® BuscaLegis.ccj.ufsc.br
Aramis Nassif - Juiz de Alçada no Rio Grande do Sul,
professor de Processo Penal nas Escolas Superiores da AJURIS e da FESMP.
O advento da
Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995, repercutiu intensamente nos institutos de
direito penal e processual penal, entre os quais o Tribunal do Júri, alterando
competência, procedimento, (des)penalização, etc.
Os crimes
dolosos contra a vida, pela invulnerabilidade constitucional e apenamento
superior previstos na referida lei, não foram afetados pelo deslocamento da
competência para os Juizados Especiais Criminais, como aconteceu para
expressiva gama de delitos. Todavia, são alcançados, alguns deles, direta e
reflexivamente, pela perspectiva do sursis processual e influência da norma
sobre os delitos conexos (sem animus necandi) e desconfigurados na
originalidade denunciada via desclassificatória, de possível ocorrência em
variados momentos processuais.
1.1- Judicium
Accusationis
O primeiro
exame pelo magistrado ocorrerá quando tiver que optar entre o recebimento, ou
não, da denúncia ou, mais tarde, nas condições do artigo 408, § 4°, e do artigo
410, CPP, ou seja, quando concluir pela desclassificação para outro delito
doloso contra a vida ou para um da competência do Juiz singular.
A impronúncia
mantém a acusação da prática de delito doloso contra a vida, em tese, sem
produzir (como a sentença de pronúncia), coisa julgada material. Portanto, se
não houve proposta ab initio de sursis processual, somente em relação aos
delitos conexos é possível o exame da aplicabilidade, ou não, da novidade
legal, o que será feito no juízo singular (se já não o foi, obviamente, quando
do oferecimento da denúncia), com a separação do processo.
1.1.1- Aborto
e sursis processual
Conforme
expresso no artigo 89, da Lei dos Juizados Especiais, nos crimes em que a pena
mínima cominada for igual ou inferior a 1 (um) ano, abrangidos ou não por essa
lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do
processo, por 2 (dois) ou 4 (quatro) anos, desde que o acusado não esteja sendo
processado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a
suspensão condicional do pena (art. 77, do Código Penal), afetando, em
princípio, os delitos descritos nos artigos 124, e 126, do Código Penal, qual
seja o auto-aborto, o aborto consentido pela gestante e aborto provocado por
terceiro com apenamento de um a três anos de detenção aquele e um a quatro anos
de reclusão este.
Mesmo que os
delitos sejam constitucionalmente afetos aos jurados, não há como deixar de
considerar a possibilidade de aplicação do sursis processual, porque deste
benefício não resulta alteração jurisdicional. O Júri mantém-se competente para
o julgamento e expirando o prazo da suspensão sem revogação, o Juiz declarará
extinta a punibilidade (art. 89, § 5°, L. 9.099/95), da gestante ou do terceiro
(parteiro/parteira). Se cassada a suspensão processual, o feito retoma seu curso
sem prejudicar o julgamento pelo Juiz natural. Não seria jurídico que, em nome
da competência, subtraísse aos acusados a perspectiva de afastamento da
pretensão acusatória legalmente prevista o que significaria retirar
arbitrariamente uma parcela fenomenológica do âmbito legislativamente
selecionado para incidir a nova política criminal estatal, de natureza
transacional.
1.1.2- Conexão
e continência. Competência do Júri e do JEC
Sabidamente,
serão julgados pelo Tribunal do Júri em caso de conexão ou continência com os
dolosos contra a vida, os da competência de outro órgão da jurisdição comum
(art. 78, I, CPP). Por isto mesmo que tais delitos poderiam, aparentemente,
estar arrolados entre os que deveriam ser apreciados pelos Juizados Especiais
Criminais ou admitam o sursis processual: em relação à primeira hipótese, ficam
excluídas as infrações de menor potencial ofensivo que, em face de conexão ou
continência, devam ser processadas com outra infração, estranha à sua
competência, o que levaria à conclusão de que o julgamento deveria ser feito
pelo colegiado popular, de vez que, além da previsão adjetiva referida, o Júri
tem competência inalterável ante a sua gênese constitucional.
