Auto
de infração da fiscalização do trabalho: novo título executivo extrajudicial
trabalhista
Ricardo Araujo Cozer
*
1)Introdução
Por longo tempo, cristalizou-se o entendimento de que não
era possível a execução de títulos executivos extrajudiciais perante a Justiça
do Trabalho.
Essa conclusão decorria do disposto na redação original do
caput do art. 114 da Constituição da República Federativa do Brasil
(CRFB), que estabelecia competir à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os
litígios originados do cumprimento de suas próprias sentenças.
Este preceptivo também aludia à possibilidade de a Justiça
Especializada Trabalhista apreciar outras controvérsias decorrentes da relação
de trabalho, desde que previstas em lei.
Como inexistia lei que conferisse competência a este ramo
do Poder Judiciário para processar execução direta de títulos executivos
extrajudiciais, restou sedimentada a compreensão da necessariedade do processo
de conhecimento prévio com mira a, somente mediante o proferimento de sentença lato
sensu (sentença ou termo de conciliação judicial), conferir força executiva
àqueles títulos.
A nova redação do art. 876 da CLT – dada pela Lei n.º
9958/2000 – mudou este panorama, ao consignar expressamente que passariam a ser
executados pela Justiça do Trabalho (dispensada, portanto, a etapa do processo
de conhecimento) o termo de compromisso de ajustamento de conduta firmado
perante o Ministério Público do Trabalho e o termo de conciliação celebrado
perante a comissão de conciliação prévia.
Com a conhecida Reforma do Poder Judiciário, parece-me – é
este o objetivo deste sucinto estudo – que mais um título executivo
extrajudicial trabalhista passou a existir: o Auto de Infração lavrado pela
fiscalização do trabalho para aplicar multa em face do descumprimento da
legislação trabalhista.
2) Nova competência da Justiça do Trabalho
Reza a partitura do novel inciso VII do art. 114 da
Constituição Federal:
"Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e
julgar:
...................
VII - as ações relativas às penalidades administrativas
impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de
trabalho;"
Qual é acepção do vocábulo ações inscrito neste
preceito constitucional? Limita-se às ações de conhecimento? Para abarcar as
ações executórias diretas seria preciso inserir também a palavra execuções?
A doutrina especializada pouco enfrenta o assunto. Os
pioneiros que se dispuseram a tanto procederam a uma interpretação restritiva
do preceptivo em pauta, arredando a possibilidade de este ter contemplado a
promoção de ação executória autônoma para a cobrança judicial de multas
aplicadas pela fiscalização do trabalho.
O argumento central residiu exatamente na ausência da
palavra execuções no dispositivo ora enfocado, efetuando-se um
contraponto à redação do inciso VIII do art. 114 da CRFB, o qual prevê
explicitamente a competência da Justiça do Trabalho para executar contribuições
previdenciárias.
Com todo o respeito, essa argumentação não é consistente.
Fundamentemos.
Nosso Texto Maior, ao disciplinar a competência da Justiça
Federal (art. 109), não enuncia expressamente o processamento de títulos
executivos extrajudiciais. Esta parcela de poder-dever estatal encarta-se no
inciso I do aludido art. 109, o qual, bastante genericamente, apregoa competir
aos juízes federais processar e julgar as causas em que a União, entidade
autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de
autoras, rés, assistentes ou opoentes, excetuadas as causas relativas a
falência, acidente do trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do
Trabalho.
Note-se que as partituras dos caputs dos arts. 109
e 114 da CRFB são quase idênticos. Enquanto no art. 109 se assinala que
"Aos juízes federais compete processar e julgar", no art. 114 consta
que "Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar".
Demais disso, comparando-se o inciso I do art. 109 com o
inciso VII do art. 114 da CRFB, verifica-se uma única diferença quanto ao
instrumento processual que provocará a função jurisdicional desses ramos do
Poder Judiciário nacional. Enquanto no primeiro se alude a causas, no
segundo há referência a ações. Essa distinção, entretanto, é inócua,
pois causas e ações são tidas por sinônimos.
Assim, a prevalecer a tese defendida pela doutrina
trabalhista, a Justiça Federal apenas seria competente para processar execuções
diretas de cobranças de multas infligidas pelas fiscalizações federais se o
vocábulo execuções estivesse averbado no inciso I do art. 109 da CRFB.
Como esta competência sempre se inseriu no âmbito da
Justiça Federal, evidencia-se a inconsistência da interpretação restritiva do
inciso VII do art. 114 da CRFB.
3)Fundamento legal para a qualificação do Auto de
Infração da fiscalização do trabalho como título executivo extrajudicial
trabalhista
A competência explícita para a Justiça Federal processar
execuções diretas de cobrança de multas aplicadas pela fiscalização do trabalho
estava radicada tão-somente no art. 642 da CLT. Transcrevamos este dispositivo,
na parte que interessa aos propósitos desta breve dissertação:
"Art. 642 - A cobrança judicial das multas
impostas pelas autoridades administrativas do trabalho obedecerá ao disposto na
legislação aplicável à cobrança da dívida ativa da União..."
De seu turno, a cobrança da dívida ativa da União se
perfaz pelas balizas da Lei n.º 6830/1980 (Lei da Execução Fiscal). O
esquadrinhamento deste diploma legal leva à iniludível conclusão de que a
cobrança em tela se concretiza por execução direta, sendo supérfluo prévio
processo de conhecimento.
Tendo a competência para apreciar este tipo de demanda
sido realocada para o Judiciário Trabalhista, não há razão plausível para se
deixar de aplicar o art. 642 da CLT, o qual complementa o art. 876 celetizado.
4)Conclusão
Conseguintemente, a partir do início de vigência da Emenda
Constitucional n.º 45/2004, além do termo de compromisso de ajustamento de
conduta firmado perante o Ministério Público do Trabalho e do termo de
conciliação celebrado perante a comissão de conciliação prévia, o Auto de
Infração emitido pela fiscalização do trabalho para aplicar multa por
descumprimento da legislação trabalhista também se configura como título
executivo extrajudicial trabalhista.
* Auditor-fiscal da Previdência Social em Olinda
(PE), bacharel em Direito pela UFPE.
Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8581>. Acesso em: 30 jun.
2006.