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Flávia Sapucahy Coppio
Advogada
Pos-graduanda em Direito Processual Civil pela ESA
São Sebastião – SP
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
1. COISA JULGADA
2. PRINCÍPIOS NORTEADORES DO DIREITO PROCESSUAL CIVIL QUE DEVEM SER ANALISADOS
CONJUNTAMENTE COM A AUTORIDADE DA COISA JULGADA
2.1 Princípio da razoabilidade e proporcionalidade
2.2 Princípio da moralidade
3. CORRENTES DOUTRINÁRIAS
4. REMÉDIOS PROCESSUAIS ADEQUADOS Á SUPRESSÃO DA AUTORIDADE DA COISA JULGADA
4.1 A coisa julgada e o processo de execução
4.1.1. Efeitos da improcedência em processo de execução
4.2. A coisa julgada e a ação monitória
4.3. A coisa julgada e a tutela de urgência
4.4. Rescisória
4.4.1. Sentença transitada em julgado com base em lei posteriormente declarada
inconstitucional
4.4.2. Segurança jurídica X Princípios Gerais do Direito
4.5. Recursos Excepcionais
4.6. Querela nullitatis insanabilis
Conclusões
Bibliografia
INTRODUÇÃO
O presente trabalho foi desenvolvido através de pesquisa bibliográfica em obras
de autores renomados e na maioria contemporâneos, sob uma ótica moderna do
assunto. A diversidade de posições nos obrigou a escolher o caminho que mais se
encaixou com nosso entendimento acerca do processo, e desse entendimento
resultou o presente texto.
Segundo uma visão instrumental do processo o raciocínio se deslinda, sem o qual
as reflexões pareceriam absurdas e inadequadas para o ordenamento jurídico
vigente. Entretanto o movimento que se cria em torno da instrumentalidade do
processo é inequívoco, tornando a compreensão do assunto acessível e
necessária.
Não elaboramos o presente ensaio com a pretensão de inovar a respeito do
assunto onde mestres honoráveis destrincharam suas diversas possibilidades. Nem
mesmo exalta ser um tratado, destilando conceitos formais. Em que pese vez ou
outra se faça necessária a remissão a algum texto consagrado, não me furtarei
de utiliza-los para ilustrar os pensamentos e convalida-los com assinatura de
seus autores.
1. COISA JULGADA
...O bem da vida que o autor deduziu em juízo (res in iudicium deducta) com a
afirmação de que uma vontade concreta da lei o garante a seu favor ou nega ao
réu, depois que o juiz o reconheceu ou desconheceu com a sentença de
recebimento ou de rejeição da demanda, converte-se em coisa julgada (res
iudicata). A res iudicata outra coisa não é para os romanos do que a res in iudicium
deducta depois que foi iudicata[1].
O ordenamento jurídico brasileiro, assim como todos os outros, dá subsídios
para que seja efetiva a decisão judicial transitada em julgado através do
instituto da coisa julgada e sua autoridade, derivada da expressão latina res
iudicata, significando “bem julgado”. Os conflitos gerados pelas partes acerca
do bem da vida são solucionados pelos magistrados, e a partir do momento em que
não mais são passíveis de impugnações as questões referentes ao objeto do processo,
quando o assunto foi exaustivamente discutido em juízo, decorre
conseqüentemente que não pode voltar a ser palco de discussões ou controvérsias
pela observância da autoridade da coisa julgada. Essa é a crença majoritária,
tradicionalista. É o que aprendemos na faculdade, sem maiores comentários.
Aprendemos que depois de uma sentença, a não ser pelos recursos a ela
inerentes, temos uma decisão definitiva. Ainda mais, passado o prazo para o
competente recurso, convalida-se a decisão definitivamente, não importando quão
absurda seja. Não importa quão viciada esteja. É contra isso que me oponho
aqui, e é o que pretendo demonstrar se equívoco se acreditar nessa premissa e
resignar nos casos práticos onde acontecem absurdos e inconstitucionalidades.
Mas, não basta para se ter a coisa julgada a existência de uma solução para a
controvérsia debatida em juízo, visto que, na linguagem do direito processual
civil atual, a sentença somente adquire a autoridade da coisa julgada, quando
não mais comporta recurso algum, ou seja, assim, irrevogável[2].
É necessário sem dúvida, haver a imutabilidade da sentença em que tenha
ocorrido o trânsito em julgado. Dá-se em nome da segurança jurídica e da
uniformidade de decisões, que se mostram princípios imprescindíveis no nosso
ordenamento jurídico vigente sem os quais não se faz justiça.
Constitucionalmente a regra inserta no artigo 5º, inciso XXXVI é expressa no
sentido de que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico
perfeito e a coisa julgada. Entretanto, tal dispositivo muitas vezes é
equivocadamente interpretado, vejamos que se trata de uma faceta do princípio
da irretroatividade das leis. Vou explicar: o legislador constitucional
originário disse exatamente o que queria dizer com o dispositivo analisado, não
pode ser feita interpretação extensiva em sentido ampliativo, como ocorre
geralmente. A regra constitucional diz apenas e tão somente que a coisa julgada
não pode ser alterada por lei que lhe seja posterior, e isto é um princípio de
direito visto, consagrado pela Carta Magna. Não podendo ser interpretado de
forma a generalizar a amplitude da coisa julgada e de fazer dela algo absoluto.
Não é isto que reza o inciso supra-mencionado.
Nada deve ser levado ao extremo, a sabedoria encontra-se no bom senso.