Em que pese a
autoridade cultural-jurídica de eminentes autores (Ada Pelegrini Grinover,
Antônio Magalhães Gomes Filho, Antônio Scarance e Luiz Flávio Gomes, roborada
por Damásio E. De Jesus), no tanto que se refira ao Tribunal do Júri, a questão
merece ser examinada sobre outra ótica e, por isto, tenho como inspiradora a
lição do eminente Juiz gaúcho Nereu Giacomolli: Situação diversa ocorre em se
tratando de infração de menor potencial ofensivo, ou como passível da suspensão
condicional do processo, conexa com delito doloso contra a vida. Às infrações
conexas a Constituição Federal não assegurou a garantia do julgamento pelo
Tribunal Popular. Portanto, havendo conexão, em princípio, o processo deverá
ser cindido. (Juizados Especiais Criminais, p. 56). Ainda que a conclusão deste
autor seja a mais correta, tenho que é possível alcançá-la por interpretação
mais elástica e, por isto mesmo, mais debatida, pois entendo que a Constituição
Federal, ao estabelecer a competência do Tribunal do Júri para julgar os crimes
dolosos contra a vida (Art. 5º, XXXVIII, 'd'), não conferiu à instituição força
julgadora em relação aos demais tipos penais legalmente reconhecidos. As regras
relativas à conexão e continência são ampliativas da competência e não
prevalecem, pois, diante do óbice constitucional, pelo menos até que se
subverta a natureza do Júri, conferindo-lhe competência judicante para outros
delitos. (Júri - Instrumento da Soberania Popular, p. 70). No caso, importa
lembrar que a conexão é instituto gestado pela norma comum, no Código de
Processo Penal, e não na Lei 9.099/95 (que dela não trata), o que autoriza a
admitir que, em sendo norma de caráter especial, não é afetada pelo fenômeno da
vis atractiva. Por esta mesma razão, não há que se lembrar da incidência
supletiva do Código de Processo Penal (art. 92, LJECC), de vez que somente acontece
em caráter subsidiário e no que não for incompatível com ela. Inexiste maior
incompatibilidade que a alteração de competência, mormente quando esta é
expressa no respectivo texto legal.
Convence,
pois, que é correta a cisão do processo, seja quando do recebimento da
denúncia, seja quando do encerramento da judicium accusationis, ante eventual
desclassificação, se o Juiz antever delito da competência dos Juizados
Especiais Criminais. Evidentemente que, se o fenômeno jurídico atrativo
envolver delito que dependam de representação, imprescindível torna-se a
manifestação de quem tem legitimidade para a ação penal.
1.1.3- Conexão
e continência. Suspensão do processo
A segunda
hipótese aventada pela vínculo processual de delitos, confronta a possibilidade
de, atraído um que, por força do art. 89, da Lei 9.099/95, passível de
suspensão e o doloso contra a vida, que não a admite (com exclusão, obviamente,
dos delitos dos arts. 124, e 126, CP). Segundo alguns autores, o sursis
processual relacionado com o atraído depende da gravidade do delito prevalente,
que o contamina e, por isto mesmo, as circunstâncias do homicídio, por sua
natureza, afetariam as deste último. Mas, com todo o respeito que mereça este
entendimento, não é assim que deve ser encarado o quadro concursal. A
orientação resultaria na antecipação de juízo censório em relação ao delito
prevalente, só aceitável como reflexo de juízo condenatório. A lei autoriza o
exame das circunstâncias para a concessão da suspensão da pena tão-só para os
delitos sujeito ao benefício, pois que, cumpridas as condições do sursis
processual, será extinta a punibilidade do agente pela sua prática. Portanto, a
análise das operadoras judiciais (art. 59, CP) - necessárias para o sursis
tradicional - só é permitida em favor do réu quando não referir ao benefício do
Código Penal, exatamente porque não se lhe precede qualquer juízo de censura. A
idéia da contaminação deve ser repelida. Por outro lado, entendo que, o
embaraço maior está circunscrito à manifestação ministerial, de vez que,
admitindo a possibilidade do sursis processual em relação ao delito conexo,
