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A influência da ação declaratória incidental nos limites objetivos da coisa julgada

Dayvid Cuzzuol Pereira
acadêmico do curso de direito

 

SUMÁRIO: RESUMO; INTRODUÇÃO; 1 A AÇÃO, 1.1 A AÇÃO DECLARATÓRIA, 1.2 COMPATIBILIDADE PROCEDIMENTAL ENTRE A AÇÃO PRINCIPAL E A DECLARAÇÃO INCIDENTE, 1.2.1 A ação declaratória incidental e o processo de execução, 1.2.2 A ação declaratória incidental e o processo cautelar, 1.2.3 A ação declaratória incidental e o procedimento sumário, 1.3 CONEXÃO ENTRE A CAUSA PRINCIPAL E A DECLARAÇÃO INCIDENTE NO PROCEDIMENTO ORDINÁRIO COMUM; 2 AÇÃO DECLARATÓRIA INCIDENTAL, 2.1.Origem histórica da Ação Declaratória Incidental, 2.2Noção de declaração Incidente, 2.3Natureza Jurídica da Ação Declaratória Incidental, 2.4Finalidade da Ação Declaratória Incidental, 2.5.O PRINCÍPIO DA DEMANDA E A DECLARAÇÃO INCIDENTE, 2.6INTERESSE DE AGIR NA AÇÃO DECLARATÓRIA INCIDENTAL,2.7 legitimidade das partes, 2.8.A REVELIA DO DEMANDADO E A DECLARAÇÃO INCIDENTE, 2.9.FACULTATIVIDADE DA AÇÃO DECLARATÓRIA INCIDENTAL, 2.10Procedimento, 2.11 MOMENTO ADEQUADO PARA A INTERPOSIÇÃO DA DECLARAÇÃO INCIDENTE, 2.12 Sentença; 3 QUESTÃO PRELIMINAR E QUESTÃO PREJUDICIAL, 3.1QUESTÃO PREJUDICIAL QUE SE PRESTE A AÇÃO DECLARATÓRIA INCIDENTAL,; 4 A INFLUÊNCIA DA AÇÃO DECLARATÓRIA INCIDENTAL NOS LIMITES OBJETIVOS DA COISA JULGADA; 5 CONCLUSÃO; 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

 

RESUMO

Trata da possibilidade da ampliação do pedido da coisa julgada pelo instituto da ação declaratória incidental. Relata o conceito da ação e a sua compatibilidade com a ação declaratória incidental. Faz uma breve explanação sobre o instituto da ação declaratória incidental, abordando temas como a sua história, sua noção, o interesse de agir, questões prejudiciais, a sua finalidade, a legitimidade das partes para propor a ação declaratória bem como o seu procedimento. Relata sobre a questão prejudicial e a questão preliminar e sua relação com a declaração incidente. Conclui enfatizando a eficácia e influência no âmbito da coisa julgada, possibilitando sua ampliação não o tornando mero incidente processual e sim, parte da sentença que fará coisa julgada tornando-a imutável para as partes.

 

INTRODUÇÃO

A ação declaratória incidental tornou-se tema de diversas doutrinas, teses, pareceres e monografias, antes mesmo do seu nascimento nas linhas processualísticas do nosso ordenamento jurídico.

Sendo adotado por inúmeros e renomados doutrinadores brasileiros recebendo diversas críticas, divergências doutrinárias e jurisprudenciais, o instituto realmente nos fascina devido a sua utilidade e praticidade com a justiça tendo em vista sua vasta aplicabilidade no âmbito processual, alargando o campo da decisão do juiz, ou seja, a parte das resoluções do juiz que integra o dispositivo da sentença e que fazem parte do ato jurisdicional stricto sensu do órgão judiciário.

O instituto da ação declaratória incidental foi inserido ao nosso ordenamento jurídico no ano de 1973 pela Lei nº 5.869 de 11 de janeiro de 1973 com retificações trazidas pela Lei nº 5.925 de 01 de outubro de 1973. A partir desta data, o referido instituto vem sendo utilizado largamente na ceara processualista, tendo em vista a sua aplicabilidade específica de ampliar o campo da coisa julgada. Não se pretendeu com ele aumentar o âmbito da discussão do processo, ou seja, permitir um debate mais largo entre as partes e sim tornar imutável a questão prejudicial existente naquele processo.

