® BuscaLegis.ccj.ufsc.br

 

 

 

A Lei 11.187/2005 e a necessidade de exclusão do agravo de instrumento do processo civil brasileiro

 

 

Fernando dos Santos Wilges*

 

 

 

 

INTRODUÇÃO

 

            Discute-se muito acerca da questionável efetividade do processo civil, tal como está atualmente posto. Com efeito, a busca pela entrega do direito material buscado pela via estatal, em detrimento da selvagem autotutela privada, adentra caminhos infindáveis que muitas vezes culminam na ineficácia do Estado-Juiz e na conclusão de que a velha justiça de mãos próprias é o instrumento fundamental da arte de dar a cada um o que é seu.

 

            O legislador e a sociedade são conhecedores de tal problema, razão pela qual o Código de Processo Civil já está passando por gradativas reformas, como a observada pela Lei n° 11.187/2005. Entretanto, alteração das mais felizes será aquela que banirá de vez a figura do agravo de instrumento das decisões interlocutórias.

 

            O presente trabalho busca demonstrar a origem, histórico, natureza jurídica, a finalidade, abrangência e rito de referido recurso para, após criticá-lo, apresentar proposta que de um lado não agrida o artigo 5°, LV da Constituição Federal e de outro auxilie a disseminar a litigiosidade contida do cidadão que, por não crer no Poder Judiciário em face da demora na entrega da tutela jurisdicional, se vale do revólver e do pedaço de pau para buscar os seus direitos. Tudo isso sem olvidar os princípios que regem o processo civil.

 

 

--------------------------------------------------------------------------------

 

ORIGEM E HISTÓRICO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO

 

            Carlos Silveira Noronha (apud LENZI, 2005) escreve:

 

            A origem da expressão reside na língua mater de quase todos os ordenamentos jurídicos da família romano-germânica, a língua latina. Em tal sede tem a sua primitiva fonte, etimologicamente ligado ao verbo gravare em sua concepção clássica, ou aggraviare ou graviare, do latim vulgar, donde emergem o adjetivo biforme gravis, grave e o substantivo gravamem, que na língua vernácula significa gravame, dano, carga, peso, opressão, pena, sucumbimento.

 

            Bueno de Camargo (2004) escreve que o agravo de instrumento originou-se em Portugal. No início da monarquia portuguesa, instituiu-se a apelação, por meio da qual se impugnavam as sentenças definitivas e interlocutórias. Contudo, cita Moacyr Amaral Santos (apud BUENO DE CAMARGO, 2004) que:

 

            [...] sentenças definitivas havia, e não poucas – quais as dos corregedores da Corte, dos juízes das Índias, dos juízes dos alemães, dos ingleses, dos franceses, dos espanhóis, dos italianos, dos conservadores da Universidade de Coimbra, bem como as do rei, o qual, atendendo às querimas, ou querimonias, ainda em uso, decidia em grau de recurso oposto contra as sentenças dos juízes locais – que eram inapeláveis. Os inconformados com decisões inapeláveis se dirigiam à Corte, implorando-lhe reparação da injustiça e isso tão freqüente se tornou que se estabeleceu a praxe de admitir-se o agravo ordinário, com a finalidade da supplicatio romana, e por meio da qual os vencidos reclamavam à Casa da Suplicação a reforma daquelas decisões. Desde então distinguiam-se os dois recursos: apelação, interponível contra a generalidade de sentenças definitivas ou interlocutórias; agravo ordinário, admitido nos casos previstos em lei.

 

            Anota Lenzi (2005) que o agravo de instrumento aparece definido e estruturado nas Ordenações Afonsinas, tendo sido simplificado nas Ordenações Manuelinas. Nestas últimas Ordenações o recurso seguia um pressuposto de admissibilidade de ordem territorial, já que era interponível apenas "nos casos em que o juízo do recorrido ficasse à distância não superior a cinco léguas do juízo do recurso, situado na capital do Reino". Foi criado, então, o agravo de petição, com a mesma finalidade que, segundo Lenzi (2005):

 

            [...] se processava e seguia nos próprios autos onde fora proferida a decisão recorrida, sendo elaborado o instrumento pelo Escrivão, remetido diretamente ao Rei, no lugar em que se encontrasse deambulando a Corte pelos domínios do Reino. Parece que a partir dessa prática - historia Carlos Silveira Noronha - se dá a transformação, por metonímia, da expressão "agravo" como causa ou prejuízo, ou dano, ou mal, para a de "agravo" como recurso, ou forma de reparação ou remédio.

 

            Nos idos de 1526, refere Lenzi (2005), ao ordenamento jurídico processual português é acrescentado o agravo no auto do processo. Este servia para reformar despacho em matéria procedimental, de acordo com os reflexos que o mesmo pudesse ter no deslinde da causa.

 

            As Ordenações Filipinas não se contentaram com a tríade recursal acima citada. Ao agravo de petição, de instrumento e no auto do processo irmanou-se o agravo de Ordenação não guardada, o qual tinha como escopo resguardar a finalidade dos atos processuais.

 

            Resta esclarecer, entretanto, trazendo ensinamento de Bueno de Camargo (2004), que nas Ordenações Manuelinas é que surgiram os agravos de petição e de instrumento contra decisões interlocutórias.

 

 

--------------------------------------------------------------------------------

 

O AGRAVO DE INSTRUMENTO NO DIREITO BRASILEIRO – EVOLUÇÃO HISTÓRICA

 

            José Carlos Barbosa Moreira ensina (apud LEITE, 2004) que:

 

            [...] o agravo é da tradição do direito brasileiro tendo aparecido inicialmente nas Ordenações Afonsinas, donde se originou a denominação de agravo de instrumento. E como recurso fora mantido nas Ordenações Manuelinas e, repetido nas Filipinas. Findo o império brasileiro e proclamada a República, os Códigos Estaduais mantiveram o agravo denominando-o de instrumento e de petição (que era destinado a impugnar a decisão decretadora da extinção do processo, sem apreciação do mérito). O legislador pátrio de 1973, mantendo o agravo, extinguiu, porém, o agravo de petição e criou o agravo na forma retida.

