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Um
réquiem às condições da ação.
Estudo
analítico sobre a existência do instituto
Fredie
Souza Didier Júnior
advogado em Salvador (BA), professor de Direito
do Curso JusPodivm e da UFBA
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"Até quando, ó Catilina, abusarás de nossa
paciência?"
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Sumário: 1. À guisa de justificativa. 2. O
direito positivo e o sistema tricotômico de categorias processuais. Análise
crítica. 3. Excertos de pensamento de Liebman sobre jurisdição e ação. A teoria
eclética da ação. 4. Crítica à concepção de Liebman sobre a ação e jurisdição. A
incoerência de nosso Código de Processo Civil. 5. Posicionamentos doutrinários
justificadores das condições da ação. Crítica. 6. Outras terminologias. 7. É
possível falar-se em exercício irregular do direito de ação ou de nenhum direito
de ação? 8. As categorias processuais: pressupostos processuais e mérito. A
equivocidade da expressão condição de ação. 9. Carência da ação e
improcedência: importância da distinção conceitual para efeitos da produção de
coisa julgada material. Reposicionamento dogmático das chamadas condições da
ação. Conclusão. 10. Considerações iniciais sobre a possibilidade jurídica do
pedido. 11. Nosso posicionamento anterior. Evolução. 12. Direito positivo. Crítica.
13. A possibilidade jurídica como concessão à concepção concretista do direito
de ação. 14. Posições doutrinárias explicativas da possibilidade jurídica do
pedido. Crítica. 15. A posição de Eduardo Ribeiro de Oliveira. 16. Síntese da
nosso proposta hermenêutica.
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1. Tutela específica, tutela cautelar, tutela antecipada;
instrumentalidade e efetividade do processo; deformalização; ação civil
pública, ação monitória, ação declaratória de constitucionalidade; juizados
especiais, arbitragem, reforma do código de processo etc., enfim, são tantos e
tão importantes os temas que pululam diariamente nas mesas dos nossos juristas,
que cutucar a Teoria Geral do Processo, mais precisamente no que concerne ao
vetusto direito de ação, soaria, ao leitor desavisado, simples fetichismo; mera
lucubração descabida; inoportuno exercício de retórica; logomaquia, ou, até
mesmo, necrofilia. Não sem motivo. A dificuldade que a Ciência Processual vem
enfrentando, nos últimos lustros, para assegurar a efetividade do comando
constitucional consagrador do acesso à justiça, em face das inelutáveis
transformações sociais, políticas e econômicas de um pragmatismo por vezes cego
– ao menos caolho – no pensamento jurídico nacional, que se revela na busca
sequiosa por meios de facilitarporque passamos, tem gerado uma onda e acelerar
o processo de administração da Justiça, seja importando técnicas já consagradas
em outros países (ação monitória), seja engendrando mecanismos nitidamente
brazucas – alguns verdadeiramente dignos de encômios, outros, nem tanto.E essa
busca pelo resultado, pela prestação jurisdicional efetiva, pela solução tão
mais rápida quanto possível dos conflitos, desviou a atenção dos nossos mestres
para assuntos já então tidos por inquestionáveis ou meramente teoréticos O
estudo sobre o direito de ação aparece freqüentemente nos obituários jurídicos
de nossos professores – e é nesse necrológio que se encontram as condições da
ação, tema que reputamos, sem hesitação, como dos mais áridos e mal explicados
em toda a seara processual. Não escapou à percepção de Marinoni o fato de que a
questão do acesso à Justiça implica o repensar dos institutos processuais,
inclusive quanto à produção de coisa julgada material pela sentença que declara
a carência de ação – exatamente por se tratar, conforme pensamos, de aspectos
do direito material O objetivo destas rápidas linhas é exatamente questionar o
instituto "condição da ação", inclusive quanto à sua existência, à
luz do eterno desafio da administração efetiva da Justiça, cotejando-o, em
particular, com o dispositivo constitucional que consagra o direito de ação. Escrever
de lege ferenda é sempre um ato meio quixotesco. No particular, então, a
situação torna-se ainda mais preocupante, porquanto boa parte da intelligentsia
processual brasileira já tenha aderido à doutrina liebmaniana, que preconiza a
categorização das condições da ação – teoria essa inclusive adotada por nosso
Código, de forma deliberada –; situação que levou mestres do quilate de Moniz
de Aragão e Humberto Theodoro Jr. a desenganar todo aquele que, por discordar
da teoria dominante e adotada pelo direito positivo, porventura queira
reformulá-lo, adequá-lo ou questioná-lo. Ao aplicador, sem dúvida, resta pouca
margem de questionamento: o código adotou-as, alçando à causa de extinção do
processo sem julgamento do mérito a carência de quaisquer delas. Afora a nítida
impropriedade desta solução, ao julgador é exigido, entretanto, o mínimo de
respeito às instituições, para que a aplicação irrestrita de uma teoria perneta
não cause ainda mais males do que a sua própria existência já causa por si
mesma. Ao jurista, no entanto, o campo de especulação é mais extenso. Cabe-lhe
apontar, entre outras coisas, os manifestos equívocos legislativos no trato de
matéria, interpretando a norma não apenas de acordo com seu código genético,
mas em confronto com todo sistema, de forma a dar-lhe o mínimo de coerência e
aplicabilidade. Em momento brilhante, ensina-nos Adroaldo Furtado Fabrício que
nada impede "que se questionem os critérios do legislador, em nível
doutrinário e até com vistas a uma interpretação e análise crítica dos textos
que possa eventualmente relativizar a adesão do legislador a conceito tão
polêmico, ainda sujeito a tormentosa controvérsia e tenaz oposição.O silêncio
sobre o assunto em nada ajuda na explicação destas realidades jurídicas. Propomos,
a partir de agora, o debate.
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2. A citação escancarada de Cícero não é mera maquiagem para esconder
uma malformação cultural; tem por razão, tão-somente, ilustrar da melhor
maneira possível a nossa posição sobre o problema. Acreditamos que as condições
da ação devem ser extraditadas, em definitivo, do nosso ordenamento (assim como
Catilina, de Roma), por se constituírem em equívoco do legislador que nos tem
levado a outros equívocos, em razão de perplexidades até agora não
solucionadas, as quais teimamos, por devoção ao santo, em mal-resolver com a
aplicação cega e irrestrita de uma teoria que se mostra falha em sua essência. Abyssus
abyssum invocat, diziam os Salmos de Davi. Eis porque fizemos questão de
emprestar a esse nosso brado a força e a contundência de uma das Catilinárias. O
nosso Código de Processo seguiu a teoria de Liebman, adotando uma tricotomia de
categorias processuais: condições da ação, pressupostos processuais e mérito
Embora um tanto assistemático, o nosso diploma processual refere-se aos
condicionamentos da ação em dois momentos: quando trata da ação (art. 3º),
referindo-se apenas ao interesse processual e à legitimidade – cópia quase
literal do art. 100 do Código italiano,e ao elencar os casos de extinção do
processo sem julgamento do mérito (art. 267, VI), quando finalmente menciona a
possibilidade jurídica – curiosamente, sem o complemento "do
pedido".É o quadro normativo. Entendemos que o legislador, além de
incoerente em vários pontos, andou mal em seguir deliberadamente uma teoria
que, à época, já havia sido revista, ainda que em parte, por seu pai (como é
sabido, Liebman, na 3ª edição do seu "Manuale" já não mais mencionava
a possibilidade jurídica do pedido como condição da ação). Neste particular,
seguimos o mestre Calmon de Passos, que já em 1960, por ocasião de sua tese à
cátedra (fundamental para quem se propõe a um estudo minucioso sobre o
tema),defendia a postergação das condições da ação do nosso ordenamento,bem
como Pontes de Miranda, que simplesmente as ignora, falando em pressupostos
processuais e pré-processuais. O mestre das Alagoas, inclusive, com costumeiro
brilhantismo, afirma que a simples referência às condições da ação como
categoria autônoma seria um resquício da concepção privatística do processo. Outros
doutrinadores nos apóiam nesta empreitada; citá-los-emos ao longo da exposição.
O problema das categorias do processo se nos apresenta, portanto, de forma mais
singela: trata-se do binômio pressupostos processuais/mérito da causa. Além da
adoção de uma categoria equívoca, falha o legislador ao regrar a produção de
coisa julgada material das sentenças que declaram a chamada carência de ação,
pois finge não se analisar a relação jurídica de direito material quando se
reconhece a carência de ação.Esse é ponto nevrálgico da questão, o qual
discorreremos ao longo de todo o ensaio.
