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A Emenda
Constitucional nº 45/04 e o princípio da celeridade ou brevidade processual
Luís Fernando Sgarbossa
Geziela Iensue
1.
INTRODUÇÃO.
No
último dia 31 de dezembro de 2004, entrou em vigor a Emenda Constitucional nº
45, promulgada em 08 de dezembro daquele ano, a qual produziu profundas e
diversificadas alterações na Carta Constitucional de 1988.
Dentre
tais alterações, afigura-se-nos indispensável tecer, desta feita, alguns
comentários acerca do novel inciso LXXVIII do art. 5º da Constituição da
República, acrescentado pela referida emenda ao extenso rol dos direitos e
garantias fundamentais constitucionalmente assegurados.
Vejamos
como ficou o texto constitucional, já com as referidas alterações:
"Art.
5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
...
omissis...
LXXVIII
a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração
do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação."
Deste
modo, é fácil perceber que, no particular, referida emenda à Constituição veio
a inserir no rol dos direitos e garantias fundamentais, expressamente, o
direito público subjetivo à celeridade processual.
Trata-se
da consagração expressa, pelo texto constitucional, do Princípio da Celeridade
ou Brevidade Processual, tão reclamada pela comunidade jurídica e pela doutrina
nacionais.
A
despeito de já encontrar-se consagrado em diversas normas infraconstitucionais,
embora pontualmente (Lei nº 9.099/95, Lei nº 10.259/01, v.g.), bem como
pela doutrina pátria, o fato é que inexistia, até então, previsão expressa que
o consagrasse, em nível constitucional.
A
Emenda Constitucional nº 45/04 trouxe, no particular, inegável avanço, ao
inserir, de forma expressa, no rol pétreo dos direitos e garantias
fundamentais, tal direito público subjetivo que, ao mesmo tempo, constitui
garantia fundamental essencial, eis que o processo é instrumento que viabiliza
o exercício dos demais direitos.
Tal
cláusula constitucional assecuratória da celeridade ou brevidade processuais é,
doravante, intangível e insuscetível de modificação, constituindo-se
evidentemente em cláusula pétrea, protegida, por conseguinte, pelo manto do
art. 60, § 4º, inciso IV, da Constituição da República de 1988.
No
presente ensaio, propomo-nos a discutir, sucintamente, a preexistência do
Princípio da Brevidade ou Celeridade Processual à Emenda Constitucional nº
45/04, bem como, ao final, tecer algumas ponderações acerca da compatibilização
entre o direito à referida celeridade e o respeito à qualidade da prestação
jurisdicional e à segurança jurídica.
2. DA
PROBLEMÁTICA DA PARCIMÔNIA PROCESSUAL COMO ÓBICE À EFETIVIDADE DA JURISDIÇÃO.
É
sabido que um dos principais problemas atinentes à solução jurisdicional dos
conflitos é o fenômeno da morosidade.
Abstemo-nos,
no presente ensaio, de tecer considerações acerca das causas da referida
problemática, quer por extrapolar o objeto de estudo aqui proposto, quer por
serem, em maior ou menor grau, de todos conhecidas.
Prefere-se,
neste momento, apenas sublinhar as íntimas relações existentes entre a razoável
duração do processo e a própria efetivação dos direitos por ele tutelados.
A
morosidade na entrega da prestação jurisdicional equivale, em grande medida, à
ineficácia ou inutilidade do próprio provimento. São abundantes os exemplos em
que a longa duração do processo acaba por impossibilitar a execução; sem contar
os inúmeros outros incidentes possíveis que terminam por inviabilizar, no plano
fático, a concreção da decisão prolatada.