 

            Lenzi (2005) expõe que:

 

            As ordenações reinícolas continuaram vigorando no Brasil após a Independência e com elas, as cinco espécies de agravo: ordinário, de petição, de instrumento, no auto do processo e de ordenação não guardada. Pela Disposição Provisória de 29 de novembro de 1832, foi abolido o agravo ordinário, e o de ordenação mal guardada, pelo Regulamento n. 143, de 15 de março de 1842. Os agravos de petição e de instrumento foram encaixados no agravo no auto do processo, sendo, entretanto: revigorados pela Lei de dezembro de 1841 (Moacyr Amaral SANTOS refere-se a agravo de ordenação mal e não guardado, ao passo que outros autores referem-se somente a agravo de ordenação "não-guardada").

 

            No Brasil Colônia, o agravo no auto do processo teve aplicação com as Ordenações Manuelinas e com as Filipinas. Após a independência, vigente o Código Filipino; pela Lei de 20.10.1823, continuou a ser utilizado (art. 14), reduzindo os agravos de petição, instrumento e no auto do processo. Este foi abolido pelo Regulamento 737, de 25.11.1850, a partir da Proclamação da República e com o Decreto 763, de 19.09.1980, que regulava também o processo de causas cíveis.

 

            Na vigência dos códigos de processo civil estaduais (o de Santa Catarina era denominado Código judiciário, criado pela Lei n. 1.640, de 3 de novembro de 1928, abrangendo o processo civil e o penal), vigoravam os agravos de petição e de instrumento, que foram transmitidos para o Código de processo civil nacional de 1939, que tratava dos agravos no título IV, Livro VII, abrigando (art. 841) os agravos de petição, no auto do processo e o de instrumento (art. 842), oponível, este, das decisões que: I. não admitissem a intervenção de terceiro na causa; II. julgassem a exceção de incompetência; III. denegassem ou concedessem medidas requeridas como preparatórias da ação; IV. recebessem ou rejeitassem in limine os embargos de terceiros; V. denegassem ou revogassem o beneficio de gratuidade; VI. ordenassem a prisão (civil); VII. nomeassem ou destituíssem inventariante, tutor, curador, testamenteiro ou liquidante;- VIII. arbitrassem ou deixassem de arbitrar a remuneração dos liquidantes ou a vintena dos testamenteiros; IX. denegassem a apelação, inclusive a de terceiro prejudicado, a julgassem deserta ou a relevassem da deserção; X. decidissem a respeito de erro de conta ou de cálculo; XI. concedessem ou não a adjudicação ou a remissão de bens (o Código adotava a remissão com dois "ss" em vez "ç", como o atual, de maneira errônea, pois a grafia com dois "ss" significa perdão); XII. anulassem a arrematação, adjudicação ou remissão, cujos efeitos legais já tivessem sido produzidos; XIII. admitissem, ou não, o concurso de credores, ou ordenassem a inclusão ou exclusão de créditos; XIV. (Foi suprimido pelo Decreto-Lei n. 8.750, de 08.01.1946); XV. julgassem os processos de que tratavam os Títulos XV e XXI do Livro V (da habilitação de incidente e das arribadas forçadas), ou os respectivos incidentes, ressalvadas as exceções expressas; XVI. negassem alimentos provisionais; XVII. sem caução idônea ou independente de sentença anterior, autorizassem a entrega de dinheiro ou quaisquer outros bens, ou a alienação, hipoteca, permuta, sub-rogação ou arrendamento de bens. Em alguns casos, o Código admitia que o julgador desse efeito suspensivo ao agravo interposto, o que não ocorreu com o legislador processual de 1973. O vigorante estatuto processual recepcionou o agravo de instrumento, extinguiu o de petição e transportou o agravo retido do Código de processo civil de Portugal.

 

 

--------------------------------------------------------------------------------

 

NATUREZA JURÍDICA

 

            Feito o escorço histórico, constata-se que dentre os recursos previstos no processo civil brasileiro atual, aptos a atacar as decisões interlocutórias, está o de agravo (artigo 496, II) o qual pode ser oferecido nas modalidades retida ou de instrumento. O agravo de instrumento, o qual é objeto do presente estudo, está disciplinado nos artigos 522 e seguintes do Código de Processo Civil. Referido artigo está situado no Título X do Estatuto, destinado aos recursos cabíveis na seara adjetiva civil. Não restam dúvidas, portanto, de que o agravo de instrumento tem natureza recursal. Não poderia ser diferente, pois ao manejar o agravo de instrumento visa a parte descontente restabelecer, no todo ou em parte, segundo Acquaviva (1995, pg. 1190) "o statu quo ante, ou seja, a situação anterior à decisão de primeira instância".

 

            Acquaviva (1995, pg. 1190) ensina:

 

            A expressão "recurso" vem do latim re + cursus, volta, repetição. A etimologia, parte da semântica que revela a origem e a evolução das palavras, nos ensina que recorrer procede do latim recurrere, ou seja, tornar a correr, percorrer. O prefixo re revela a idéia de ato de voltar, re / tornar, de modo que a parte descontente, no todo ou em parte, com a decisão de primeira instância, pretende a re / condução do statu quo ante, ou seja, à situação anterior à decisão de primeira instância.

 

 

--------------------------------------------------------------------------------

 

FINALIDADE

 

            O agravo de instrumento é recurso hábil a atacar as decisões interlocutórias proferidas no processo. As decisões interlocutórias, por sua vez, estão conceituadas no parágrafo segundo do artigo 162 do Código de Processo Civil: "Decisão interlocutória é o ato pelo qual o juiz, no curso do processo, resolve questão incidente". Assim, a resolução de questão incidente, no curso do processo, enseja direito subjetivo da parte prejudicada em manejar o recurso do agravo de instrumento.

 

            Negrão (2000, pg. 550) utiliza os seguinte termos:

 

            O Código definiu por exclusão os casos de agravo (neste sentido: JTA 97/306): se o ato do juiz, no processo, não é despacho (art. 504), nem sentença (art. 513), só pode ser decisão interlocutória (art. 162, § 2°), comportando agravo. Pouco importam, depois disso, conceitos doutrinários, porque ‘legem habemus’: se determinado ato judicial não é despacho, nem foi expressamente conceituado pelo CPC como sentença, nem põe termo ao processo (ao processo, e não a uma questão dentro dele), será agravável.

