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A nova etapa da Reforma Processual

 

Sálvio de Figueiredo Teixeira *

 

 RESUMO

Apresenta a metodologia adotada pela Escola Nacional da Magistratura na elaboração de anteprojetos de reforma da legislação processual brasileira e noticia a segunda etapa da "Reforma", que se reporta especialmente ao sistema recursal estabelecido pelo Código de Processo Civil.

 

1. Convidada a promover os estudos necessários à reforma da legislação processual brasileira e antevendo que um importante canal se abria, não apenas para corrigir deficiências e suprir carências há muito apontadas, mas sobretudo para a participação da comunidade jurídica na elaboração e no aprimoramento das nossas leis, a "Escola Nacional da Magistratura" aceitou a missão e de início fixou como metodologia:

 

a) localizar os pontos de estrangulamento da prestação jurisdicional;

b) deixar de lado divergências de ordem doutrinária ou meramente acadêmica, valendo-se inclusive das boas sugestões apresentadas anteriormente;

c) encaminhar as sugestões não em um único anteprojeto, mas através de vários, setoriais, inclusive para viabilizar a aprovação no Congresso Nacional, haja vista que um único pedido de vista poderia comprometer todo o trabalho;

d) aproveitar a própria disposição dos artigos existentes, abrindo espaço para novos se necessário(v.g., arts. 272/273), mas sem alterar a fisionomia do Código;

e) buscar o consenso nas alterações propostas, democratizando o debate, fazendo da reforma não uma manifestação isolada da magistratura, mas uma reivindicação uníssona de todos os segmentos interessados, nela integrando foro e universidade, professores e profissionais, juízes, advogados, defensores e representantes do Ministério Público.

Com o prestigioso aval do Instituto Brasileiro de Direito Processual, foram constituídas comissões e passou-se à formulação dos anteprojetos.

 

2. Dezesseis foram os ante-projetos elaborados em relação ao processo penal, dos quais quinze foram divididos em cinco blocos pelo critério da afinidade e um (o do júri) foi destacado, conforme se vê de publicação no DOU de 25/11/1994 (págs. 17.854/17.869), onde lançada uma correspondente exposição de motivos.

Convertidas em projetos, com algumas alterações do Executivo, e levadas ao Legislativo, essas propostas já começavam a ser debatidas e aprovadas no Congresso Nacional (v.g., Lei n. 9.271, DOU de 18/4/1996), quando o Ministério da Justiça resolveu reexaminá-las.

 

3. A reforma do Código de Processo Civil, que antecedeu à do Código de Processo Penal, embora com idêntica metodologia e com objetivos também de agilização e eficiência - efetividade, em suma - partiu, no entanto, de premissas até certo ponto distintas. Com efeito, enquanto o CPP se tornou ineficiente pelo envelhecimento, sem oportunas e parciais cirurgias, o CPC, ainda jovem, com somente vinte anos e bela arquitetura, estava a necessitar apenas de correções que o ajustassem às suas finalidades, dado o divórcio entre o modelo e a realidade.

Com esse objetivo, onze foram os anteprojetos elaborados, dos quais dez se converteram em leis - n. 8.455/92 (perícias); n. 8.710/93 (citação/intimação por via postal); n. 8.898/94 (liquidação); n. 8.950/94 (recursos); n. 8.951/94 (consignação e usucapião); n. 8.952/94 (processos de conhecimento e cautelar); n. 8.953/94 (processo de execução); n. 9.079/95 (ação monitória); n. 9.139/95 (agravo) e n. 9.245/95 (procedimento sumário), restando no Congresso apenas o da uniformização da jurisprudência relativamente às "demandas múltiplas" (causas repetitivas), no aguardo da solução prevista na reforma constitucional, que poderá prejudicá-lo.

Deu-se por concluída, assim, a primeira etapa da "Reforma".

4. Muitas e significativas foram as alterações havidas nessa primeira etapa, de que são exemplos os avançados institutos da "tutela antecipada" (art. 273) e da "tutela específica" (art. 461), os quais , bem aplicados, darão novo perfil à prestação jurisdicional no Brasil, hoje, no plano internacional, já na vanguarda do processo civil contemporâneo.

