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Ana Raquel Colares dos Santos Linard *
Como é de amplo conhecimento, a prova pericial
foi excluída do conjunto probatório admitido no procedimento aplicado nos JECs,
uma vez que sua efetivação impõe rito complexo e demorado que não se coaduna
com os critérios da simplicidade, informalidade, economia processual e
celeridade que norteiam esta Justiça Especializada.
Por
óbvio que permitir a produção de prova pericial, nos moldes do CPC, seria, no
mínimo, uma postura contraditória por parte do legislador, por ir de encontro
ao que se espera da atuação jurisdicional a ser exercida, notadamente que se
mostre célere e objetiva, fator primordial de atração de demanda para os
Juizados Especiais.
No
entanto, não menos incorreto seria vedar a produção de qualquer espécie de
prova técnica, situação que poderia, inclusive, impossibilitar a entrega da
prestação jurisdicional em algumas circunstâncias, à míngua de subsídios
probatórios suficientes para tanto.
Assim,
considerou o legislador a hipótese prevista no artigo 35 da Lei 9.099/95, o
qual dispõe acerca da prova técnica realizável no âmbito dos Juizados Especiais
Cíveis: Art. 35. Quando a prova do fato exigir, o Juiz poderá inquirir
técnicos de sua confiança, permitida às partes a apresentação de parecer
técnico. Parágrafo único. No curso da audiência, poderá o Juiz, de ofício ou a
requerimento das partes, realizar inspeção em pessoas ou coisas, ou determinar
que o faça pessoa de sua confiança, que lhe relatará informalmente o
verificado.
À
primeira vista, parece razoavelmente aplicável o conteúdo do mandamento legal,
uma vez que estabelece uma prerrogativa e não uma obrigatoriedade de conduta
judicial, concedendo às partes, igualmente, a possibilidade de fazer uso do
direito de apresentar parecer técnico acerca do fato em questão.
Dispõe,
ainda, que no curso da audiência, o juiz poderá realizar inspeção em pessoas ou
coisas, como também determinar que o faça pessoa de sua confiança, a qual lhe
relatará informalmente o verificado.
Na
prática, pode-se afirmar que a inquirição de técnicos da confiança do juiz
acerca do fato objeto de discussão, ostenta a natureza de inquirição de
testemunha técnica, ou seja, o técnico a ser inquirido comparecerá ao ato
processual na condição de testemunha convocada, esclarecendo, portanto, as
questões que lhe forem indagadas, oralmente, sem apresentação de qualquer laudo
escrito, sendo que tais esclarecimentos receberão o mesmo tratamento legal que
é dado pelo CPC ao laudo pericial, constante do artigo 436 do aludido diploma
legal: Art. 436. O juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar
a sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos.
De
fato, a manifestação técnica apresentada não ostenta orientação cogente,
podendo o magistrado, em face do princípio da livre apreciação da prova pelo
juiz, adotar entendimento diverso, com fulcro na sua convicção pessoal,
devidamente fundamentada, segundo ordena a Constituição.
Ademais,
oportuno se faz ressaltar que se o laudo pericial devesse ser sempre respeitado
deixaria de ser uma prova para se tornar uma decisão, conforme entendimento que
se extrai de decisão proferida pelo Colégio Recursal de Tupã(SP), de
30/08/1996, pelo juiz Emílio Gimenez Filho, apud COMENTÁRIOS À LEI DOS
JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS, de autoria de RONALDO FRIGINI, 2a. ed.,
Editora Mizuno, 2004, pág. 399.
Ainda,
a jurisprudência acerca da matéria tem entendido que a prova prevista no artigo
35 da lei de regência não pode, até mesmo literalmente, ser considerada prova
pericial, sendo, portanto, mais adequado denomina-la de prova técnica,
considerada a natureza de seu teor.
Ementa
INDENIZAÇÃO.