 

            Com a interposição do recurso de agravo a parte impede que a decisão interlocutória sofra os efeitos do artigo 473: "É defeso à parte discutir, no curso do processo, as questões já decididas, a cujo respeito se operou a preclusão", inafastável em sede de direito disponível. O importante instituto da preclusão, segundo Führer (1993, pg. 145) consubstancia-se na "regra de que não se pode voltar a fases ou oportunidades processuais já superadas: praecludo = fechar, tapar, encerrar". A incidência dessa louvável ficção jurídica tem o escopo de impedir que as partes fiquem revolvendo pontos já decididos, eternizando o processo. Portanova (2003, pg. 174) refere que:

 

            [...] não há exagero em dizer que a preclusão é instituto essencial ao processo, enquanto considerado marcha à frente. Para ir adiante e sem retrocessos, é indispensável que a marcha considere superadas as fases já ultrapassadas. Como se vê, sem a preclusão, os processos correriam o risco de se tornarem intermináveis.

 

 

--------------------------------------------------------------------------------

 

ABRANGÊNCIA

 

            Nem todas as decisões interlocutórias são passíveis de agravo de instrumento. Se a interlocutória é proferida em audiência de instrução e julgamento, só cabe agravo retido, devendo o mesmo ser interposto oral e imediatamente. Nota-se aí nítida intenção do legislador em frear as interposições do agravo de instrumento, obrigando a parte a se valer do agravo retido.

 

            O legislador da Lei 11187/2005 foi mais radical ao restringir ainda mais as hipóteses de interposição do agravo de instrumento. Note-se que o artigo 522 do CPC, anteriormente à alteração ora cogitada, rezava apenas que "Das decisões interlocutórias caberá agravo, no prazo de dez dias, retido nos autos ou por instrumento". Agora, a novel legislação regula que "Das decisões interlocutórias caberá agravo, no prazo de 10 (dez) dias, na forma retida, salvo quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida, quando será admitida a sua interposição por instrumento". Apesar da restrição, sobrevive de forma árdua o instituto do agravo de instrumento para evitar as lesões graves e de difícil reparação entre outras hipóteses.

 

 

--------------------------------------------------------------------------------

 

RITO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO

 

            O prazo para interposição do agravo de instrumento é de 10 dias (art° 522 do CPC). Tal prazo segue as linhas ditadas no artigo 506, ou seja, conta-se da data da intimação da decisão (interpretação do artigo 506, I e II). Nery (1997, p. 760) ensina que o prazo conta "da data da intimação ou da ciência inequívoca da decisão".

 

            A Fazenda Pública e o Ministério Público têm prazo em dobro para recorrer (artigo 188, CPC). Em relação aos mesmos, é de 20 dias o prazo para interposição do agravo de instrumento, portanto. De 20 dias, também, é o prazo para interposição do agravo em relação aos litisconsortes que têm diferentes procuradores (artigo 191, CPC). Prazo de 20 dias, por último, tem o Defensor Público ou quem exerça cargo equivalente, nos Estados onde a Assistência Judiciária é organizada e por eles mantida.

 

            Interposto no juízo "ad quem" a petição do agravo de instrumento deve atender, para ser processado o recurso, aos seguintes requisitos essenciais: exposição do fato e do direito, razões do pedido de reforma da decisão, nome e endereço completo dos advogados constantes do processo.

 

            Juntamente à petição do agravo de instrumento, devem acompanhar, obrigatoriamente e sob pena de não conhecimento do recurso, cópias da decisão agravada, da certidão da respectiva intimação e das procurações outorgadas aos advogados do agravante e do agravado, comprovante do pagamento das custas e porte de retorno, quando devidos. Pode ocorrer que nos autos inexistam procurações conferidas por todos os litigantes. É aconselhável, nesse caso, que o agravante refira isso em sua petição, demonstrando a razão pela qual não fora providenciada a juntada de procuração relativamente a determinada parte.

 

            Nada impede que o agravante instrua o recurso com a juntada de documentos não obrigatórios, se julgar conveniente assim proceder. Deve-se apenas inolvidar que a juntada de documentos que não estejam nos autos observa a regra do artigo 397: "É lícito às partes, em qualquer tempo, juntar aos autos documentos novos, quando destinados a fazer prova de fatos ocorridos depois dos articulados, ou para contrapô-los aos que foram produzidos nos autos". Em grau recursal, além disso, documento instrutório de agravo de instrumento que não tenha sido submetido ao juízo a quo deve ser visto com cautela para evitar-se a supressão de instância.

 

            Quanto às custas e porte de retorno para a interposição do agravo de instrumento, estão dispensados o Ministério Público, a União, Estados, Municípios, respectivas autarquias e aqueles que gozam de isenção legal (artigo 511, § 1°, CPC).

 

            Em até três dias após o protocolo do agravo de instrumento, na forma do artigo 525, § 2° o agravante juntará aos autos de origem cópia da petição do agravo de instrumento e do comprovante da sua interposição, assim como a relação dos documentos que instruíram o recurso. Referida providência possibilita ao juízo "a quo" modificar a decisão agravada, acaso reconheça a procedência das razões do agravante. Importa notar que o não cumprimento dessa providência só importará inadmissibilidade do recurso acaso o agravado se insurja a respeito.

 

            O recebimento do agravo no Tribunal importará na sua imediata distribuição a relator que poderá, monocraticamente, decidir desde logo o destino do recurso. Se a insurgência for manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicada ou em confronto com súmula ou jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal ou Tribunal Superior, o relator lhe negará seguimento. De outra banda, se a decisão interlocutória estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior, o relator desde logo proverá o agravo, evitando assim que o recurso vá a julgamento em sessão. Terceira hipótese (a qual não é mais opcional, em decorrência da alteração do inciso II do artigo 527 pela Lei 11.187/05) é a conversão, pelo relator, do agravo de instrumento em agravo retido, quando não se tratar de provisão jurisdicional de urgência ou houver perigo de lesão grave e de difícil ou incerta reparação. Na conversão, os autos do agravo são remetidos ao juízo da causa, onde serão apensados aos principais. O agravante ou agravado poderão discordar da decisão monocrática, razão pela qual cabe agravo, em cinco dias (apenas nas hipóteses dos incisos I, IV e V do artigo 527), ao órgão competente para o julgamento do recurso, que poderá ou não decidir que ao recurso seja dado seguimento e julgado em sessão, garantida a possibilidade de retratação do relator. Se manifestamente infundado ou inadmissível o agravo, será condenado o agravante a pagar ao agravado multa entre um e dez por cento do valor corrigido da causa, ficando a interposição de qualquer outro recurso condicionada ao depósito do respectivo valor.