terá que enfrentar a detalhes analíticos comuns ao doloso contra a vida e,
assim, fragilizar a tese acusatória. É que, conforme dispõe a lei, o Promotor
de Justiça proporá a suspensão desde que o acusado não esteja sendo processado
ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que
autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 89, Lei 9.099/95). Ora,
deverá ele manifestar-se a respeito da reincidência, culpabilidade,
antecedentes, conduta social, personalidade do agente motivos e circunstâncias
judiciais (art. 77, I e II, CP), levando aos jurados qualidades do acusado ou
do crime que serão bem exploradas, e com razão, pela defesa. As circunstâncias
judiciais do art. 59, CP, aproveitada obliquamente como requisitos para a
concessão do benefício, só eram examinadas antes da edição da Lei 9.099/95 pelo
Juiz de Direito, já estabelecido um veredicto condenatório. O problema, que é
de caráter geral, mas que aflige especialmente nos crimes a serem julgados pelo
Tribunal do Júri, está na reserva concedida ao Ministério Público para a
proposta de suspensão e sua postura perante os Juízes de fato. Há, a
evidentemente, diferença entre os destinatários da pretensão acusatória e
punitiva: o Juiz de Direito não sofre a influência dos detalhes periféricos do
crime, desde que não decisivos para a elaboração de seu convencimento (o que se
deve à sua formação estruturalmente jurídica); o jurado, ao contrário, está
sujeito a conhecer o processo despojado das circunstâncias técnico-jurídicas,
vinculando-se estritamente ao fato. Por isto que o exame amplo dos requisitos
para concessão do sursis processual será tarefa árdua para o órgão acusador.
Mesmo que se lobrigue a dificuldade ministerial em sua vocação acusatória,
certamente não impedirá que ele proponha a suspensão, adotando um critério
dentro dos primados de justiça e bom-senso que qualificam o Ministério Público.
É imperativo,
se proposta a suspensão do processo, que ele seja separado, mas mantido
apensado ao outro, prosseguindo-se em direção ao julgamento apenas no que trata
do crime doloso contra vida. No que resultou suspenso, terá desenvoltura apenas
para verificação do cumprimento das condições. Explica-se: a suspensão não
revoga o elo conexivo e, descumpridas as condições, o fato será examinado pelo
Tribunal do Júri (em princípio, como se verá mais adiante).
Outro aspecto
a ser considerado quanto aquela reserva de iniciativa ministerial é a restrição
feita ao magistrado para tal. O antagonismo interpretativo parece superado na
jurisprudência e pode ser sintetizado na lição de Ada Pelegrini Grinover e seus
cultos parceiros na obra já citada: parte-se do pressuposto de que a suspensão
condicional do processo é instituto de natureza processual, atrelado ao
princípio da discricionariedade regrada, cabendo ao Ministério Público a
escolha da via relativa ao delito. A suspensão, de outro lado, de modo algum
poderia ser concebida sem a transação explícita do órgãos acusatório. A solução
para a recusa injustificada está no artigo 28 do CPP, portanto. E, se o
Procurador-Geral de Justiça insistir na não realização da proposta de
suspensão, nada mais pode ser feito. (p.273).
1.1.4-
Vencimento do prazo da suspensão ou sua revogação e o Júri
1.1.4.1-
Anterior ao julgamento pelo Júri
Concedida
suspensão condicional do processo e vencido o prazo das condições antes do
julgamento do crime doloso contra vida sem razão para sua revogação, o
magistrado declarará extinta a punibilidade do agente; se, porém, der causa
para a cassação do benefício, nada obsta que ele seja julgado, como deve ser,
pelo Tribunal do Júri, juntamente com delito contra a vida. É que não depende o
delito conexo de pronúncia e nem pode manifestar-se a respeito a sentença de
pronúncia. A cautela necessária é a convocação do Ministério Público para
incluir o delito no libelo-crime, ou aditá-lo se já oferecido, depois de
restabelecida e encerrada a instrução.
