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Comentários ao novo §
7º do art. 273, do Código de Processo Civil Brasileiro, acrescentado pela Lei
nº 10.444/2002
Bruno Campos Silva *
SUMÁRIO: 1. Introdução - a origem constitucional
das tutelas de urgência 2. Semelhanças e dessemelhanças entre satisfatividade e
cautelaridade 3. A confusão empreendida pelos operadores do processo civil –
Exemplo prático no direito brasileiro: O efetivo instrumento a ser utilizado
para se sustar (obstar) protesto indevido de título 4. A mitigação advinda da
atual reforma pontual processual e a fungibilidade de pedidos 5. Conclusão 6.
Referência Bibliográfica.
1. Introdução – a origem constitucional das
tutelas de urgência
As tutelas de urgência, no âmbito do processo civil
brasileiro moderno, dentre elas, a tutela antecipada e a tutela
cautelar, deitam raízes no preceituado no artigo 5º, XXXV, da Constituição
Federal Brasileira de 1.988.
A Carta Magna brasileira traz em sua estrutura, normas de
aplicabilidade imediata, argumentum ex art. 5º, § 1º, como a que prevê a
inafastabilidade do controle jurisdicional. Tais normas prescindem de norma
regulamentadora, vez que dotadas de eficácia plena ou absoluta.
Encontra-se inserto no artigo do texto constitucional
acima mencionado, o seguinte preceito: "Art. 5º Todos são iguais perante a
lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade,
à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XXXV – a
lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a
direito;"
Tal preceito constitucional afirma o direito de ‘acesso à
ordem jurídica justa’, expressão essa, muito bem empregada pelo ilustre Prof.
Kazuo Watanabe.
Continua o ilustre jurista: "Um dos dados elementares
do princípio da proteção judiciária com semelhante alcance é a preordenação dos
instrumentos processuais capazes de promover a efetiva, adequada e
tempestiva tutela dos direitos." (1)
Quando do texto constitucional dimana que a lei não
excluirá da apreciação do Poder Judiciário, lesão ou ameaça a direito, está se
afirmando garantias inerentes a um justo e efetivo instrumento que seja
adequado à tutela de pretensões postas em Juízo.
Disso, depreende-se que, tanto a lesão como a ameaça a
direito, qualquer uma das duas situações deve ser apreciada pelo Poder
Judiciário, por meio de instrumentos processuais adequados, principalmente, se
se tratar de iminente urgência, onde o atrofiamento temporal torna-se
imprescindível.
Filtrando-se garantias emanadas do texto constitucional,
pode-se constatar que as tutelas de urgência encontram-se, por via
oblíqua, garantidas, sob pena de consagrar a tutela "tardia e
ineficiente", de acordo com o entendimento do Prof. Luiz Fux. (2)
As tutelas de urgência são corolários da aplicação
do devido processo legal (substantivo ou procedimental), que possibilita a
perfeita adequação entre o processo e o procedimento à necessária proteção à
viabilização ou à realização do direito material das partes. Quanto ao devido
processo legal, consultar a primorosa obra do ilustre jurista Paulo Fernando
Silveira (3), onde aduz que "o devido processo procedimental é, de longe,
o mais utilizado pelos advogados em defesa de liberdades básicas de seus
clientes, mesmo na América."
Assim, impende esclarecer que a necessidade de se tutelar
com urgência direitos consubstancia-se, antes de mais nada, num dever
constitucional (consectário da garantia constitucional do acesso à Justiça) e
não apenas uma mera faculdade como quis o legislador quando da recente reforma
processual civil brasileira.
2. Semelhanças e dessemelhanças entre
satisfatividade e cautelaridade.
A principal semelhança entre satisfatividade e cautelaridade
é que ambas fazem parte de um mesmo gênero, qual seja, tutelas de urgência.
São características dependentes de um mesmo fator, o tempo.