Imaginemos o caos causado numa sociedade em que se permite incessantemente a
revisão judicial das controvérsias advindas de uma mesma lide. Nunca seria
efetivada sentença judicial alguma, a não ser provisoriamente, através de
execução provisória, e se eternizariam os conflitos desta feita. Seria o fim da
segurança jurídica, a desestabilização social, um verdadeiro caos nas relações
humanas, ainda pior do que a situação que conhecemos atualmente.
A segurança jurídica é um bem protegido pelo Estado em defesa da sociedade como
um todo, segundo a qual as decisões judiciais são imutáveis e incontestáveis,
pondo termo ao litígio definitivamente e impossibilitando qualquer julgamento
posterior sobre o mesmo assunto por determinação legal, por assim o desejar o legislador.
Ocorre, entretanto, que a segurança jurídica sendo um princípio, não pode ser
interpretada separadamente de todo o sistema jurídico vigente e ser levada ao
extremo. Não se trata de um princípio superior aos demais, e deve ser sopesado
no contexto em que se insere.
É fato que o nosso sistema jurídico vigente contempla uma série de princípios
que devem ser observados pelos operadores do direito, em consonância uns com os
outros, vezes tendo que definir qual o princípio adequado à solução do conflito
em questão, de acordo com cada caso, dependendo também do direito material. A
letra seca da lei não exclui os princípios de seu alcance prático, pelo
contrário, reza que devemos segui-los e não podem ser suprimidos, quer pela lei
ou pelo arbítrio do juiz.
O Ministro José Augusto Delgado declarou sua posição da qual admiramos, em
várias ocasiões, como transcrito abaixo:
... não posso conceber o reconhecimento de força absoluta da coisa julgada
quando ela atenta contra a moralidade, contra a legalidade, contra os
princípios maiores da Constituição Federal e contra a realidade imposta pela
natureza. Não posso aceitar, em sã consciência, que, em nome da segurança
jurídica, a sentença viole a Constituição federal, seja veículo de injustiça,
desmorone ilegalmente patrimônios, obrigue o Estado a pagar indenizações
indevidas, finalmente desconheça que o branco é branco e que a vida não pode
ser considerada morte, nem vice-versa[3].
Não há o que se falar depois de conhecer da declaração acima, ainda mais, vindo
do próprio Ministro. O momento é este, e se faz necessário que se atente
devidamente para o que foi dito, para que seja digerido e aceito como verdade.
O que o foi decidido judicialmente está definitivamente decidido e não pode vir
a ser posto em discussão novamente, é o que reza o artigo 467 do Código
Processo Civil vigente sem transcrição literal da lei, embora existam
circunstâncias nas quais se permite seja rescindida a decisão transitada em
julgado, conquanto o prazo se apresente bastante exíguo em alguns casos. Há
outros casos, mais graves, em que nem mesmo coisa julgada pode-se dizer que
houve, é o que se demonstrará adiante. A doutrina processual majoritária
entende como inexistentes juridicamente sentenças destituídas de requisitos
processuais como os pressupostos do processo, ou sentença absolutamente
contrária ao direito objetivo, ou contrária a tudo o que se preza nos costumes
e princípio. Tais sentenças, entende-se que não fazem coisa julgada, como
demonstraremos no decorrer do presente ensaio.
Para que a decisão fique acobertada pela autoridade da res iudicata, se faz
necessário que a mesma esteja recheada com a fundamentação da legislação
adequada, com respeito aos bons costumes e princípios que regem o direito. Uma
decisão que se furte desses requisitos jamais poderá transitar em julgado.
Em que pese a tradicional certeza jurídica acerca do tema da coisa julgada, o
tema vem sendo discutido pela comunidade jurídica no sentido de sua
relativização, pois sua autoridade não pode ser altiva a ponto de suprimir
todos os outros princípios de direito não menos importantes, que devem ser
sopesados conjuntamente à coisa julgada para trazer justiça as decisões, trazer
justiça ao mundo dos fatos.
A doutrina e os tribunais começam a despertar para a necessidade de repensar a
garantia constitucional e o instituto técnico-processual da coisa julgada, na
consciência de que não é legítimo eternizar injustiças a pretexto de evitar a
eternização de incertezas[4].
As questões práticas ocorridas na atualidade levam à emergência da necessidade
de resolver acerca da autoridade da coisa julgada sem prejudicar a segurança
jurídica presente no ordenamento, sem que nos leve a eternização dos conflitos
de interesses, e sem que se faça injustiça em relação às partes. Não nos
inclinamos no sentido de por fim à segurança jurídica e à coisa julgada, ao
contrário, são desígnios imprescindíveis no direito universal, mas o movimento
se faz a medida em que existem exceções, e se há regra, há exceções. Casos há
em que a imutabilidade da decisão deve ser solapada em nome de princípios
igualmente salientes para obtenção da justiça.
Houve casos práticos que fizeram toda a comunidade jurídica repensar os valores
pertinentes e questionar a justiça da coisa julgada frente aos diversos
princípios norteadores do direito. Tais casos se referem, a saber, acerca de
indenização por desapropriação, por exemplo, tão amplamente abordado pela
imprensa. No caso de perícia incorreta, ou corrupta, que atestou
supervalorizada terra a ser desapropriada pela União, só que as referidas
terras já fossem de propriedade da União. É possível conceber que tal decisão
transite em julgado? E se o for, é admissível a autoridade da coisa julgada?
Acima de tudo, é justo?