1.1.4.2-
Posterior ao julgamento pelo Júri
Acontecendo
ser o crime doloso julgado pelo Tribunal do Júri antes de vencer o prazo da
suspensão do crime conexo, duas situações podem ocorrer: uma, o réu cumpre as
condições do sursis processual, e o Juiz declara extinta a punibilidade (art.
89, § 5°, Lei 9.099/95); outra, o réu descumpre as condições e o benefício é
revogado.
Sem relevância
a primeira hipótese. Preocupante a segunda.
Acontece que o
vínculo da conexão torna competente o Tribunal do Júri para o julgamento de
todos os delitos interligados pela expressão da lei, salvo se declarada antes a
extinção da punibilidade ou ocorrer desclassificação pelo Conselho de Sentença.
Ora, se a lei autoriza a suspensão do processo pelo Juiz de Direito, conforme
conclusão acima, não afasta, é certo, a competência do Tribunal Popular para o
seu julgamento.
A indagação
que se faz é se o Juiz da suspensão pode, consumado o julgamento do delito
prevalente, julgar o conexo pelo desatendimento das condições do sursis
processual? Ao meu ver a solução está implicitamenmte contida no artigo 82,
última parte, do Código de Processo Penal: se, não obstante a conexão ou
continência, forem instaurados processos diferentes, a autoridade de jurisdição
prevalente deverá avocar os processos que corram perante os outros juízes,
salvo se já estiverem com sentença definitiva. Neste caso, a unidade dos
processos só se dará, ulteriormente, para o efeito de soma ou de unificação das
penas. Assim, pela existência da sentença definitiva anterior à revogação do
benefício, está autorizado o magistrado a remeter os autos ao Juizado
monocrático, onde será processada a ação penal. Se condenado o acusado nos dois
delitos (pelo Júri e pelo Juiz singular), poderá providenciar na unificação das
penas, conforme a autoridade da última parte do artigo citado.
Não entendo
que o Juiz-Presidente do Tribunal possa julgar o delito remanescente da conexão
mesmo que tenha sido o Juiz do sursis revogado. Acontece que, vencida a fase da
judicium accusationis ele só poderá prolatar sentença de mérito autorizado pelo
Conselho de Sentença, e pela via única da desclassificação. Haverá, pois, pela
impossibilidade de julgamento simultâneo a separação dos processos nos termos
do artigo 80, CPP, por motivo relevante.
Cabe uma exceção:
se anulado o Júri, o delito conexo terá o destino do doloso contra a vida, isto
é, não haverá dificuldade para o julgamento conjunto (art. 82, CPP, por
analogia). Portanto, é recomendável esperar o trânsito em julgado da sentença
ou o julgamento do recurso, se houver, para o Juiz promover a separação do
processo.
1.1.5-
Concursos de Crime
O concurso
material de crimes dispensa maiores indagações, por sua imperativa consideração
individual. Presentes as condições, o Juiz deverá cindir o processo ou remetê-lo
inteiramente aos Juizados Especiais Criminais.
Debate-se
sobre a possibilidade de reconhecimento de crime continuado ou concurso formal
para os crimes dolosos contra a vida. Refugindo da discussão, eis que as
correntes divergentes produzem argumentos ponderáveis num e noutro sentido,
presente que o disposto no artigo 70, ou 71, do Código Penal são derivativos do
concurso material e gerados para beneficiar o acusado, importa considerar que,
se admitida a possibilidade de aplicação das regras pertinentes, seja para
efeitos de cisão do processo e remessa de aos Juizados Especiais Criminais,
seja para efeito de suspensão condicional do processo, os delitos devem ser
examinado um a um, desprezando-se o acréscimo legal. É assim para
reconhecimento da prescrição (art. 119, CP), e não se justifica que não o seja
para a realização das figuras benéficas da Lei 9.099/95 (transação ou sursis
processual).
1.1.6-
Tentativa de crimes dolosos contra a vida
Para
verificação do alcance da Lei 9.099/95 em relação aos delitos tentados, está
pacificado na jurisprudência e doutrina que o critério para o cálculo penal
abstrato é o da redução máxima sobre o limite mínimo da sanctio legis.