 

            O relator do agravo de instrumento, após recebido o recurso, acaso não decida desde logo o seu destino, consoante antes dito, poderá requisitar informações ao juiz da causa, que as prestará no prazo de dez dias, e mandará intimar o agravado, por ofício dirigido ao seu advogado, sob registro e com aviso de recebimento, para que responda no prazo de 10 dias, facultando-lhe juntar cópias das peças que entender convenientes. Nas comarcas sede de tribunal e naquelas cujo expediente forense for divulgado no diário oficial, a intimação far-se-á mediante a publicação no órgão oficial.

 

            Ultimadas as providências dos incisos III a V do artigo 527 o relator mandará ouvir o Ministério Público, se for o caso, para que se pronuncie no prazo de 10 dias. Da intimação do agravo, não poderá decorrer prazo superior a 30 dias sem que o relator peça dia para julgamento. Acaso o juízo agravado se retrate, reformando a sua decisão, o agravo será tido por prejudicado.

 

 

--------------------------------------------------------------------------------

 

CRITICAS AO AGRAVO DE INSTRUMENTO

 

            Delineada essa modalidade de agravo, surge o momento de demonstrar as dificuldades que esse recurso traz às partes e ao processo, resultando em reflexos para a sociedade e o Poder Judiciário. Serão expostas as razões, dessarte, pelas quais a sua exclusão, o que a Lei 11.187/05 deveria ter feito, só traria benefícios aos jurisdicionados e à sociedade.

 

            Dificuldade que primeiro pode ser verificada é quanto ao direcionamento do recurso de agravo de instrumento. A lei adjetiva determina que o recurso de agravo de instrumento seja dirigido diretamente ao Tribunal competente. Muito embora o Código de Processo Civil tenha passado por importante evolução através da lei 9139/95 já que anteriormente à mesma o agravo de instrumento era dirigido ao juiz prolator da interlocutória, o qual posteriormente o remetia ao Tribunal competente, fato que, segundo ensinamento de Teodoro (1996, p. 91), viabilizou "evidente economia para a justiça e para as partes", o agravo de instrumento exige a designação de um relator que, durante o mister, mesmo o convertendo em agravo retido, fica impossibilitado de apreciar outro recurso de sua competência.

 

            Em consulta ao site do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, o mesmo disponibiliza o relatório estatístico da atividade jurisdicional, através do qual é mostrada a movimentação jurisdicional em todas as instâncias do Poder Judiciário. Em consulta no dia 11 de janeiro de 2005 foi possível visualizar relatório de atividades do ano de 2003. Se constata que no referido ano foram distribuídos 53.636 agravos de instrumento, o que resulta em uma média mensal superior a 4469 agravos. Pode daí ser extraída a idéia da expressiva diminuição do número de processos que tramitariam no Tribunal em caso de extinção do agravo de instrumento. De outro lado, em caso de relevante urgência, a inexistência do agravo de instrumento demandaria o ajuizamento do mandado de segurança com pedido de liminar, fato que obrigaria a parte prejudicada adotar a providência com mais cautela do que na hipótese do agravo de instrumento, ante a impossibilidade da conversão do remédio heróico em agravo retido.

 

            Além do mais, a permanência do agravo de instrumento é até afrontadora de um dos princípios do Processo Civil, o da irrecorribilidade em separado das decisões interlocutórias, o qual, segundo Portanova (2003, p. 281), é orientado na idéia de que o recurso de decisão interlocutória não suspende o processo. João Batista Monteiro (apud PORTANOVA, 2003, p. 281), entende que o direito brasileiro, a despeito de tal princípio, lamentavelmente, nunca adotou o princípio em estudo. Pior: "com o advento do Código de Processo Civil de 1973, adotou o princípio da ampla recorribilidade das interlocutórias".

 

            Ora, o permissivo para que o relator do agravo de instrumento confira efeito suspensivo ao recurso (artigo 527, III, CPC) é flagrante dispositivo afrontador do princípio da irrecorribilidade das interlocutórias. De outra banda, deixar os casos de urgência e difícil e incerta reparação, acaso não adotada alguma providência imediata a neutralizar a interlocutória, para o mandado de segurança, é considerar a possibilidade de suspensão da interlocutória verdadeira exceção, o que mais se coaduna com a idéia de que o processo deve andar para a frente, sem entraves e suspensões a cada ato.

 

            O agravo de instrumento aqui em debate é sem dúvida anacrônico em uma sociedade moderna de relações mais enxutas e cada vez mais abreviadas. Mais, a sua exclusão do sistema processual certamente se coadunaria com os anseios da atual sociedade, o que se configura em maior reforço à legitimação do poder estatal. Dinamarco (1990, pg. 113), quando debate sobre jurisdição e decisão no quadro da política e do poder, aponta que:

 

            O encaixe da jurisdição na estrutura do poder estatal, fecundo de muitos desdobramentos utilíssimos, merece mais atenção e uma série de esclarecimentos. O processualista atualizado e portador de mentalidade alinhada ao publicismo de sua ciência há de haurir informações da ciência política, com a intenção de melhor captar o significado sistemático dos institutos que lhe são próprios. Nenhum estudo processual será suficientemente lúcido e apto a conduzir a resultados condizentes com as exigências da vida contemporânea, enquanto se mantiver na visão interna do processo, como sistema fechado e auto-suficiente. O significado político do processo como sistema aberto, voltado à preservação dos valores postos pela sociedade e afirmados pelo Estado, exige que ele seja examinado também a partir de uma perspectiva externa; exige uma tomada de consciência desse universo axiológico a tutelar e da maneira como o próprio Estado define a sua função e atitude perante tais valores. Nenhuma teoria processual pode dispensar, hoje, o exame da bondade das soluções propostas e a eficácia do próprio sistema processual em face dos objetivos preestabelecidos e da missão que precisa desempenhar na mecânica da vida em sociedade.

 

            Quer parecer que somente em uma hipótese o agravo de instrumento cumpriria o seu papel de forma adequada no processo civil: destrancar recurso denegado por juiz ou tribunal. Esse é o papel do agravo de instrumento na seara do processo do trabalho. Explica Reis de Paula (2004) que:

 

            Quando prolatada uma sentença o sucumbente dispõe do recurso ordinário para tentar a reforma do decidido. Apresentado o recurso ao Presidente da Junta ou ao Juiz de Direito investido da jurisdição trabalhista que exercerá o primeiro juízo de admissibilidade, que é de cognição incompleta, a ausência dos pressupostos objetivos ou subjetivos de admissibilidade levarão a se negar seguimento ao recurso. No prazo de oito dias a parte poderá recorrer através do agravo de instrumento.

