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A Reforma do Judiciário:
um
desafio para a Justiça do Trabalho
José Soares Filho
juiz do Trabalho aposentado, advogado em Recife
(PE), professor universitário, mestre e doutorando em Direito pela Universidade
Federal de Pernambuco (UFPE)
A Emenda Constitucional n. 45, de 8 de
dezembro de 2004, que consubstancia a Reforma do Judiciário – cujo projeto foi
parcialmente votado pelo Congresso Nacional, restando para apreciação e
deliberação alguns pontos mais polêmicos -, contém importantes medidas que
poderão contribuir para a melhoria da prestação jurisdicional em nosso País,
objetivando modernizar e tornar mais eficientes a estrutura do Poder Judiciário
e a do Ministério Público, facilitar o acesso dos cidadãos aos órgãos
judiciários e agilizar a tramitação dos processos.
Além
disso, institui mecanismo hábil para que se efetive em nosso meio a aplicação
dos tratados internacionais que consagrem os direitos humanos, com sua rápida
integração no ordenamento jurídico brasileiro, na qualidade de emenda
constitucional. E estabelece a submissão do Brasil à jurisdição do Tribunal
Penal Internacional, mediante sua adesão ao tratado que o instituiu. Tais
disposições representam um passo avançado para lograr mais célere e eficiente
inserção do Brasil na comunidade internacional – como assinalou o Ministro
Edson Vidigal, presidente do Superior Tribunal de Justiça – e afirmação de
compromisso do Estado brasileiro de concorrer para a punição e prevenção dos
crimes de competência daquela Corte (os denominados crimes contra a
humanidade), o que vem ao encontro da salvaguarda dos direitos humanos na
esfera internacional.
Dentre
os órgãos do Poder Judiciário, a Justiça do Trabalho é, provavelmente, o mais
atingido pela Reforma. Especificamente, porque: a) é ampliada consideravelmente
sua competência material; b) a composição do Tribunal Superior do Trabalho é
elevada de 17 para 27 membros, recuperando-se a existente antes da EC 24/99,
que extinguiu a representação classista no âmbito da Justiça laboral; c)
institui-se a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do
Trabalho, que terá, dentre outras, a função de regulamentar os cursos oficiais
para o ingresso e promoção na carreira; d) cria-se o Conselho Superior da
Justiça do Trabalho, para exercer a supervisão administrativa, orçamentária,
financeira e patrimonial de seus órgãos de primeiro e segundo graus, como órgão
central do sistema, cujas decisões terão efeito vinculante; e) prevê-se a
criação de Fundo de Garantia das Execuções Trabalhistas, que ensejará a
efetivação das decisões condenatórias de natureza pecuniária, com inestimável
benefício para os trabalhadores e prestígio para a Justiça do Trabalho.
A
par dessas medidas, sem dúvida positivas, surge entre os operadores do direito
a preocupação com a imensa responsabilidade advinda para a Justiça do Trabalho
com a extensão de sua competência "ratione materiae". Como se sabe,
tal competência era assaz restrita, pois se circunscrevia, basicamente, às
causas pertinentes aos litígios oriundos da relação de emprego e, só
excepcionalmente (na forma da lei), abrangia outras controvérsias decorrentes
da relação de trabalho.
Agora,
o art. 114 da Constituição, com a alteração introduzida pela EC/45, estendeu
essa competência para diversas outras matérias, ao concebê-la para todas as
ações que versem sobre relação de trabalho em seu amplo sentido,
compreendendo-se nelas um vasto elenco de relações contratuais de direito
civil.
Isso
implica aumento considerável de feitos a cargo da Justiça do Trabalho, que, a
nosso ver, ela não tem estrutura suficiente para suportar. Por outro lado, não
há perspectiva de acréscimo do número dos órgãos judiciários trabalhistas, com
a presteza que a situação requer e a Constituição impõe (art. 93, XIII, com a
redação dada pela EC 45/2004). Além disso, os juízes do trabalho receberão
inúmeros pleitos de natureza civil, cuja solução exigirá deles reciclagem no
campo do direito civil – notadamente em matéria de contratos -, pois sua
formação jurídica é especializada em direito do trabalho.
Outro
problema com que se defrontarão os juízes do trabalho é o atinente ao processo.
A respeito, vem a questão: no tocante às ações fundadas em contratos de direito
civil, qual o procedimento a adotar – o trabalhista, ou o comum? Em sendo o do
trabalho (como recomenda o TST através da Instrução Normativa nº 27, de
26.2.05), aplicar-se-á o princípio de proteção de uma das partes, que preside o
processo trabalhista – no qual o alvo da proteção é o empregado, por ser ele,
pela própria natureza da relação empregatícia, hipossuficiente? E, nesse caso
(relação contratual de direito civil), como aquilatar a hipossuficiência?
Até
que se consolide a jurisprudência quanto às ações que se situam no âmbito da
competência material da Justiça, teremos longas discussões doutrinárias e
pretorianas, rendendo ensejo a entendimentos contraditórios, o que concorrerá
para retardar a solução dos feitos trabalhistas.
Diante
desse quadro, de dificuldades e limitações de ordem operacional, consideramos, data
vênia, de bom alvitre que não se propugne por uma interpretação extensiva
dos dispositivos do art. 114 da CF/88, que inclua na competência da Justiça do
Trabalho as "causas que sejam instauradas entre o poder público e seus
servidores, a ele vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de
caráter jurídico-administrativo", em conformidade com a liminar deferida
em 28.1.05 pelo Presidente do STF, Min. Nelson Jobim, na ADin nº 3395, ajuizada
pela Associação dos Juízes Federais (AJUFE); nem ações referentes a litígios
decorrentes de contratos civis entre pessoas jurídicas que tenham por objeto
prestação de serviços, ou ações fundadas em relações de consumo.
Isso
porque os juízes do trabalho têm a seu cargo, nos estritos termos da EC
45/2004, uma enorme quantidade de litígios a dirimir, em condições materiais e
funcionais insuficientes para atender a tantas demandas, várias delas mais
complexas que as que eles vinham enfrentando.
A
nosso ver, é de interesse público que haja esse comedimento, pois, caso
contrário, teremos acumulação de processos nos órgãos da Justiça do Trabalho
(que, aliás, há bastante tempo se registra) de modo a inviabilizar uma
prestação jurisdicional por parte deles com a presteza que a lei (vide o inciso
LXXVIII do art 5º da CF/88, acrescentado pela EC 45/2004) estabelece e o
jurisdicionado legitimamente espera. É por demais grave e perigoso frustrar
essa expectativa, porquanto isso poderia gerar maior descrédito para Justiça e,
conseqüentemente, risco para o Estado Democrático de Direito.
Acesso em: 06 de outubro de 2005
Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6991