Conclui-se,
por isto, que os homicídios tentados estão fora das perspectivas despenalizadoras,
de vez que a pena mínima é de 6 (seis anos) para sua forma simples (121, caput,
CP) e, assim, a cominação abstrata fica reduzida para 2 (dois) anos de reclusão
(redução de dois terços). Não merece debate o homicídio qualificado pela sua
obviedade de sua situação ante a lei.
Para os demais
delitos, a perspectiva do benefício é positiva, com exceção do tipo descrito no
art. 122, CP, que não admite a forma tentada. Assim: art. 123, CP, com pena
mínima de dois anos; art. 124, CP, que admite a suspensão pela pena mínima em
abstrato para o próprio delito consumado, com mais razão o seria para a forma
tentada (vide comentário supra); art. 125, CP, com pena mínima de três anos;
art. 126, CP, com pena mínima de um ano reclusão.
A regra do
artigo 127, CP, não afeta a conclusão porque, mesmo havendo referência
doutrinária e jurisprudencial de forma "qualificada" às remissões ali
feitas, na verdade ela contempla causa especial de aumento da sanção. Não é uma
qualificadora.
Por isto que,
efetuado o cálculo para redução de dois terços sobre as penas abstratamente
cominadas, o Promotor de Justiça deverá propor a suspensão condicional do
processo na forma da lei (ao oferecer a denúncia, art. 89, Lei 9.099/95). Por
oportuno relembro os argumentos expendidos neste texto a respeito da suspensão
do processo em caso de crimes dolosos contra a vida (auto-aborto, etc).
1.2– Judicium
causae
Assente que as
questões versando sobre a aplicabilidade da Lei 9.099/95 são resolvidas no
recebimento da denúncia, desclassificação ou impronúncia, alguns delitos
originariamente da competência dos Juizados Especiais, ainda assim, podem ser
examinados pelo Conselho de Sentença. Basta que a transação ou proposta de
sursis resultem frustradas ou que a complexidade ou circunstâncias do caso
determinem o deslocamento da competência dos Juizados Especiais Criminais para
o Tribunal do Júri. O tratamento processual será o mesmo, isto é, constando da
pronúncia e do libelo, será submetido o seu julgamento pelo Conselho de
Sentença e, portanto, objeto do questionário. A questão mais angustiosa deriva
da desclassificação pelo Tribunal do Júri, ou seja, quando, com deslocamento ou
não da competência, opera-se a desclassificação por não reconhecer o Júri a
existência de animus necandi.
1.2.1-
Desclassificação própria
Se o colegiado
popular concluir pela sua incompetência, pura e simplesmente, o Juiz singular
assume a plenitude jurisdicional e, por força do consta do art. 492, § 2°, do
Código de Processo Penal, deverá prolatar e publicar ainda na sessão sua
sentença. A Lei 9.099/95 subverteu parcialmente a aplicação do referido
dispositivo. Eis as situações possivelmente resultantes:
1.2.1.1-
Desclassificação e os Juizados Especiais Criminais
A
desclassificação pode definir, no resíduo típico, um delito da competência dos
Juizados Especiais Criminais (v.g. tentativa de homicídio incruenta para crime
de perigo do artigo 132, CP). Nesta hipótese, o magistrado deverá prolatar
decisão onde descreverá a conseqüência dos veredictos e ordenará o
encaminhamento ao órgão jurisdicional competente. Portanto, o artigo 492, § 2°,
CP, merece ser melhor interpretado, cumprindo sua essência mandamental com a
leitura do despacho. O dispositivo, quanto a exigibilidade de sentença está
revogado pela lei especial, mas está mantida a exigência de leitura da decisão
(interlocutória) em plenário. Acontece que, com a publicidade, encerra-se a instância
coletiva, dissolve-se o Conselho de Sentença e fixa o termo inicial do prazo
para recurso, ficando as partes intimadas e ciente a sociedade do veredicto.
Com o trânsito em julgado, os autos serão remetidos aos Juizados Especiais
Criminais.