Abordando
a temática do retardamento processual como óbice à efetividade do processo,
ÁLVARO COURI ANTUNES SOUSA, ensina que
"importa
aos processualistas a questão da efetividade do processo como meio adequado e
útil de tutela dos direitos violados, pois, consoante Vicenzo Vigoriti ´´o
binômio custo-duração representa o mal contemporâneo do processo. Daí a
imperiosa urgência de se obter uma prestação jurisdicional em tempo razoável,
através de um processo sem dilações, o que tem conduzido os estudiosos a uma
observação fundamental, qual seja, a de que o processo não pode ser tido como
um fim em si mesmo, mas deve constituir-se sim em instrumento eficaz de
realização do direito material (1)." (op. cit., p. 109/110).
Com
efeito, observa-se que o retardo na entrega da prestação jurisdicional pode
caracterizar até mesmo negativa daquela, cuja inconstitucionalidade é evidente.
Não é outra a conclusão de PLACIDO FERNÁNDEZ-VIAGAS BARTOLOME (2),
citado por ÁLVARO COURI ANTUNES SOUSA:
"De que sirve configurar un
instrumento para la defensa de los derechos ciudadanos si el transcurso del
tiempo puede hacerlo ineficaz?... Una justicia tardia puede equivaler, al menos
desde el punto de vista sociologico como há señalado la jurisprudencia de
nuestro Tribunal Constitucional, a la denegación de la misma."
Resta
evidenciado à saciedade que um sistema judicial no qual a entrega da prestação
jurisdicional possa vir a demorar vários anos fere, indubitavelmente, o direito
de acesso à jurisdição, já inscrito no texto original da Carta Magna de 1988,
no art. 5º, inciso XXXV.
O
comprometimento da própria segurança jurídica e da confiança no Poder
Judiciário, como instituição hábil à solução dos litígios, sofre evidentes
abalos em situações análogas.
Conforme
ensina, ainda, PLACIDO FERNÁNDEZ-VIAGAS BARTOLOME (3), citado por
ÁLVARO COURI ANTUNES SOUSA:
"La eficacia de un sistema
judicial dependerá estrictamente de su capacidad de satisfacer las pretensiones
que le fueren sometidas, lo que sólo tendrá lugar si funciona en tiempo
adecuado."
Diante
do quadro de desolação na solução do problema em tela, tem o legislador pátrio
optado pela adoção de medidas como a simplificação dos procedimentos, a criação
de ritos mais céleres, as restrições do direito de recorrer das decisões, a
diminuição dos incidentes processuais, dentre outras, como veremos.
3.
DISPOSITIVOS INFRACONSTITUCIONAIS EM QUE O PRINCÍPIO DA CELERIDADE OU BREVIDADE
PROCESSUAL ENCONTRAVA PREVISÃO EXPRESSA ANTES DA EC 45/04.
Como
visto, celeridade ou brevidade processual foram, desde muito, metas do Estado
na administração da Justiça. Um sem número de previsões legais tem buscado
prever sistemas mais céleres de prestação jurisdicional, dada a crise por esta
enfrentada.
Assim,
não são poucos os exemplos possíveis de serem pinçados da legislação
antecedente à Emenda Constitucional nº 45/04 que nos permitem revelar a
preexistência do Princípio da Celeridade ou Princípio da Brevidade Processual a
esta.
Na
seara do Direito Processual Civil, já existia previsão no próprio Código de
Processo no sentido de competir ao magistrado perseguir a "rápida solução
do litígio", nas palavras do legislador (art. 125, II, CPC). (4)
JOSÉ
ROBERTO DOS SANTOS BEDAQUE, comentando o art. 125, II, do Código de Processo
Civil, ensina que "também deve o juiz, no exercício do poder de direção e
para conferir efetividade à tutela jurisdicional, evitar que a demora do
processo seja superior ao que se entende por razoável (inciso II)."
(Código de Processo Civil Interpretado cit, p. 348).
Assim,
resta evidenciado que há muito existe disposição legal expressa determinando
que velem os órgãos jurisdicionais pela celeridade, evitando, sobretudo,
dilações indevidas no julgamento da lide.
