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Roberto Luchezi*
Foi publicada no Diário Oficial da União de
09.02.2005, em edição extra, a Lei nº 11.101, que "regula a recuperação
judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade
empresária", que apelidamos, resumidamente, de Lei das Falências, com
entrada em vigor no prazo de 120 dias, ou seja, em 09.6.2005. Nestas laudas,
abordarei apenas um de seus tópicos, qual seja, a classificação dos créditos na
falência, o que vem estampado no art. 83 da recente lex, pois a nova legislação
alterou substancialmente a ordem do art. 102, do revogado Decreto-lei nº 7661,
de 21 de junho de 1945.
O ART. 83, DA LEI N. 11.101/2005
Pelo
inciso I, os créditos decorrentes da legislação do trabalho prosseguem
em primeiro lugar na classificação, limitados, contudo, à importância
correspondente a 150 (cento e cinqüenta) salários mínimos. O que se pretende
com esse patamar de 150 salários mínimos é evitar-se as reclamações
trabalhistas simuladas às vésperas da quebra, com valores quase que impagáveis,
previamente acertados entre reclamante e reclamado, na maioria das vezes
envolvidos por grau de parentesco ou elevado relacionamento de amizade ou
conluio. O excedente será classificado como crédito quirografário, de acordo
com a alínea c, do inciso VI do mesmo art. 83. Quanto ao crédito
decorrente de acidente do trabalho não existe limitação. Em razão da recente
Emenda Constitucional n. 45, depreende-se que no termo "legislação do
trabalho" mencionado devem estar compreendidos, obrigatoriamente, todos os
créditos decorrentes de serviços prestados, pois a teoria agora é a do emprego
e trabalho. Observação importante que faço, refere-se aos créditos trabalhistas
derivados de serviços prestados após a decretação da quebra, pois, de acordo
com o inciso I, do art. 84, não há limitação, sendo denominados de créditos
extraconcursais, e deverão ser pagos antes de qualquer outro discriminado no
art. 83. É um incentivo ao prosseguimento da atividade empresarial,
contratando novos empregados, podendo estes contar com a certeza de que
receberão o que lhes é devido em sua integridade. Quanto ao inciso II,
muitos estão dispensando-lhe uma interpretação equivocada, ao afirmarem que as
instituições financeiras estão, a partir de agora, totalmente garantidas.
Ocorre que o privilégio que a escoram limita-se ao valor do bem oferecido em
garantia real (hipoteca, penhor, alienação fiduciária etc.), cujo valor será
conhecido somente com a sua alienação, após arrecadado. Aliás, doravante,
conforme autoriza o art. 111, o bem poderá ser alienado ou adjudicado pelos
próprios credores imediatamente após a arrecadação, não sendo mais necessário
se esperar a formação do quadro de credores, evitando-se a natural depreciação
e conseqüente desvalorização, prejudicial a todos. Assim, o crédito bancário
pode ser muito superior ao valor do bem ofertado em garantia real, cujo
resíduo em pecúnia será classificado como quirografário, só que na ordem
de classificação antes até mesmo do resíduo trabalhista, de acordo com a
alínea b, do inciso VI, do art. 83. É esse privilégio especial que tem
sido criticado. O argumento fundamental dos bancos é que havendo maior garantia
de recuperação por parte das instituições financeiras, o risco, por evidente,
será menor, trazendo como conseqüência o barateamento dos encargos financeiros.
Outra justificativa é a de que o sistema financeiro promove a produtividade
através dos empréstimos. Só a prática confirmará, pois a rede bancária "pediu
um tempo" para acompanhar a adaptação do mercado à nova legislação. A
seguir, o inciso III agasalha os créditos tributários, de qualquer
natureza e tempo de constituição, inclusive das autarquias. As multas
tributárias estão excluídas dessa classificação inicial, passando a fazer parte
do rol dos créditos quirografários, juntamente com as multas penais e
administrativas. Para facilitar a aquisição da empresa por terceiros e pelos
próprios empregados, o inciso II, do art. 141, permite o negócio jurídico
"livre de empeços", disso decorrendo que as dívidas tributárias
(assim como as trabalhistas e as decorrentes de acidente de trabalho)
existentes na data da quebra não integram a aquisição, o que facilitará
bastante a transferência, pois o adquirente receberá o acervo purificado desses
encargos. Entretanto, para implementar-se essa vantagem aos adquirentes, foram
necessárias algumas alterações no Código Tributário Nacional, realizadas
através da Lei Complementar n. 118, também de 09.02.2005. Para facilitar a
reativação do falido, criou-se o já referido crédito extraconcursal,
dividido em duas espécies: a) crédito extraconcursal por fornecimento de produtos
e serviços durante a fase de recuperação judicial convolada em falência
(parágrafo único, do art. 67) e b) crédito por quantias fornecidas à
massa pelos credores (art. 84, II). Significa que terceiros confiaram na plena
recuperabilidade da empresa, razão pela qual essas duas espécies de crédito
estão em primeiro lugar na classificação, superando o trabalhista e o
acidentário. Prosseguindo, eis o inciso IV, que elenca, em suas alíneas a
até c, alguns créditos com privilégio especial. O inciso V
cuida dos créditos com privilégio geral. Os conhecidos créditos
quirografários estão previstos no inciso VI, compreendendo aqueles
sem qualquer garantia; os saldos das instituições financeiras superiores à
garantia real e os trabalhistas acima dos 150 salários mínimos, nessa ordem.