Inaceitável,
por isto mesmo, que o Juiz-Presidente do Júri promova qualquer ato que resulte
em usurpação da competência dos Juizados Especiais Criminais. Aqui, a conclusão
deriva do cotejo entre a norma especial e a comum, e não mais de qualquer delas
com a Constituição Federal, que só assegura a competência do Tribunal do Júri.
1.2.1.2-
Desclassificação e a Suspensão Condicional do Processo
Se o delito
residual for daqueles que não sendo da competência dos Juizados Especiais
Criminais, mas que admitem a suspensão condicional do processo por força da Lei
9.099/95 (art. 89), o Promotor de Justiça será chamado a manifestar-se a
respeito da proposta. Todo o procedimento ocorrerá no próprio julgamento, após
a votação do questionário e antes de restabelecer a situação plenária,
envolvendo embate entre normas especiais ou ordinárias.
Oferecida e
aceita a proposta, concordando o Juiz, fixará as condições, suspendendo o
processo. O despacho correspectivo será lido em plenário; não aceita pelo réu
ou dela discordando o magistrado, lavrará este a sentença, que será lida na
forma prevista no Código Processual. Interessante lembrar que, concedido o
sursis processual, o Juiz-Presidente do Júri ficará vinculado ao feito até sua
extinção, seja pelo cumprimento das condições, seja pela prolação de sentença
por seu descumprimento como conseqüência da perpetuatio jurisdicionis. Resulta
concluir que repete-se a conseqüente revogação parcial do art. 492, § 2°, CPP,
de vez que a sentença, extintiva da punibilidade ou de mérito, será publicada
em momento que não o previsto legalmente.
1.2.2-
Desclassificação imprópria
Mais complexa
é a matéria envolvendo a desclassificação imprópria, ou seja, aquela em que,
afastado o animus necandi pela resposta dos jurados aos quesitos, pela relação
de conexividade ou continência, sua competência é prorrogada e, assim, decidirá
sobre crime que deveria, em tese, ser julgado pelo Juiz singular.
A mais comum é
a que ocorre quando, em concurso de agentes, um dos réus adotando tese
desclassificatória, a tem acolhida pelo Conselho de Sentença, enquanto que o
co-autor é condenado ou, mesmo, absolvido, isto é, foi julgado pelo Júri; ou
quando a tese do réu concorrente é a participação em crime menos grave,
identificando a defesa o delito residual, e pelo qual é penalizado, etc. É o
imperativo da perpetuatio jurisdicionis.
Entendem
alguns que o excesso culposo acolhido quando afastada a excludente da
criminalidade, opera a desclassificação para homicídio culposo, o que levaria à
mesma conclusão acima.
Acontece que,
com exceção da que deriva da perpetuatio, onde pode ser investigada outra tese
defensiva e alcançar-se a absolvição, as demais resultam em automática
condenação. Assim, condenado em delito diferente do doloso contra a vida porque
os jurados reconhecem que o réu quis participar em crime menos grave ou
excedeu-se culposamente, é fácil concluir que, menos que tese defensiva
propriamente dita, há a proposição de uma pretensão alternativa, condenatória,
é certo, mas mais benéfica ao acusado.
Impõe-se três
considerações: primeira, em se tratando de julgamento definitivo pelo Tribunal
do Júri, os veredictos são soberanos por imposição constitucional. Não há,
assim, que se falar em concorrência de normas de vez que a emanada da Carta
submete hierarquicamente a infra-constitucional, sem excluir a da de lei
especial; segunda, a desclassificação opera, automaticamente, a condenação na
maioria dos delitos; terceira, a que não existe surpresa para a defesa, seja
pela perspectiva normal do evento desclassificatório, seja porque normalmente
ele ocorre como pleito defensivo.
Por todo o
argumento acima, estou convencido de que, em se tratando de desclassificação
imprópria, inaplicável se torna a Lei 9.099/95, impondo-se o respeito à
soberania dos veredictos do Tribunal do Júri.
Retirado de: http://www.datavenia.net. Acesso em: 15 abr. 05.