Imaginemos o caso de ação de investigação de paternidade já decidida e
“transitada”, sem realização de exame de ácido desoxirribonucléico (DNA), por
inexistir à época da contenda judicial. Poderia ser negado à parte direito a
propor nova ação sobre esta questão, sendo que agora consubstanciado pelo
exame? Ocorreu realmente o trânsito em julgado da decisão? Se ocorreu, a coisa
julgada seria ABSOLUTA neste caso? É justo? Em primeira vista, a decisão teria
transitado em julgado sim, mas trata-se de direito indisponível, e mais do que
isso, ação de investigação de paternidade é relativa ao estado das pessoas, que
pela sua própria natureza, não transita em julgado, de acordo com a maioria
doutrinária.
Imaginemos a injustiça que se faz ao negar seguimento à ação de querela
nullitatis, de uma decisão injusta sob todos os pontos de vista possíveis.
Sentença impossível, decretando direito inaceitável pelo ordenamento pátrio
vigente. É o caso de não haver data, ou prazo para proposição, pois sentença
nula é sentença inexistente no mundo jurídico, seja hoje ou daqui a dez anos.
Inicia-se uma movimentação da jurisprudência e da doutrina acerca do tema
proposto no presente trabalho, no sentido de se repensar se é legítimo
reconhecer autoridade a coisa julgada mesmo em situações de latente ofensa aos
ditames constitucionais, ou seria ético que ela fosse suprimida em nome da
Justiça das decisões? Ficamos com a segunda, pois o processo é o instrumento do
direito, e não o seu fim, sendo a coisa julgada instituto processual. Nos
filiamos ao venerável doutor Cândido Rangel Dinamarco neste sentido, pois não
há como se falar em instrumentalidade do processo sem remeter ao doutrinador.
2. PRINCÍPIOS NORTEADORES DO DIREITO PROCESSUAL CIVIL QUE DEVEM SER ANALISADOS
CONJUNTAMENTE COM A AUTORIDADE DA COISA JULGADA
SUMÁRIO:
2.1 Princípio da razoabilidade e proporcionalidade
2.2 Princípio da moralidade.
O Estado democrático de direito tem como um de seus princípios norteadores do
direito, a coisa julgada. Inserto no artigo 5º da Constituição Federal, em seu
inciso XXXVI: a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico
perfeito e a coisa julgada. Outrossim, há princípios não menos importantes que
regem nosso direito que não devem ser desprezados no estudo em voga, muito
menos pelos operadores do direito durante o exame da decisão transitada em
julgado, como se falou anteriormente.
2.1 Princípio da razoabilidade e proporcionalidade
Em todos os atos jurídicos, especificamente aqueles emanados do juiz, deve ser
observada a razoabilidade e a proporcionalidade. Em que pese não estar expresso
em nenhuma lei, o princípio da proporcionalidade é presente, sem sombra de
dúvidas entre os doutrinadores, diz-se até ser o Princípio dos princípios, já
que muitas vezes é utilizado para orientar a lida com outros princípios[5] .
A coisa julgada não é um princípio capaz de suprimir todos os outros, não pode
ser considerado mais importante que o da razoabilidade, e não pode ser
supervalorizado em nome da segurança jurídica, que, embora importante, não é
superior a justiça das decisões. Vícios nocivos à ordem pública de tal forma
que possibilita a revogação da decisão mesmo passados todos os prazos
preclusivos.
A razoabilidade diz respeito a que as decisões sejam verificadas de forma a
manter harmonia com o todo. Ser razoável, proporcional nos benefícios e
prejuízos. É o princípio exato para se valorar a instrumentalidade do processo.
Pois lembremos que o processo não é um fim em si e dessa forma não pode ser
encarado. Assim como a questão da coisa julgada. O processo não é mais
importante, e seus aspectos formais não podem prevalecer sobre os aspectos
materiais, sobre o direito das partes, o bem da vida deduzido em juiz[6] . A
forma não pode prevalecer sobre o conteúdo, seria o a prevalência do meio em
detrimento do fim.
O Ministro José Augusto Delgado, em palestra proferida no IV Congresso
Brasileiro de Processo Civil e Trabalhista em Natal ensinou:
O tratamento dado pela Carta Maior à coisa julgada não tem o alcance que muitos
intérpretes lhe dão. A respeito, filio-me ao posicionamento daqueles que
entendem ter sido vontade do legislador constituinte, apenas, configurar o
limite posto no art. 5º, XXXVI, da CF, impedindo que a lei prejudique a coisa
julgada[7].
A coisa julgada não pode mais ser conceituada como absoluta sempre. Há momentos
em que sua relativização se faz necessária. Salientamos SEMPRE, pois estamos
falando de exceção à regra, mas tal exceção necessita ser expressa em lei. A
cultura dos operadores do direito brasileiros não permite que algo seja apenas
cultivado como verdadeiro, é necessário que esteja sedimentado em legislação
para ser utilizado e respeitado pelos julgadores.
No direito americano tal não ocorre, desta feita, não há culto à coisa julgada.
É a cultura do direito consuetudinário, onde a legislação é mínima e não há
prejuízo ao ordenamento como um todo, pois os princípios são respeitados, é o
que basta.
No Brasil, a legislação é expressa, e a Constituição determina que ninguém será
obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei, esse
dispositivo insere no ordenamento a obrigatoriedade de o sistema ser
inteiramente codificado, em todos os seus aspectos, formais e materiais. Ainda
estamos engatinhando em questão de civilização. Como já dizia Voltaire: “num
estado a multidão de leis é o mesmo que grande número de médicos sinal de
enfermidade e fraqueza.”