Outrossim,
não é nova a previsão do procedimento sumário, cuja característica distintiva
é, exatamente, a simplificação dos atos processuais e a redução dos prazos e
incidentes, com vistas ao atingimento da referida celeridade.
HUMBERTO
TEODORO JUNIOR, tratando do procedimento sumário no Direito Processual Civil,
assevera:
"O
objetivo visado pelo legislador ao instituir o procedimento sumário foi o de
propiciar solução mais célere a determinadas causas. Esse rito apresenta-se,
por isso, muito mais simplificado e concentrado do que o ordinário. (...) Ainda
dentro do critério de maior celeridade, dispõe o art. 174, nº II, que as causas
de rito sumário se processam durante as férias forenses e não se suspendem pela
superveniência delas." (op.
cit., p. 308).
No
âmbito do Direito Processual Penal é também inegável a vigência do Princípio em
exame, não apenas pela previsão do procedimento sumário (art. 531 e ss., Código
de Processo Penal), mas também pelas demais disposições constantes da
legislação codificada e extravagante, exigindo celeridade no trâmite das causas
criminais, sobretudo naquelas hipóteses em que o réu encontra-se privado de sua
liberdade.
Tanto
no processo civil quanto no penal, o princípio pode ser depreendido, ainda, de
disposições como aquelas que impõem sanções aos magistrados, membros do
Ministério Público e funcionários, pelo retardamento nos atos que devam
praticar (arts. 193, 194, 198, 199 e outros do CPC, arts. 799, 801 e 802 do
CPP).
Pode-se
afirmar, ainda, que o Princípio da Celeridade vige em sua plenitude em
dispositivos como aqueles que prevêem a tutela antecipada (art. 273 CPC), bem
como nas ações de cunho mandamental (mandado de segurança, Lei nº 1.533/51 e
Lei nº 4.348/64, Habeas Corpus, e.g.).
Na
seara do Direito Processual do Trabalho, a Consolidação das Leis do Trabalho,
Decreto-lei nº 5.452/43, já o consagrava:
"Art.
765. Os juízos e Tribunais do Trabalho terão ampla liberdade na direção do
processo e velarão pelo andamento rápido das causas, podendo determinar
qualquer diligência necessária ao esclarecimento delas."
As
peculiaridades apresentadas pelo processo trabalhista, amplamente conhecidas,
visam exatamente à obtenção de um provimento jurisdicional no menor tempo
possível. VALENTIN CARRION, abordando o tema celeridade processual, ensina:
"É
princípio almejado do processo em geral, previsto na CLT (art. 765) e no CPC
(art. 125, II). Batalha a define como uma das variantes do princípio da
economia processual, juntamente com a concentração, eventualidade e saneamento,
exigindo prazos exíguos e improrrogáveis (Tratado cit.). A referência à
celeridade processual seria cômica, se não fosse trágica; a realidade mostra o
substantivo oposto, a parcimônia processual. " (op. cit., p. 557).
SÉRGIO
PINTO MARTINS aponta, por outro lado, a amplitude do princípio em comento,
demonstrando ainda sua proeminência no processo laboral ser decorrência do
caráter alimentar das verbas postuladas:
"Certos
autores mencionam o princípio da rapidez, da celeridade, existente na Justiça
do Trabalho, em virtude da necessidade de o trabalhador receber o mais rápido
possível os salários que lhe foram sonegados. Isso não quer dizer que a
celeridade é princípio do processo do trabalho, mas da ciência processual, com
efeitos mais intensos no processo laboral." (op. cit., p. 64).
A
par de tais exemplos da existência do Princípio da Celeridade Processual
anteriormente à entrada em vigor da EC 45/04, o mais célebre é, sem sombra de
dúvida, aquele dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais.
Com
efeito, a Lei nº 9.099/95, buscando concretizar o comando constitucional
contido no art. 98, I, da Carta Magna, instituiu referidos órgãos
jurisdicionais, delineando os parâmetros para o processo e julgamento das
causas de sua competência. Posteriormente, a Lei nº 10.259/01 veio a instituir
os Juizados Especiais no âmbito da Justiça Federal.