 

            Nesse isolado caso realmente não haveria sentido a interposição de agravo retido (pois a apelação sequer subiu) e a necessidade de interposição de mandado de segurança para a subida do recurso seria um exagero se bem que hipótese também viável. Opta-se aqui, no entanto, pela defesa do agravo de instrumento nessa isolada hipótese ao invés do mandado de segurança já que tal recurso também é utilizado nos casos de negativa de seguimento de recurso extraordinário e especial, o que se harmonizaria com a sua finalidade – destrancar recurso. Por fim, propõe-se que o agravo de instrumento seja ofertado no juízo a quo para que este exerça a possibilidade de retratação evitando-se a necessidade, se reformada a decisão, de distribuição a um relator no Tribunal.

 

 

--------------------------------------------------------------------------------

 

PERMANÊNCIA DO AGRAVO RETIDO NO PROCESSO CIVIL

 

            Diante de tudo o que foi visto constata-se que o agravo retido apresenta inúmeras vantagens ao processo razão pela qual o mesmo deve permanecer na processualística civil. Além do mais, é o meio de impugnação das decisões interlocutórias que mais se coaduna com o princípio da celeridade, timidamente representado pelo artigo 125, II da Lei Adjetiva Civil. Diz-se timidamente porque, segundo Portanova (2003, p. 171) "nosso CPC não tem previsão expressa sobre o princípio da celeridade". Não que o princípio da celeridade seja um postulado supremo a sustentar o processo civil. Sabe-se que a celeridade milita contra a segurança das decisões e a certeza que delas deve emanar. No entanto, como visto alhures, de nada adianta um Poder Judiciário moroso e com um infinito leque recursal se às custas de uma segurança das decisões os cidadãos ficam desacreditados diante da longa demora na solução de seus problemas. Processo também é Política, mormente se lembrado que pelo crivo do Povo devem passar as propostas que envolvam os métodos de solução de controvérsias. Povo desacreditado é massa que se descontrola e busca fazer justiça de mãos próprias. Assim, mais vale um processo célere, mesmo que às custas da certeza nas decisões, do que o contrário. Vale lembrar que não se pretende aqui fulminar completamente as hipóteses de insurgências capazes de frear os imediatos efeitos de uma decisão interlocutória. Como se verá mais adiante, o mandado de segurança, embora não abarque todas as hipóteses, se apresenta como remédio eficaz para, ao menos, a preservação do direito líquido e certo do litigante.

 

            Podem ser identificadas algumas vantagens se verificada a vigência da exclusividade do agravo retido como hipótese recursal relativamente às decisões interlocutórias.

 

            Em primeiro lugar, o agravo retido impede os efeitos do artigo 473 do CPC já que a questão decidida, se objeto desse recurso, poderá ser apreciada pelo Tribunal, eis que inocorrente a preclusão.

 

            O agravo retido não tranca a marcha processual, deixando que a questão impugnada seja apreciada ao final, após a sentença.

 

            O agravo retido, mesmo merecedor de provimento, tornar-se-á prejudicado se a sentença concluir pela procedência do pedido do agravante, já que carecerá este de interesse para oferecer a apelação e, conseqüentemente, requerer em preliminar que o tribunal conheça do agravo retido (artigo 523, CPC), o que importa em enorme economia processual. Nesse particular já referiu Nery (1997, p. 762) que o agravo retido:

 

            [...] serve de importante instrumento estratégico no processo civil, porque evita a preclusão da faculdade de impugnar-se a decisão interlocutória, ao mesmo tempo em que não propicia nenhum dispêndio de tempo e dinheiro porque fica encartado nos autos, sem que se forme instrumento e sem que seja remetido de imediato ao tribunal, além de estar isento de preparo (CPC 522, par. ún.).

 

            Em quarto lugar, o agravo retido independe de preparo (artigo 522, parágrafo único).

 

            Por último, o agravo retido não necessita de todas as formalidades do agravo de instrumento.

 

 

--------------------------------------------------------------------------------

 

MANDADO DE SEGURANÇA – O SUBSTITUTIVO PARA CASOS NÃO ALCANÇADOS PELO AGRAVO RETIDO

 

            O legislador processual civil é expresso ao referir a ineficiência do agravo retido quando a decisão é suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida (artigo 522 do CPC). De nada adiantaria, outrossim, o oferecimento do agravo retido nos casos de prisão civil, adjudicação, remição de bens, levantamento de dinheiro sem caução idônea, estando o agravante munido de relevantes argumentos hábeis a suspender o cumprimento da decisão atacada (artigo 558, CPC).

 

            As hipóteses acima arroladas, à exceção daquela quanto aos efeitos advindos do recebimento da apelação (além da sua inadmissão), o que será visto mais adiante, podem ser solucionadas pelo manejo do remédio previsto no artigo 5°, LXVIII, da Constituição Federal – o mandado de segurança. O expediente deverá necessariamente, em relação a ataque das decisões interlocutórias que versem as hipóteses acima alinhadas, estar acompanhado de relevantes fundamentos para a imediata suspensão do ato impugnado, para que não haja ineficácia da medida, acaso ulteriormente deferida (artigo 7°, II, Lei 1533/51), sob pena de cabimento de agravo retido, fato que culminaria na denegação da segurança, a teor do que estipula o artigo 5°, II, da Lei 1533/51: "Artigo 5°: Não se dará mandado de segurança quando se tratar: II – de despacho ou decisão judicial, quando haja recurso previsto nas leis processuais ou possa ser modificado por via de correição". Ora, se não há fundamentação desse jaez é porque urgência não há, tornando vazio o manejo do remédio heróico. Deixar que o mandado de segurança cubra as hipóteses que o agravo retido não consiga fazê-lo significa ainda dizer que não seria qualquer decisão interlocutória suscetível de mandado de segurança. Apenas o seriam aquelas que agredissem direito líquido e certo do impetrante a ainda assim não fossem suscetíveis de agravo retido, porque, segundo Nery (1997, p. 1808):

 

            A permissibilidade do uso e acolhimento da ação mandamental, só tem razão de ser em casos teratológicos, de flagrante ilegalidade ou abuso de poder, susceptíveis de causar à parte dano irreparável ou de difícil e incerta reparação (RT 535/72, 447/132; JTACivSP 84/167, 74/163, 38/417; RTJ 71/876, 70/504).