Para
o Prof. Marinoni (4): "A técnica antecipatória visa apenas a distribuir o
ônus do tempo do processo. É preciso que os operadores do direito compreendam a
importância do novo instituto e o usem de forma adequada. Não há motivos para
timidez no uso da tutela antecipatória, pois o remédio surgiu para eliminar um
mal que já está instalado, uma vez que o tempo do processo sempre prejudicou o
autor que tem razão. É necessário que o juiz compreenda que não pode haver
efetividade sem riscos. A tutela antecipatória permite perceber que não só a
ação (o agir, a antecipação) que pode causar prejuízo, mas também a omissão. O
juiz que se omite é tão nocivo quanto o juiz que julga mal. Prudência e
equilíbrio não se confundem com medo, e a lentidão da justiça exige que o juiz
deixe de lado o comodismo do antigo procedimento ordinário – no qual alguns
imaginam que ele não erra – para assumir as responsabilidades de um novo juiz,
de um juiz que trata do ‘novos direitos’ e que também tem que entender – para
cumprir a sua função sem deixar de lado a sua responsabilidade social – que as
novas situações carentes de tutela não podem, em casos não raros, suportar o
mesmo tempo que era gasto para a realização dos direitos de sessenta anos
atrás, época em que foi publicada a célebre obra de CALAMANDREI, sistematizando
as providências cautelares."
Mister se faz necessário distinguir a tutela cautelar
da tutela antecipada. Convém, ainda, ressaltar que a provisoriedade,
isto é, o fato de a "decisão" ser dotada de cognição sumária não é
nota que possa servir para essa distinção, opinião do Prof. Luiz Guilherme
Marinoni, com a qual comungamos.
De acordo com o insigne processualista: "A tutela
cautelar não pode satisfazer, ainda que provisoriamente, o direito acautelado,
não pode assumir uma conotação que desnature a sua função, pois, de outra
forma, restará como simples tutela de cognição sumária, ou, como bem advertem
SATTA e VERDE, ‘il provvedimento urgente in urgenza di provvedimento’."
(5)
A doutrina que não consegue perceber a distinção entre a
tutela antecipatória e a tutela cautelar não apenas finge desconhecer a realidade
normativa brasileira, que trata especificamente da tutela antecipatória no art.
273 do CPC, como também submete-se, de forma inexplicável, aos conceitos
elaborados pela doutrina italiana mais antiga, que, justamente porque vivia sob
a égide de uma outra realidade normativa, marcada sobretudo pelo princípio da nulla
executio sine titulo, era compelida a atribuir natureza cautelar a toda e
qualquer tutela que fosse concedida antes do término do processo de
conhecimento. Essa a perfeita explicação do Prof. Marinoni. (6)
Para essa doutrina, quando não houvesse a possibilidade de
se declarar ou de se executar o direito (processos de conhecimento e de
execução), a tutela somente poderia assegurar a efetividade da tutela do
direito material afirmado pelo autor, ou seja, ser cautelar, pois era
inconcebível que se permitisse a realização de um direito antes que fosse
conferida às partes ampla participação em contraditório ou, o que é o mesmo,
antes de o juiz ter encontrado a "verdade".
A inefetividade do antigo procedimento ordinário
transformou o art. 798 do CPC em autêntica "válvula de escape" para a
prestação da tutela jurisdicional tempestiva. De fato, a tutela cautelar
transformou-se em técnica de sumarização do processo de conhecimento e, em última
análise, em remédio contra a ineficiência do velho procedimento ordinário,
viabilizando a obtenção antecipada da tutela que somente poderia ser concedida
ao final. Esse é o entendimento do Prof. Luiz Guilherme Marinoni (7), com o
qual comungamos.