Comentando
o art. 98, I, da Constituição da República Federativa do Brasil, ALEXANDRE DE
MORAES ensina:
"A
criação dos Juizados Especiais Criminais no sistema penal brasileiro decorreu
da necessidade de incorporação de instrumentos jurídicos modernos, com vistas
na desburocratização e simplificação da Justiça Penal, propiciando solução
rápida, mediante consenso das partes ou resposta penal célere, para as
infrações penais de menor potencial ofensivo." (op. cit., p. 1.374).
A
Lei nº 9.099/95 inova, consagrando, desta feita expressamente, o Princípio da
Celeridade Processual:
"Art.
2º. O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade,
informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que
possível, a conciliação ou a transação." (sem destaques no original).
Referindo-se
ao sistema dos Juizados, ANDRÉ RAMOS TAVARES destaca seu papel na busca de uma
solução mais célere dos litígios, assim como um acesso facilitado ao
Judiciário:
"Assim,
por meio desse novo conceito de justiça, permite-se um fácil e amplo acesso ao
Judiciário, buscando-se ainda eliminar a lentidão da Justiça comum, pelo
acolhimento completo dos modernos conflitos, que constituem, nas palavras de
Kazuo Watanabe, uma ´´litigiosidade contida´´, ou, como quer Ovídio Baptista,
identificados como ´´conflitos urbanos de massa´´." (op. cit., p. 185).
Como
visto, os reclamos da sociedade, em geral, e da comunidade jurídica, em
particular, foram a causa eficiente à criação do sistema dos Juizados
Especiais, visando, em primeiro lugar, permitir a solução mais rápida das
causas cíveis de menor complexidade e das infrações penais de menor potencial
ofensivo, assim como facilitar ao cidadão comum o acesso ao Judiciário.
Afora
tais exemplos, vigora com relevo o princípio em mesa ainda em outros diplomas
legais e ramos do Direito, como, exemplificativamente, na Lei de Execução
Fiscal - Lei nº 6.830/80 - e no campo do Direito Eleitoral.
4.
PREVISÃO DO PRINCÍPIO DA CELERIDADE OU BREVIDADE PROCESSUAL EM INSTRUMENTOS
INTERNACIONAIS RATIFICADOS PELA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.
Sem
prejuízo das já demonstradas previsões do Princípio da Celeridade na legislação
infraconstitucional interna, o mesmo já encontrava abrigo em alguns
instrumentos internacionais ratificados pelo Brasil e devidamente incorporados
ao ordenamento jurídico pátrio.
O
Pacto Internacional dos Direito Civis e Políticos, adotado pela
Resolução n. 2.200-A (XXI) da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 16 de
dezembro de 1966, foi ratificado pelo Brasil em 24 de janeiro de 1992.
Referido
instrumento internacional preconiza o princípio em exame, no que respeita ao
processo penal, em seu art. 14, parágrafo 3º:
"Artigo
14 – 1. Todas as pessoas são iguais perante os Tribunais e as Cortes de
Justiça. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida publicamente e com as devidas
garantias por um Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido
por lei, na apuração de qualquer acusação de caráter penal formulada contra ela
ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil.
(...).
3.
Toda pessoa acusada de um delito terá direito, em plena igualdade, às seguintes
garantias mínimas:
(...)
c)
a ser julgada sem dilações indevidas;" (destaques ausentes no
original).
Com
efeito, referida norma internacional, ao assegurar ao imputado o direito de ser
julgado sem dilações indevidas, evidentemente prestigia a celeridade
processual, não sendo o único instrumento internacional ratificado pelo Brasil
a fazê-lo.
