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Antônio Souza Prudente
RESUMO Considerações
sobre a antecipação da tutela na sistemática do Código de Processo Civil.
Distingue-se a tutela antecipatória da tutela cautelar e verifica-se que,
através da primeira, concede-se, de forma antecipada, o próprio provimento
jurisdicional pleiteado ou seus efeitos. Revela-se a dificuldade da antecipação
da tutela nas ações intentadas contra a Fazenda Pública, através do constante
abuso do direito de defesa da União. Inaugura-se o instrumento corretivo da
ação rescisória em matéria constitucional e adquire-se, assim, espaço amplo de
aplicação da antecipação da tutela específica. Resgatam-se os princípios
fundamentais da segurança jurídica e da efetividade da jurisdição, com o
princípio de livre acesso à Justiça, que, desafogada dos milhares de feitos
repetitivos, tornar-se-á mais célere, sábia, justa e eficaz.
I - Natureza jurídica da
tutela antecipatória e da medida cautelar. Distinção essencial e inconfundível.
Fulcrada no princípio da efetividade
do processo, a antecipação da tutela surge, na sistemática do
Processo Civil vigente, como exigência imperiosa do princípio da inafastabilidade
da jurisdição (CF, art. 5º, inciso XXXV).
Na feliz expressão do eminente
processualista Nelson Nery Júnior(5), tutela antecipatória dos efeitos da
sentença de mérito é providência que tem natureza jurídica de execução lato
sensu, com o objetivo de entregar ao autor, total ou parcialmente, a própria
pretensão deduzida em juízo ou os seus efeitos. É tutela satisfativa no plano
dos fatos, já que realiza o Direito, dando ao requerente o bem da vida por ele
pretendido com a ação de conhecimento. Com a instituição da tutela antecipatória
dos efeitos da sentença de mérito no Direito brasileiro, de forma ampla, não há
mais razão para que seja utilizado o expediente das impropriamente denominadas
"cautelares satisfativas", que constituem uma contradictio in
terminis, pois as cautelares não satisfazem: se a medida é satisfativa é
porque, ipso facto, não é cautelar. (...) A tutela antecipada dos efeitos da
sentença de mérito não é tutela cautelar porque não se limita a assegurar a
viabilidade da realização do direito afirmado pelo autor, mas tem por objetivo
conceder, de forma antecipada, o próprio provimento jurisdicional pleiteado ou
seus efeitos. Ainda que fundada na urgência (CPC, art. 273, I), não tem
natureza cautelar, pois sua finalidade precípua é adiantar os efeitos da tutela
de mérito, de sorte a propiciar sua imediata execução, objetivo que não se
confunde com o da medida cautelar (assegurar o resultado útil do processo de
conhecimento ou de execução ou ainda, a viabilidade do direito afirmado pelo
autor).
II - Antecipação da tutela na
Justiça Federal
Com exceção das hipóteses das
garantias instrumentais efetivas do mandado de segurança (individual e
coletivo), do habeas-corpus, do habeas-data, do mandado de injunção, da ação
popular e da ação civil pública, que já comportam a técnica da antecipação da
tutela, com inegável sucesso, tal figura encontra, no raio de competência
jurisdicional da Justiça Federal, um espaço de difícil realização nas ações
intentadas contra a Fazenda Pública, que veiculam pretensão condenatória de
pagamento em dinheiro (mesmo que o crédito seja de natureza alimentar - Súmula
nº 4 do TRF-1ª Região), pelo domínio dos privilégios da União Federal e de seus
entes autárquicos (CF, art. 100, §§ 1º e 2º), no âmbito dessa competência (CF,
arts. 108 e 109).
Tome-se ainda, como exemplo, a
hipótese do art. 273, inciso II, do CPC, que prevê a tutela antecipatória
punitiva, quando restar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o
manifesto propósito protelatório do réu.