JUIZADO ESPECIAL. INFORMALIDADE NA PRODUÇÃO DE PROVAS. OS LIMITES DA SENTENÇA
TERMINATIVA. 1. A INFORMALIDADE DOS ATOS DOS JUIZADOS ESPECIAIS EXIGE DA PARTE
DILIGÊNCIAS ESPECIAIS. AS RESPECTIVAS ALEGAÇÕES, DEVEM ESTAR INSTRUÍDAS COM
TODOS OS DADOS E INFORMAÇÕES A SEU ALCANCE. 2. A INQUIRIÇÃO DE TÉCNICOS
PREVISTA NO ART.35 DA LEI 9.099/95 NÃO SE TRADUZ EM PROVA PERICIAL. 3. A
SENTENÇA TERMINATIVA (ART.267 CPC C/C.51 LEI 9.099/95) ESGOTA OS SEUS EFEITOS
NO PROCESSO ONDE FOI PROFERIDA. Decisão - DESPROVER O RECURSO. UNÂNIME.
(APELAÇÃO CÍVEL NO JUIZADO ESPECIAL 19990110811336ACJ DF - Registro do Acórdão
Número : 131918 - Data de Julgamento : 19/09/2000 - Órgão Julgador : Primeira
Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do D.F. - Relator :
ANTONINHO LOPES - Publicação no DJU: 21/11/2000 Pág. : 40
Assim,
admitida referida espécie de prova, caberia indagar: em que tipo de matéria ela
poderia ser produzida sem suscitar a alegação defensiva de cerceamento do
direito de defesa pela parte demandada?
De
fato, a praxe forense nos ensina que, para fins defensivos, busca a parte
acionada lançar mão de todos os meios processuais ao seu alcance, não sendo
raras as contestações contendo alegações preliminares no sentido de extinção do
feito sem julgamento do mérito, por incompetência absoluta do Juízo, em face da
referida necessidade de produção de prova pericial.
Não
existem receitas prontas e a lei não disciplina de maneira expressa a questão,
de forma a afastar questionamentos já que estabelece a possibilidade de
inquirição de testemunhas técnicas quando a prova do fato o exigir, deixando,
portanto, a critério exclusivo do magistrado a identificação de tal
necessidade, após concluir pela prescindibilidade da produção de prova
pericial, nos moldes ordinários, sem o que o reconhecimento da incompetência do
juízo seria inevitável.
A
meu ver, a prova em questão poderá ser produzida em feitos relativos a
responsabilidade civil, notadamente os referentes a acidentes de veículos,
produtos e serviços defeituosos, dependendo, ainda, do conteúdo probatório
já constante dos autos, se suficiente ou não, uma vez que, por não se
encontrarem devidamente explicitadas as hipóteses que autorizariam sua
produção, seu deferimento somente deverá advir quando a pobreza de subsídios
probatórios se verificar, bem como a ausência de complexidade do fato a ser
apurado.
Compreendo
que a identificação do conjunto de tais circunstâncias não se mostra de fácil
percepção, tendo levado várias vezes esta magistrada a decidir pela
incompetência do juízo para processo e julgamento do feito, uma vez protestada
pela defesa a produção de prova pericial, no viso de manter incólume o respeito
aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, bem como de
evitar prejuízos processuais para as partes pelo advento de decisão final nula.
Assim,
creio que se os esclarecimentos a serem fornecidos pelo técnico, convocado a
atuar no feito na condição de testemunha, o puderem ser sem demandar a
apresentação de documento escrito demonstraria, sem qualquer dúvida, que a
prova técnica restaria indicada, mostrando-se desnecessária a pericial, ainda
que reclamada.
A
necessidade de maiores explanações ou de demonstrações de cálculo sugerem,
portanto, uma complexidade incompatível com o sistema dos Juizados Especiais,
impondo a extinção do feito em face da óbvia incompetência.
Ementa
CIVIL.
IMÓVEIS SITUADOS EM CONDOMÍNIO VERTICAL. DEFEITO NA REDE HIDRÁULICA.