A
Convenção Americana dos Direitos e dos Deveres do Homem, mais conhecida
como Pacto de São José da Costa Rica, adotada e aberta à assinatura na
Conferência Especializada Interamericana de Direitos Humanos (OEA), realizada
na cidade de San Jose da Costa Rica, em 22 de novembro de 1966, foi ratificada
pelo Brasil em 25 de setembro de 1992.
Tal
convenção internacional estabelece, em seu art. 8º, as garantias judiciais a
serem observadas pelos Estados-parte no instrumento:
"Artigo
8º - Garantias judiciais
1.
Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro
de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e
imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação
penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de
caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza."
As
normas internacionais retro-transcritas consagram o Princípio da Celeridade ou
Brevidade Processual, inserindo-o no rol dos direitos fundamentais
constitucionalmente assegurados, por força da cláusula de recepção automática
(Piovesan) contida no § 2º do art. 5º da Carta Magna, c.c. o § 1º do mesmo
artigo, que lhes assegura aplicação imediata, independentemente de
intermediação legislativa. (5)
Segue-se,
neste ponto, orientação moderna esposada por parte da doutrina
internacionalista (PIOVESAN, CANÇADO TRINDADE, etc.), no sentido de que os
instrumentos internacionais que contenham normas definidoras de direitos e
garantias fundamentais têm status hierárquico de norma constitucional
(CF, art. 5º, § 2º), bem como aplicação imediata (CF, art. 5º, § 1º).
Nem
se argumente, em sentido contrário, com base nas inovações procedidas em tal
matéria pela própria EC 45/04.
Referida
Emenda Constitucional, ao prever, no novo § 3º do art. 5º, que têm
hierarquia constitucional apenas os tratados internacionais que forem
aprovados, em dois turnos, em cada Casa do Congresso Nacional, por três quintos
dos votos, veio a caracterizar-se como emenda tendente a abolir direito
fundamental, logo, inconstitucional.
Explica-se:
a cláusula de recepção automática consubstanciada no art. 5º, § 2º, da
Constituição da República, contempla, em si mesma, uma garantia fundamental,
que se pode denominar garantia à incorporação automática dos direitos e
garantias fundamentais contidos em instrumentos internacionais.
Assim,
ao condicionar o reconhecimento da hierarquia constitucional dos instrumentos
internacionais aos trâmites que preconiza o novel § 3º (6),
pretendeu a Emenda Constitucional nº 45/04 abolir citada garantia fundamental,
esbarrando nos limites materiais ao Poder Constituinte Derivado,
especificamente no inciso IV, § 4º, do art. 60 da Carta Magna. (7) (8)
E,
mesmo que assim não se entenda, é forçoso admitir que, tendo os instrumentos
internacionais retro-referenciados sido ratificados sob a égide do texto
original da Constituição de 1988 (art. 5º, §§ 1º e 2º), estão definitivamente
inclusos no rol dos direitos e garantias fundamentais e, portanto, acobertados
pela garantia da imodificabilidade, por constituírem cláusulas pétreas.
Do
exposto, verifica-se viger no Brasil, há muito - ambos os instrumentos tendo
sido ratificados em 1992, e já se encontrando em vigor no plano interno e
internacional -, o Princípio da Celeridade ou Brevidade Processual,
constituindo-se verdadeiro direito fundamental.
A
violação diuturna do referido princípio pelo Estado brasileiro, ou seja, a
morosidade processual já referida alhures, consubstancia, além de
inconstitucionalidade flagrante, violação de obrigações internacionais por este
assumidas, haja vista as disposições constantes do art. 2º, § 1º, do Pacto
Internacional dos Direitos Civis e Políticos (9), bem como no art.
1º, § 1º e art. 2º da Convenção Americana de Direitos Humanos (10).
Do
exposto, verifica-se ser relativa a inovação procedida pela Emenda
Constitucional nº 45/04, no particular, haja vista a preexistência do princípio
à sua vigência, inclusive com posicionamento hierárquico constitucional, por
força dos dispositivos convencionais e constitucionais declinados.