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3. A teoria de Liebman, que engendra as condições da ação como
pressupostos de admissibilidade do exame do mérito, funda-se em um conceito de
jurisdição a nosso ver bastante equivocado e por nosso legislador,
paradoxalmente, não seguido. Por exercício do poder jurisdicional, entende
Liebman, a decisão sobre o mérito da causa, derivando daí que não há ação nem
exercício da função jurisdicional onde não estejam presentes as condições da
ação Nesta linha de raciocínio, a existência da categoria condições da ação se
justifica. Salta a olhos vistos, entretanto, que se trata de uma teoria obtusa,
fundada em premissas falsas, pois, claramente, quando se extingue o processo,
declarando carecedor de ação o autor, há ação, jurisdição e processo. Ou então
teríamos de dizer, efetivamente, que natureza têm esses fenômenos
jurídicos.remos excertos do pensamento de Liebman sobre jurisdição: "...
no processo de cognição somente a sentença que decide a lide tem plenamente a
natureza de ato jurisdicional, no sentido mais próprio e restrito. Todas as
outras decisões têm caráter preparatório e auxiliar: não só as que conhecem dos
pressupostos processuais, como também as que conhecem das condições da ação e
que, portanto, verificam se a lide tem os requisitos para poder ser decidida. Recusar
o julgamento ou reconhecê-lo possível não é, ainda, propriamente, julgar: são
atividades que por si próprias nada têm de jurisdicional e adquirem esse
caráter só por ser uma premissa necessária para o exercício da verdadeira
jurisdição. Sobre a ação, o mestre italiano defendia uma conceituação
intermediária entre a concepção concretista e a abstrata, também chamada teoria
eclética, como forma de adequá-la ao conceito de jurisdição já anunciado. Afirma
ser a ação o direito de provocar o julgamento do pedido, sendo abstrata porque
esse julgamento inclui as hipóteses em que ele, o pedido, seja julgado
procedente ou improcedente. Repele a teoria abstrata pura, que defende a
possibilidade de requerer aos órgãos jurisdicionais uma decisão, seja ela qual
for, inclusive a de denegar a apreciação do pedido, pois descaracterizaria o
direito de ação como direito subjetivo, porque competiria a todos, em qualquer
circunstância, identificando-o com o direito constitucional, e não com a
concepção processualista da ação Eis as bases do pensamento de Liebman. Passaremos
a expor a nossa posição sobre o problema, tentando evidenciar a incoerência dos
postulados do mestre italiano, bem como a infelicidade de nosso legislador, ao
seguir seus ensinamentos.
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4. A existência do instituto "condição da ação" dependerá do
que se entenda, em nível de direito positivo, por ação e jurisdição. Nosso
Código seguiu a doutrina do direito de ação abstrata e autônomo, bem como
considerou que o provimento judicial terminativo pusesse fim ao processo, sendo
induvidosamente jurisdição. Nessas condições, acreditamos ser absolutamente
incabível a aplicação in totum da teoria de Liebman em nosso ordenamento, que,
conquanto a tenha acariciado em vários pontos, tratou de rejeitá-la em tantos
outros, fulcrais para a sua validade – crítica também já feita por Barbi, muito
embora sem polemizar sobre o instituto. É, portanto, nitidamente incoerente. A
concepção de um direito de ação condicionado apenas se justifica para aqueles
que o entendam como direito a um provimento sobre o mérito, e a jurisdição, como
a prestação jurisdicional que componha a lide. Não seguimos essa linha de
raciocínio. A sentença (sim, é sentença!) que declara inadmissível o exame do
mérito (análise puramente processual) é tão sentença (jurisdição) quanto aquela
que declara inexistente o direito material invocado. Dizer que a atividade do
magistrado, neste caso, não é jurisdição nos parece absurdo e arbitrário mesmo
que mentes brilhantes já o tenham feito – queremos crer que hoje não mais paire
controvérsia a respeito do tema. Dizer, por outro lado, que, quando o juiz
extingue o processo sem julgamento de mérito, por reconhecer inexistente uma
das ditas condições da ação, não houve exercício do direito de ação, na lúcida
observação de Calmon de Passos, é uma arbitrariedade. Ora, quem foi que disse
que, ao dizer o direito ("juris dicere", "jurisdizer",
jurisdição), o juiz apenas aplica o direito material? Onde isso está escrito? No
Decálogo, Corão ou Talmud? Como podemos chegar a essa conclusão? Para os
conceitos de administração da justiça, prestação jurisdicional e jurisdição
apenas entra a aplicação do direito objetivo material? Impossível fugirmos da
citação de Pontes de Miranda, ao defender que a ação rescisória protege também
o direito processual, para, com a sua autoridade, ajudar-nos: "Primeiro,
porque o direito processual é tanto direito quanto o material, e fora
arbitrário distingui-los, considerando-se, a um, digno de vigilância e de
retomada da prestação jurisdicional, ao outro, não. É falso que o processo só
tenha por fim realizar o direito material; ele procura realizar o direito
objetivo, material ou formal. Limitar o direito de ação apenas à declaração de
cabimento ou não de determinada fattispecie prevista na lei material ("si
riferisce ad una fattispecie determinata ed esattamente individuata"),
fazendo pouco caso do próprio direito objetivo formal, é, também, violentamente
e sem autorização, restringir o conceito de jurisdição, que se tornaria mera
aplicação do direito material, ou considerar que o direito objetivo formal não
é, nem nunca foi, digno de aplicação – o que é em si mesmo algo esconso e
paradoxal. É mera opinião pessoal do doutrinador; não se trata de ciência. Desprezam-se
conceitos básicos da ciência processual; há nítida incoerência, pois não
explicaria a existência, nestes casos, de jurisdição e processo (que
efetivamente existem; inclusive, é assim que o Código trata desses fenômenos),
sem ação, pois são conceitos correlatos. "A aceitar-se integralmente a
doutrina de Liebman, ter-se-ia processo sem ação, muito embora não iniciado de
ofício. Enfim, consideramos construção teórica de fundamentação dogmática
bastante frágil, inaplicável em nosso ordenamento, por mais que as meras
palavras da lei digam o contrário. Lembremos de São Paulo, na segunda epístola
aos Coríntios, 3:6: "Littera enim occidit spiritus autem vivificat"
("porque a letra mata, mas o espírito vivifica"). Quando Liebman,
criticando a teoria concretista de Wach (Rechtsschutzanspruch), afirma que ela
não explica os casos em que a ação é julgada improcedente (sic) arma a sua
própria arapuca, pois é patente que seguindo as suas convicções não
explicaríamos: a) qual a natureza jurídica do ato que extingue o processo por
carência de ação b) se não houve ação, porque o Estado se manifestou para
aplicar o direito objetivo e impedir o curso regular do processo? c) o que
justificaria, então, já que não houve ação, a movimentação do aparelho
jurisdicional, como pergunta Barbi? Entre outras perguntas que permeiam toda a
discussão que ora travamos. Liebman não esclareceu essas questões. Seu
silêncio, lembra Calmon de Passos, autorizou a severa e letal crítica que lhe
fez Guillén, que, além de alguns dos questionamentos que já fizemos, assevera,
com pena de ouro, que se naqueles casos não há processo "impunha-se
duplicar a teoria geral em duas (para processos com ação e para processos sem
ação); com a circunstância, entretanto, de que, no início de todos eles, não se
podendo saber (segundo Liebman) se a ação existe ou não, a pertinência de um
determinado processo a uma ou outra teoria geral somente seria determinável a
posteriori. O mais grave, contudo, na concepção eclética da ação, é a sua
roupagem de modernidade; autoproclama-se abstrata, mantendo, entretanto, íntima
relação com o concretismo. Já apontado por Calmon de Passos, o ecletismo da
teoria liebmaniana voltou à tona com a contundente crítica formulada por Ovídio
Baptista da Silva – corroborada por Luiz Guilherme Marinoni –, quando o
considera o maior problema do pensamento do mestre italiano. Lembra o Professor
da Escola de Curitiba, que Liebman defende que as condições da ação não
resultam da simples alegação do autor, mas da verdadeira situação trazida a
julgamento, podendo a análise de sua verificação ocorrer durante a instrução do
processo, pouco importando o momento procedimental – "é suficiente que as
condições da ação, eventualmente inexistentes no momento da propositura desta,
sobrevenham no curso do processo e estejam presentes no momento em que a causa
é decidida Lembra-nos, ainda, "o verdadeiro pânico que toma conta dos
operadores jurídicos quando se defrontam com casos como o da ação
reivindicatória, na qual o juiz, após a instrução, verifica que o autor não é
proprietário." O que deveria o magistrado, nestas situações, fazer? Extinguir
o processo sem julgamento do mérito, por ilegitimidade, ou julgá-lo
improcedente, porque o autor não tem o direito material vindicado? Perguntamos
nós: será que o autor, realmente, não tinha ação? O Estado teria gastado toda
aquela energia para nada? Terá sido um mero favor estatal? "Podemos dizer,
sem medo de errar, que a teoria que aceita que o caso é de carência de ação
está muito mais perto do concretismo do que pode imaginar.