Na lição de Guilherme Marinoni(4)
é possível a antecipação, com base no inciso II do art. 273, quando: (a) os
fatos constitutivos do direito do autor estão provados e a exceção substancial
indireta é infundada; (b) não é contestada parcela do direito afirmado; e (c) o
recurso remexe em matéria de fato e carece à evidência de seriedade, ou quando
o recurso trata de matéria de direito devidamente pacificada no Tribunal",
advertindo-nos de que "a antecipação no caso de ‘abuso de direito de
defesa’, na verdade, tem certo parentesco com o réferé provision do Direito
francês. Através da provision é possível a antecipação quando ‘l’obligation ne
soit pas sérieusement contestable’ ("a obrigação não é seriamente
contestável", arts. 771 e 809 do Código de Processo Civil francês).
Ora, a experiência forense, no
âmbito da Justiça Federal, tem revelado o constante abuso do direito de defesa
da União, de suas autarquias e das entidades fundacionais, quer através de
razões infundadas, de respostas diretas e indiretas, desgarradas da realidade
dos autos, quer mediante contestações e recursos repetitivos e enfadonhos, que
versam sobre matéria jurídica totalmente resolvida e pacificada na
jurisprudência terminal de nossos tribunais.
Somam-se a esse abuso infor-mal
os privilégios da Fazenda e do Ministério Público, que ainda figuram na
legislação processual, quanto a prazos para contestar (quádruplo) e para
recorrer (dobro), (CPC, art. 188)(1), devendo ser intimada a União Federal,
através de seus advogados e procuradores, pessoalmente, sob pena de nulidade
dos atos praticados, em evidente lesão aos princípios da isonomia das partes,
da efetividade justa do processo e da rápida solução do litígio (CPC, art. 125,
I e II).
Nota-se, por último, que os
representantes legais dessas pessoas públicas se utilizam, por "dever de
ofício", de todos os recursos previstos na sistemática processual vigente
(e são muitos), em manifesto propósito protelatório, que fere fundo o princípio
da moralidade administrativa (CF, art. 37, caput).
O abuso legal desses privilégios
se agrava ainda mais quando a União perde a demanda, pois, nesse caso, a
sentença do juiz só produzirá efeito depois de confirmada pelo tribunal (CPC,
art. 475, inciso II).
Esgotadas as vias recursais
ordinárias, especial e extraordinária, se a Fazenda Pública for condenada a
cumprir obrigação de dar dinheiro, a parte vencedora haverá de submeter-se à via
crucis do instrumento moroso e injusto do precatório (CF, art. 100, §§ 1º e
2º c/c o art. 730, incisos I e II do CPC), ante o privilégio legal da impenhorabilidade
dos bens públicos, não se admitindo, na espécie, a execução provisória da
sentença, prevista no art. 588, incisos I a III do CPC.
De resto, antes do pagamento
final, através do precatório (principal e complementares), o vencedor terá de
remover o círculo vicioso que se instalou, agora, no processo de execução de
sentença contra a Fazenda Pública, nos termos do art. 604 do CPC, com a redação
deter-minada pela Lei n. 8.898, de 20/6/94, considerando que a Fazenda vem
embargando, sistematicamente, todas as execuções dessa espécie, que se lhe
apresentem, com repetição de todos os recursos possíveis, no processo de
embargos, cuja sentença final, com trânsito em julgado, poderá se submeter,
novamente, a idêntica via crucis processual, sem perspectiva, a médio ou
longo prazo, de uma finalização da causa.
Como se vê, a técnica processual
da antecipação da tutela, preconizada no art. 273, incisos I e II, do CPC,
encontra óbices legais intransponíveis na sistemática processual civil em vigor
e no próprio texto constitucional (CF, art. 100, §§ 1º e 2º), quando a Fazenda
Pública (União, suas autarquias e fundações públicas) figura, como promovida,
na relação processual. Se a Fazenda for autora do pedido da tutela antecipada,
inexiste, evidentemente, qualquer óbice, desde que preenchidos os requisitos
legais para sua concessão, afirmando-se, ainda assim, a quebra do equilíbrio
das partes no processo.