Continua o ilustre processualista: "A tutela que
realiza o direito material afirmado pelo autor (dita satisfativa), ainda que
com base em cognição sumária, não pode ser definida como cautelar. É importante
observar que o caráter da ‘satisfatividade’ da tutela jurisdicional nada tem a
ver com a formação da coisa julgada material. A tutela que satisfaz
antecipadamente o direito material, ainda que sem produzir coisa julgada
material, evidentemente não é uma tutela que pode ser definida a partir da
característica da instrumentalidade. No plano do direito material, a tutela
antecipatória dá ao autor tudo aquilo que ele esperaria obter através do
processo de conhecimento." (8)
Note-se que mesmo na Itália, onde a tutela antecipatória
contra o periculum in mora encontra fundamento no próprio art. 700 do
CPC (que é a base normativa da tutela cautelar inominada), não são poucas as
advertências para o equívoco de se pensar "cautelar" a tutela que
satisfaz antecipadamente o direito material. Esse o escorreito posicionamento do
Prof. Luiz Guilherme Marinoni, op. cit.
Giovani Verde (9), em passagem que bem expressa a
necessidade de uma elaboração legislativa e dogmática capaz de conferir os
devidos contornos às tutelas de cognição sumária, afirma que "seria sinal
de escassa honestidade intelectual ou, mesmo, de ingenuidade não escusável,
pensar que o pagamento que satisfaz um crédito alimentar, ainda que fundado em
um provimento cautelar, não implique satisfação do direito de crédito, mas
sirva apenas para acautelá-lo". (citado pelo ilustre processualista
paranaense)
Em relação à questão da satisfatividade no processo
cautelar existem duas correntes doutrinárias.
Segundo a corrente mais liberal, estaria reservada à
tutela cautelar a conservação de bens ou pessoas (um estado de fato) ou, ainda,
consistiria na antecipação de efeitos práticos (fáticos) pretendidos na tutela
jurisdicional reclamada, com o intuito de que, quando este seja definitivamente
entregue, possa ser efetivo, entendida esta efetividade sob o ponto de vista da
utilidade jurídica e prática do provimento. (entendimento do Prof. Marcelo
Abelha Rodrigues, in Elementos de Direito Processual Civil, vol. 2)
Continua o ilustre processualista: "Para a corrente
mais tradicional e consentânea com a distribuição sistemática do nosso Código,
esses últimos provimentos, por não possuírem natureza meramente conservativa, e
mesmo que sejam dados em função do risco de ineficácia do provimento por causa
da demora do processo, não seriam cautelares, mas simplesmente tutela sumária
antecipada. Comungamos com a corrente mais tradicional."
Para o Prof. Milton Paulo de Carvalho, as medidas
cautelares deveriam permear todo o processo, entendimento esse que deve
prevalecer e com o qual perfilhamos.
A recente Lei n. 10.444/02 trouxe profundas modificações
no que tange à tutela cautelar. Existem doutrinadores que cogitam em
possível revogação do Livro III do CPC. O parágrafo 7º do art. 273,
acrescentado pela lex mencionada, "prevê que se o autor, a título
de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o
juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar
em caráter incidental do processo ajuizado. Nesse caso, o juiz não agirá ex
officio dependendo de providência a ser requerida pelo autor, que deverá
ter natureza cautelar. Presentes os pressupostos para o deferimento o juiz
poderá (não deverá) conceder a medida pleiteada de forma incidental do feito já
ajuizado, pressupondo-se assim a existência de processo em andamento."
Esse é o entendimento do Prof. João Roberto Parizatto (10).
Em que pese a opinião do ilustre jurista, entendemos de
forma diferente, no sentido de que, presentes os requisitos essenciais o juiz
deverá aplicar o princípio da fungibilidade de pedidos, levando-se em
consideração o preceito constitucional do acesso à ordem jurídica justa.
Conclui-se, portanto, que com a reforma processual
pontual, a confusão entre cautelaridade e satisfatividade
aumentará ainda mais.
Na realidade, com o advento da recente reforma
processual civil brasileira, permitiu-se a fungibilidade entre satisfatividade
e cautelaridade, desde que respeitados os requisitos de uma e de outra.
Não se pode confundir, entretanto, a realização de um
direito com a simples proteção do mesmo desprovida de atos executórios. A cautelaridade
é direcionada ao processo dito principal enquanto que a característica da satisfatividade
à realização do direito substantivo.