São tantas as inovações e aspectos a destacar que inviável se apresenta uma síntese em breve exposição. Daí a importância que terão, principalmente nestes momentos iniciais, a orientação dos especialistas e os estudos doutrinários, sendo compreensíveis as dificuldades iniciais de exegese e inteligência das inovações. E até mesmo o misoneísmo de alguns e o ceticismo de outros. Ultrapassada a fase de adaptação, no entanto, a realidade forense irá refletir as conseqüências dessas mudanças, pelas quais foro e doutrina tanto batalhavam desde que editado o Código em 1973.

Imperfeita como toda obra humana, a "Reforma" certamente ainda está muito longe do ideal. Mas já representa, induvidosamente, um considerável avanço em termos de ciência e de cidadania, tendo deixado, em sua primeira etapa algumas certezas. Dentre elas a de que um importante passo foi dado em termos de aprimoramento do nosso ordenamento processual; de que imprescindível modernizar-se a nossa organização judiciária, inclusive adotando órgãos permanentes de planejamento e reflexão; de que, juntos, os segmentos da comunidade jurídica muito podem contribuir no sentido do aperfeiçoamento do sistema e da própria Justiça.

Inicia-se agora, sem açodamento e com amplo debate, a sua segunda etapa, que poderá estender-se também à legislação especial.

Como primeiro passo, elaborou-se um esboço de anteprojeto, que está sendo dado à divulgação para recebimento de críticas e sugestões, tendo como objetivos principais alguns ajustes, que a realidade está a recomendar, e uma nova incursão no sentido de modificar, enquanto não ocorre a reforma constitucional, o nosso tão criticado sistema recursal.

 

5. O referido esboço tem a seguinte redação:

 

Art. 1º Os artigos 275, 280, 331, 475, 520, 530, 544, 545, 557, 604 e 659 da Lei n. 5.869 de 11/01/73, que institui o Código de Processo Civil, passam a vigorar com a seguinte redação:

 

Art. 275...................................................................................................................

 

I - nas causas de valor não excedente a quarenta (40) vezes o salário mínimo;

II - ........................................................................................................................;

 

Parágrafo único.....................................................................................................

 

Art. 280. No procedimento sumário:

 

I - não serão admissíveis embargos infringentes, ação declaratória incidental nem intervenção de terceiros, salvo assistência, recurso de terceiro prejudicado e denunciação da lide fundada em contrato de seguro;

II - ..........................................................................................................................;

III - das decisões sobre prova ou proferidas na audiência de instrução e julgamento, o agravo será sempre retido;

 

Parágrafo único. A apelação nas causas de procedimento sumário será julgada, se assim o dispuser a lei local, por turma composta por três juízes em exercício no primeiro grau de jurisdição.

 

Art. 331. Se não ocorrer qualquer das hipóteses previstas nas seções precedentes e a causa versar sobre direitos que admitam transação, o juiz designará audiência de conciliação e saneamento, a realizar-se no prazo máximo de trinta dias, à qual deverão comparecer as partes ou seus procuradores, habilitados a transigir.

 

§ 1º..........................................................................................................................

 

§ 2º.........................................................................................................................

§ 3º Caso o direito em litígio não admita transação, o juiz procederá desde logo ao saneamento do processo na forma do parágrafo anterior.

 

Art. 475...................................................................................................................

 

I - proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal e o Município;

II - que julgar procedentes, em execução de dívida ativa da Fazenda Pública (art. 585, VI), os embargos do devedor.

§ 1º..........................................................................................................................

§ 2º Não se aplica o disposto neste artigo às sentenças que imponham condenação em valor inferior a........salários mínimos, ou de procedência dos embargos na execução da dívida ativa do mesmo valor."

 

Art. 520. Ressalvadas as causas relativas ao estado e à capacidade das pessoas, e as sujeitas ao duplo grau de jurisdição (art. 475), a apelação terá somente efeito devolutivo, observado o disposto no parágrafo único do art. 558.