 

            Não se diga diante disso que a extradição do agravo de instrumento da processualística civil traria algum prejuízo permanente às partes, tendo em vista que hipóteses de difícil e incerta reparação, divorciadas de direito líquido e certo, não teriam guarida na Lei do Mandado de Segurança. Refuta essa tese o argumento de que antes da Lei 9139/95 era possível a impetração de mandado de segurança para conferir efeito suspensivo ao agravo, dada a inexistência do artigo 527, II, que com a lei 10352/01 teve o inciso renumerado para III. Ocorre que o legislador, buscando evitar que o jurisdicionado lançasse mão ao mandado de segurança, no intuito talvez de evitar a banalização do remédio heróico, que segundo Teodoro (1996, pg. 90) ocorria "em situações totalmente fora de sua elevada destinação constitucional", criou, na edição do artigo 527, III, mais um obstáculo a trancar o processo, quando deveria ter simplesmente extinguido o agravo de instrumento. Se tal recurso tivesse sido mesmo derriscado, o mandado de segurança se constituiria como a ferramenta capaz de atribuir efeito suspensivo à decisão interlocutória nos casos em que o agravo retido não fosse capaz de afastar lesão a direito líquido e certo do impetrante, dada a hipotética urgência da respectiva situação.

 

            Quanto aos casos de difícil e incerta reparação, em que não haja direito líquido e certo (restritos ao âmbito da decisão interlocutória e não ao âmbito dos fatos – hipótese esta de cautelar ou tutela antecipatória), vale lembrar que o processo civil está recheado de situações outras que podem causar danos de reparação difícil e incerta. Em que pese isso não se conhecem de críticas que remetam o processo civil à inutilidade. Como exemplos dessas situações podem ser citados as perdas e danos causadas pelo juiz que procedeu com culpa, já que o artigo 133, I só determina a indenização por dolo ou fraude. Em tal caso caberia em tese, segundo NERY (1997, p. 443), ação contra o Poder Público, mas sabe-se que a produção da prova da culpa, em relação a um magistrado é muito difícil pois quanto à imperícia o mesmo defender-se-á referindo que foi aprovado em concurso de árduo critério de seleção; quanto à negligência ou imprudência, as mesmas poderiam ser facilmente refutadas, salvo raríssimos casos em que o Magistrado deixa de sentenciar por mero capricho, como por exemplo decidir sem ter o cuidado necessário – casos que ainda são passíveis de recurso). Exemplo diverso de dano a que as partes estão sujeitas, os quais também são de difícil e incerta reparação, em relação aos quais o réu está sujeito em qualquer procedimento ordinário é aquele advindo dos efeitos da revelia (artigo 319 do CPC), acompanhado de suas injustiças e distorções.

 

            Deve-se ter em mente, a essa altura, que o processo existe para resolver os problemas da forma mais justa possível, pacificando relações. Resulta disso que não é da sua única e absoluta finalidade reproduzir a verdade real em todos os seus quadrantes.

 

            De lembrar que o sistema dos Juizados Especiais Cíveis não conhece a figura do agravo de instrumento e ainda assim é tido atualmente como a esperança para o futuro do Poder Judiciário. O Processo do Trabalho, igualmente, não possui recurso similar. Em tal sistema não há sequer notícia da necessidade do agravo de instrumento.

 

            De qualquer sorte, raros e eventuais danos à parte em decorrência da demora processual (os quais ainda assim seriam suscetíveis de reparação através de ação própria) são, segundo Portanova (2003, p. 173):

 

            [...] ônus de quem busca o processo para solução de um litígio que, ou não soube prevenir acautelando-se com a escolha de adequado sujeito no outro pólo da relação jurídica de direito material, ou não sabe resolver sem a intervenção do juiz. Não se vá, por exemplo, cobrar pressa do Judiciário em uma cobrança quando o devedor não tem patrimônio para atender judicialmente o crédito do exeqüente.

 

            Por demasia, Dinamarco (1990, p. 9) refere que:

 

            Já não basta aprimorar conceitos e burilar requintes de uma estrutura muito bem engendrada, muito lógica e coerente em si mesma, mas isolada e insensível à realidade do mundo em que deve estar inserida.

 

            Com efeito, devemos aproximar o processo à efetiva entrega da tutela jurisdicional. De nada adiantam, portanto, as modificações legislativas como as observadas através das leis 9139/95, 10352/01 e 11.187, aquelas duas primeiras, que buscaram tornar o recurso de agravo de instrumento mais célere, esta, que restringiu as hipóteses para o manejo do agravo de instrumento. Um dos problemas, sem dúvida, é a própria existência do agravo de instrumento, não a sua demora, maior ou menor.

 

            Negrão (2000, p. 559) anota sua obra no sentido de que o agravo de instrumento, mormente pela possibilidade de o relator atribuir efeito suspensivo ao recurso nas hipóteses do artigo 558 (de acordo com o autorizativo do artigo 527, III) torna inviável a impetração de mandado de segurança com a finalidade de conseguir efeito suspensivo para o agravo de instrumento. Entretanto, admite Negrão (2000, p. 560), que o mandado de segurança ainda é necessário:

 

            Pondere-se, todavia, que o mandado de segurança é "medida ainda cabível contra ato judicial em excepcionalíssimas hipóteses de manifesta ilegalidade causadora de dano irreparável ou de difícil reparação" (JTJ 187/142), isto é, em casos teratológicos (cf., a propósito, JTJ 187/147, n. 5). Nestas situações, continua válida a jurisprudência que admite o mandado de segurança mesmo que a parte não tenha recorrido.

 

            Ora, se o mandado de segurança, segundo tal argumento, ainda é recurso de necessidade providencial, não há razão para que o mesmo deixe também de abarcar todas as hipóteses passíveis de agravo de instrumento, em relação às quais o agravo retido não cumpriria o seu papel. Se mostra completamente, com a máxima vênia, incompreensível a respeitável corrente que defende o recurso do agravo de instrumento de decisão interlocutória no Processo Civil. Ademais disso, o apego ao fato de que, a exemplo de Teodoro (1996, p. 90), o remédio heróico está em patamar constitucional de elevada destinação, razão pela qual o manejo do mesmo de forma indiscriminada aviltaria a sua nobre finalidade, resulta vazio de sentido se observarmos a existência de um outro recurso (agravo de instrumento) que segundo Nery (1997, p. 771) tem características praticamente iguais. Esta última medida, com requisitos de admissibilidade bem mais flexíveis já que mesmo a inexistência de direito líquido e certo não seria óbice ao seu manejo (o que é indesejável, pois dificulta a marcha processual), está sem dúvida ressobrando no ordenamento jurídico brasileiro.