Em que pesem as respeitáveis opiniões contrárias, seria
tamanho contra-senso falar em ‘cautelares satisfativas’ e, como ensina o
Prof. Nelson Nery Junior, seria uma verdadeira "contradictio in
terminis".
Eis o lúcido entendimento dos Profs. Nelson Nery Junior e
Rosa Maria de Andrade Nery (11): "(...) É tutela satisfativa no plano dos
fatos, já que realiza o direito, dando ao requerente o bem da vida por ele
pretendido com a ação de conhecimento. No mesmo sentido: Ovídio Baptista, Curso,
v. I, n.5.7.2, p. 136. Com a instituição da tutela antecipatória dos efeitos da
sentença de mérito no direito brasileiro, de forma ampla, não há mais razão
para que seja utilizado o expediente das impropriamente denominadas ‘cautelares
satisfativas’, que constitui em si uma contradictio in terminis, pois as
cautelares não satisfazem: se a medida é satisfativa, é porque, ipso facto,
não é cautelar. É espécie do gênero tutelas diferenciadas."
Já para o eminente Prof. Alcides Munhoz da Cunha, existe
um ponto nebuloso entre satisfatividade e cautelaridade.
Assevera o seguinte: "Essas divergências, atuais, na
fase da consolidação das reformas, que decorrem de incertezas conceituais e
sistêmicas e constituem uma tentativa louvável de se esclarecer ou elucidar a
questão, indiretamente também contribuem para acentuar as perplexidades e gerar
confusão. E a situação se agrava em face da tendência no sentido de tornar
incomunicáveis as tutelas cautelar e antecipatória em qualquer situação, seja
por uma suposta incompatibilidade técnica, seja por uma incompatibilidade
funcional supostamente constante. A suposição de que são invariavelmente
inconciliáveis os conteúdos ou as técnicas entre tutela cautelar e tutela
antecipatória sumária não convence." (12)
Essa questão da incomunicabilidade mencionada pelo ilustre
processualista, encontra-se, hoje, mitigada, ex vi art. 273, § 7º, do
Código de Processo Civil Brasileiro.
Vejam os exemplos extraídos da excelente doutrina do
processualista suso mencionado: "Tome-se por exemplo o que ocorre com os
alimentos provisórios e provisionais. Os alimentos provisórios, diz-se,
destinam-se a satisfazer antecipadamente o direito a alimentos decorrentes dos
deveres de assistência nas questões de família e nas obrigações decorrentes de
atos ilícitos, não assumindo natureza cautelar quando não decorrem de uma
necessidade emergencial, tanto que a própria lei de alimentos prevê que o
alimentando pode dispensar a fixação dos alimentos provisórios, antecipatórios
que, sabidamente, diferem dos alimentos provisionais, porque esses visam
atender situações emergenciais, não dispensando a alegação de perigo de dano
irreparável. Lá de cognição sumária de direito presumido, cá de natureza
cautelar. A par disso admite-se a fungibilidade de técnicas." (13)
É correto acrescentar, ainda, o posicionamento do Prof.
Luiz Fux que "a doutrina de Calamandrei não entrevê a diferença entre
cautela e as demais formas pela satisfatividade, traço inegavelmente
distintivo, até porque falar em cautelares-satisfativas encerra verdadeira contradictio,
tal como encerraria falar em ‘legalidade antijurídica’. Com razão, assim,
Ovídio Baptista, que prefere à provisoriedade a ‘temporariedade’, até porque,
por vezes e enquanto idôneo, o provimento cautelar sobrevive à providência
principal e seu ciclo vital ultrapassa aquele, mantendo-se íntegro até que
desapareça a necessidade de sua manutenção. Ademais, essa correspondência
qualitativa inexiste, podendo ser aliud ou minus, conforme Fritz
Baur, Tutela jurídica mediante medidas cautelares, 1985, p. 40."
(14)
A satisfatividade e a cautelaridade são
faces de um mesmo problema, entretanto, com vestes diferenciadas.