O nosso Código de Processo Civil,
ao tratar da tutela específica, com a redação da Lei n. 8.952, de 13/12/94, determina:
Na ação que tenha por objeto o
cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela
específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências
que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento (art. 461,
caput). A obrigação somente se converterá em perdas e danos se o autor o
requerer ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado
prático correspondente (art. 461, § 1º). A indenização por perdas e danos
dar-se-á sem prejuízo da multa (art. 287) - (art. 461, § 2º). Sendo relevante o
fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento
final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação
prévia, citado o réu. A medida liminar poderá ser revogada ou modificada, a
qualquer tempo, em decisão fundamentada (art. 461, § 3º). O juiz poderá, na
hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu,
independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a
obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito (art. 461,
§ 4º). Para a efetivação da tutela específica ou para a obtenção do resultado
prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as
medidas necessárias, tais como a busca e apreensão, remoção de pessoas e
coisas, desfazimento de obras, impedimento de atividade nociva, além de
requisição de força policial (art. 461, § 5º).
A dimensão da tutela específica e
da assecuratória aqui previstas, ilumina-se no ensinamento do Professor Cândido
Rangel Dinamarco(3), neste enfoque:
Oriundo do Código de Defesa do Consumidor, deve o art. 461 do Código
de Processo Civil ser interpretado em sistema com o art. 83 daquele, segundo o
qual (mutatis mutandis) todas as espécies de ação são admissíveis, para a
tutela juris-dicional nas obrigações de fazer ou de não fazer. Esse preceito
não está escrito no Código de Processo Civil, mas resulta claramente do seu
sistema e da regra de adequação entre os provimentos jurisdicionais existentes
e as situações de direito material a serem providas. Falar em todas as espécies
de ações significa incluir as espécies de tutela que se obtêm no processo de
conhecimento (constitutiva, condenatória ou mera-mente declaratória) e também a
tutela executiva e a cautelar. O art. 461 situa-se no Livro do processo de
conhe-cimento e precisamente no capítulo da sentença e da coisa julgada, mas
isso não afasta a influência que terá na tutela executiva relacionada às
obrigações de fazer ou de não fazer. Para Ada Pellegrini Grinover, o art. 83 do
Código de Defesa do Consumidor abre caminho inclusive às ações mandamentais, o
que estaria evidenciado de modo especial nos §§ 4º e 5º do art. 461 do Código
de Processo Civil.
Nesse contexto amplo,
possibilita-se a aplicação da tutela específica ou assecuratória, em qualquer
processo onde figure a Fazenda Pública como autora, ré, assistente ou opoente,
observando-se os pressupostos legais para sua concessão.
Vê-se que a tutela específica, em
caráter liminar, como está prevista no § 3º do art. 461 do CPC, identifica-se,
em seus pressupostos, como aquela inserida no art. 7º, inciso II, da Lei n.
1.533/51, com força mandamental, superando esta pela garantia assecuratória da
multa coercitiva ("chicote jurídico"), aplicável até mesmo de ofício,
conforme está expresso no § 4º do aludido art. 461 do CPC.
Observa-se, no ponto, que as
obrigações de fazer ou de não fazer da Fazenda Pública são de natureza
personalíssima, no sentido de que somente devem ser cumpridas pelo agente
público investido da competência legal para tanto, no que se identificam com as
obrigações de natureza infungível.
Diante de atividades ilegais e
abusivas e de constantes omissões da Administração Pública a lesarem direitos
individuais, sociais, coletivos e difusos, existe, agora, em nosso ordenamento
jurídico-processual, a figura instrumental e eficaz da tutela específica.
Inúmeras são as ações que
tramitam, no Foro da Justiça Federal, a revelar pretensões que têm por objeto o
cumprimento de obrigação de fazer e de não fazer do Poder Público, através de
seus agentes (v.g. ações que visam ao cumprimento da obrigação constitucional e
legal de fazer o reajuste de proventos do aposentado, em valor não inferior ao
salário mínimo), a merecer a tutela específica, quando se façam presentes os
pressupostos legais.
Partindo do suposto de que a
tutela antecipada não se confunde com a tutela cautelar (que tem livre
trânsito, sem caráter satisfativo, em todas as instâncias judiciais, uma vez
observados seus pressupostos legais), entendo ser admissível a tutela
específica contra a Fazenda Pública, também, no curso da ação rescisória, a
despeito da norma do art. 489 do CPC.