 

 

--------------------------------------------------------------------------------

 

A AUSÊNCIA DO AGRAVO DE INSTRUMENTO E OS PRINCÍPIOS DO PROCESSO CIVIL

 

            A quem é ferrenho defensor da figura do agravo de instrumento, argumentos a demonstrar a prejudicialidade da retirada desse recurso da sistemática processual civil se constituem em fertilizante que faz verdejar essa erva mais daninha do que medicinal. Estima-se que dentre os ingredientes desse adubo certamente estaria o argumento relativo às afrontas a princípios do processo civil, verificáveis acaso banido o agravo de instrumento do Código de Processo Civil. E os princípios aparentemente fragilizados, partindo-se da relação dos princípios do processo civil elaborada por Rui Portanova em sua obra Princípios do Processo Civil, certamente seriam os da recursividade, ampla defesa, devido processo legal e duplo grau de jurisdição

 

 

--------------------------------------------------------------------------------

 

PRINCÍPIO DA RECURSIVIDADE

 

            Referido princípio do processo civil, segundo Portanova (2003, p. 103) tem o seguinte Enunciado: "A parte que se sentir prejudicada tem o poder de pedir o reexame, visando a obter reforma ou modificação da decisão". Ainda Portanova (2003, p. 106) ao escrever sobre tal princípio aponta que "no sistema brasileiro vigora o princípio da ampla recorribilidade. Ou seja, é bastante ampla a permissibilidade de recursos". A afronta a esse princípio é robusto argumento para que o agravo de instrumento conviva ao lado do agravo retido, já que este não é capaz de resolver situações de urgência e difícil e incerta reparação. No entanto, não é desejável que o processo fique sujeito a um sem-número de obstáculos trancadores do seu curso. Como já visto, a danos estão todos sujeitos a todo tempo, mormente na atual sociedade em que vicejam as relações de massa. Assim, o sacrifício de um bem menor (lesão, mesmo que irreversível a um direito individual, não sendo este líquido e certo, não cabendo mandado de segurança, portanto) para que um bem maior seja preservado (a pacificação social e, conseqüentemente, a legitimação do poder estatal com a confiança da população no Poder Judiciário) denota orientação que mais se coaduna com a idéia da prevalência do interesse público sobre o particular.

 

            De todo modo, vale observar que eventual desaparecimento do agravo de instrumento não feriria de morte o princípio da recursividade. Haveria apenas uma amenização do mesmo, sem implicar desaparecimento total da sua força, em favor do princípio da celeridade. Dinamarco (1990, p. 115), quando aborda o tema "Jurisdição e decisão no quadro da política e do poder" aponta que:

 

            O processo, em si, como sistema voltado à remoção de obstáculos à consecução dos objetivos estatais também ocasiona custos e enfrenta obstáculos. Diz-se hoje, com insistência, que os seus males maiores são o custo financeiro e a demora. Quanto a esta, é mais o resultado de obstáculos, do que obstáculo ela própria.

 

 

--------------------------------------------------------------------------------

 

PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA

 

            Portanova (2003, p. 125) ensina que:

 

            A defesa não é uma generosidade, mas um interesse público. Para além de uma garantia constitucional de qualquer país, o direito de defender-se é essencial a todo e qualquer Estado que se pretenda minimamente democrático. A defesa plena é garantida pela nova Constituição Federal (inciso LV do artigo 5°).

 

            Nem por isso o direito de defesa deve ser exercido com abuso, tanto é assim que o artigo 273, II do CPC dá resposta adequada a respectivo comportamento. Na mesma medida o agravo de instrumento, notadamente pela possibilidade de o mesmo ser convertido em agravo retido, possibilita que as partes utilizem-se de tal recurso desenfreadamente já que, na pior das hipóteses, a interlocutória não resultará preclusa ante a conversão acima noticiada. Até mesmo a aplicação de penalidades por litigância de má-fé ou manifesto abuso no uso do expediente não impede que o mesmo seja distribuído a relator, o que, já referido, ocasiona custos e tempo. De outra parte, se o litigante for obrigado a manejar o mandado de segurança, ante a inexistência do agravo de instrumento, terá de fazer a opção certa, já que impossível a conversão da ação autônoma em agravo retido. Evitar-se-iam, sim, abusos ao direito de defesa, e não afronta ao mesmo.

 

 

--------------------------------------------------------------------------------

 

PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL

 

            Reza o artigo 5°, LIV, da Constituição Federal que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal. Muito embora, segundo Portanova (2003, p. 145) referido princípio tenha como enunciado a obediência do processo às normas previamente estipuladas em lei, fato que leva à conclusão de que basta a retirada do agravo de instrumento da processualística através de regular processo legislativo para que qualquer afronta seja descartada, o debate encontra lindes mais complexos. Com efeito, Portanova (2003, p. 146) lembra que "a tortura com objetivo de confissão já fez parte do devido processo legal", daí que argumentos há, aos borbotões, que tachem a retirada do recurso em exame como grave agressão a referido princípio. É que, consoante Dória (apud PORTANOVA, 2003, p. 147):

 

            Due process of law não pode ser aprisionado dentro dos traiçoeiros lindes de uma mera fórmula. O princípio é produto da história, da razão, do fluxo das decisões passadas e da inabalável confiança na força da fé democrática que professamos. Due process of law não é um instrumento mecânico. Não é um padrão. É um processo. É um dedicado processo de adaptação que inevitavelmente envolve o exercício do julgamento por aqueles a quem a Constituição confiou o desdobramento deste processo.

 

            Portanova (2003, p. 147) lembra, contudo que:

 

            Adaptado à instrumentalidade, o processo legal é devido quando se preocupa com a adequação substantiva do direito em debate, com a dignidade das partes, com preocupações não só individualistas e particulares, mas coletivas e difusas, com, enfim, a efetiva igualização das partes no debate judicial.