3. A confusão empreendida pelos operadores do
processo civil – Exemplo prático no direito brasileiro – O efetivo instrumento
a ser utilizado para se sustar (obstar) protesto indevido de título.
Tem-se utilizado, na práxis forense, ações cautelares
inominadas preparatórias, a fim de se obstar protesto de título de crédito.
Pontifica o Prof. Athos Gusmão Carneiro: (15) "No CPC
de 1973, à falta de previsão legal específica, as medidas ‘satisfativas’ de
urgência, a maior parte delas surgidas sob o impacto das novas realidades
sociais e econômica do país, se foram inserindo no dia-a-dia das realidades
forenses debaixo do amplo manto de ‘cautelares inominadas’, ou de ‘cautelares
satisfativas’."
E, ainda: "Sálvio de Figueiredo Teixeira, Ministro do
Superior Tribunal de Justiça e presidente da Comissão de Reforma do CPC, disse
com precisão que um dos pontos mais criticáveis do Código vigente – ‘não
obstante sua aprimorada técnica e seu belo perfil arquitetônico’ –
localizava-se exatamente ‘na utilização anômala do processo cautelar,
notadamente da cautelar inominada, como técnica de sumarização para suprir a
ineficiência do procedimento ordinário e obter a almejada tutela de
urgência’." (16)
O que se tem feito até o presente momento? Operadores do
direito (advogados) desavisados e, o que é pior, descompromissados com o
aperfeiçoamento da ciência processual, ingressam em juízo com cautelares
inominadas pleiteando liminares para obtenção de medida urgente,
fulcrada em cognição sumária.
Quando, por exemplo, pretende-se a sustação do protesto
como efeito da obtenção da anulação do título, na verdade, não há para a parte
o risco de lesão causado pela demora do processo, embora não se duvide do
caráter de urgência da medida, e, menos ainda, que a utilização do processo,
demorado ou não, perpetuará a situação de risco de dano já existente.
Percebe-se, in casu, que o risco de dano não foi causado pela demora do
processo, senão porque já existia desde que o título teria sido levado
indevidamente a protesto. Raciocínio empreendido pelo ilustre Prof. Marcelo
Abelha Rodrigues (17).
Na realidade, quando o magistrado decide, em caráter
temporário, sustar/suspender o protesto de um título de crédito,
viabilizado por meio de liminar em sede de cautelar inominada preparatória de
uma futura ação declaratória de inexigibilidade de título, ele, com certeza,
adentra ao meritum causae, não se limitando a uma análise
perfunctória da situação.
Assim, pode-se afirmar que a sustação de protesto de
título será efetivamente viabilizada por meio de um pedido de tutela
antecipada no bojo de uma ação declaratória de inexigibilidade de título,
vez que sustando-se o protesto do título, estar-se-á realizando o direito
material e não apenas resguardando a viabilização de tal direito.
Existem doutrinadores que aduzem à possibilidade de se
estar manejando ação inibitória/preventiva, embasada no art. 5º, XXXV,
da Constituição Federal Brasileira combinado com o art. 461, do Código de
Processo Civil Brasileiro, inclusive com pedido de tutela inibitória
antecipada.
Defendemos, dentro da técnica adequada, a utilização de
uma ação declaratória de inexigibilidade de título cumulada com pedido de tutela
antecipada a ser concedida liminarmente, a fim de obstar protesto indevido
de título, eis que o posicionamento acima referido ainda não se encontra
assimilado pelos operadores do direito (advogados, juízes, promotores,
procuradores etc.).
Entretanto, nos rendemos à cristalina opinião do Prof.
Kazuo Watanabe, que aludindo à prática forense pontificou o seguinte:
"Temos notícia de que alguns juízes estão indeferindo a ação cautelar
inominada sob o argumento de que foi ela substituída pela tutela antecipatória.