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5. Às vezes, a sanha nos leva a
lamentáveis equívocos. Osvaldo Afonso Borges considerou o indeferimento da
inicial mera função público-administrativa de fiscalização da lei
processual.como se a "outra", a jurisdição propriamente dita, pudesse
ser classificação de função público-administrativa de fiscalização da lei
material (?); como se o direito objetivo fosse dois; como se a divisão
formal/processual não fosse meramente didática; como se o juiz também não
estivesse submetido à lei processual, o que levaria ao paradoxo de ser o juiz
fiscal de sua própria atuação. A idéia, muito embora bem intencionada, data
venia, deve ser desconsiderada. Não tem razão Donald Armelin, quando tenta
distinguir condições de ação e mérito: "... a existência de uma esfera
preliminar ao exame do mérito é o resultado da atuação de princípios de técnica
e economia processual respaldados por lei. Com isso se objetiva impedir que
processos oriundos de exercício irregular de um direito de ação ou de nenhum
direito de ação (no sentido de direito a um exame de mérito) cheguem a se
prolongar, ensejando decisões ineficazes ou rescindíveis, com manifesto
prejuízo para todos, partes e órgãos jurisdicionais. A "atuação de
princípios de técnica e economia processual" se dá de forma enviesada,
pois ao "condicionar" o exercício do direito de ação a aspectos
atinentes ao direito material, não o faz de forma a tornar tais decisões
definitivas e imutáveis (coisa julgada material), possibilitando que se discuta
em outros processos a mesma questão – quantas vezes quisermos, pois não implica
perempção. Que economia é essa? Que forma mais troncha de se evitar
"decisões ineficazes ou rescindíveis, com manifesto prejuízo para
todos", não? A utilidade da medida é a de um placebo. Há quem ainda, na valorosa
ânsia de buscar aplicabilidade e coerência ao instituto, para salvá-lo, elabora
teorias que, em nível de direito positivo, são aplicáveis, embora permaneçam
equivocadas. Kazuo Watanabe e Flávio Luiz Yarshell defendem que as condições da
ação devam ser aferidas de acordo com a afirmativa do autor na petição inicial,
in statu assertionis – à vista do que se afirmou na petição inicial,
abstraindo-se as possibilidades que se abrirão ao julgador no momento do juízo
de mérito As condições da ação não seriam analisadas sumária e
superficialmente, de forma a permitir-se uma outra análise por ocasião do
saneamento. "O que importa é a afirmação do autor, e não a correspondência
entre a afirmação e a realidade, que já seria problema de mérito. A teoria não
tem como vingar. Se o autor afirma, na inicial, que quer prestação alimentícia
de seu amigo de infância, que brigou com ele depois de vinte anos de amizade,
faltar-lhe-ia legitimidade para a causa; mas diria também o juiz, afirma
Marinoni com acerto, que o autor não tem pretensão de direito material, e, por
conseqüência, ação materialPontes de Miranda – o que é problema de mérito. Trata-se
o caso de improcedência prima facie, ou como diria Marinoni, improcedência
macroscópica. Os questionamentos exaustivamente feitos continuam sem resposta.
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6. Com mais razão estão Barbosa Moreira e Hélio Tornaghi,que de há muito
vêm defendendo uma mudança na terminologia empregada por nosso código. Sugerem
a expressão "condições do exercício legítimo do direito de ação", em
substituição à nossa malsinada "condições da ação", pois, como já
tentamos demonstrar, os referidos requisitos nada dizem quanto à existência do
direito de ação (incondicionado), apenas quanto a seu exercício. No geral, não
há reparos a fazer na lição dos mestres, que tentam, ao menos, emprestar um
pouco de coerência ao instituto. Watanabe tenta adequar a construção
liebmaniana às suas convicções abstrativistas, ao denominá-las de condições
para o julgamento do mérito da causa. Belas construções, sem dúvida. Mas são
paliativos ou meras correções redacionais. Como pretendemos ser um tanto quanto
iconoclastas, não nos servem em nível de especulação científica – tão-somente,
como frisamos, nos servirá para efeitos de análise de direito positivo. Não há
razão em se estabelecer uma terceira categoria processual, tampouco em erigir
as ditas condições da ação – que como já fizemos antever, ou dizem com o
mérito, ou são pressupostos de existência e desenvolvimento válido do processo,
a depender de como se as encarem –, de forma estanque, em requisitos para o
exercício legítimo da ação, pois em última análise, os casos de litigância de
má-fé também seriam situações de exercício legítimo do direito de ação. Muito
embora dogmaticamente aceitável e de muitos méritos pela coerência, as teorias
não enfrentam a questão da coisa julgada material e não pugnam pela extinção da
categoria – pontos, para nós, fundamentais. É, entretanto, repita-se, o que há
de melhor em se tratando de terminologia e coerência. Pela iniciativa,
aplausos.
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7. É possível falarmos em "exercício irregular do direito de ação
ou de nenhum direito de ação", quando não são preenchidas as malditas
condições da ação? Não. Para ser exercido irregularmente, é necessário que, em
primeiro lugar, ele exista; não há, então, como defender que o autor careceria
de ação – seria um contra sensu. Com toda razão Tornaghi quando afirma que de
carência de ação se falaria com propriedade se se entendesse que a própria
existência do direito de ação depende daqueles requisitos. Que pode haver
exercício abusivo ou irregular do direito de ação, como de resto com qualquer
espécie de direito, é, a nosso ver, induvidoso. Mas não se justifica que,
contrariando princípios de lógica comezinhos, se diga que o autor terá carecido
do direito de ação e, ao mesmo tempo, terá abusado dele. A expressão
"êxito da ação" cunhada por Liebman é cabível? Também não, por óbvio.
A ação sempre terá êxito, porquanto, pelo menos, haverá pronunciamento
jurisdicional sobre a ausência de requisitos legais para que o processo
prossiga. Se condições da ação são esses requisitos, para que o mérito da lide
seja apreciado (para que o processo vá adiante, até seus ulteriores termos), o
que seria, então, o espaço de tempo que medeia a propositura da ação e o
despacho saneador ou extinção liminar do processo? Nada? Zona cinzenta? Não
houve acionamento do aparelho jurisdicional estatal? O juiz não aplicou o
direito objetivo? Que espécie de atividade o juiz realizou? Não houve
jurisdição? Não houve processo? Então fica combinado: vamos fazer de conta que
nada aconteceu e fenômenos induvidosamente jurídicos ficarão sem explicação. "Pare
o mundo que eu quero descer...", diria um poeta baiano. Podemos falar,
portanto, em possibilidade de não existir direito de ação? Diante de nosso
ordenamento, que consagra o acesso à justiça em sede constitucional; que acolhe
a teoria abstracionista, desvinculando o direito de ação do direito material;
que veda, em regra, a instauração de processo de ofício, entre outras
considerações que vimos fazendo, em nosso sentir, é conclusão a que jamais
podemos chegar. Trata-se de fato inegável, portanto, que, quando haja extinção
do processo sem julgamento do mérito, haverá exercício do direito de ação assim
como jurisdição, pois se aplica o direito ao caso concreto, ainda que para
dizer que o autor não preencheu determinadas condições ou requisitos impostos
pela lei processual (também direito) para que o processo prossiga regularmente.
O dizer-se abstrato e autônomo o direito de ação já elimina qualquer
possibilidade de falarmos em êxito ou fracasso da ação, pois se o processo, p.
ex., for extinto por vício de forma, terá havido ação; se o processo tiver sido
extinto por ausência de uma das condições da ação, também terá havido ação,
pois o Estado, obrigado a manifestar-se sobre a pretensão deduzida, que também
possui caráter processual, cumpriu o seu ofício, aplicando o direito objetivo
(direito processual, que seja) ao caso concreto. Com razão, ainda, Theodoro Jr.
quando pontua o equívoco das expressões "ação procedente" e
"ação improcedente", mesmo para os adeptos da teoria do eminente
mestre de Pávia, pois: a) procedência e improcedência são termos atinentes ao pedido
(um dos elementos da causa); b) uma vez admitida a ação, segundo a teoria
dominante, quando presentes as suas condições, não mais se questionaria da sua
procedência, pois direito à prestação jurisdicional não se confunde com a
existência do direito material, como queriam fazer crer os concretistas; c)
como já fizemos crer, não há, simplesmente, que se falar em procedência ou não
da ação, pois em qualquer caso o Estado haverá de pronunciar-se sobre a
demanda, ou seja, sempre a ação terá procedência.