III - Antecipação da tutela
específica, nas vias de controle de constitucionalidade
Se a Corte Suprema está
expressamente autorizada, na Constituição Federal, a processar e julgar medida
cautelar em ações diretas de inconstitucionalidade (CF, art. 102, I, p), penso
inexistir, no sistema, qualquer óbice que a desautorize a decidir sobre pedido
de antecipação de tutela específica, em ações dessa natureza, ainda que as
figuras, como já visto, não se confundam.
No procedimento do controle
difuso de constitucionalidade (CF, art. 97; CPC, arts. 480 a 482), fulcrado na
doutrina de Marshall (1803), com a recomendação de que o juiz, ao aplicar as
leis na solução dos conflitos, deve antes verificar se elas estão em harmonia
com a Constituição porque, só assim, serão tidas como leis (prestigiando,
sobremodo, a figura do juiz natural), já se buscam mecanismos legais que
garantam uma prestação jurisdicional célere e justa, que não permita o fenômeno
da pulverização de julgados, em matéria constitucional, com o congestionamento
incontrolável dos tribunais do país e do próprio Supremo Tribunal, como guardião
máximo da Constituição (CF, art. 102, caput).
A morosidade e a insegurança
jurídica que resultam desse sistema, com prejuízo sensível à cidadania e às
liberdades públicas, diante das decisões contraditórias dos tribunais, em
matéria constitucional, a se afrontarem com a crescente pletora de feitos, que
se multiplicam, em busca de uma solução definitiva para a questão
constitucional, que é entregue, quase sempre, tardiamente, pela Corte Suprema
(v.g. bloqueio dos cruzados, no governo Collor), vêm reclamar, com urgência, o
aprimoramento do sistema (não a sua eliminação, como pretendem alguns), através
de mecanismos que devolvam, com rapidez e eficiência, a matéria constitucional
ao Supremo Tribunal Federal, a fim de que nos defina, com presteza, a inteligência
da Constituição, em termos absolutos, com força vinculante e efeitos erga
omnes.
Nesse contexto, a utilização
efetiva da antecipação da tutela específica, pelos interessados, poderá
contribuir como instrumento valioso na solução do problema da morosidade da
Justiça, no Brasil.
Impõe-se, nesse particular, de lege
ferenda, a seguinte sugestão:
Por se tratar de questão de ordem
pública, a argüição de inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo do
poder público, incidenter tantum, deverá ser suscitada, também, de
ofício, por qualquer juiz, ao dar o voto na Turma, Câmara ou grupo de Câmaras,
a exemplo do que ocorre no incidente de unifor-mização de jurisprudência nos
Tribunais (CPC, art. 476, caput).
Declarada a inconstitucionalidade
da lei ou do ato normativo pela maioria absoluta dos membros que integram o
tribunal ou dos membros do respectivo órgão especial (CF, art. 97), essa
decisão, após o transcurso do prazo para embargos de declaração (único recurso
cabível, na espécie) deverá ser remetida, ex officio, sem prejuízo do
recurso voluntário-extraordinário (CF, art. 102, inciso III, alíneas a, b e c),
à Suprema Corte, que a confirmará ou a reformará, in totum ou em parte,
fixando a inteligência da matéria constitucional a ser seguida,
obrigatoriamente, por todos, com efeito vinculante e eficácia erga omnes.
Pacificada a questão
constitucional pelo guardião supremo da Constituição, e submetidos os órgãos do
Poder Legislativo, Executivo e Judiciário a essa decisão extrema, teremos
resgatado os princípios fundamentais da segurança jurídica e da efetividade da
Jurisdição, com prestígio do livre acesso à Justiça, que, já desafogada dos
milhares de feitos repetitivos, tornar-se-á mais célere, sábia, justa e eficaz.
Nesse ponto, queda-se obso-leta a
tese da avocatória, de colorido fascista, uniformizando-se os efeitos do
sistema concentrado com os do sistema difuso, a introduzir, no país, a doutrina
do stare-decisis, com as características próprias de nossa cultura
equatorial, em busca de rápidas soluções de justiça.
Na dinâmica do novo sistema de
controle de constitucionalidade, o Senado Federal não mais entraria em cena,
com sua resolução formal, para a retirada do ordenamento jurídico da lei
imprestável, porque a decisão do Alto Pretório já teria esse efeito por si só.