 

Parágrafo único. Poderá o juiz, em decisão irrecorrível, atribuir à apelação também o efeito suspensivo, nos casos em que, sendo relevante a fundamentação, possa da demora resultar lesão grave e de difícil reparação.

 

Art. 530. Cabem embargos infringentes quando o acórdão não unânime, proferido em apelação e em ação rescisória, houver reformado a sentença em matéria de mérito.

 

Art. 544...................................................................................................................

§ 1º O agravo de instrumento será instruído com as peças apresentadas pelas partes, devendo constar, obrigatoriamente, sob pena de não conhecimento, cópias do acórdão recorrido, da certidão da respectiva intimação, da petição de interposição do recurso denegado, das contra-razões, da decisão agravada, da certidão da respectiva intimação e das procurações outorgadas aos advogados do agravante e do agravado. As cópias poderão ser declaradas autênticas pelo próprio advogado, sob a fé do seu grau.

 

§ 2º A petição do agravo será dirigida à presidência do tribunal de origem, independentemente do pagamento de custas e despesas postais. A parte contrária será, de imediato, intimada para, no prazo de dez (10) dias, oferecer resposta, a qual poderá ser instruída com cópias das peças que entender convenientes. Em seguida, o agravo será remetido ao tribunal de destino, onde será processado na forma regimental.

 

§ 3º..........................................................................................................................

 

§ 4º..........................................................................................................................

 

Art. 545....................................................................................................................

 

Parágrafo único. Quando manifestamente protelatório o agravo, o tribunal, declarando que o é, condenará o agravante a pagar ao agravado multa não excedente a 1% (um por cento) sobre o valor de causa, ficando condicionada a interposição de qualquer outro recurso ao depósito do valor respectivo.

 

Art. 557....................................................................................................................

 

§ 1º..........................................................................................................................

 

§ 2º Aplica-se o disposto no art. 545, parágrafo único.

 

Art. 604....................................................................................................................

 

Parágrafo único. Quando a deteminação do valor da condenação depender de dados existentes em poder do devedor ou de terceiro, o juiz, a requerimento do credor, poderá requisitá-los, bem como valer-se do contador do juízo nos casos de cálculo complexo.

 

Art. 659....................................................................................................................

 

§ 1º..........................................................................................................................

§ 2º..........................................................................................................................

 

§ 3º..........................................................................................................................

 

§ 4º A penhora de bens imóveis realizar-se-á mediante auto ou termo de penhora, cabendo ao credor, sem prejuizo da imediata intimação do devedor (art. 669), providenciar, para eficácia perante terceiros, o respectivo registro imobiliário.

 

Art. 2º A seção III do Capítulo V do Título VIII do Livro I da Lei n. 5.869, de 11/1/1973, que instituiu o Código de Processo Civil, passa a denominar-se "Da audiência de conciliação e saneamento do processo."

 

Art. 3º O art. 3º da Lei n. 9.099, de 28/09/1995, que instituiu os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, passa a vigorar com a seguinte redação:

 

Art. 3º O Juizado Especial Civil tem competência, por opção do autor, para o processo, a conciliação e o julgamento das causas cíveis de menor complexidade, assim consideradas:

 

I - ..............................................................................................................................

II - as ações de despejo para uso próprio;

III - as ações possessórias sobre bens de valor não excedente ao fixado no inciso;

IV - as ações individuais referentes a relações de consumo, de valor não excedente ao fixado no inciso I;

 

§ 1º.............................................................................................................................

 

§ 2º.............................................................................................................................

 

§ 3º............................................................................................................................

 

Art. 4º Não se aplicam as disposições do art. 3º desta lei às ações ajuizadas anteriormente à sua vigência.

 

Art. 5º Esta lei entrará em vigor no prazo de dois (2) meses, a partir da data da sua publicação”.

 

* Ministro do Superior Tribunal de Justiça e Diretor da Escola Nacional da Magistratura.

 

Disponível em: < http://daleth.cjf.gov.br/revista/numero1/salvio.htm >. Acesso em 23 mai. 05.