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A inaplicabilidade do foro por prerrogativa de função nas ações civis de ressarcimento ao erário por danos causados por ato de improbidade administrativa
Frederico Munia Machado
1. O artigo 84 do CPP, após a redação dada pela
Lei n° 10.628, de 24.12.2002, passou a estender o foro de prerrogativa de
função, antes incidente apenas sobre as ações penais, também às ações de
improbidade administrativa:
"Art. 84. A competência pela
prerrogativa de função é do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de
Justiça, dos Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça dos Estados e
do Distrito Federal, relativamente às pessoas que devam responder perante eles
por crimes comuns e de responsabilidade.
§ 1o A competência especial por prerrogativa de
função, relativa a atos administrativos do agente, prevalece ainda que o
inquérito ou a ação judicial sejam iniciados após a cessação do exercício da
função pública.
§ 2o A ação de improbidade, de que trata a Lei no 8.429, de 2 de junho de
1992, será proposta perante o tribunal competente para processar e julgar
criminalmente o funcionário ou autoridade na hipótese de prerrogativa de foro
em razão do exercício de função pública, observado o disposto no § 1o."
(grifamos)
2. Em razão disso, a constitucionalidade da Lei
n° 10.628/02 tem gerado muito debate, sendo, inclusive, objeto das Ações
Diretas de Inconstitucionalidade n°s 2.797 e 2.860, que atualmente aguardam
julgamento do Supremo Tribunal Federal.
3. Em que pese tal discussão - e, nesse aspecto,
filiamo-nos à corrente que defende a inconstitucionalidade da referida lei -
fato é que o conteúdo normativo do novo artigo 84 tem sido, ao fundamento da
presunção de constitucionalidade das normas, plenamente aplicado pelos
tribunais brasileiros.
4. Assim sendo, observa-se hoje um processo
migratório das ações de improbidade administrativa envolvendo funcionário ou
autoridade que possui foro por prerrogativa de função da primeira instância
para os tribunais.
5. Entretanto, além das ações de improbidade
administrativa, alguns juízes de primeira instância estão também declinando de
sua competência nas ações civis que buscam exclusivamente o ressarcimento do
erário público pelos danos causados por atos de improbidade administrativa.
6. Ocorre que, conforme demonstraremos a seguir,
tais ações especificamente não se sujeitam ao foro de prerrogativa de função,
devendo ser processadas e julgadas pelo juízo de primeira instância.
7. Inicialmente, deve-se lembrar que as ações
de improbidade administrativa não se confundem com as ações civis para
exclusivo ressarcimento ao erário. As ações de improbidade administrativa
objetivam a aplicação das sanções previstas no art. 12 da Lei n° 8.429/92, tais
como perda da função pública, suspensão dos direitos políticos, pagamento de
multa civil calculada com base no valor do acréscimo patrimonial, proibição de
contratar com o Poder Público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou
creditícios, dentre outras sanções.
8. Já a ação cível para ressarcimento ao erário
busca exclusivamente a reparação do dano que o ato de improbidade
administrativa causou ao erário público. Note-se que, apesar de integrar o rol
de sanções previstas no art. 12 da Lei n° 8.429/92, o ressarcimento de dano ao
erário público constitui obrigação de natureza indenizatória, ao
contrário das demais sanções.
9. Na verdade, as ações civis para ressarcimento
ao erário têm existência independentemente da Lei n° 8.429/92. A obrigação de
ressarcir prejuízos causados seja a particulares ou ao erário público decorre
da legislação civil e está previsto na legislação desde o já revogado Código
Civil de 1916 (art. 159). Portanto, ainda que não estivesse prevista na Lei n°
8.429/92, a ação cível para ressarcimento ao erário poderia ser proposta com
base na legislação cível.
10. Tanto é assim que o ressarcimento do dano
pode, inclusive, ser buscado em ação ordinária, de iniciativa for da pessoa
jurídica lesada, prescindindo do ajuizamento de ação civil pública.
11. Além disso, as sanções por atos de
improbidade submetem-se à prescrição estabelecida no art. 23 da Lei n°
8.429/92, que assim dispõe:
"Art. 23. As ações destinadas a levar a
efeitos as sanções previstas nesta lei podem ser propostas:
I - até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão
ou de função de confiança;
II - dentro do prazo prescricional previsto em lei específica para faltas
disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos de
exercício de cargo efetivo ou emprego."
12. Já a pretensão de se pleitear o
ressarcimento ao erário é, nos termos do artigo 37, §5º, da CF/88, imprescritível
("A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos
praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao
erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento"). Por esse
motivo é que se costuma, caso ultrapassado o prazo prescricional da Lei n° 8.429/92,
ajuizar-se tão somente a ação cível para exclusivo ressarcimento do prejuízo
causado ao erário pelos atos ímprobos.
13. Dessa forma, a ação de improbidade
administrativa não se confunde com a ação cível de ressarcimento. Nesse
sentido, não é demais lembrar que, ao contrário do que ocorre com a ação de
improbidade administrativa, não há qualquer previsão legal, seja no art.
84 do Código de Processo Penal, seja na legislação extravagante, de competência
por prerrogativa de função para a hipótese de ação civil que tenha por objeto,
tão somente, a condenação do réu à reparação de danos causados ao erário.
14. Ainda que se entenda o contrário, o Tribunal
Regional Federal da 1ª Região vem desenvolvendo orientação jurisprudencial
segundo a qual a ação de improbidade administrativa deverá se proposta no foro
de prerrogativa de função somente se envolver pedido de perda de cargo ou
função pública ou, ainda, se houver pedido de suspensão de direitos políticos
(nesse sentido: AG 2002.01.00.043226-5/PA, Rel. Des. Fed. Tourinho Neto,
Segunda Turma do TRF/1ª Região, DJ de 18/12/2003, p.43; AG
2003.01.00.005295-0/DF, Rel. Des. Fed. Tourinho Neto, Segunda Turma do TRF/1ª
Região, DJ de 07/11/2003, p.26). Infere-se, assim, que a ação para reparação
dos cofres públicos deve ser ajuizada sempre perante o juízo de primeira
instância.
15. Por todo o exposto, conclui-se que, ao
contrário do que ocorre com a ação de improbidade administrativa, a ação cível
ajuizada exclusivamente para o ressarcimento ao erário pelos danos causados por
atos de improbidade administrativa não se sujeita à competência por
prerrogativa de função, devendo ser processada e julgada pelos juízes de
primeira instância.
(Concluído em março/2005)
Disponível em: http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=572
Acesso em: 20 de abril de 2005