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8. Os adeptos da teoria dominante entendem que a categoria
"condições da ação" é estranha ao mérito, tampouco pertencendo à
órbita dos pressupostos processuais. Constituir-se-ia, na lição de Adroaldo
Furtado Fabrício, em um círculo concêntrico intermediário entre o externo,
correspondente às questões puramente formais, e o interior, representativo do
mérito da causa. Hoje não mais se discute sobre a existência de duas esferas
bem distintas: a processual e a material.Não mais se discute, também que a ação
pertence à esfera do processo, bem como é um direito abstrato e autônomo em
relação ao direito material a que está conexo e a que serve de instrumento de
realização – e não há confundir, como diz Marinoni, instrumentalidade do
processo e neutralidade do processo em relação ao direito material. Partindo
destas premissas, não nos parece razoável entender como pode estar condicionado
o exercício do autônomo e abstrato direito de ação a elementos que hão de ser
verificados no direito material: seja o seu respaldo no ordenamento jurídico,
seja a sua titularidade. Entre questões de mérito e questões de rito não há uma
terceira espécie, porque todas as questões ou são regidas pela lei processual
ou pela lei material. Sem qualquer razão, portanto, Liebman, quando identifica
as "condições da ação" com categoria intermediária entre os
pressupostos processuais e o mérito. Sendo a ação, induvidosamente, um
instituto processual, não nos é aceitável que se pretenda resposicioná-lo como
se fosse realidade distinta deste, como se pertencesse a outro mundo. Sejamos
mais claros: aquilo que se poderia (mera conjectura) entender como condição da
ação, em análise mais precisa, seria pressuposto de processo. A diferenciação
entre um e outro, para nós, portanto, é descabida. E diz mais o professor
baiano Calmon de Passos, em sucinto arremate: "... é injustificável que se
desvinculando a existência do direito de ação da existência do direito material
se persista no falar em condições da ação, como se ela fosse condicionada. A
existência desta categoria processual autônoma, distinta e descabida, afora
todos os senões de ordem dogmática que já tentamos expor, encerra o prejuízo do
equívoco que sugere, pois "compromete o legislador, o magistrado ou o
estudioso com uma concepção do direito de ação em face da qual, e somente em
face da qual, o termo seria aceitável e explicaria algo", ensejando sérios
e desnecessários equívocos. O jurista trabalha apenas e tão-somente com
palavras, que sofrem, por sua própria natureza, da pobreza da linguagem; o
cuidado com elas – com o "falar", na prédica de Tiago –,
apresenta-se, pois, como em poucos outros ramos do conhecimento,
imprescindível. O instituto, enfim, não se justifica. Até quando, ó Catilina,
até quando?
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9. Como a impossibilidade jurídica do pedido, a ilegitimidade ad causam
e a falta de interesse processual são realidades jurídicas – e estão previstas
em nosso ordenamento –, a sua simples desconsideração não seria a atitude
correta de um estudioso. O erro não consiste na sua identificação, mas, sim, no
seu enquadramento em nova ou diversa categoria, o que, para além da mera
terminologia, sempre acarreta terríveis males, pois se emprestam a essas
realidades atributos que ou não possuem ou não merecem. O que hoje se entende
como condição da ação ou é mérito (legitimidade ad causam e possibilidade
jurídica do pedido) ou é, no mínimo, pressuposto processual (interesse de agir)
– há quem, como Marinoni, entenda que também quanto ao interesse de agir se
estaria analisando o mérito. A distinção conceitual entre carência de açã o e
improcedência, criticada, em razão de suposta inocuidade, por Chiovenda, como
bem lembra Barbi (que não se posiciona conclusivamente a respeito), tem
importância fundamental, pois os regimes de produção de coisa julgada material,
em nosso direito, para ambas, são distintos. Nosso legislador se utilizou de
terminologias distintas para identificar situações materialmente iguais: a
sentença que declara a carência de ação (por ilegitimidade de parte e
impossibilidade jurídica do pedido, ao menos) é ontologicamente igual àquela
que julga o pedido improcedente. E o equívoco da terminologia diversa levou ao
equívoco do tratamento também diverso quanto à produção de coisa julgada
material – o que não se justifica No caso de carência de ação por falta de
interesse processual, a situação, conquanto distinta, para alguns, leva-nos à
conclusão semelhante. Ora, se entendermos que a carência de interesse
processual, como é conhecido, leva a uma análise puramente processual, não é
razoável que se elabore uma nova terminologia para identificar tal situação,
porquanto plenamente subsumida àquela em que o processo é extinto pela ausência
de pressupostos processuais de formação ou desenvolvimento válido e regular do
processo. São inúmeros, portanto, os prejuízos causados à conquista social do
direito de ação constitucionalmente assegurado, hoje induvidosamente
incondicionado. Vincular, de qualquer forma, o direito de ação ao direito
material é retrocesso. Em tempos em que se considera o direito de ação como
garantia constitucional, direito político mesmo, pois consubstancia a
participação do cidadão no processo de formação de uma manifestação do poder
estatal – dizer e aplicar o direito – falar em condições da ação soa como um
triste lamento nostálgico. Não fossem apenas os inúmeros equívocos que sugere,
o instituto até hoje não foi bem explicado pela doutrina, que, para
justificá-lo, constrói teorias frágeis e que nos causam, a todo momento,
perplexidades, pois não as conseguimos aplicar na prática. O primeiro passo
para a solução destes problemas seria banir o instituto da legislação – deixando-o
à deriva, em busca de algum doutrinador que o acolha em seguro porto, o que
certamente ocorreria... Talvez seja exigir demais. Talvez não.
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10. Tida por Moniz de Aragão como "um dos aspectos menos versados
da teoria da ação e por Calmon de Passos como "uma invenção
nacional", a possibilidade jurídica do pedido é, sem sombra de dúvida, a
mais esdrúxula e despropositada das condições da ação. Em substituição à
categoria denominada por Chiovenda de "existência do direito" (fiel
ao concretismo), também considerada como condição da ação, criou Enrico Liebman
a possibilidade jurídica do pedido, com a manifesta preocupação de extremá-la
do mérito – talvez por isso se tenha utilizado da palavra
"possibilidade", que denota aquilo que pode ser, e não aquilo que
necessariamente será. Como nos informa o dileto discípulo do mestre italiano, o
prof. Cândido Dinamarco, tendo sido permitido o divórcio na Itália, em 1970, a
partir da 3ª edição do Manuale, Liebman retirou a possibilidade jurídica do rol
das condições da ação, pois esse, o divórcio, era o principal exemplo de
impossibilidade jurídica da demanda, passando a integrar o conceito de
interesse de agir Não obstante tenha o próprio criador revisto a sua teoria, o
nosso Código a adotou, ainda que de forma assistemática, como vimos, e cá
estamos a debatê-la, para ao menos aprimorá-la ao que hoje se entende e espera
do processo.
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11. Em estudo anterior, defendemos, como forma de adequação da
"invenção" ao nosso ordenamento, uma sua subdivisão: impossibilidade
absoluta e impossibilidade relativa; a primeira seria o antijurídico ou
"ajurídico", o pedido manifestamente proibido pelo ordenamento ou
fora dele, como, p. ex., matar alguém e pedir um terreno na lua; quando à
segunda, seria mera improcedência, pois não é propriamente o pedido que torna
impossível a sua pretensão, mas, sim, a sua causa de pedir: p. ex., o usucapião
de bem público. Defendíamos, que, no segundo caso, a sentença que extinguisse o
processo haveria de produzir coisa julgada material, por entendermos não haver
distinção entre esta modalidade de impossibilidade jurídica e a improcedência
como a conhecemos – aqui, examinando a pretensão, o juiz repele-a, pois não a
sustenta o direito. Já recomendávamos a expulsão da possibilidade jurídica do
pedido como condição da ação, devendo esta integrar (em sua modalidade
absoluta, pois a relativa seria improcedência), como queria o próprio Liebman,
o conceito de interesse processual.Reformulamos parcialmente nosso
entendimento; pensamos melhor sobre o tema. Consideramos que, outrora, fomos
muito tímidos. Com efeito, a distinção que fizemos, conquanto interessante para
fins didáticos, na prática, não deveria implicar diversidade de tratamento. A
possibilidade jurídica do pedido não é condição da ação, e nem poderia ser,
pois atine ao próprio exame do direito material: não há correspondência entre o
fato alegado pelo autor com o fato legalmente previsto como embasador de sua
pretensão; a fattispecie legal não incide na fattispecie material; a análise,
pois, é de mérito.