De
qualquer modo, a inclusão do inciso LXXVIII no rol dos direitos e garantias
fundamentais constitui avanço, assim como adimplemento à obrigação
internacional contida no art. 2º do Pacto de São José da Costa Rica,
dependendo, entretanto, de sua implementação, agora no plano material.
5. DO
CONFRONTO ENTRE O PRINCÍPIO DA CELERIDADE OU BREVIDADE PROCESSUAL E A QUALIDADE
DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. DO CONFRONTO DAQUELE COM A SEGURANÇA JURÍDICA.
Aspecto
que não deixa de causar preocupação na incessante busca da celeridade
processual é o da compatibilização desta com a qualidade da prestação
jurisdicional e com a segurança jurídica.
Com
efeito, parece-nos que a simplificação dos procedimentos e a restrição às vias
recursais, para determinadas causas, assim como outras medidas tendentes a
conferir celeridade à tramitação, não podem conduzir a uma queda na qualidade da
prestação jurisdicional, tampouco violar o direito à ampla defesa e
contraditório.
É
preciso ter-se presente, por exemplo, que as causas submetidas a procedimento
sumário, ou de competência dos Juizados Especiais, v.g., não constituem
causas de segundo escalão ou segunda classe, cujo julgamento seja menos
importante que as demais.
Sua
reduzida expressão econômica, e.g., não justifica uma instrução e
julgamento apressadamente realizados, sem a devida acuidade, quer quanto aos
fatos, quer quanto ao direito do jurisdicionado. Em suma: é premente conciliar
os valores da celeridade com aqueles da segurança jurídica e da qualidade da
prestação jurisdicional.
Conforme
ensina ALVARO COURI ANTUNES SOUSA (op. cit., p. 117):
"Talvez
a maior dificuldade que se encontre na efetividade de tal princípio [o da
utilidade] seja compatibilizar a segurança jurídica e a celeridade do processo
e grau de sacrifício de cada um destes elementos, o que não é impossível se o
aplicarmos em conjunto com os demais e ponderando os bens jurídicos envolvidos
no caso concreto."
Em
caso de conflito entre os valores já referidos, parece-nos ser indispensável
conferir proeminência ao da qualidade da prestação jurisdicional e da segurança
jurídica, a despeito da novel disposição constitucional.
Não
deve o aplicador do direito olvidar-se de que o direito processual é
instrumental (11), servindo de veículo aos direitos subjetivos do
jurisdicionado, de modo que não se justifica imprimir-se-lhe celeridade caso
esta implique em prejuízo, ainda que eventual, ao direito pelo mesmo
assegurado. Em outras palavras: não se pode sacrificar o fim em nome dos meios.
JOSÉ
ROBERTO DOS SANTOS BEDAQUE, sobre o particular, assim manifesta-se:
"Como
condutor do processo, o juiz tem o dever de, sem sacrificar o contraditório e a
ampla defesa, procurar a solução mais rápida possível para o litígio. Para
tanto, é dotado de inúmeros poderes, especialmente aqueles destinados a evitar
a litigância de má-fé (arts. 17 e ss) e a realização de atos instrutórios
inúteis e protelatórios (art. 130) [...] A busca da rápida solução do litígio
não deve transformar-se, todavia, no objetivo maior do julgador. Ao lado do
valor celeridade, encontra-se a segurança, proporcionada pelo devido processo
legal. Ambos devem ser levados em consideração pelo juiz, na condução do
processo." (Código de Processo Civil Interpretado cit., p. 348).
Assim
sendo, o que se propõe é uma ponderada interpretação do inciso LXXVIII do art.
5º da Carta Magna, cotejando as demais disposições constitucionais, como
aquelas assecuratórias do devido processo legal (CF, art. 5º, LIV), ampla
defesa e contraditório (CF, art. 5º, LV), fundamentação das decisões (art. 93,
IX), dentre inúmeras outras, empregando-se os métodos hermenêuticos da
interpretação sistemática e teleológica, de modo a não se sacrificar valores
jurídicos de primeira água em favor de uma apologia desmedida à celeridade.