2.2 Princípio da moralidade
A administração pública guarda estreita ligação com a questão da moralidade que
é princípio constitucional e administrativo. O Ministro José Augusto Delgado
declinou sua posição em voto proferido no STJ:
posição doutrinária no sentido de não reconhecer caráter absoluto à coisa
julgada... a determinada corrente que entende ser impossível a coisa julgada,
só pelo fundamento de impor segurança jurídica, sobrepor-se aos princípios da
moralidade pública e da razoabilidade nas obrigações assumidas pelo Estado[8].
Partindo da premissa que todos os princípios constitucionais servem para trazer
ao homem uma melhor qualidade de vida, tomemos como base que nenhum princípio
seja absoluto, capaz de negar os demais valores, sob pena de se tornar um
empecilho jurídico frente às situações de fato.
É imperioso equilibrar com harmonia as duas exigências divergentes, transigindo
razoavelmente quanto a certos valores em nome da segurança jurídica mas
abrindo-se mão desta sempre que sua prevalência seja capaz de sacrificar o
insacrificável[9].
O princípio da moralidade administrativa traz à tona a idéia de cuidado, zelo,
com o patrimônio do Estado e de seus entes públicos. O encargo da fiscalização
a este respeito fica para os Tribunais de contas, o legislativo e o povo.
Desse modo entende-se que no caso de haver uma decisão judicial transitada em
julgado condenando um ente público a indenizar o particular em valor superior
ao real, tal decisão é inconstitucional, pois fere princípios consagrados em
nosso ordenamento jurídico: princípio da isonomia e da moralidade
administrativa. Os efeitos dessa decisão devem ser subordinados a sua
constitucionalidade. Dinamarco encara tal fato como sendo: efeitos
juridicamente impossíveis e portanto não incidirá a autoridade da coisa julgada
material – porque, como sempre, não se concebe imunizar efeitos cuja efetivação
agrida a ordem jurídico-constitucional[10].
3. CORRENTES DOUTRINÁRIAS
Como todo e qualquer tema jurídico, há correntes doutrinárias divergentes sobre
o assunto. A visão tradicionalista, estreitamente ligada ao conceito absoluto
da imutabilidade da coisa julgada em toda e qualquer hipótese, onde, após
passada em julgada a decisão o preto vira branco, o redondo, quadrado e assim
por diante está sendo questionada atualmente. Há ainda posições radicais
reverenciando a autoridade da coisa julgada.
Contudo, em obediência ao desenvolvimento lógico concatenado no presente trabalho,
a doutrina a que nos filiamos e pretendemos disseminar é a da relativização da
coisa julgada em hipóteses excepcionais, tal como abordado pelo mestre Cândido
Rangel Dinamarco em seu artigo vezes citado por nós.
4. REMÉDIOS PROCESSUAIS ADEQUADOS Á SUPRESSÃO DA AUTORIDADE DA COISA JULGADA
SUMÁRIO:
4.1 A coisa julgada e o processo de execução:
4.1.1 Efeitos da improcedência no processo de execução
4.2 A coisa julgada e a ação monitória
4.3 A coisa julgada e a tutela de urgência
4.4 Rescisória
4.4.1 Sentença transitada em julgado com base em lei posteriormente declarada
inconstitucional
4.4.2 Segurança jurídica X Princípios Gerais do Direito
4.5 Recursos Excepcionais
4.6 – Querela nullitatis.
No dizer de Luiz Orione Neto os recursos tem função ora substitutiva, ora
rescindente até num mesmo recurso. Tanto a apelação quanto o recurso
extraordinário[11] . Não trataremos, obviamente, de todos eles no estudo
proposto, mas vale dizer que a coisa julgada pode ser atacada por diversos
remédios processuais. Há quem fale em embargos de declaração tanto quanto no
recurso extraordinário. Entendem que os erros podem ser corrigidos a qualquer
tempo, ainda que a sentença tenha transitado em julgado.
Declinando no sentido de haver-se a relativização da coisa julgada em casos
excepcionais, ela deve ser combatida através de meios processuais adequados a
sua supressão, quais sejam: a propositura de nova ação idêntica à primeira,
embargos à execução ou alegações incidentes, no processo executivo ou em outro,
ação declaratória de nulidade absoluta e a rescisória. Cada procedimento
adequando-se ao caso específico, lembrando do princípio de que não há nulidade
sem que tenha havido prejuízo, assim como o erro de forma não prejudica.
...a idéia de imutabilidade inerente à coisa julgada deve ser compreendida em
seus reais contornos. É que a irrevogabilidade presente na noção de coisa
julgada apenas significa que a inalterabilidade de seus efeitos tornou-se
vedada através da via recursal e não que é impossível por outras vias.
Há de se sublinhar, com efeito, que a inalterabilidade da decisão judicial
transitada em julgado não exclui, ainda que em termos excepcionais, a sua
modificabilidade. É o caso no direito brasileiro, por exemplo, da ação
rescisória que tem por objetivo, exatamente o de desconstituir a coisa
julgada[12].
É rescindível decisão judicial satisfazendo pedido já transitado em julgado, ou
seja, pesando a autoridade da coisa julgada, tratando-se de pressuposto
processual. Retira-se do mundo jurídico a decisão que se rescindiu, sem
decidir-se novamente sobre o caso, pois não se pode decidir sobre uma ação na
qual se ausentam os pressupostos processuais.
Ação interposta pela segunda vez, da qual já está coberta com a autoridade da
coisa julgada, impede que haja nova ação sobre o caso. A objeção da coisa
julgada pode ser feita a qualquer momento pelas partes, assim como de ofício
pelo juiz, também a qualquer tempo. Há, contudo, pela doutrina, diversidade de
interpretação sobre qual decisão deve prevalecer, se a primeira ou a segunda,
mas não convém trazer o assunto à baila no estudo proposto.