A possibilidade de ampliação do pedido pelas partes para que a questão prejudicial suscitada no bojo do processo não possa tornar-se objeto de uma nova ação futura, sem dúvida contribuiu para a justiça no que concerne ao princípio da economia processual, desafogando assim, inúmeros processos que poderiam ser promovidos, se não houvesse sido julgado através da ação declaratória incidental referente à questão prejudicial invocada por uma das partes no curso do processo principal.

Por fim, os artigos 5º, 325 e 470 do Código de Processo Civil regulam a possibilidade de impetração da ação declaratória incidental, observados os requisitos de admissibilidade, bem como o artigo 109, do mesmo estatuto processual, quando estabelece que o juiz da causa principal será também o competente da ação declaratória incidente.

 

1 A AÇÃO

Tema bastante controverso ao longo das décadas, a ação por si só, contrai conceitos e teorias de diversos doutrinadores no cenário jurídico mundial, produzindo polêmicas a respeito de qual seria a doutrina mais adequada para ser aceita (1). Apesar de produzir tamanha complexidade de atrair um conceito para si, não é o conceito em que devemos inserir tamanha atenção, e sim, a sua finalidade, tendo em vista a sua utilidade para solucionar conflitos existentes sem que haja o uso da própria força do indivíduo, podendo o Estado fazê-lo de maneira pacífica através do instituto abordado.

Diante da proibição do uso da autotutela, o Estado, como fonte soberana e independente, conferiu ao cidadão o direito de invocar a ação perante o mesmo em face da demonstração de uma pretensão insatisfeita diante de um litígio, para promover a solução deste. Desse modo, o próprio Estado interage para prestar a tutela jurisdicional para aquele que o direito lhe socorrer, promovendo o bem comum para a sociedade (2).

A tutela jurisdicional que o Estado conferir, segundo o provimento jurisdicional pretendido pelo autor, pode ocorrer por meio de decisão [ações de conhecimento], por meio de atos de execução [ações executivas] ou por meio de medidas cautelares ou preventivas [ações cautelares].

Conclui-se então, que a ação é o direito de pedir ao Estado, por meio do poder Judiciário, uma sentença, seja esta favorável ou não, mas uma sentença que decida a lide existente, ou previna o direito do interessado, ou force uma execução, ou determine alguma medida.

1.1 A AÇÃO DECLARATÓRIA

A ação declaratória tem sua aparição na época do sistema formulário, em Roma, quando se passou a utilizar uma forma de processo não condenatório, mas sim de declaratório de fato ou de direito.

Transcrevendo linhas enxertadas pelo ilustre processualista Adroaldo Furtado Fabrício, em sua obra Ação Declaratória Incidental, constatamos o seguinte:

Pode-se concluir que a ação declaratória teve sua origem remota nas praeijudicia romanos e nas actiones praeiudiciales para que evoluíram aqueles. Os procedimentos provocatórios ou de jactância constituíram retrocesso, suprindo menos satisfatoriamente a função jurisdicional de mera declaração do que aquele outro instituto, que se perdera com o declínio do Império e do direito romanos. O direito bárbaro não deu contribuição significativa à construção da ação declaratória em sua feição atual (3).

A ação declaratória aparece em uma codificação, na ordenação processual alemã de 1877 [no texto atual, artigo 256], inspirada no direito francês que utilizava um tipo de ação destinada ao reconhecimento de escritos e títulos (4). No Brasil, sob a influência de renomados doutrinadores brasileiros daquela época, tais como Rui Barbosa, quem primeiro entre nós tentou estabelecer as diferenças entre julgamentos meramente declaratórios e sentenças constitutivas; Mário Tibúrcio Gomes Carneiro, quem pela primeira vez tentou introduzir o instituto em nosso ordenamento jurídico; Costa Manso, que apresentou um projeto do Código de Processo Civil, na qual propôs a regularização do tema, conseguiram, influenciando os demais doutrinadores, ou estando presente na elaboração do Código de Processo Civil de 1939, contemplar o tema expressamente nos artigos 2º e 290 deste diploma legal, na qual os mesmos dispõem, respectivamente:

"O interesse do autor poderá limitar-se à declaração de existência ou inexistência de relação jurídica ou à autenticidade ou falsidade do documento".

"Na ação declaratória, a sentença que passar em julgado valerá como preceito, mas a execução do que houver sido declarado somente poderá promover-se em virtude de sentença condenatória" (5).