De alguma forma, já caminha-mos
nos atalhos da dinâmica jurisprudencial, para o reconhe-cimento do almejado
sistema, inaugurando-se, em nossos Tribunais Regionais Federais, o instrumento
corretivo da ação rescisória, em matéria constitucional, sem os entraves das
Súmulas nºs 343/STF e 143/TFR, a estabelecer-se, na seara da Jurisprudência, um
fenômeno curial de eficácia plena das decisões de mérito da Suprema Corte, em
sede constitucional, que ouso denominar de Controle Difuso-Póstumo de Constitucionalidade
de Leis ou de Atos Normativos do Poder Público.
Cristaliza-se esse controle
através do instrumento processual da ação rescisória, excepcional, com base no
art. 485, inciso V, do CPC, por violação literal de disposição de nossa Lei
Fundamental, conforme se vê do seguinte julgado:
CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL
CIVIL E TRIBUTÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. ADMISSIBILIDADE, SEM INTERFERÊNCIA DA
SÚMULA Nº 343/STF. VIOLAÇÃO DA LEI FUNDAMENTAL (CPC, ART. 485, V) - JUDICIUM
RESCINDENS: INCONSTITUCIONALIDADE DA CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA, INCIDENTE
SOBRE A REMUNERAÇÃO DE AUTÔNOMOS E ADMINISTRADORES (LEI N. 7.787/89, ART. 3º,
I). - JUDICIUM RESCISORIUM: PROCEDÊNCIA DA APELAÇÃO. SEGURANÇA CONCEDIDA.
I - Judicium Rescipiens: No
Estado de Direito, a lei inconstitucional agride a alma do povo, que a
Constituição materializa em seus preceitos. Não há ato jurídico perfeito nem
coisa julgada em afronta à Constituição, cuja inteligência última se reserva,
em termos absolutos, ao Supremo Tribunal Federal (CF, art. 102, caput). Se o
julgado rescindendo amparou-se em texto legal absolutamente nulo, por violar a
Constituição Federal, admite-se a ação rescisória, com base no art. 485, inciso
V, do CPC, sem interferência da Súmula n. 343/STF, na espécie.
II - Judicium Rescindens: A
Resolução n. 14/95 - Senado Federal (DOU de 28/4/95) determinou a suspensão,
com efeitos ex tunc, da expressão "avulsos; autônomos e
administradores", contida no inciso I do art. 3º da Lei n. 7.787/89, por
haver sido declarada inconstitucional pelo Alto Pretório, no RE n.
177.2964/210, no que foi seguido pelo TRF-1ª Região, na argüição de
inconstitucionalidade na AC n. 93.01.12212-0/DF.
Declara-se rescindido o
Acórdão da colenda 3ª Turma deste Tribunal, no julgamento da AMS n.
92.01.03326-5/MG, que contraria o entendimento da Suprema Corte, nessa matéria.
III - Judicium Rescisorium:
Apelação provida, para conceder a segurança buscada.
(Ação Rescisória n.
94.01.23859-6/DF. Rel. Juiz Souza Prudente. 2ª Seção. TRF-1ª Região - Unânime -
Julgado em 30/5/95).
Em juízo de admissibilidade,
disse eu: "Entendo, assim, que se o julgado perseguido amparou-se em texto
legal absolutamente nulo, porque afronta nossa Lei Fundamental, merece ser
rescindido tal julgado, por se tratar de ato jurídico-processual, também,
visceralmente nulo, contrário à Constituição, que é a fonte vital de todo
ordenamento jurídico".
Nessa convicção já se
manifestara, no Alto Pretório, o eminente Ministro Cunha Peixoto, com estas
letras:
O Corpus Juris Secundum,
reportando-se ao Direito norte-americano, assim compreendia a diretriz ali
dominante: Em sentido amplo, uma lei inconstitucional é nula, em qualquer
tempo, e a sua invalidade deve ser reconhecida e proclamada para todos os
efeitos ou quanto a qualquer estado de fato. Não é lei ou não é uma lei: é algo
nulo, não se reveste de força, não possui efeito ou é totalmente inoperante.