Sentença judicial que ofende o ordenamento jurídico constitucional é
rescindível, assim como sentença que ofende a lei federal. As sentenças são
tidas como inconstitucionais na medida em que acolhem pedidos
inconstitucionais, dessa forma, não transitam em julgado, posto que seu pedido
era originalmente ausente de possibilidade jurídica, ou seja, carecedor do
direito de ação. Esta conclusão decorre de posicionamentos doutrinários que
devem ser pincelados no seguinte sentido: da existência de atos juridicamente
inexistentes, e das condições da ação e pressupostos processuais como
requisitos para existência do processo como ato jurídico.
4.1 A coisa julgada e o processo de execução
4.1.1 Efeitos da improcedência em Processo de Execução
No processo de execução há cognição, embora seja parcial, pois se isenta de
discutir e declarar o direito material do exeqüente, analisando apenas alguns
temas, em específico, para efetuar à execução do direito contido no título.
Verifica-se cognição pelo princípio que vigora nulla executio sine titulo.
A Medida Provisória nº 2180/01 adicionou o parágrafo único ao artigo 741 do
Código de Processo Civil:
Para efeito do disposto no inciso II deste artigo, considera-se também
inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados
inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal ou em aplicação ou
interpretação tidas por incompatíveis com a Constituição Federal[13].
Nos embargos à execução, mesmo sem que tenha havido o pronunciamento do STF com
relação a norma legal utilizada para a fundamentação da sentença, pode vetar a
execução, mesmo que ocorrido o trânsito em julgado da sentença. Portanto, os
embargos a execução constitui meio hábil à impugnação da coisa julgada. Enfim,
havendo discordância entre a ordem constitucional e a sentença, não pode haver
sua execução, e isto pode ser argüido em embargos à execução.
Havendo pronunciamento do STF quanto à norma relativa a fundamentação da
execução, em se tratando de norma expressamente inconstitucional, se torna
inquestionável o dever de recusar a execução da referida sentença. A sentença é
tida por inconstitucional, e não é por ter passado em julgado que tornar-se-ia
legal.
No caso de o juiz extinguir o processo de execução sem julgamento de mérito, ou
seja, proceder no indeferimento da petição inicial na ação de execução, dá-se
coisa julgada formal, desta feita não há que se falar em coisa julgada. É o
caso de se proceder a novo ajuizamento da mesma causa, desta vez com sanado o
vício que ensejou a extinção do processo.Pode ocorrer também, quando impossível
sanar o vício, no caso de ser apresentado um documento que não constitui título
executivo, que seja ajuizada ação de cobrança, ou ação monitória, dependendo do
caso. Nestes casos não se produz a coisa julgada.
Quando falta algum requisito na inicial da ação de execução, e isso passa
despercebido pelo magistrado, não quer dizer que o executado tem que ficar a
mercê da desatenção alheia. Mesmo sem efetivar a penhora, fora da esfera dos
embargos, o executado pode apontar os vícios da petição inicial através de
simples petição. E se desse ato decorrer o indeferimento da inicial, pode o
exeqüente propor nova ação como no caso anterior, pois se trata de nulidade
absoluta, devendo o juiz argüir ex officio.
Entretanto, em contrário senso, no caso de ser verificado a extinção do débito
em embargos a execução, seja pelo pagamento, transação, remissão ou renúncia ao
crédito. Tal sentença estará acobertada pela imutabilidade, pela qualidade da
coisa julgada material, podendo ser desconstituída, presente os requisitos, por
ação rescisória.
O mesmo não ocorre sem que haja os embargos, pois a natureza da ação de
execução não é apta a se pronunciar acerca da existência ou inexistência do
crédito declarado na execução, não produz a qualidade da coisa julgada
material. Quando da apresentação dos embargos à execução, será analisado o
mérito, e o julgamento neste caso é apto a formação da coisa julgada material e
possível rescisória para sua desconstituição.
Outrossim, outra saída, para restituir o valor indevidamente pago ao exeqüente,
é a propositura de ação condenatória autônoma em relação à execução. Uma vez
extinto o processo de execução por ausência de título executivo, não poderá ser
argüida tal falta. Mas poderá em ação própria, discutir a relação de direito
material existente.
4.2 A coisa julgada e a ação monitória
O raciocínio quanto à ação monitória não pode ser diferente daquele aceito para
a ação executiva. O sistema jurídico da monitória varia de acordo com a atitude
do réu. No caso, o Autor funda sua petição inicial em prova escrita sem
eficácia de título executivo[14] , bastando a presença deste para que o
processo tenha seguimento, sem a analise do direito material envolvido. No caso
de haver o indeferimento da inicial não ocorre a coisa julgada, e a ação poderá
ser re-proposta, seja como cobrança ou a via mais adequada. Já, quando o Réu
embargar, aí a cognição se completa, levando a sentença advinda daí, a ser
acobertada pela coisa julgada material. Contudo, trata-se de matéria
extremamente divergente no âmbito doutrinário e jurisprudencial.
O incômodo que causaria entendimento diverso seria de que a rejeição da tutela,
devido à limitada cognição, levasse a formação da coisa julgada. Ou ainda,
ocorrer preclusão quando da não oposição de embargos monitórios pelo Réu. Não é
o entendimento a que nos filiamos, entretanto cabe como ilustração.