Semelhante entendimento, mormente em casos de sustação de protesto, em que o
cliente procura o advogado poucas horas antes do término do prazo útil para a
postulação da tutela judicial, torna absolutamente impraticável o ajuizamento
de uma ação de conhecimento de forma adequada, por não dispor o advogado de
todos os elementos e meios de prova a ela correspondentes. Não admitir, em
situações assim, que seja aforada a ação cautelar inominada, ao invés da ação
de conhecimento com pedido de tutela antecipatória, será ofender o princípio da
proteção judiciária que assegura, como acima anotado, acesso à Justiça para a
obtenção de tutela que seja efetiva, adequada e tempestiva." (18)
4. A mitigação advinda da atual reforma pontual
processual e a fungibilidade de pedidos.
Hoje, com a atual reforma processual advinda da Lei n.
10.444/02, pode-se afirmar que ocorrera uma certa mitigação entre satisfatividade
e cautelaridade, sem, entretanto, confundir-se os requisitos essenciais
que as viabilizam.
A redação do novo § 7º do artigo 273, do Código de
Processo Civil Brasileiro é a seguinte: "Se o autor, a título de
antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o
juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar
em caráter incidental do processo ajuizado."
O Prof. Cândido Rangel Dinamarco (19) com a acuidade que
lhe é peculiar, afirma que se possibilitou verdadeira fungibilidade entre
pedidos cautelar e antecipatório.
Imperioso deixar claro, que o autor não deverá sofrer os
rigores de uma inapropriada utilização da técnica processual, ou seja,
irrelevante será se o mesmo tiver proposto cautelar incidental ou tenha pedido
antecipação da tutela, se fizer jus ao adiantamento de seu direito, o
magistrado deverá aplicar o princípio da fungibilidade, afastando-se da
faculdade indicada pela norma processual.
Se presentes os requisitos da tutela de urgência,
seja ela cautelar ou antecipada, o juiz deverá concedê-la.
Quanto às hipóteses de fungibilidade de pedidos,
convém antes delinearmos os requisitos necessários à concessão da tutela de
urgência.
Em se tratando de tutela cautelar, os requisitos
são o ‘fumus boni iuris’ e o ‘periculum in mora’. O primeiro
indica aparência de um bom direito, ou seja, a plausibilidade do
direito da parte que conduz a um juízo de certeza, como bem elucida o Prof.
Ovídio A. Baptista da Silva. O segundo refere-se à temporariedade e
indica perigo da demora, ou seja, uma determinada situação de perigo à
viabilização da pretensão da parte. Por isso, pode-se dizer que a tutela
cautelar familiariza-se com o processo e não com a realização do direito material.
Há autores que qualificam o processo cautelar como
sendo o instrumento do instrumento, conforme preconizou Calamandrei.
Diverge de tal entendimento o ilustre processualista gaúcho Ovídio Baptista.
Se tomarmos por base o entendimento de que a tutela
cautelar não satisfaz, podemos, então, afirmar que o processo cautelar
é um instrumento do instrumento, ou como bem adjetivou o Prof. Luiz Fux,
"um instrumento ao quadrado". (20)
De outro norte, a tutela antecipada vem carregada
de requisitos mais rígidos do que os exigidos para a obtenção da tutela
cautelar, quais sejam, ‘a prova inequívoca que leva à verossimilhança dos
fatos alegados pela parte’, ‘fundado receio de dano irreparável ou de difícil
reparação’, ou ‘caracterização do abuso de direito de defesa ou o manifesto
propósito protelatório da parte’, esse último requisito refoge ao estudo
entabulado no presente trabalho, vez que não se trata de tutela de urgência,
como bem delineou o Prof. Arruda Alvim (21).
A prova inequívoca seria a certeza quanto ao
direito a ser realizado e não uma mera probabilidade que permeia o fumus
boni iuris, um dos requisitos caracterizadores da tutela cautelar.
A verossimilhança seria, grosso modo, concernente a um juízo de
veracidade.
Pode-se depreender que o segundo requisito remete ao
preceito constitucional previsto no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal
Brasileira de 1988, como dito alhures.