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12.Quando se pede, em países que não permitem o divórcio, a dissolução
do vínculo matrimonial, está-se a pedir algo que o direito positivo repele;
quando se pede uma determinada indenização, e o pedido foi julgado
improcedente, a ordem jurídica também o repeliu. Qual a diferença, então? Ontologicamente,
nenhuma. Quando o autor afirma na inicial de uma ação de usucapião que possui
determinado bem imóvel por apenas dois anos, é caso de impossibilidade jurídica
do pedido (exemplo clássico na doutrina); se o mesmo autor tivesse alegado na
inicial que possuía o imóvel há 25 anos, e o tempo de posse fosse comprovado,
ao longo da audiência, insuficiente para a usucapião, extinguir-se-ia o
processo com julgamento do mérito. Há diferença entre essas duas situações? Ontologicamente,
também não sucede que, por razões de economia (?), se convencionou extinguir as
demandas em que houvesse manifesta inviabilidade jurídica do pedido, de logo
vista quando do exame da petição inicial. Correta a intenção do legislador? Sim,
sem dúvida. Pitoresca a solução? Novamente sim, sem quaisquer resquícios de
dúvida. Ora, a improcedência macroscópica é apenas a forma mais avultante de
improcedência, e por isso deve ser tratada com mais rigor – como já acontece
com os casos de decadência e prescrição. Nosso direito, estranhamente,
considera rigor excessivo a extinção prematura do processo sem julgamento do
mérito. "– Não vamos permitir que o aparelho jurisdicional se movimente em
razão de um pedido manifestamente repelido pelo ordenamento." O curioso é
que essa medida economicamente esqueceu-se do mais elementar antídoto contra a
proliferação de demandas judiciais: a coisa julgada material. Quando a inviabilidade
jurídica é manifesta, é caso de improcedência prima facie, com extinção do
processo com julgamento do mérito, à semelhança do que ocorre quando
verificadas a prescrição ou a decadência, as quais, não obstante se configurem
como exemplos de inépcia da inicial (que é causa de extinção do processo sem
julgamento do mérito), geram extinção do processo com julgamento do mérito,
produzindo coisa julgada material. Cabe a remissão ao quanto já discorremos
sobre a matéria: "Diria o juiz, preliminarmente, ao autor, novamente de
forma vulgar, mas ilustrativa: "– Beltrano, não permitirei o
prosseguimento do feito, pois já sei que julgarei tua pretensão pela
improcedência." Que julgue, então, ora bolas! O direito de ação consiste
exatamente em obter uma decisão do Poder Judiciário sobre a matéria; e não
necessariamente uma decisão pelo acolhimento do pedido" Para fundamentar
nossa posição, em princípio, permaneceremos apenas no plano lógico. É razoável
imaginar a situação em que o magistrado extingue o processo, dizendo que não
está examinando o mérito, porque o pedido (direito material; mérito, pois) do
autor é juridicamente inviável? É razoável imaginar, ainda no mesmo plano
lógico, que o nosso ordenamento jurídico permite que se extinga o processo por
impossibilidade jurídica do pedido, por razões de economia, mas permita que se
o repita, pois não veda o ingresso de nova e idêntica ação, bem como não
empresta a essa decisão força de coisa julgada material? Ao pensarmos em
sentido contrário, chegaríamos ao paradoxo de conceber a possibilidade de o
autor, que tivera seu processo extinto por ausência desta condição da ação,
poder repeti-lo, quantas vezes o seu bel prazer assim o desejar, pois sequer
perempção ensejaria a sua atitude. Ademais, seria erro primário questionar-se
sobre a possibilidade de proposição de nova demanda, em caso de preenchimento
de determinado requisito (como queria Theodoro Jr., pois haverá ocorrido
mudança na tríplice identidade, portanto nova ação, não ensejando coisa julgada
material. E lembra ainda Furtado Fabrício que alguma ulterior alteração dos
dados de fato, ou possível superveniência de ius novum, pudesse elidir essa
nossa conclusão, pois ocorrendo quaisquer dessas modificações, a ação também já
não será a mesma, pois diversa a causa de pedir
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13. A existência da possibilidade jurídica do pedido como condicionadora
da ação é uma concessão ao antigo pensamento de Wach e Chiovenda, que vinculava
a existência do direito de ação à existência do direito material. Com toda
razão, portanto, Calmon de Passos e Marinoni, quando afirma que o pensamento de
Enrico Liebman é restritivo, à semelhança dos concretistas, podendo ser
colocado ao lado deles, expressando um meio termo entre a concepção tradicional
e a concepção abstrata A verdade é uma só: a possibilidade jurídica do pedido
foi uma grande falha, que originou outras tantas. Não obstante a reformulação
do pensamento de Liebman; a incoerência de posicionamento do nosso código (cf.
item 2), que conquanto tenha seguido a doutrina de Pávia, cometeu alguns
"escorregões"; a inviabilidade de se condicionar um direito que é
abstrato e autônomo a um outro direito, o material, a que serve de instrumento
de realização, como queriam os concretistas; o sofisma de afirmar-se que não se
entra no mérito quando há carência de ação em razão da ausência desta condição,
"os doutrinadores nacionais continuam a tentar explicar, herculeamente e
com olhos postos no texto da lei, a possibilidade jurídica do pedido como
condição da ação, elaborando, para tanto, construções teóricas tão mais
mirabolantes quanto infirmes".
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14. Vejamos Rodolfo de Camargo Mancuso, quando tenta justificar a
possibilidade jurídica do pedido: "Normalmente, a possibilidade jurídica
do pedido é concebida como a necessidade da previsão, in abstracto, no
ordenamento jurídico, da pretensão formulada pela parte. O que bem se
compreende porque, sendo nosso sistema jurídico filiado à legalidade estrita,
cabendo ao juiz fazer a subsunção do fato à norma (da mihi factum dabo tibi
jus), tal atividade ficaria inviável, à míngua de texto legal que previsse,
mesmo que genericamente, a pretensão formulada pelo autor". Para nós,
trata-se de uma explicação sobre possibilidade jurídica paradigmática: não
explica nada, apenas elenca frases lugares-comuns para justificar o
injustificável. O primeiro dos equívocos está na conceituação – o calcanhar de
aquiles da doutrina nacional. A possibilidade jurídica do pedido não seria a
"previsão, in abstracto, no ordenamento jurídico, da pretensão formulada
pela parte", pois, como bem explica o prof. Moniz de Aragão, citado,
curiosamente, também pelo próprio autor: "A possibilidade jurídica,
portanto, não deve ser conceituada, como se tem feito, com vistas à existência
de uma previsão no ordenamento jurídico, que torne o pedido viável em tese,
mas, isto sim, com vistas à inexistência, no ordenamento jurídico, de uma
previsão que o torne inviável". Eduardo Oliveira complementa o pensamento
do professor paranaense, para abarcar, também, as hipóteses em que o
ordenamento não permita o pedido expressamente, como nos casos de permissões
numerus clausus, quando haveria tanta proibição quanto o veto explícito. É a
aplicação direta do princípio ontológico do direito. Que cabe "ao juiz
fazer a subsunção do fato à norma" é duvidoso, pois o que entendemos é que
a ele cabe verificar se o fato se subsume à norma – quando há norma –, o que é
diferente. A subsunção do fato à norma ocorre quando há procedência do pedido;
em caso de improcedência (impossibilidade jurídica do pedido ser atendido), não
houve subsunção, direta ou por algum dos processos de integração, e exatamente
por isso houve improcedência. Dizer que "tal atividade ficaria inviável, à
míngua de texto legal que previsse" – e queremos entender que o autor se
refere à jurisdição – é manifesto equívoco, pois distorce a função
jurisdicional, limitando-a apenas aos casos de procedência, o que nem mesmo
Liebman fê-lo. Enfim, ao dizer que o pedido é juridicamente impossível, o
julgador aplica a norma de direito material, pois é lá que ele verifica a
impossibilidade – e essa aplicação também é jurisdição. Cândido Dinamarco,
brilhante jurista e discípulo dileto de Liebman, elaborou construção teórica
para tentar melhor aplicar a possibilidade jurídica do pedido, por nós seguida,
em parte, no estudo anterior. Demonstra, o eminente professor paulista, que a impossibilidade
jurídica deve estender-se para os casos em que, embora previsto o pedido no
direito positivo, haja uma ilicitude na causa de pedir, como ocorre nos casos
de cobrança de dívida de jogo: a cobrança de dívida pecuniária é possível; a
antijuridicidade decorre de vício na origem do crédito. O conceito haveria de
ser entendido como impossibilidade jurídica da demanda. Embora coerente com
seus princípios e bem intencionada, a construção não explica os questionamentos
por nós já formulados: quando averiguamos a ilicitude da causa de pedir,
estamos inspecionando o próprio direito material; não é algo que está à sua
margem. A relação jurídica a ser composta tem como elementos os sujeitos, o
objeto (o pedido) e o fato propulsor; quando se analisa o fato está-se
analisando, também, o direito material. Além disso, a própria expressão
"impossibilidade jurídica da demanda" é equívoca, porquanto não
explica que espécie de fenômeno ocorreu até o momento em que essa
impossibilidade fosse declarada. Por fim, também aqui não se justifica que se
extinga o processo sem julgamento do mérito. Se a demanda é impossível,