Há ainda um preceito processual que não pode ser suprimido acerca do assunto. O
artigo 1102, alínea c é expresso: ...Se os embargos não forem opostos,
constituir-se-á, de pleno direito, o título executivo judicial... De acordo com
o que afirmamos, não ocorre coisa julgada na ação monitória. Por essa razão,
mesmo depois de efetuada a execução de tal título, é possível ao executado
ajuizar ação de repetição de indébito.
4.3 A coisa julgada e a tutela de urgência
Não há discussão em torno da assertiva de que tutela de urgência não faz coisa julgada.
É certo, pois, que a decisão em processo cautelar ou tutela antecipada, o que
for, não possui cognição exauriente, ao contrário, é resolvida do modo como se
apresenta, sua aparência dita a decisão, que pode não ser definitiva.
4.4 Rescisória
A jurisprudência, de maneira geral, afasta o cabimento da ação rescisória
quando, ao tempo da sentença rescindenda, a lei aplicada, era de interpretação
controvertida nos tribunais, mesmo que mais tarde, o entendimento pretoriano
tenha se pacificado em sentido diverso do adotado pelo decisório impugnado[15].
Ocorre que tal mandamento, corroborado pela Súmula 343 do Supremo não satisfaz
as mentes ávidas por justiça. Por tal motivo, o Superior Tribunal de Justiça
afasta a aplicabilidade da súmula sobredita e aceita o cabimento da rescisória
irrestritamente se posterior a sentença, obtém-se interpretação pacífica nos
tribunais acerca do direito material julgado diversamente de tal entendimento.
Basta sensatez para concluir-se dessa forma. É inerente a justiça que seja
possível a modificação de sentença prolatada em época de divergências
jurisprudenciais, onde após pacificação do tema, aquele cuja decisão lhe
incomoda, e é diversamente do que se asseverou nos tribunais em um mesmo
sentido.
Se o acórdão rescindendo deixou de aplicar a lei, por julga-la
inconstitucional, a ação rescisória e sempre cabível, nada importando a
circunstância de tal inconstitucionalidade haver sido controvertida, na época
em que se formou o acórdão. – A restrição contida na sum. 343/STF não incide,
quando se controvertia a constitucionalidade da lei, ficando ao largo, a
interpretação do dispositivo legal[16].
4.4.1 Sentença transitada em julgado com base em lei posteriormente declarada
inconstitucional
É a rescisória a ação adequada para declarar que lei inconstitucional não
produz efeitos desde o seu nascimento, no sentido de que a declaração de
inconstitucionalidade proferida pelo STF possui efeito retroativo. Há hipótese
de haverem os efeitos ex nunc da declaração de inconstitucionalidade da lei,
quando restringirem seus efeitos por maioria de 2/3 de seus membros.
Entretanto, já que a lei a que se refere a decisão é inconstitucional, a
sentença tornou-se contrária a constituição também, é considerada como tal
desde o nascimento, por isso dever ser, em regra, seus efeitos retroativos.
Extrai, dentre outras conseqüências a de que todos os efeitos, produzidos pela
norma atingida, são desconstituídos, para tanto invocado, com freqüência, a
lição de Marshall, no sentido de que a lei inconstitucional é lei natimorta (o
que retiraria, aos atos constituídos com base nela, o suporte jurídico de
existência). Registre-se, todavia, que freqüentemente a Corte, ao dar pela
procedência, ressalva os efeitos até então já consumados (sobretudo se
produzidos de boa-fé, ou se a desconstituição radical se revelar sumamente
injusta ou socialmente indesejável). A solução benévola do Supremo seria
plenamente justificada, do ponto de vista do sistema jurídico, se reconhecida a
natureza bivalente do julgado, a um tempo declaratório e constitutivo
(realidades de modo algum antitéticas) [...][17].
A regra dos efeitos ex tunc, ou seja, retroativo, das decisões declaratórias de
inconstitucionalidade não é absoluta, pois podem levar a situações absurdas em
dados momentos, situações que não podem voltar ao status quo ante, portanto, em
tais circunstâncias, se faz necessário expressamente determinar que os efeitos
devem ser ex nunc, hipótese essas excepcionais, portanto, saliente-se: exceção
à regra.
Não obstante, a Súmula 343 do STF que expressa a vedação da rescisória em
hipóteses controvertidas nos tribunais:
Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a
decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida
nos tribunais[18].
Existem acórdãos proferidos pelo Superior Tribunal de Justiça[19] que afastam a
aplicação da súmula supra-citada com razão. Entende, aliás, da única forma
compreensível, caber rescisão sempre quando a controvérsia acabou acerca do
caso julgado contrariamente. De forma diversa, aceitar que, após pacificação
sobre o tema em litígio, o judiciário se negue a uniformizar suas decisões dá a
impressão, ao cidadão, se tratar de prevaricação, ou no menos, preguiça. O
dever do Estado é oferecer solução ao litígio, não se negar à jurisdição. O
fato de haver a uniformização das decisões é direito do jurisdicionado, é fator
de segurança jurídica, pois do contrário, num sistema onde cada processo,
diferentes apenas no que se refere as partes, terminam com uma decisão diversa,
isso é contrário a segurança jurídica. Diversidade de decisões, acerca de um
mesmo tema, só trazem dúvidas e incertezas ao jurisdicionado. O fazem inseguro,
pois a lei é igual para todos, e a distribuição do processo não deve ser fator
determinante no seu desenvolver, onde cada juiz entende diversamente sobre o
mesmo assunto.
