEIRO - ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA
- O simples depósito em dinheiro do valor da condenação
(ou a penhora que sobre ele recai) não implica em quitação
e nem libera o executado do ônus de responder pela atualização
monetária do débito trabalhista (que deve ser
computada até a data do efetivo pagamento, conforme art. 39,
caput, da Lei n. 8177, de 01.03.91). Deve o executado responder pela
diferença entre a correção bancária e o
critério de atualização dos débitos
trabalhistas, que é mais favorável ao trabalhador"
(processo TRT/3a. Reg. - AP/0054/02 (RO/18128/00) - 3a. Turma -
Relatora Juíza Maria José Castro Baptista de Oliveira
- publ. DJMG 09/04/02, pág. 13)
"RESPONSABILIDADE
PELA ATUALIZAÇÃO DO DÉBITO TRABALHISTA APÓS
SEU VENCIMENTO EM JUÍZO. Quando o valor executado é
depositado apenas para garantia da execução, não
cessa a responsabilidade do executado pela sua atualização
monetária e os juros de mora até sua respectiva
liberação" (processo TRT/3a. Reg. - AP/3903/01
(RO/24004/97) - 5a. Turma - Relator Juiz Emerson José Alves
Lage - publ. DJMG 15/09/01, pág. 15)
"EXECUÇÃO
- DEPÓSITO EM GARANTIA. Encontrando-se a execução
garantida pelo depósito em dinheiro, em conta judicial,
rendendo juros e correção monetária, cessa a
obrigação do devedor para com a atualização
do débito, pois o depósito, nesta circunstância,
tem força de pagamento (TRT-AP-2564/96 - Relator Juiz Marcos
Moura Ferreira)" (processo TRT/3a. Reg. - AP/4860/00
(RO/15439/98) - 5a. Turma - Relator Juiz Carlos Alves Pinto - publ.
DJMG 17/02/01, pág. 17)
O mais desconfortante, do ponto de vista processual, é que
divergências jurisprudenciais entre Turmas de diferentes
Tribunais Regionais do Trabalho sobre esse tema não se
sujeitam à revisão do C. Tribunal Superior do Trabalho,
porque o recurso de revista, em fase de execução, cabe
apenas contra violação literal e direta de normas
constitucionais (parágrafo 2o. do artigo 896 da CLT),
diferentemente do que ocorre com os recursos de revista da fase de
conhecimento (alínea "a" do artigo 896 da CLT). Como
a Constituição Federal não disciplina quais os
índices e taxas aplicáveis às execuções
trabalhistas, nem quem deve responder pelas mesmas após a
efetivação das garantias de execuções
trabalhistas (esses assuntos têm sede infraconstitucional),
qualquer alegação de violação do devido
processo legal (inciso XXXVI do art. 5o. da CF/88), da legalidade
estrita (inciso II, idem) ou qualquer outro princípio
constitucional seria meramente reflexa (indireta), ou - simplificando
demais -, equivaleria a gritar no deserto.
Essa é uma
questão, todavia, que reclama exame da instância máxima
da Justiça do Trabalho, porque desafia o próprio
princípio da isonomia: uns pagam mais (havendo até a
possibilidade de nunca conseguirem pagar até o último
centavo da dívida judicial), outros menos, dependendo
fundamentalmente de sorte: ter seu agravo de petição
distribuído para alguma Turma Regional que considere quitada a
dívida com a garantia da execução.
A
outra maneira de escapar dessa ciranda seria sacrificando a ampla
defesa, suportando mesmo contas de liquidação
manifestamente erradas. Se o executado embargar a execução
e agravar de petição, ainda que tenha razão e
consiga reformar a sentença de liquidação, o
tempo médio de demora judicial para exame dessas medidas pode
superar o valor do erro da conta impugnada. Em outras palavras: é
calar-se ou calar-se!
Isto porque, num esforço
incrível de criatividade, para muitos "garantir a
execução" (ainda que em valor atualizado e com
juros até o dia do depósito) não seria o mesmo
que "satisfazer a obrigação", o que só
ocorreria quando o dinheiro finalmente se aninhasse no bolso do
exeqüente.
Assim, quem quisesse exercer o contraditório,
mesmo contra sentenças de liquidação
visivelmente equivocadas, não poderia, segundo essa corrente,
se beneficiar do artigo 794, I, do CPC, verbis:
"Extingue-se a execução quando:
I - o devedor satisfaz a obrigação".
Quando o sistema jurídico oferecer margem a esquisitices, a palavra de ordem deve ser, das duas, uma: alterá-lo ou interpretá-lo com maior atenção à razoabilidade.
*Demarest & Almeida
Advogados. Pós-graduado em Direito Processual Civil e Direito
do Trabalho.
Jus Vigilantibus, Vitória.
Disponível em: <http://jusvi.com/>. Acesso em: 8 jul.
2006.