continuará a ser impossível, devendo, por isso, o Legislativo emprestar a essa
decisão as qualidades de imutabilidade e indiscutibilidade. Conceitualmente,
não há como diferenciar a hipótese de inexistir previsão legal ou esta existir
para hipóteses de fato distintas; em ambos os casos, a conseqüência é a mesma. Não
há, finalmente, como separar a análise da possibilidade jurídica do pedido da
análise da causa petendi. Para quem, entretanto, quiser continuar aplicando a
possibilidade jurídica do pedido, a teoria terá a sua utilidade. Um passo à
frente das outras, mais coerente e corajosa é a linha de pensamento adotada
pelo prof. Humberto Theodoro Jr., não menos prenhe, entretanto, de certos
equívocos. Em breve síntese do seu pensamento, podemos elencar as seguintes
conclusões: a) o entendimento generalizado na doutrina brasileira, de que o
exame da possibilidade jurídica deve ser feito sob o ângulo da adequação do
pedido ao direito material, é equivocado, pois o cotejo do pedido com o direito
material só pode levar a uma conclusão de mérito (funda-se, o autor mineiro, em
posição de Allorio); b) a possibilidade jurídica do pedido deve ser restringida
a seu aspecto processual; c) como, ao ingressar em juízo, o pedido formulado
pelo autor é dúplice (imediato, contra o Estado, que se refere à prestação da
tutela jurisdicional; mediato, contra o réu, que se refere à providência
material que se pretenda aplicar), a análise da possibilidade jurídica do
pedido deve ser localizada no pedido imediato; d) cita como exemplo de
impossibilidade jurídica a ação de acidente do trabalho, sem a discussão prévia
da questão na esfera administrativa; e) diz que a distinção dos pedidos foi
agasalhada pelo nosso Código, no art. 295, parágrafo único, ao cuidar dos casos
de indeferimento da inicial; f) quando "da narração dos fatos não decorrer
logicamente a conclusão", seria impossibilidade de direito material, com
extinção do processo com julgamento do mérito; g) quando o "pedido for
juridicamente impossível", seria impossibilidade jurídica de ordem
processual, extinção do processo sem julgamento do mérito, pois o juiz diz que
o pedido de tutela jurisdicional é insuscetível de apreciação. Como já
dissemos, concordamos com o fato de a discussão sobre a possibilidade jurídica
do pedido estar equivocada; de que a extinção do processo, nestes casos,
deveria produzir coisa julgada material, porque decisória da lide; de que a
análise, à luz do direito positivo, da possibilidade jurídica deverá ser
puramente processual, e que há, de fato, uma divisão didática dos pedidos. Para
mantermo-nos em linha coerente, contudo, não podemos aceitar a viabilidade
lógica de o chamado pedido imediato ser recusado. Que natureza possui o ato do
juiz que extingue o processo, nestes casos, senão a de sentença, provimento
jurisdicional, pois? Se o pedido imediato se refere à prestação da tutela
jurisdicional, qualquer que seja ela, jamais o Estado poderia negar-se a
prestá-la: rejeitando a inicial, ou julgando procedente ou improcedente o
pedido, o magistrado estará cumprindo a sua missão de "jurisdizer",
que é inescusável. O Estado, uma vez acionado, sempre haverá de manifestar-se;
ou seja, sempre haverá a tutela jurisdicional, o que nos leva à conclusão de
que o "pedido imediato" jamais será "insuscetível de
apreciação", jamais será impossível. Sérgio Gischkow e Eduardo Ribeiro de
Oliveira, com propriedade, levantam mais um obstáculo ao pensamento de Theodoro
Jr., afirmando que se ter em conta apenas o pedido imediato, sem se considerar
o bem da vida que se pretende assegurar, não permite conclusão alguma sobre a
possibilidade jurídica; a análise deve ser feita sob o aspecto do pedido
mediato. Até porque, completamos, a distinção entre os pedidos mediato e
imediato é meramente didática, não se referindo a ela o Código em nenhum
momento, máxime quando regula o pedido (arts. 286 e segs., CPC). Justificar a
possibilidade jurídica do pedido, com este fundamento, nos parece, pois,
arbitrário. Estamos, ainda, com Calmon de Passos e Furtado Fabrício, ao
defenderem que quaisquer das hipóteses de impossibilidade jurídica do pedido,
seja a contida no inciso II, seja a contida no inciso III do art. 295, CPC,
redundam em sentença declaratória de impossibilidade jurídica, denegatória do
bem da vida pretendido, cujos efeitos devem ser os da coisa julgada material. A
distinção feita por Theodoro Jr., portanto, não tem pertinência. Ademais, o
exemplo de impossibilidade sugerido pelo professor da Escola de Minas não se
aplica ao conceito de impossibilidade, pois o que haveria, naqueles casos, é
ausência de interesse processual, pois a intervenção do Estado-juiz ainda não
se faz necessária, porquanto caibam as vias administrativas. Pode-se dizer, sem
medo, que se trata de um exemplo clássico de ausência de interesse de agir – e
ressalte-se que consideramos o interesse de agir, como hoje se entende, como
pressuposto processual. Fabrício, sem identificar com o interesse processual,
comunga conosco quando afirma tratar-se de um pressuposto processual
extrínseco, o que nos parece corretíssimo. O Estado não analisará se o autor
possui ou não razão, até que as vias administrativas estejam esgotadas – opção
legislativa. Trata-se de uma análise puramente processual, que em nada diz com
o pedido, tampouco podendo ser alçada à categoria de condicionadora da
existência do direito de ação. A tentativa do mestre é válida, pois se
predispõe a distinguir, com precisão, as esferas do mérito e do processo,
defendendo, inclusive, ser a análise da possibilidade jurídica, como vem sendo
feita, uma análise de direito material – o que é inegável avanço, no pudico
mundo jurídico em que vivemos. Mas, de acordo com o ponto de vista que adotamos
sobre os conceitos de ação e jurisdição, já amplamente demonstrados, os quais
reputamos como dogmaticamente mais aceitáveis, a construção é imprestável. Para
quem defende a possibilidade jurídica do pedido, porém, será útil.
15.
Eduardo Ribeiro de Oliveira elaborou o mais contundente e aceitável estudo de
direito positivo sobre a possibilidade jurídica do pedido a que tivemos acesso.
Não alcança o ideal, entretanto, por não pugnar pela extinção das condições da
ação como categoria autônoma – o que o faz incorrer no talvez único senão do
seu trabalho –, conquanto insinue não concordar com o sistema vigente e não
faça as concessões dogmáticas que a doutrina nacional sói fazer. Seu pensamento
pode ser resumido desta forma: a) critica com razão a conceituação da
possibilidade jurídica do pedido elaborada pela doutrina nacional, pois seria
caso de exame de mérito, o que colidiria com o ordenamento; b) desenvolve todo
o estudo no sentido de adequar tanto quanto possível a possibilidade jurídica
do pedido a uma análise puramente processual, de acordo com o que o código
afirma; c) que a impossibilidade jurídica do pedido, da forma como vem sendo
analisada, levaria à improcedência, e não à carência de ação, devendo o art.
267, I, CPC, "ser interpretado com temperamentos"; d) só existirá
impossibilidade jurídica do pedido quando ao juiz fosse vedado a pronunciar-se
sobre aquela matéria; quando não possa haver processo com aquela pretensão, e
não quando a pretensão for de logo repelida por manifestamente desamparada; e)
cita como exemplo de impossibilidade a proibição de exame judicial dos atos
administrativos praticados com fundamento nos atos institucionais e
complementares (art. 3º da EC nº 1, CF/67); f) por fim, considera que, em nossa
ordem constitucional, que consagra o princípio do acesso irrestrito à justiça,
a casuística de exemplos que justificassem a utilização do instituto seria
pobre. A tese claudica no final. Os casos elencados pelo autor como sendo de
impossibilidade jurídica do pedido correspondem, é verdade, a um exame puramente
processual – o que é um tremendo avanço. Contudo, continua o jurista sem
explicar, já que careceria de ação o autor em tais casos, qual o fenômeno que
surge da propositura da demanda: se não houve ação, que natureza tem a
movimentação processual que até ali se perpetrara? Qual a natureza do
provimento judicial? O que foi que aconteceu? As questões continuam sem
resposta. O equívoco, a nosso ver, consiste no não-afastamento da
"condição da ação", que como dissemos é incondicionada; há ação,
assim como há processo e jurisdição, nestas situações. Os exemplos citados pelo
ilustre autor são casos de pressupostos de desenvolvimento regular do processo
– in casu, impeditivos de ingresso no exame do mérito da demanda – como também
o são: a inexistência de compromisso arbitral, a coisa julgada, a
litispendência etc., considerados, inclusive, equivocadamente, por alguns, como
condições da ação. O processo, que se formara, está impedido de prosseguir, por
razões de conveniência legislativa. Dizer, simplesmente, que não há ação é
omitir a realidade, pois permanecem inexplicados os fenômenos já apontados. Se
há, no universo jurídico, dois institutos equívocos em sua essência, podemos
concluir, um, com certeza, é a "condição da ação" – quanto ao
segundo, não vem ao caso a menção, pois, sem dúvida, deve existir algum
outro... Ressalve-se que, em se tratando de estudo de direito posto, a lição de
Eduardo Ribeiro de Oliveira nos parece a mais próxima do ideal e dogmaticamente
aceitável. Para além da mera utilidade, àqueles que persistem na utilização do
instituto em debate, é construção fundamental.