4.4.2 Segurança jurídica X Princípios Gerais do Direito
A segurança jurídica está sendo lembrada, diversas vezes apenas como motivo
para que a coisa julgada seja vista como absoluta, mas quem o proclama esquece
do fator segurança do sistema. Pois o direito material é um só para todos, e as
decisões devem ser uníssonas.
Não devemos tratar segurança jurídica como princípio de direito, sendo que, de acordo
com a abordagem de Teresa Arruda Alvim e José Miguel Garcia de Medina:
Fala-se em proteção constitucional da coisa julgada. Mas é importante
observar-se que a Constituição Federal protege da incidência da nova lei
decisão que se tenha baseado em lei anterior e que, sob a égide desta, tenha
transitado em julgado. Por isso é que se pode dizer que a proteção à coisa
julgada é uma das facetas do princípio da irretroatividade da lei[20].
A segurança jurídica deve ocorrer de modo a que os cidadãos em geral, saibam de
que forma é o entendimento do judiciário. É inconcebível conviver com a
incerteza jurídica como é a situação que reina atualmente. O Autor, ao
ingressar com uma ação judicial, em que pese almejar um fim específico,
requerido na inicial, ignora o destino a ser seguido no curso do processo
judicial. Há decisões diversas acerca de casos idênticos. É o que ocorre quando
ausente a segurança jurídica.
A segurança jurídica diz respeito à irretroatividade da lei. Neste sentido é o
mandamento constitucional. Os princípios de direito estão expressos em lei em
sua maioria, portanto, quando o artigo 485 diz que a sentença de mérito,
transitada em julgado, pode ser rescindida quando: Inciso V: violar literal
disposição de lei[21] . Está certamente, dizendo englobando todos os princípios
inerentes a uma justa decisão.
A ação rescisória é autônoma, possui o prazo de dois anos contados da data do
trânsito em julgado. Esse é um dos maiores motivos de crítica quanto à
rescisória, pois o lapso temporal exigido para a utilização do direito da
rescisória é deveras curto frente às possibilidades existentes no mundo fático.
É o caso de ser rescindida a qualquer tempo, independentemente de prazo.
A lei limitar tempo para o aparecimento de prova nova é um absurdo processual,
contrário senso ao direito constitucional do devido processo legal e da verdade
real. Condicionar um fato superveniente ao tempo para que produza eficácia é
inaceitável. Porque, se a prova nova surgir após o tempo exigido, ficará sem
efeito. E a jurisdição que deveria servir para trazer equilíbrio às relações
humanas, trará desacerto e super valoração do procedimento, da burocracia em
sua forma mais ineficaz e imotivada.
O atual conceito de direito procura se espelhar na justiça, e para tal a moderna
sociedade está em busca da verdade real, não apenas, tradicionalmente, no
processo penal, mas principalmente no processo civil, objeto do presente
estudo. A relação de direito material está cada vez mais complexa, o direito
processual não mais pode ser visto desvencilhado da causa em exame.
Os processualistas mais formalistas poderiam, de forma cética, afirmar que é
questão de segurança jurídica, mas ao posicionar-se do outro lado, do
sucumbente, que após dois anos, obteve a prova de que necessitava para a
alegação à época, você se indaga, de que serve o direito se não para a
efetivação da justiça? Há muito mais em jogo do que patrimônio, muitas vezes.
Sobre paternidade, escrever-se-ia um livro inteiro, defendendo a idéia canônica
de que não transita em julgado sentença referente ao estado das pessoas.
4.5 Recursos Excepcionais
Regrado constitucionalmente, o Recurso Extraordinário não visa a correção de
injustiças. Afirmativa dolorosa, mas verdadeira juridicamente, pois como
compreender sem contrariar, a possibilidade de perpetuação de injustiças,
obtendo um “não conheço”, por descaber a questão em sede de Recurso
Extraordinário. Entretanto, os recursos excepcionais visam defender a
Constituição Federal e as leis federais. Têm por escopo manter a uniformidade
das decisões e a autoridade constitucional. Portanto, em sede de Recurso
Extraordinário, este será provido não pela injustiça que a decisão porventura
tenha causado, mas por ser contrária a disposição constitucional.
Claro, que se interposto o recurso, não terá transitado a decisão (embora haja
outra discussão acerca do tempo exato do trânsito em julgado).
4.6 Querela nullitatis insanabilis
É uma ação autônoma, datada da idade média para a impugnação de sentenças. É a
ação declaratória de nulidade da sentença por vício insanável como diz o
próprio nome. Insanável são as nulidades tidas por absolutas, as quais não se
opera a preclusão, ou seja, podem ser apontadas a qualquer momento, pelas
partes ou ex officio. Entretanto, nulidade, de tal monta que faz com que o
processo esteja padecendo da falta de algum pressuposto processual, outrossim,
deve ter trazido prejuízo à parte sucumbente, este é um princípio, segundo o
qual não há nulidade sem que haja prejuízo.
Esta ação tem por escopo desconstituir a sentença de mérito inconstitucional
que aparentemente tenha transitado em julgado, pois na analise aprofundada,
conclui-se que não houve trânsito em julgado, e para essas hipóteses é que se
utiliza a ação declaratória de nulidade da sentença.
Esta é a principal função da diferenciação entre sentenças nulas e sentenças
inexistentes. Aquelas, para serem desconstituídas, por meio de ação rescisória,
ficam sujeitas ao prazo decadencial do art. 495. Estas podem ser, como
inexistentes, declaradas a qualquer tempo[22].
Vício de citação, por exemplo, é um caso inconteste a argüir através da ação em
exame, mesmo que a sentença tenha transitado em julgado e passado o prazo de
dois anos para a rescisória.