Falando de modo geral, a decisão, pelo Tribunal competente, de que a lei é
inconstitucional, tem por efeito tornar essa lei nula e nenhuma; o ato
legislativo, do ponto de vista jurídico, é tão inoperante, como se não tivesse
sido emanado ou como se a sua promulgação não houvesse ocorrido. É considerado
inválido ou nulo, desde a data da promulgação e não somente a partir da data em
que é judicialmente declarado inconstitucional.(RTJ 101/210).
Com razão, pois, o colendo
Tribunal Regional Federal da 5ª Região, que, no julgamento da AR n. 228-PE,
relatada pelo douto Juiz José Delgado, afirmou, em decisão plenária, que:
A Súmula n. 343/STF há de ser
entendida com a mensagem que ela própria contém. Ela se destina a prestigiar a
interpretação controvertida de texto legal pelos tribunais. Não se expande,
conseqüentemente, a prestigiar divergência sobre inconstitucionalidade de lei
entre tribunais inferiores e o Supremo Tribunal Federal. A função do Direito é
ordenar. Atua de modo sistemático e obedecendo a uma hierarquia de valores que
se expressam, também, no campo das competências. A unidade de sua força se
encontra na horizontalidade de suas decisões e no estado harmônico como se
apresenta o ordenamento jurídico. Esse, em determinados momentos, deve
submeter-se ao processo de verticalização que lhe foi imposto pela Constituição
Federal, pelo que, em tema de constitucionalidade ou inconstitucionalidade, há
de sempre homenagear a Corte que tem competência para a respeito decidir (DJ de 12/8/94, p. 43.447).
Na mesma linha de pensar, já vem
decidindo este egrégio Tribunal, conforme se vê do Acórdão proferido nos autos
da Ação Rescisória n. 93.01.28097-3/DF, de que foi relator o eminente juiz
Nelson Gomes da Silva (DJ de 6/3/95, p. 10.743 - Seção II), sob a orientação
pretoriana da Suprema Corte (RE n. 103.880-SP. Rel. Min. Sydney Sanches -
RTJ 114/361):
Não há ato jurídico perfeito
nem coisa julgada que prevaleçam em afronta à Constituição. No Estado de
Direito, a lei inconstitucional agride a alma do povo, que a Constituição
materializa em seus preceitos.
Já dissera Pontes de Miranda,
com inegável acerto, que a Constituição é rasoura a desbastar tudo que com ela
não se harmonize. Contra ela tudo fenece, nada prospera. Nela e por ela viceja
toda ordem jurídica nacional.
A Lei violada, pois, na
espécie, é a Lei fundamental do nosso ordenamento jurídico, cuja inteligência
última se reserva, em termos absolutos ao Supremo Tribunal Federal, como seu
intérprete e guardião maior (CF, art. 102, caput) a não suportar, no espaço
desse ordenamento, o ato jurídico e/ou normativo nulo e de nenhum efeito para
as relações jurídicas, que nele buscam sua sobrevivência.
Abre-se, aqui, cenário profícuo à
utilização efetiva, pelos interessados, da antecipação da tutela específica, em
todas as instâncias judiciais, a fim de que a Administração Fazendária não faça
a cobrança de um tributo que já fora declarado inconstitucional pela Corte
Suprema, como no caso, em referência, prestigiando-se, assim, o princípio
constitucional da segurança jurídica.