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16. Enfim, sofismas e mais sofismas, equívocos e mais equívocos surgem
constantemente na doutrina como forma de explicar o inexplicável. A
perplexidade é geral, pois a falha do legislador é manifesta, justificando as
advertências de Barbi e Davi, a que anteriormente nos referimos. A situação de
alguém pedir algo que o direito repila ou não permita expressamente, em nada
difere daquela em que outrem pede algo que o direito agasalha, pois as decisões
que confirmarem a repugnância ou a afeição serão conseqüência de "relações
processuais substancialmente idênticas, expressivas do exercício do direito de
ação do sujeito e de atividade jurisdicional do órgão, em tudo
semelhante". Aplica-se o direito material – a relação jurídica está sendo
composta. Entra-se no mérito; injustificável que não se produza coisa julgada
material. Finalmente, para o caso de não se querer bani-la do ordenamento,
defendemos a reformulação do Código de Processo – apenas para evitar e dirimir
as controvérsias, pois, em uma visão sistêmica, a mudança nos pareceria
desnecessária –, para que se elenque, no rol das causas de improcedência prima
facie – extinção do processo com julgamento do mérito –, à semelhança do que já
ocorre com a prescrição e a decadência, a impossibilidade jurídica do pedido,
que, como tentamos provar, não é nem pode ser condição da ação. A inicial que
contiver pedido manifestamente improcedente haverá de ser extinta liminarmente
– como já ocorre –, mas a sentença declaratória da impossibilidade jurídica
haverá de produzir coisa julgada material. A melhor solução, todavia, é, sem
dúvida, extinguir a categoria "possibilidade jurídica do pedido",
pois a sua existência autônoma é injustificável: equiparando-se à nossa
conhecida improcedência (prima facie ou não), não há porque erigi-la à
categoria distinta. É sem medo, portanto, que defendemos que a extinção do
processo por impossibilidade jurídica do pedido, de lege lata, gera coisa
julgada material (estamos, pois, com Calmon de Passos, Theodoro Jr., Eduardo
Oliveira, Furtado Fabrício, entre outros), à luz do art. 269, I, CPC,
cotejando-o com o quanto previsto no inciso III do parágrafo único do art. 295,
CPC. A referência à possibilidade jurídica do pedido como condição da ação
(art. 267, VI) deverá ser, simplesmente, desconsiderada, por manifestamente
equivocada. Nas II Jornadas Brasileiras de Direito Processual Civil, agosto de
1997, Brasília, o prof. Cândido Dinamarco, eminente mestre da escola paulista e
um dos grandes referenciais para os novos processualistas brasileiros, ao
responder uma pergunta da audiência exatamente acerca da possibilidade jurídica
do pedido como condição da ação, disse que, em razão de outras preocupações, há
muito não estudava o assunto, atendo-se a enunciar as correntes doutrinárias
sobre a matéria, sem enfrentá-la, entretanto, de forma contundente. (Nota do
autor Sobre a problemática do acesso à justiça em nível de Brasil, conferir,
por todos, o excelente trabalho de Luiz Guilherme Marinoni, Novas Linhas do
Processo Civil, São Paulo, Malheiros, 1996. Adroaldo Furtado Fabrício,
"Extinção do Processo e Mérito da Causa", Revista de Processo, nº 58,
p. 16. Criticando a posição do Código, com toda a razão, Celso Barbi: "É
discutível o acerto dessa orientação, de um Código adotar uma teoria da ação,
quando é sabido que nenhuma das teorias até hoje construídas está isenta de
críticas irrespondíveis. A construção de Liebman, apesar de sua engenhosidade,
não resiste a uma análise mais aprofundada. Basta apresentar a mesma crítica
que se fez à teoria civilista e à teoria de Chiovenda, com ligeiras
modificações: quando o juiz, depois de ter sido desenvolvida larga atividade
jurisdicional, conclui que o autor não tem direito de ação, porque falta uma
daquelas três condições, como se explica a movimentação da máquina estatal por
quem não tinha o direito de ação?" (Comentários ao Código de Processo
Civil, 9ª edição, Ed. Forense, Rio de Janeiro, vol. I, 1994, pp. 20-21.)
Chiovenda conceituava as condições da ação como as condições de uma decisão
favorável ao autor; de acordo, portanto, com a sua concepção concretista – não
obstante o manifesto equívoco. Enumerava-as da seguinte forma: existência do
direito; legitimidade, que seria a identidade da pessoa do autor com a pessoa
favorecida pela norma; interesse processual. Tem o mérito, entretanto, de
afirmar que a decisão sobre a existência ou não das condições da ação seria
decisória da lide, produzindo coisa julgada material. (Nota do autor) "Per
proporre una domanda o per contradire alla stessa è necessario avervi
interesse." José Joaquim Calmon de Passos, A Ação no Direito Processual
Civil Brasileiro, Imprensa Oficial da Bahia, 1960. O Código português, uma das
nossas maiores inspirações, conquanto mencione a ilegitimidade de parte, em
nenhum momento se utiliza da expressão "condição da ação", quer
quando regra o direito de ação (arts. 1º ao 4º), quer quando trata da
absolvição da instância, instituto semelhante à nossa extinção sem julgamento
do mérito (art. 288). O Código argentino também não as menciona, sequer
assistematicamente. Segundo informação do Prof. Barbosa Moreira, com sua
incontestável autoridade intelectual, nas II Jornadas Brasileiras de Direito
Processual Civil, agosto de 1997, Brasília, a Alemanha não adota as condições
da ação como categoria autônoma: ou são pressupostos processuais
(Prozessvoraussetzungen) ou são mérito. (Nota do autor) Apud José Joaquim
Calmon de Passos, ob. cit., p. 51. Em brilhante estudo sobre o problema das
nulidades da sentença e do processo, Teresa Wambier sugere a utilização de dois
critérios para extremar as condições da ação do mérito – afirmando, no entanto,
que estas "são facilmente identificáveis, porém, outras vezes, quase se
confundem, ou se confundem realmente com o mérito": o momento da prolação
da decisão e o grau de imediatidade de aferição do conteúdo desta. Como sugere
a sempre arguta professora paulista: "Nessa constatação não vai elogio
algum à sistemática processual brasileira, neste particular, pelo menos do
ponto de vista científico, pois criam-se situações patentemente absurdas, em
que, v.g., o exame perfunctório da existência de um direito pode levar, ou não,
à possibilidade de um exame mais profundo desse mesmo direito." (Nulidades
do Processo e da Sentença, 4ª edição, RT, 1998. Ob. cit., p. 38. Enrico Tullio Liebman, "O
Despacho Saneador e o Julgamento do Mérito", Revista Forense, nº 104, pp.
224-225 Sem razão Waldemar Mariz de Oliveira Junior, quando coloca Liebman ao
lado de Degenkolb e Ploz, como abstracionista puro. Incoerentemente, o autor
manifesta-se partidário da teoria abstrata, mas não questiona a existência de
condições para a ação, tampouco classifica o pensamento liebmaniano como
intermediário entre a teoria tradicional e a moderna (Curso de Direito
Processual Civil, Ed. Revista dos Tribunais, 1968, vol. I). Barbi, ao menos, em
seus "Comentários...", conquanto diga que Liebman é um abstracionista
– o que de fato é uma verdade –, trata de sublinhar os pontos do pensamento do
professor italiano, para distingui-lo da linha de pensamento do abstracionismo
puro Ob. cit., p. 225. Conosco, no particular: "Se o ato que inadmite
exame do mérito não é jurisdicional, dificilmente poderá ser classificado como
próprio de outra função do Estado. Natureza legislativa, certamente não tem;
nem seria adequado considerá-lo como administrativo." (Eduardo Ribeiro de
Oliveira, "Condição da Ação: a possibilidade jurídica do pedido",
Revista de Processo, nº 46, p. 39.) "Caberia a explicação do que teria
provocado a jurisdição e determinado a instauração do processo. Além disso, não
podemos aceitar a idéia de que em caso de carência de ação não há processo, mas
mero fato, não exercendo o juiz, nessa hipótese, função jurisdicional. Ainda
que a jurisdição não seja provocada pela ação condicionada, mas sim pela ação
incondicionada, é óbvio que o juiz, a partir da instauração do processo, passa
a desenvolver atividade substitutiva para atuar a vontade do direito." (Luiz
Guilherme Marinoni, Novas Linhas do Processo Civil, 2ª ed., Malheiros Editores,
São Paulo, 1996, p. 120 Apud José Joaquim Calmon de Passos, ob. cit., p. 30 Com
razão Alfredo Rocco, quando afirma que, além de obter um julgamento de fundo,
cada um tem o direito de obter um julgamento sobre a possibilidade de o mérito
ser julgado. Ugo Rocco, nesta linha de raciocínio, afirma que o direito de ação
será sempre atendido, mesmo nos casos de carência de ação, pois haverá o
julgamento que declarará a inexistência das supostas condições. (apud Humberto
Theodoro Jr., "Pressupostos Processuais e Condições da Ação no Processo
Cautelar", Revista de Processo, nº 50, p. 13.) (Nota do autor Eduardo
Ribeiro de Oliveira, ob. cit., p. 39. L’azione nella teoria del processo
civile, p. 32, apud José Ignácio Botelho de Mesquita, ob. cit., p. 39
"(...) para se manter coerente, teve de imaginar uma atividade prévia
exercida pelo juiz que ainda não seria verdadeira jurisdição, uma espécie de
atividade de filtragem...", Ovídio A. Baptista da Silva, ob. cit., p. 107
Fairën Guillén, "La accion, derecho procesal y derecho político", in
Estudios de Derecho Procesal, pp. 79-80, apud José Joaquim Calmon de Passos, ob.