Convém
recordar, ainda, na esteira dos ensinamentos do mestre, que a parte, ou seja, o
jurisdicionado em questão, possui o direito público subjetivo
constitucionalmente assegurado, de acesso ao judiciário, traduzido no Princípio
da Inafastabilidade da Jurisdição (art. 5º, XXXV, Constituição Federal), que
pressupõe a prestação de tutela jurisdicional adequada, efetiva e de qualidade.
Há
entendimentos em sentido contrário, conferindo maior importância ao fator
celeridade. Segundo PAULO CÉZAR PINHEIRO CARNEIRO citado por ALVARO COURI
ANTUNES SOUSA (op. cit., p. 118):
"O
dilema de ontem, entre a segurança e a celeridade, hoje é um falso dilema. A
rapidez, sem dúvida, deve ser priorizada, com o mínimo de sacrifício da
segurança dos julgados. Da exacerbação do fator segurança, como ocorre em regra
no nosso sistema, não decorre maior justiça das decisões. É perfeitamente
possível priorizar a rapidez e ao mesmo tempo assegurar justiça, permitindo que
o vencedor seja aquele que efetivamente tem razão."
No
entanto, parece-nos evidente que a atual morosidade enfrentada pelo processo
não é exatamente fruto do fator segurança jurídica, como afirmado pelo
respeitável autor, mas das carências estruturais do Poder Judiciário e do
exacerbado número de ações, crescente ano-a-ano, dentre outros fatores, os
quais abstemo-nos de mencionar, por extrapolar o objeto do estudo, conforme
afirmado alhures.
Outrossim,
o que se tem visto é uma queda na qualidade da prestação jurisdicional e, por
conseguinte, da segurança jurídica, em virtude de certas tentativas de
celerizar a instrução e o julgamento dos feitos.
VALENTIN
CARRION, com a clareza que lhe é característica, referindo-se à problemática da
demora na entrega da prestação jurisdicional, nos ensina que
"a
parcimônia não se reduz apenas à intolerável demora da coisa julgada, mas, por
causa da angústia dos juízes, triturados no excesso desumano de processos e o
desejo, traço-necessidade de tentar solucionar o impossível encargo, produz o efeito
da improvisação e o afogadilho, no juízo singular e nos colegiados e, portanto,
a má qualidade freqüente dos julgados. Lança-se mão dos mutirões ou das pautas
centenárias, além dos procedimentos para sentenças improvisadas de conhecimento
incompleto, como é a tutela antecipada e as cautelares satisfativas."
(12) (op. cit., p. 557).
Em
suma, concluindo a abordagem, no que se refere ao tópico presente, o que se
pretende sublinhar é que, nas palavras de CARRION, não será lançando mão da
improvisação e do afogadilho que se resolverá o problema da morosidade
processual, devendo-se sempre tentar compatibilizar a celeridade com valores
constitucionais da marca maior, já mencionados, de modo que não pereça a
própria finalidade do processo: o direito do jurisdicionado.
6.
CONCLUSÕES.