Depois, de traçados perfunctoriamente os requisitos
essenciais à concessão de ambas as tutelas, delineados por conceitos vagos,
consoante os ensinamentos do Prof. Barbosa Moreira, tratar-se-á, a seguir, das
hipóteses de fungibilidade de pedidos antecipatório e cautelar e vice-versa.
A Lei n. 10.444/02, ao acrescentar o § 7º no art. 273, do
Código de Processo Civil Brasileiro, previu a possibilidade de conversão de um
pedido em outro.
As hipóteses de fungibilidade de pedidos são as
seguintes: a) pedido de antecipação de tutela em pedido de natureza
cautelar; e b) pedido de natureza cautelar de caráter incidental em pedido
de tutela antecipada.
Quanto à primeira hipótese, caso a parte formule pedido
de antecipação de tutela e se se constatar natureza cautelar no
pedido formulado, o juiz deverá lançar mão do princípio da fungibilidade de
pedidos e empreender a conversão, adequando um pedido no outro. E desde que
presentes os requisitos essenciais ao pedido de natureza cautelar (fumus
boni iuris e periculum in mora).
A recíproca também é verdadeira e reflete a segunda
hipótese, em que a parte formula pedido de natureza cautelar de caráter
incidental e, in casu, trata-se de pedido de tutela antecipada.
Esses casos ocorrem quando evidenciadas as impropriamente propaladas ‘cautelares
satisfativas’. Se presentes os requisitos essenciais da tutela antecipada,
o juiz deverá promover a conversão. Nesse aspecto deverá tomar cuidado
redobrado, eis que os requisitos para a concessão da tutela antecipada são
mais expressivos que os presentes na tutela cautelar.
Convém analisarmos, por exemplo, os casos em que as partes
utilizam-se de ações cautelares inominadas preparatórias, a fim de obstar
protesto indevido de títulos de crédito. Nesse caso, o juiz deverá aplicar o princípio
da fungibilidade, caso entenda ser pedido de tutela antecipada? Caso
o magistrado não consiga vislumbrar os requisitos essenciais à conversão, o que
fazer?
Em casos de urgência, onde, de acordo com o Prof. Kazuo
Watanabe, o advogado não possua condições e elementos para postular
adequadamente a tutela de urgência (devido à escassez temporal), o
magistrado deverá deferir in limine o pedido de natureza cautelar
de sustação de protesto indevido de título de crédito, desde que presentes os
requisitos essenciais à tutela cautelar, mesmo não conseguindo
vislumbrar os requisitos essenciais à tutela antecipada para empreender
uma possível conversão de pedidos, e, desde que respeitados os respectivos
procedimentos. Isso, em consonância ao lúcido entendimento do Prof. Cândido
Rangel Dinamarco, de que o processo civil moderno deverá ser tido como um processo
civil de resultados para ambas as partes.
De lege ferenda, propõe-se a realização de uma
audiência, logo após a concessão da liminar em sede de ação cautelar inominada
preparatória, para se constatar a presença dos requisitos da tutela
antecipada, aplicando, destarte, o princípio da fungibilidade de pedidos,
convertendo o pedido de natureza cautelar em pedido de tutela
antecipada, respeitando-se, para tanto, os respectivos procedimentos e os
regramentos constitucionais do contraditório e da ampla defesa, corolários de
um devido processo constitucional.
5. Conclusão
1 – As tutelas de urgência, no Brasil, são
provenientes da garantia constitucional inserta no art. 5º, XXXV, onde
consta preceituado o amplo e efetivo acesso à ordem jurídica justa.
2 - Hoje, faz-se imprescindível a perfeita compreensão das
características dimanadas das tutelas de urgência, quais sejam, satisfatividade
e cautelaridade, a fim de se evitar o uso indiscriminado e anômalo de tutelas
cautelares com natureza satisfativa.
3 - A principal diferença entre uma característica e outra
é que em uma, no caso, a satisfatividade, ocorre a realização de um
direito material enquanto que na cautelaridade ocorre, tão-somente, a
proteção à viabilização de um direito material instrumentalizado num processo
dito principal, seja ele cognitivo ou executivo.