CONCLUSÕES
As nulidades se perpetuam na sentença com o advento da coisa julgada em seu
bojo. No entanto, existem nulidades tão graves que não podem ser admitidas pelo
ordenamento jurídico, não podem ser sanadas quanto menos perpetrada no mundo
dos fatos. A qualquer tempo devem ser alegadas. Impugnar-se-á decisão
incompatível com a Constituição Federal. Este é o pensamento principal do
concluído em nosso estudo. Tem-se como linha mestra de raciocínio que devem ser
seguidas a risca as regras constitucionais, sempre em busca da verdade real, do
direito justo sobre as formas processuais e preclusões.
Extrai-se, deste pensamento, que a sociedade atual exige um regramento no
sentido de alterar o dogma da coisa julgada, e amplia-lo excepcionalmente, em
casos específicos cuidadosamente analisados pelo magistrado evitando o uso dos
Recursos Extraordinário e especial. Devendo haver tolerância e compreensão do
magistrado de primeiro grau no sentido de examinar a ação de querella
nulitatis, em ações de sua competência. Para que haja apenas uma decisão sobre
o assunto, e não intermináveis recursos, pois a mentalidade dos Tribunais tem
sido, acertadamente, no sentido da excepcional relativização da coisa julgada.
O que se propõe é a mudança de mentalidade, é que a comunidade jurídica abra
seu leque de possibilidades e faça valer os direitos inerentes aos cidadãos.
Propõe-se resolver o problema, muitas vezes criado pela própria administração
pública em prejuízo da sociedade. É um antídoto contra injustiças,contra
ingerências, e a favor da família como entidade familiar e relativo ao estado
de pessoas. É o zap, guardado na manga que deve ser utilizado apenas em casos
de extrema necessidade, e o Estado, através da jurisdição, deve sucumbir a ele.
Contudo, se a nulidade for argüida no momento oportuno, nada teríamos que
discutir acerca da relativização da coisa julgada. Se o poder judiciário
trabalhasse de tal forma que as nulidades não ocorressem, seria o ideal. Se os
advogados e o ministério público atentassem corretamente aos vícios
processuais, o processo seria incólume. Se as partes não jogassem “sujo”, nada
disso aconteceria. Mas são só utopias. E infelizmente, como são só utopias,
teremos que conviver com todos estes problemas jurídicos por muitos e muitos
anos.
BIBLIOGRAFIA
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julgada: hipóteses de relativização. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2003.
Notas do texto:
[1] CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil vol.I. os
conceitos fundamentais – p. 369.
[2] Humberto Theodoro Junior e Juliana Cordeiro de Faria, A coisa julgada
inconstitucional e os instrumentos processuais para seu controle in Coisa
Julgada Inconstituicional, 4a.ed. sob a coordenação de Carlos Valder do
Nascimento, p. 79.
[3] Delgado, José Augusto. Efeitos da coisa julgada e os princípios constitucionais.
Palestra proferida no IV Congresso Brasileiro de Processo Civil e Trabalhista,
Natal/RN, 22/09/2000 in Coisa Julgada Inconstitucional ob.cit. p.83/84 in A
coisa julgada Inconstitucional, ob.cit.
[4] DINAMARCO, Cândido Rangel, Relativizar a coisa julgada material artigo
publicado In Revista da Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo, n. 55/56,
p.7
[5] WAMBIER, Teresa Arruda Alvim e MEDINA, José Miguel Garcia Medina. O dogma
da coisa julgada : hipóteses de relativização – p. 177
[6] CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil vol.I. os
conceitos fundamentais – p. 369
[7] Delgado, José Augusto. Efeitos da coisa julgada e os princípios
constitucionais. Palestra proferida no IV Congresso Brasileiro de Processo
Civil e Trabalhista, Natal/RN, 22/09/2000 in Coisa Julgada Inconstitucional
ob.cit. p.83/84 in A coisa julgada Inconstitucional, ob.cit.
[8] Ministro José Delgado defende a conceituação da coisa julgada em face dos
princípios da moralidade pública e da segurança jurídica, in artigo DINAMARCO,
Candido Rangel, Relativizar a coisa julgada 1.3.
[9] Candido Rangel Dinamarco, Relativizar a coisa julgada. Cap 2.4
[10] Cândido Rangel Dinamarco, ob.cit. cap.2.7
[11] ORIONE NETO, Luiz. Recursos civeis. p. 137.
[12] Humberto Theodoro Junior e Juliana Cordeiro de Faria, ob.cit. p. 82.
[13] parágrafo único do artigo 741 do Código de Processo Civil
[14] Artigo 1102, a do Código de Processo Civil
[15] Humberto Theodoro Junior e Juliana Cordeiro de Faria, ob.cit. p. 100/101
[16] RESP 99425 / DF , Ministro Humberto Gomes de Barros
[17] Sérgio Ferraz. Declaração de inconstitucionalidade no STF, RTDP 3/204. in
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim e José Miguel Garcia Medina, O dogma da coisa
julgada: hipóteses de relativização. P. 49.
[18] Súmula 343 do Supremo Tribunal Federal
[19] STJ 1a.T. Resp 99.425/DF, / Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, ac
06.03.97, RSTJ 96/150.
[20] op. Cit. p. 171
[21] artigo 485 do Código de Processo Civil
[22] WAMBIER, Teresa Arruda Alvim e MEDINA, José Miguel Garcia Medina. O dogma
da coisa julgada: hipóteses de relativização – p. 212
Disponível em: http://www.escritorioonline.com/webnews/noticia.php?id_noticia=5672&
Acesso em: 30 de maio de 2005