Encerrando o quadro de credores, o inciso VII criou a figura do crédito
subordinado, que corresponde àquele pertencente aos sócios ou administradores,
ou seja, o pro labore (retirada) ou a parte dos lucros que lhes cabe nos
resultados da empresa falida, pendentes na data da quebra.
A SÚMULA 307 DO STJ
O
legislador poderia ter impedido o possível conflito a ser gerado entre a súmula
307 do STJ e a ordem de classificação de créditos tratada pelo art. 83, da
recente Lei n. 11.105. A súmula assim se enuncia: "A RESTITUIÇÃO DE
ADIANTAMENTO DE CONTRATO DE CÂMBIO, NA FALÊNCIA, DEVE SER ATENDIDA ANTES DE
QUALQUER CRÉDITO". A sua publicação deu-se no DJU, Seção I, 15/12/2004, p.
153, ou seja, antes da promulgação e publicação da lei falencial em destaque.
Ora, a súmula 307 contraria frontalmente o art. 83 da Lei, ou é o art. 83 que
colide com a súmula 307? Afinal, como ficam os créditos extraconcursais, os
créditos derivados da relação de trabalho e acidentários e os créditos com
garantia real? É certo que os créditos relativos a contrato de câmbio
(Resolução Bacen n. 63, de 21.8.1967) são objeto de pedido de restituição,
razão pela qual deveriam ser classificados como créditos com privilégio
especial, nos termos do alínea b, do inciso IV, do art. 83 ("os
assim definidos em leis civis e comerciais, salvo disposição contrária desta
Lei"), com pagamento posterior àqueles superprotegidos. Contudo, parece-me
que os críticos estão com a razão, quando insurgem-se contra os privilégios
creditórios outorgados às instituições financeiras. Pela comentada súmula 307,
o pedido de restituição de valores provenientes de contrato de câmbio está
amparado em primeiríssimo lugar no quadro geral de credores, desbancando
créditos extraconcursais, trabalhistas, acidentários e com garantia real.
Atrevo-me, em razão do quanto alinhado, a definir a seguinte classificação de
crédito – admitindo-se a prevalência da súmula 307 –, por minha conta e risco:
1) crédito decorrente de contrato de câmbio, através de pedido de restituição,
sem qualquer limitação de valor: 2) crédito extraconcursal por fornecimento de
produtos e/ou por concessão de crédito, sem qualquer limitação; 3) crédito
trabalhista, até o valor equivalente a 150 salários mínimos e crédito em razão
de acidente de trabalho, sem qualquer limitação; 4) crédito com garantia real,
até o valor do bem oferecido em garantia; 5) créditos tributários, inclusive
das autarquias, sem qualquer limitação; 6) crédito com privilégio especial; 7)
crédito com privilégio geral; 8) créditos quirografários, onde se enquadram,
entre outros, o crédito das instituições financeiras além do valor da garantia
real e o crédito trabalhista superior a 150 salários mínimos; 9) crédito
subordinado. Caso se entenda que a súmula 307 perdeu o seu efeito em razão do
posterior art. 83, é só reclassificar o crédito oriundo de contrato de câmbio
na classe daqueles com privilégio especial. O resto permanece na mesma ordem.
Eis o imbróglio, que vai gerar muito embate jurídico. É só sentar e esperar.
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Advogado e Professor de Direito Processual Civil e
Direito Empresarial em cursos de graduação e pós-graduação lato sensu, Mestre
em Direito Empresarial, Vice-presidente da 22ª Subseção da OAB, São José do Rio
Preto
Disponível em: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=6721.
Acesso em: 16.maio.2005.