De
todo o exposto, pensamos ter demonstrado:
a)
Que, mesmo anteriormente à vigência do texto constitucional com a redação dada
pela Emenda Constitucional nº 45, já vigorava, no sistema jurídico pátrio, o
Princípio da Celeridade ou Brevidade Processual, o qual se depreendia de uma
interpretação sistemática e teleológica da legislação interna;
b)
Que tal princípio, embora não expresso na Carta Magna, já contava com
hierarquia constitucional, haja vista a interpretação sistemática do
ordenamento, já referida, com a norma insculpida no art. 98, I, da CF, bem como
a teoria da inclusão automática das normas internacionais definidoras de
direitos e garantias fundamentais (art 5º, §§ 1º e 2º, CF);
c)
Que a inserção do princípio em comento no texto constitucional caracteriza
avanço, na medida em que o torna expresso, bem como procede ao adimplemento de
obrigação internacional assumida pela República Federativa do Brasil (art. 2º
da Convenção Americana de Direitos Humanos), restando em aberto a sua concreção
no mundo dos fatos;
d)
Que a inclusão referida no item precedente não pode constituir-se em uma
apologia desmedida à referida celeridade, em detrimento de valores agasalhados
pelo ordenamento, como aqueles da qualidade da prestação jurisdicional e da
segurança jurídica, bem como do devido processo legal (especialmente ampla
defesa e contraditório).
BIBLIOGRAFIA.
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THEODORO
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de Janeiro : Forense, 2003.
NOTAS
1
Aqui pensamos caber um pequeno reparo. Cabe dizer que, em nosso juízo, o
processo é realmente instrumental. No entanto, antes de servir de veículo ao
direito material que lhe é afim, possui a natureza de garantia fundamental,
sendo, portanto, veículo, em primeiro plano, dos direitos fundamentais.
2 El derecho a un proceso sin
dilaciones indebidas. Madri : Civitas, 1994. p. 32/33.
3
Idem, ibidem, p. 33,
4
CPC: "Art. 125. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste
Código, competindo-lhe:
...
omissis...
II
- velar pela rápida solução do litígio;"
5
CF: "Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
(...)
§
1º. As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação
imediata.
§
2º. Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros
decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados
internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte."
6
"Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
(...)
§
3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem
aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos
dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas
constitucionais."
7
CF: "Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
(...)
§
4º. Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
(...)
IV
- os direitos e garantias individuais."
8
Conforme entendimento defendido em trabalho intitulado "A Emenda
Constitucional nº 45/04 e o Novo Regime Jurídico dos Tratados Internacionais em
Matéria de Direitos Humanos", de nossa lavra, publicado no Boletim
Diário Jus Navigandi nº 575, de 02/02/2005, disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=6272>.
9
"Artigo 2º - 1. Os Estados-partes no presente Pacto comprometem-se a
garantir a todos os indivíduos que se encontram em seu território e que estejam
sujeitos à sua jurisdição os direitos reconhecidos no presente Pacto, sem
discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política
ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, situação econômica,
nascimento ou qualquer outra situação."
10
Artigo 1º - Obrigação de respeitar os direitos
1.
Os Estados-partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e
liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda
pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma, por
motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer
outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou
qualquer outra condição social.
2.
Para os efeitos desta Convenção, pessoa é todo ser humano". (destaques
ausentes no original).
"Artigo
2º - Dever de adotar disposições de direito interno
Se
o exercício dos direitos e liberdades mencionados no artigo 1º ainda não
estiver garantido por disposições legislativas ou de outra natureza, os
Estados-partes comprometem-se a adotar, de acordo com as suas normas constitucionais
e com as disposições desta Convenção, as medidas legislativas ou de outra
natureza que forem necessárias para tornar efetivos tais direitos e
liberdades."
11
Na acepção já referida na nota nº 01.
12
No mesmo sentido, seguindo a crítica do mestre supracitado, entendemos
altamente temerária a previsão constante do art. 46, in fine, da Lei nº
9.099/95, extensível aos Juizados Especiais Federais por força da Lei nº
10.259/01, que dispensa de fundamentação os acórdãos prolatados pelas Turmas
Recursais, nos casos de manutenção da decisão proferida pelo Juízo a quo,
servindo de fundamento ao acórdão os mesmos da sentença. Vislumbra-se, no caso,
aplicação desvirtuada de simplificação visando à celeridade, em detrimento da
qualidade da prestação jurisdicional, violadora do art. 93, IX, da Carta Magna,
inquinada, portanto, de inafastável inconstitucionalidade.
http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=6676