cit., pp. 26-27. Ovídio A. Baptista da Silva, Curso de Processo Civil, Ed. RT,
vol. I, 1998. Enrico Tullio
Liebman, Manual de Direito Processual Civil, trad. Cândido Dinamarco, 2ª ed.,
Ed. Forense, 1985, vol. I, p. 154. Ob. cit., vol. I, p. 154. Osvaldo Afonso Borges, "Inépcia
da Petição e Direito de Ação", Revista Forense, vol. 138, p. 31 Donald
Armelin, Legitimidade para Agir no Direito Processual Civil Brasileiro, Ed. Revista
dos Tribunais, 1979, pp. 46-47. Em nosso apoio: "O princípio da economia
processual nada ganha com a teoria eclética...", Luiz Guilherme Marinoni,
ob. cit., p. 121. Mais um problema da teoria de Liebman está exatamente no fato
de que, para este autor, a carência de ação poderá ser verificada em qualquer
momento processual, e não apenas em face de sua alegação pelo autor. As
perplexidades que surgem deste entendimento são inúmeras, conforme se observa
nos casos que elencamos. Sem razão, no particular, Ada Pellegrini e Dinamarco
ao seguirem o pensamento liebmaniano. Para maiores exemplos, Ovídio Baptista e
Calmon de Passos, obras amplamente citadas Kazuo Watanabe, Da Cognição no
Processo Civil; Flávio Luiz Yarshell, Tutela Jurisdicional Específica nas
Obrigações de Declaração de Vontade. A pretensão de direito material é a
faculdade de se poder exigir a realização do direito. Quem exige, ou seja,
exerce a pretensão, ainda não age para realização do direito; limita-se a
esperar a satisfação por parte do destinatário. Se esse exercício da pretensão
não leva à satisfação, surge ao titular a ação de direito material, que é o
agir por meio do qual o titular do direito realizá-lo-á por seus próprios
meios. Essa ação é veiculad José Carlos Barbosa Moreira, O Novo Processo Civil
Brasileiro, 18ª ed., Ed. Forense, Rio de Janeiro, 1996. Na mesma linha, Hélio
Tornaghi Ob. cit., p. 58. Lembra Mariz de Oliveira, que, para Degenkolb e Ploz,
além de não precisar ter razão para vir a juízo, o autor pode, inclusive, estar
de má-fé; a lide pode ser temerária. (Ob. cit., p. 67) Estamos de acordo, pois
agindo de boa-fé ou temerariamente, o autor terá exercido o seu direito de ação
de forma plena. Os casos de litigância temerária podem configurar, isso sim,
abuso de direito de ação, que será punível na forma da legislação. O direito
existe, mas foi exercido abusivamente. (Nota do autor "Pressupostos
Processuais, Condições da Ação e Mérito da Causa", Revista de Processo, nº
17, p. 49 "Extinção do Processo e Mérito da Causa", Revista de
Processo, nº 58, pp. 16-17 Hélio Tornaghi, acatando o ensinamento de Goldschmidt,
entende haver três esferas normativas: a processual (Direito Judiciário), a
material (Direito Material) e a relativa à ação (Direito Judiciário Material) –
Comentários ao Código de Processo Civil, Ed. Revista dos Tribunais, 1975, vol. II,
pp. 327-328) Ob. cit., p. 33. Neste
sentido, ainda, questionando a validade desta categoria processual, Luiz
Guilherme Marinoni, ob. cit., p. 121 José Joaquim Calmon de Passos, ob. cit.,
p. 42 A indecisão doutrinária e jurisprudencial que sempre cercou a
conceituação da carência de ação, bem como a equivocidade da expressão, estão
muito bem postas no excelente trabalho de Cândido de Oliveira Neto,
"Carência de Ação", Revista Forense, nº 115, janeiro de 1948, pp.
66-75. Remetemos o leitor ao brilhante, erudito e fundamental estudo de Adroaldo
Furtado Fabrício (ob. cit.), que em muitos pontos nos apóia Calmon de Passos,
em sua tese tantas vezes citada, já enquadrava o interesse de agir como um dos
pressupostos processuais. Egas Dirceu Moniz de Aragão, Comentários ao Código de
Processo Civil, 8ª ed., Ed. Forense, Rio de Janeiro, 1995, vol. II, p. 393.
José Joaquim Calmon de Passos, Mandado de Segurança Coletivo, Mandado de
Injunção, Habeas Data – Constituição e Processo, Ed. Forense, São Paulo, 1991. Enrico
Tullio Liebman, Manual de Direito Processual Civil, trad. Cândido Dinamarco, 2ª
ed., Ed. Forense, 1985, vol. I, pp. 160-161. Fredie Souza Didier Junior, "Reflexões
sobre a Possibilidade Jurídica do Pedido como Condição da Ação", in
Revista Jurídica dos Formandos em Direito da UFBA, Nova Alvorada Edições, Belo
Horizonte, vol. II, 1997. Buzaid lembra opinião de Alberto Reis no sentido de
que se o divórcio não pode ser autorizado, o pedido não tem fundamento legal e
a decisão do juiz decidirá a causa em seu fundo. Eduardo Oliveira enfrentando o
problema resolve-o de forma idêntica, pois, diz o autor, apresentando o pedido,
quando ainda inadmissível a medida, a sentença haveria de negá-lo e não afirmar
a impossibilidade de examiná-lo. A pretensão seria rejeitada e a lide,
decidida. (apud Eduardo Ribeiro de Oliveira, ob. cit., p. 45) (Nota do autor)
Irrepreensível a lição de Furtado Fabrício (ob. cit., p. 23): "Ora,
responder o juiz ao autor que ele não tem o direito invocado porque, mesmo em
tese, sua pretensão não encontra amparo no sistema jurídico, quaisquer que
sejam os fatos, é a mais radical de todas as formas possíveis de negar-lhe
razão. É uma negativa mais terminante e desenganadora do que, e.g., a fundada
na inexistência ou mera insuficiência de prova dos fatos alegados. E, no
entanto, a crer-se na letra da lei, a res iudicata não cobriria aquele julgado,
e as portas da Justiça continuariam franqueadas à reiteração indefinida do
mesmo pedido." Ob. cit., pp. 303-304. Ob. cit., p. 23. Ob. cit., p.
33. Fredie Souza Didier
Junior, ob. cit., p. 301. Rodolfo de Camargo Mancuso, Ação Popular, 2ª ed., Ed.
Revista dos Tribunais, São Paulo, 1996, pp. 117-118. Ob. cit., p. 394.
Ob. cit., p. 41. Concordamos
que não se trate, o caso, de impossibilidade jurídica do pedido, como se
costumou a aceitar em nossa doutrina. Há manifesta improcedência, pois o
pedido, como bem afirma Dinamarco, de cobrança de dívida, é possível; a origem
da dívida, o jogo, é que é ilícita, que não gera, na forma do art. 1.477, CC,
uma relação de débito e crédito. É manifestamente uma questão de mérito, por
isso inaplicável a idéia do professor paulista. (Nota do autor) Cândido Rangel
Dinamarco, Execução Civil, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais. Calmon de
Passos afirma não se poder abstrair, para a construção do conceito de possibilidade
jurídica, da causa de pedir, citando o exemplo do pedido de nulidade de
casamento por incompatibilidade de gênios. ("Em Torno das Condições da
Ação – A possibilidade jurídica", Revista de Direito Processual Civil, nº
4, apud Eduardo Ribeiro de Oliveira, ob. cit., p. 42. Concordamos com o mestre,
mas continuamos a afirmar que não se trata de impossibilidade jurídica do
pedido como condição da ação, não nos servindo o exemplo pelos mesmos motivos
já expostos. O prof. Calmon de Passos considera ambas as situações de
impossibilidade distinguidas por Theodoro Jr. como caso de improcedência prima
facie, que conduzem à inépcia da petição inicial com julgamento preliminar de
mérito; cf. Comentários ao Código de Processo Civil, 8ª ed., Ed. Forense, Rio
de Janeiro, 1998. (Nota do autor) Ob. cit., pp. 46-47. Ob. cit., p. 44.
Ob. cit., pp. 215-217. Ob. cit., p.
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17. O autor, muito embora elogie a intenção do mestre mineiro, enumera
uma série de senões à sua teoria. Para ilustrar que há controvérsia, inclusive,
quanto ao exemplo indicado pelo autor: "Nada obstante os arts. 181 e 182
da CF de 1969 mencionarem a exclusão de apreciação, pelo Poder Judiciário, de
atos praticados com fundamento no AI 5 e demais atos institucionais,
complementares e adicionais praticados pelo comando da revolução, estas duas
normas eram inconstitucionais (Verfassungswidrige Verfassungsnormen? Otto
Bachof). Isso porque ilegítimas, já que outorgadas por quem não tinha
competência para modificar a Constituição, estavam em contradição com normas
constitucionais de grau superior (direitos e garantias individuais), infringiam
direito supralegal positivado no texto constitucional (direito de ação)." Nelson
Nery Jr., Princípios do Processo Civil na Constituição Federal, 4ª ed., Ed. Revista
dos Tribunais, 1997, p. 90. Ob. cit., pp. 39-47. Conferir, a propósito, Antônio Carlos Araújo
Cintra, et alii; Teoria Geral do Processo, 10ª ed., Ed. Malheiros, 1994, p.
255; "Constitui tendência contemporânea, inerente aos movimentos pelo
acesso à justiça, a redução dos casos de impossibilidade jurídica do pedido
(tendência à universalização da jurisdição)." Galeno Lacerda defende que,
quando o juiz julgar inexistente a possibilidade jurídica do pedido, proferirá
sentença de mérito, porque decisória da lide. (Despacho Saneador, Porto Alegre,
1953, p. 82.
Retirado de: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2918&p=2.
Acesso em: 03 maio 05.