® BuscaLegis.ccj.ufsc.br
A fragilidade do
processo civil brasileiro
Luiz Guilherme Marques *
No meu entender, os 3 pontos mais importantes que o
Direito Processual Civil brasileiro deve consagrar são:
a) acesso à Justiça;
b) ética no processo;
c) efetividade do processo.
Sem isso, estaremos apenas a teorizar sobre regras e
princípios inócuos e a desenvolver a atividade processual inutilmente, debaixo
das críticas justas dos jurisdicionados, que cobram um serviço qualificado da
Justiça.
Acredito que a teorização do Direito Processual Civil só
tem valor real se faz "concretizar" o Direito material.
E, apesar de reconhecer a autonomia do Direito Processual
Civil como ciência, coloco-o em nível inferior ao Direito material, este último
que é o "fim", enquanto que o outro é apenas o "meio" que é
necessário utilizar-se quando ocorre um litígio e as partes não chegam a um
consenso para a solução amigável desse litígio.
Verifico também que, no nosso país, há uma "inversão
de valores" por se supervalorizar o Processo Civil em detrimento do
Direito material, tanto no ensino jurídico quanto na vida forense, com sérios
prejuízos para os jurisdicionados (que acabam sendo vítimas de verdadeiras
injustiças) e para os operadores do Direito (que se vêem assoberbados de
processos, na sua maioria complexos por causa da própria complexidade das
regras e princípios processuais).
Pretendo falar um pouco de cada um dos 3 ítens.
ACESSO À JUSTIÇA
O acesso à Justiça é direito garantido pela cidadania,
independentemente de ser o cidadão rico ou pobre.
Desnecessário citar dispositivos constitucionais ou leis
de menor graduação, doutrina ou jurisprudência, face à evidência e clareza do
assunto.
No entanto, sabe-se que as Defensorias Públicas,
Escritórios-escola de Faculdades de Direito e advogados que patrocinam
gratuitamente as causas cíveis são em número insuficiente para atendimento aos
jurisdicionados pobres.
Os Juizados Especiais Cíveis procuram corrigir essa
deficiência, mas, por força de lei, só atendem, regra geral, casos em que o
valor da causa não ultrapasse 40 salários mínimos, ficando à margem causas de
valor maior, mesmo que as partes sejam pobres.
Isso é o que se observa quanto aos patronos das partes,
excluídos os casos em que elas próprias não agem em nome próprio, como nos
Juizados Especiais Cíveis quando o valor da causa não é superior a 20 salários
mínimos.
Mas deve-se lembrar também os casos em que se tem de
nomear curador aos citados por edital ou com hora certa, em que advogados
oficiam sem nenhum pagamento de honorários, apenas em consideração ao Juízo.
Esse um segundo ponto.
No entanto, deve-se falar num terceiro, ou seja, os
processos em que seja necessária a realização de perícias. Nesses casos a
dificuldade é muito grande, pois se tem de contar com a boa-vontade de peritos
que contribuam sem nenhuma remuneração igualmente, quando as partes são pobres.
ÉTICA NO PROCESSO
Quem milita no foro vê muitas vezes processos em que uma
das partes é verdadeiro litigante de má-fé e, em não pequeno número de feitos,
ambos os litigantes mereceriam a penalização por litigância de má-fé.
Criou-se e admitiu-se como natural a idéia de que a
"chicana" é arma de uso aceitável nos processos, inclusive nos casos
em que a parte pretende apenas "ganhar tempo".
Dessa forma, eternizam-se os processos, com incidentes
descabidos, recursos procrastinatórios e manobras que fazem com que o
"justo" não prevaleça ou demore a prevalecer.
EFETIVIDADE DO PROCESSO
De nada vale ser vencedor numa demanda sem que o vencedor
"concretize" seu direito face ao vencido.
A mera satisfação moral de uma sentença favorável não é o
suficiente.
O vencedor quer que o vencido cumpra a obrigação ou lhe
paque o equivalente, mas, se este último não faz isso espontaneamente, em
muitos casos fica a obrigação incumprida ou o débito impago.
Pouco se usa de cautelares para garantia efetiva e muito
menos as antecipações da tutela, esta última que ainda assusta muitos dos
nossos operadores do Direito.
Se o processo de conhecimento é cheio de incidentes
supérfluos, a execução não é menos referta de atos realmente desnecessários,
que favorecem o devedor impontual.
No entanto, a gama de recursos é talvez um dos problemas
mais sérios do Processo Civil, em que se instituiu o duplo grau de jurisdição
obrigatório nas causas em que o Estado "lato sensu" é parte, regra
absurda, pois o Estado deve ser tratado no mesmo nível de igualdade dos
cidadãos, dos quais ele é mero mandatário, e, mesmo nos casos em que são partes
os particulares, muitos processos chegar a percorrer até quatro instâncias...
PROPOSTAS DE SOLUÇÕES
Somente, ao meu entender, atacando-se frontalmente esses
três pontos cruciais, poder-se-á acreditar a Justiça frente aos cidadãos
comuns.
Dessa forma, entendo que, quanto:
a) ao acesso à Justiça deveria ser reforçado com:
1) a valorização das Defensorias Públicas, criando-se
novos cargos de Defensores Públicos, pelo menos um em cada Comarca;
2) o pagamento pelo Estado de honorários advocatícios,
mesmo que em valores inferiores aos da tabela da OAB aos advogados que
funcionam como patronos de partes pobres ou como curadores aos revéis ou
citados com hora certa, e pagamento de honorários periciais.
b) à ética no processo:
1) seja exigido da parte que pede gratuidade que demonstre
o "fumus boni iuris" para se evitarem demandas desarrazoadas,
incentivadas pela gratuidade; 2) sempre que se configure alguma das hipóteses
de litigância de má-fé seja a pena aplicada automaticamente, inclusive com a
desconsideração da personalidade jurídica, se for o caso, pena de consagrar-se
a impunidade aos que agem maliciosamente.
c) à efetividade do processo:
1) sejam abolidos recursos quando o valor da causa não
ultrapassar, por exemplo, 20 salários mínimos;
2) termine o regime de opcionalidade dos Juizados
Especiais Cíveis, passando à obrigatoriedade;
3) haja aprimoramento legal e maior investimento no que
pertine Juizados Especiais Cíveis, que cognomino de "o futuro da
Justiça";
4) seja autorizada a desconsideração da personalidade
jurídica em todos os casos em que o patrimônio da pessoa jurídica não seja
suficiente para cobrir o débito;
5) sejam passíveis de penhora, arresto etc. bens de
devedor em caso da chamada "riqueza aparente";
6) seja abolido o duplo grau de jurisdição obrigatório nas
demandas em que é parte o Estado "lato sensu";
7) nos casos de condenação do Estado "lato
sensu", ao invés de precatório, obrigue-se o Estado a pagar o débito como
qualquer outro devedor, sujeito às regras comuns.
Essas constatações e propostas de soluções são o resultado
de pura observação do dia-a-dia do foro e pesquisa no Direito Comparado.
* Juiz de Direito em Juiz de Fora (MG)
Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=774>. Acesso em: 18 mai. 2006.