INFILTRAÇÃO NO APARTAMENTO SITUADO EM ANDAR INFERIOR. DANOS MATERIAIS COM
PROVADOS. DEFINIÇÃO DA ORIGEM DO DEFEITO DE FORMA A DELIMITAR A
RESPONSABILIDADE PELA REPARAÇÃO. MATÉRIA CONTROVERTIDA SOMENTE PASSÍVEL DE SER
ELUCIDADA MEDIANTE PERÍCIA TÉCNICA. INCOMPETÊNCIA DO JUIZADO. EXTINÇÃO DA AÇÃO
PROMOVIDA. 1. ESTANDO O APARATO MATERIAL DA LIDE MANEJADA ENLIÇADO À ORIGEM
DO VAZAMENTO QUE PROVOCARA INFILTRAÇÕES NO APARTAMENTO PERTENCENTE AO AUTOR, E,
DE SEU TURNO, O PEDIDO ADUZIDO ENDEREÇADO AO RECONHECIMENTO DE QUE TERIA
DERIVADO DO DEFEITO HAVIDO NA REDE HIDRÁULICA QUE GUARNECE ESPECIFICAMENTE O
IMÓVEL PERTENCENTE AO RÉU, TORNANDO-O OBRIGADO A COMPOR OS PREJUÍZOS DERIVADOS
DO HAVIDO E A SUPORTAR OS CUSTOS DA REPARAÇÃO DO VÍCIO AFERIDO, O
EQUACIONAMENTO DOS FATOS CONTROVERTIDOS E DO CONFLITO DE INTERESSES
ESTABELECIDO RECLAMA A EFETIVAÇÃO DE PROVA PERICIAL. 2. ENVOLVENDO MATÉRIA
COMPLEXA, PORQUANTO SUA ELUCIDAÇÃO RECLAMA A EFETIVAÇÃO DE PROVA PERICIAL, POIS
SOMENTE UM PROFISSIONAL DA ENGENHARIA PODERÁ AFERIR A ORIGEM DO VAZAMENTO QUE
AFETARA O APARTAMENTO DANIFICADO, DEFINIR A EXTENSÃO DOS DANOS DELE ORIGINÁRIOS
E MENSURAR O NECESSÁRIO PARA SUA REPARAÇÃO, O JUIZADO ESPECIAL CÍVEL NÃO ESTÁ
MUNICIADO COM COMPETÊNCIA PARA PROCESSAR E JULGAR A DEMANDA MANEJADA,
IMPONDO-SE SUA EXTINÇÃO, SEM A APRECIAÇÃO DO MÉRITO, CONSOANTE RECOMENDAM OS
ARTIGOS 3O E 51, INCISO II, DA SUA LEI DE REGÊNCIA (LEI N. 9.099/95). 3.
RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. SENTENÇA CASSADA E PROCESSO EXTINTO. UNÂNIME.
Decisão - CONHECER. ACOLHER PRELIMINAR. CASSAR SENTENÇA. EXTINGUIR PROCESSO.
UNÂNIME. (APELAÇÃO CÍVEL NO JUIZADO ESPECIAL 20030110800863ACJ DF - Registro do
Acordão Número : 204902 - Data de Julgamento : 05/10/2004 - Órgão Julgador :
Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cív eis e Criminais do D.F. -
Relator : TEOFILO RODRIGUES CAETANO NETO - Publicação no DJU: 04/02/2005 Pág. :
171) (grifos
nossos)
Os
pareceres técnicos cuja apresentação a lei faculta às partes deverão ser
trazidos aos autos, a meu ver, instruindo a peça inicial e a contestação,
respectivamente, em atenção aos princípios constitucionais acima referidos –
uma vez que o técnico a ser eventualmente inquirido pelo juiz já terá acesso
aos mesmos – bem como aos critérios norteadores dos JECs, no caso, a celeridade
e economia processual.
Por
fim, no tocante á inspeção judicial prevista no parágrafo único do artigo 35
aqui examinado, sua adoção pelo juiz tem-se mostrado bastante tranqüila, seja
quando executada diretamente pelo próprio juiz ou indiretamente, por oficial de
justiça ou pessoa de sua confiança, mediante certificação nos autos ou
declaração em termo de audiência.
Sua
utilização tem-se mostrado mais comum em feitos relativos a direito de
vizinhança, despejo para uso próprio, ressarcimento por danos em prédio urbano
ou rústico e nas ações ordinárias de cobrança e indenização por danos, quando
se mostra necessária, não se tendo verificado qualquer tipo de questionamento
pelas partes, acerca de sua viabilidade e produção no âmbito dos JECs.
· Juíza
Titular do Juizado Especial Cível e Criminal da Comarca de Juazeiro do
Norte(CE)
Disponível em: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=6706.
Acesso em: 16 de maio de 2005.