4 - A confusão em relação à presença das características
é, ainda, marcante. No caso, p. ex., do pedido de sustação de protesto indevido
de título de crédito, tem-se verdadeira satisfatividade, entretanto, os
operadores do direito (advogados) insistem em manejar ação cautelar inominada
preparatória.
5 – Na realidade, a prática, realmente, distancia-se da
técnica, vez que em casos de exíguo lapso temporal, os advogados não possuem
condições técnicas de postular a adequada tutela jurisdicional, portanto,
nesses casos, totalmente viável a aplicação do princípio da fungibilidade de
pedidos cautelar e antecipatório.
6 – A recente reforma processual brasileira, trouxe
inovações quanto à aplicação do princípio da fungibilidade de pedidos.
7 - Com efeito, imprimiu-se ao magistrado o dever
constitucional de promover a conversão entre pedidos antecipatório e
cautelar e vice-versa, com as devidas ressalvas quanto à presença dos
requisitos essenciais de cada pedido, evitando-se, assim, sua inviabilização,
principalmente, em se tratando de conversão entre pedido de tutela
antecipada e pedido de natureza cautelar em sede de ação cautelar inominada
preparatória.
8 – Diante da impossibilidade de se vislumbrar, ab
initio, os requisitos da tutela antecipada, o juiz deverá em
homenagem ao amplo e efetivo acesso à ordem jurídica justa, deferir
liminarmente a pretensão cautelar, para, após, realizar uma audiência
que lhe dê condições de constatar a presença de tais requisitos,
possibilitando, destarte, a conversão entre os pedidos, respeitando-se,
entretanto, os respectivos procedimentos e o devido processo constitucional.
NOTAS
1. “Tutela Antecipatória e Tutela Específica das
Obrigações de Fazer e Não Fazer – arts. 273 e 461, CPC”, Revista de Direito do
Consumidor, v. 19, p. 77.
2. Tutela de Segurança e Tutela da Evidência (Fundamentos
da tutela antecipada), SP: Saraiva, 1996, p. 50.
3. Devido Processo Legal – Due Process of Law, Minas
Gerais: Del Rey, 1996, p. 79.
4. Manual do Processo de Conhecimento, SP: RT, 2001, p.
211.
5. Op.
cit., p. 212.
6. Op.
cit., p. 211.
7. Op.
cit., p. 210.
8. Op.
cit., p. 210.
9.
“L’attuazione della tutela d’urgenza”. La tutela d’urgenza. Rimini:
Maggioli Editore, 1985, p. 92.
10. Novas Alterações do CPC 2002, SP: Edipa, 2002, ps. 6 e
7.
11. Código de Processo Civil Comentado e legislação
processual civil extravagante em vigor, Adendo à 6ª ed., SP: RT, 2002, págs. 9
e 10.
12. Comentários ao Código de Processo Civil, SP: RT, vol.
11, 2001, p. 48.
13. Op. cit, págs. 48 e 49.
14. Tutela de Segurança e Tutela de Evidência (Fundamentos
da tutela antecipada), SP: Saraiva, 1996, p. 22.
15. Da Antecipação de Tutela, 3ª ed., RJ: Forense, 2002,
p. 8
16. Op.
cit., p. 8.
17. Elementos de Direito Processual Civil, SP: RT, vol. 2,
2000.
18. “Tutela Antecipatória e Tutela Específica das
Obrigações de Fazer e Não Fazer – arts. 273 e 461, CPC”, Revista de Direito do
Consumidor, v. 19, p. 93.
19. A Reforma da Reforma, 2ª ed., SP: Malheiros, 2002.
20. Tutela de Segurança e Tutela de Evidência (Fundamentos
da tutela antecipada), SP: Saraiva, 1996, p. 44.
21. Manual de Direito Processual Civil, 7ª ed., vol. 2,
2001.
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* advogado em
São Paulo e Minas Gerais, pós-graduando em Direito Processual Civil pelo Centro
de Extensão Universitária (CEU)
Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3392>. Acesso em: 18 mai. 2006.