 

            Que instrumentalidade processual há, no entanto, em contenda na qual o processo fica parado, para discussão de mera questão formal, como se fosse um fim em si mesmo, em detrimento do direito material, que, enquanto perdura o processo, fica em mão de quem não deve, no aguardo de longa jornada contraditória? Que dignidade traz às partes (pelo menos a uma delas) o manejo desenfreado de um recurso que mais se adéqua a um Judiciário com pouco fluxo processual, podendo os juízes assim se dedicar, com todo o tempo necessário, à resolução instantânea das controvérsias (coisa de época em que o acesso ao Poder Judiciário era privilégio de uma minoria)? Da mesma forma, nada mais individualista o manejo de um recurso no qual a interlocutória suspensa é discutida, para atender aos anseios do agravante, em detrimento da crença da população em um Judiciário célere, o que afeta em conseqüência toda a coletividade. Por isso, o princípio do devido processo legal estará melhor observado se a ofensa a direito líquido e certo que cause danos de incerta reparação puder ser sanada pela via do mandado de segurança.

 

A essas alturas cumpre lembrar Lima (1999, p. 199), quando a mesma aborda o enfoque procedimental do devido processo legal no Brasil. A autora refere que o princípio apresenta diferentes postulados básicos, dentre eles "o assecuramento da igualdade das Partes, evitando uma situação de privilégio, de qualquer dos envolvidos no litígio, garantindo-lhes a igualdade efetiva entre os direitos e deveres". Conclui Lima (1999, p. 200) que:

 

            [...] sob o ângulo de visão procedimental, o devido processo legal concretiza-se por meio de garantias processuais oferecidas no ordenamento, visando ordenar o procedimento, e diminuir ao máximo o risco de intromissões errôneas nos bens tutelados.

 

 

--------------------------------------------------------------------------------

 

PRINCÍPIO DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO

 

            Finalizando o espectro de princípios processuais cujo abalo poderia ser alegado por defensores ferrenhos do agravo de instrumento, tem-se ainda o princípio do duplo grau de jurisdição. Doutrina esse princípio, segundo Portanova (2003, p. 264) que "a decisão judicial é suscetível de ser revista por um grau superior de jurisdição". Muito embora tal princípio esteja mais ligado à decisão final do órgão julgador (sentença), a subtração do agravo de instrumento poderia consistir afronta ao princípio, na medida em que algumas interlocutórias não poderiam restar suspensas. Sob pena de tautologia, utilizam-se aqui os argumentos expendidos em relação ao princípio da recursividade, sem transcrevê-los, no entanto. Some-se a isso o argumento de que não se está buscando, através do presente, a irrecorribilidade das interlocutórias, já que o agravo retido não merece qualquer crítica. Quer-se dificultar, isto sim, a suspensão a todo o momento de um processo que foi concebido para marchar à frente.

 

 

--------------------------------------------------------------------------------

 

CONCLUSÃO

 

            Resulta por demasia claro que a mera retirada, aqui pretendida, do recurso de agravo de instrumento de decisões interlocutórias não se constitui na resolução de todos os problemas que o processo moderno enfrenta. Será auxiliar, no entanto, na diminuição da litigiosidade contida do cidadão, pois o processo terá um recurso a menos e só nos casos teratológicos em que direito líquido e certo esteja ameaçado poderá a interlocutória restar modificada ou suspensa antes do final da contenda. Resultado disso é um sistema mais enxuto, célere e confiável perante o cidadão, ingrediente a menos na "panela de pressão social", feliz expressão utilizada por Watanabe (apud Dinamarco, 1990, p. 225). Dinamarco (1990, p. 225) continua:

 

            Por tendência, desinformação ou descrença, o brasileiro é pouco afeito às disputas judiciárias. Nesse contexto é que a Lei das Pequenas Causas também procura exercer papel muito relevante, seja no sentido de restaurar a confiança da população no Judiciário, seja no de criar o entendimento geral de que ir ao processo é a solução de muitos problemas. Hoje, são muitos os estados de insatisfação que se perpetuam e convertem em decepções permanentes, porque as pessoas não se animam a litigar em juízo. É a ‘litigiosidade contida’, da feliz expressão verbal que ganhou foros de cidade na doutrina brasileira mais recente, da qual fatalmente derivam perigosos desdobramentos sociais. Essa insatisfação, multiplicada entre os membros da população que não dispõem de uma infra-estrutura em que confiem, está intimamente ligada a manifestações violentas como linchamentos, depredações e até mesmo atos de hostilidade ao próprio Judiciário

 

            Observa-se do trecho que o autor aposta em um sistema em que não há recurso das decisões interlocutórias, consubstanciado no atual sistema dos Juizados Especiais Cíveis.

 

 

--------------------------------------------------------------------------------

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

            ACQUAVIVA, M. C. Dicionário Jurídico Brasileiro Acquaviva. 8. ed. São Paulo: Jurídica Brasileira, 1995. 1466 p.

 

            BUENO DE CARMARGO, P. A. Agravo no processo do trabalho. Disponível em: acesso em: 29 dez. 2004.

 

            DINAMARCO, C. R. A instrumentalidade do processo. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1990. 478 p.

 

            FÜHRER, M. C. A. Resumo de Processo Civil. 8. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1993. 159 p.

 

            LEITE, G. Considerações sobre agravo no sistema recursal brasileiro. Disponível em: acesso em: 9 jan. 2005.

 

            LENZI, C. A. S. O novo agravo. Disponível em acesso em: 9 jan. 2005.

 

            LIMA, Maria Rosynete Oliveira. Devido Processo Legal. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1999. 304 p.

 

            NEGRÃO, T. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. 31. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. 2023 p.

 

            NERY JR., N.; NERY, R. M. A. Código de Processo Civil Comentado e legislação extravagante em vigor. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. 2249 p.

 

            PORTANOVA, R. Princípios do Processo Civil. 5. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. 308 p.

 

            REIS DE PAULA, C. A. O sistema recursal trabalhista. Disponível em acesso em: 29 dez. 2004.

 

            TEODORO Jr., H. As inovações no Código de Processo Civil. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996. 232 p.

 

            TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Relatórios Estatísticos da Atividade Jurisdicional. Disponível em acesso em: 9 jan. 2005.

 

 

 

* advogado em Porto Alegre (RS), assessor jurídico municipal da Fundação de Assistência Social e Cidadania (FASC)

 

 

Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7556

Acesso em: 07 novembro. 05.