Na esfera do Executivo, já se
colhem posturas afinadas a esse diapasão jurisprudencial, conforme revelam as
letras do Decreto n. 1.601, de 23/8/95, art. 1º (DOU de 24/8/95 - Seção I) e da
Medida Provisória n. 1.175, de 27/10/95, arts. 17 e 18 (DOU de 30/10/95 - Seção
I - p. 17.115), que autorizam a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional a não
interpor e a desistir dos recursos judiciais cabíveis, quando a decisão versar,
no mérito, sobre matéria constitucional, já decidida, definitivamente, pelo
STF, a saber:
I - a contribuição de que
trata a Lei n. 7.689, de 15 de dezembro de 1988, incidente sobre o resultado apurado no período-base
encerrado em 31 de dezembro de 1988;
II - o empréstimo compulsório
instituído pelo Decreto-lei n. 2.288, de 23 de julho de 1986, sobre a aquisição
de veículos automotores e de combustível;
III - a contribuição ao Fundo
de Investimento Social - FINSOCIAL, exigida das empresas exclusivamente
vendedoras de mercadorias e mistas, com fundamento no art. 9º da Lei n. 7.689,
de 1988, na alíquota superior a 0,5% (meio por cento), conforme Leis n. 7.787,
de 30 de junho de 1989, n. 7.894, de 24 de novembro de 1989, e n. 8.147, de 28
de dezembro de 1990, acrescida do adicional de 0,1% (um décimo por cento) sobre
os fatos geradores relativos ao exercício de 1988, nos termos do art. 22 do
Decreto-lei n. 2.397, de 21 de dezembro de 1987;
IV - o imposto provisório
sobre a movimentação ou a transmissão de valores e de créditos e direitos de
natureza financeira - IPMF, instituído pela Lei Complementar n. 77, de 13 de
julho de 1993, relativo ao ano-base 1993 e às imunidades previstas no art. 150,
inciso IV, alíneas a, b, c e d da Constituição;
V - a taxa de licenciamento de
importação, exigida nos termos do art. 10 da Lei n. 2.145, de 29 de dezembro de
1953, com a redação da Lei n. 7.690, de 15 de dezembro de 1988;
VI - a sobretarifa ao Fundo
Nacional de Telecomunicações;
VII - o adicional de tarifa
portuária, salvo em se tratando de operações de importação e exportação de
mercadorias quando objeto de comércio de navegação de longo curso;
VIII - a parcela da
contribuição ao Programa de Integração Social exigida na forma do Decreto-lei
n. 2.445, de 29 de junho de 1988, e do Decreto-lei n. 2.449, de 21 de julho de
1988, na parte que exceda o valor devido com fulcro na Lei Comple-mentar n. 7,
de 7 de setembro de 1970.
A antecipação da tutela
específica, com o perfil que lhe dera a reforma de nossa legislação processual
civil, adquire espaço amplo de aplicação, nesse contexto, através de um
controle de constitucionalidade bem mais célere e eficaz.
IV - Considerações finais
A técnica de antecipação da
tutela, que se introduz na sistemática do Processo Civil Brasileiro, vem
constituir-se num grande avanço na tarefa de se resgatarem os valores
fundamentais do cidadão, no mundo moderno, através da garantia constitucional
do devido processo legal.
Na instrumentalidade do processo,
há de se prestigiar, sobretudo, a vida e a liberdade das pessoas envolvidas no
conflito, colocando-se o juiz, como agente da soberania estatal, na posição
segura e equilibrada de pacificador das lides.
Urge que os trabalhos da Reforma
processual prossigam, guiados pelo espírito daqueles que acreditam na
implantação de um processo justo, a serviço de uma Justiça célere e eficaz.
O ideal de efetividade, que
comanda os construtores da Reforma, há de nos permitir a realização da promessa
de se "criar um novo processo e com ele uma nova ‘Justiça’, para responder
aos desafios de um novo tempo"(6).
1. BRASIL.
Código de Processo Civil.
26. ed. São Paulo: Saraiva, 1996.
2. BRASIL.
Constituição, 1988.
Brasília: Senado Federal, 1995.
3. DINAMARCO, Cândido
Rangel. A Reforma do Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo:
Malheiros, 1995. p. 152.
4. MARINONI, Luiz
Guilherme. A Antecipação da Tutela na Reforma do Processo Civil. São
Paulo: Malheiros, 1995. p. 66-113.
5. NERY JÚNIOR, Nelson. Atualidades sobre o Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p.
52.
6. TEIXEIRA,
Sálvio de Figueiredo. Estatuto da Magistratura e Reforma do Processo Civil.
Belo Horizonte: Del Rey, 1993.
* Juiz federal da Seção
Judiciária do Distrito Federal e professor de Direito Processual Civil na
Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal - AEUDF.
Disponível em: < http://daleth.cjf.gov.br/revista/numero1/prudente.htm
>. Acesso em 23 maio 05.