De uma maneira em geral, todas as sentenças, em sentido lato, são, em alguma medida declaratória, porque o elemento declaração está sempre presente, qualquer que seja a forma de tutela jurídica (6). A ação declaratória nada mais é que uma ação de conhecimento, que tem por objetivo uma declaração judicial quanto à determinada relação jurídica. Como o litígio se concentra exatamente na incerteza da relação jurídica, a declaração judicial torna certo aquilo que é incerto (7).

Depreende-se que a ação declaratória não pretende mais do que declarar a existência ou inexistência de uma relação jurídica. O fundamento legal da ação declaratória se apresenta no art. 4º do Código de Processo Civil, que diz: "O interesse do autor pode limitar-se à declaração: I - da existência ou da inexistência de relação jurídica; II - da autenticidade ou falsidade de documento".

José Frederico Marques é categórico em dizer que: "O interesse em pedir a declaratória deriva da incerteza existente sobre determinada relação jurídica e de necessitar o litigante que essa incerteza desapareça" (8).

As codificações atuais consagram o sistema da ação declaratória com a finalidade de se obter a declaração da existência ou inexistência de uma relação jurídica, bem como a declaração da autenticidade ou falsidade de um documento. Este instituto é aplicável em diversas relações jurídicas, podendo ser positiva ou negativa, bem como principal ou incidental.

1.2COMPATIBILIDADE PROCEDIMENTAL ENTRE A AÇÃO PRINCIPAL E A DECLARAÇÃO INCIDENTE

A declaração incidente é um instituto próprio do processo de conhecimento e acha-se regulada como estágio ou fase do procedimento ordinário.

Não importa a natureza do processo principal, isto é, seja ele condenatório, constitutivo ou meramente declaratório, sempre será admissível o pedido de declaração incidente, se surgir à controvérsia em torno de alguma questão prejudicial, no curso do feito.

Com relação aos procedimentos especiais, sendo daqueles que, após a contestação, seguem o rito ordinário, nada impede a cumulação de ação declaratória incidente, uma vez que é precisamente por via de contestação que, em regra, se faz presente a situação definida no artigo 5º do Código de Processo Civil.

Em suma, a ação declaratória, seja na modalidade simplesmente declaratória, seja como declaratória incidental, seja, finalmente, como incidente de falsidade, é sempre uma ação que tramita no juízo cível, por meio de um processo de conhecimento (9).

1.2.1 A ação declaratória incidental e o processo de execução

Na execução forçada não há lugar para a declaração incidente, porque esta é forma de cumular pedidos sucessivos para julgamento numa mesma sentença. Não sendo o processo executivo processo de sentença, mas de realização material do direito do credor, impossível é o enxerto da pretensão declaratória em seu bojo.

No processo de execução, dadas as especificidades do objeto e as peculiaridades do rito não seria possível inserir o processamento da ação declaratória incidental. Não poderia harmonizar os passos de um e outro procedimento, pois, prejudicaria o processo de conhecimento em que importa a ação declaratória incidental, suprimindo-lhe e abreviando-lhe atos essenciais, para adequá-lo à celeridade do ato executório ou, ao contrário, o procedimento executório seria transformado em ordinário, a fim de possibilitar a marcha paralela da ação declaratória embutida, emperrando-se aquele e armando-se o executado de instrumento particularmente útil a alicantina forense (10).

Uma vez propostos os embargos do devedor, aparece uma ação de conhecimento, com ampla área de discussão, mormente nos casos de execução de títulos extrajudiciais, pois o que o autor dos embargos persegue é a desconstituição do título executivo e esta nada mais é do que uma ação e conhecimento negativa podendo discutir a respeito da liquidez, da exigibilidade e da regularidade da constituição da eficácia executiva do título.

Em vista disso, é perfeitamente possível o surgimento da questão prejudicial. Nada obstante, entende Adroaldo Furtado Fabrício que sua apreciação só poderia se dar incidenter tantum, porque o rito dos embargos é especial e não acumulável com o da declaração incidente. A seu ver, a cumulação de ritos heterogêneos conduz necessariamente ao rito ordinário, o qual não se pode impor aos embargos à execução (11).

Salienta-se esclarecer que os embargos caracterizam uma ação incidental, mas não ação declaratória incidental estabelecida no artigo 5º do Código de Processo Civil.

João Batista Lopes, entende ao contrário daquela afirmação, ou seja, nos embargos do executado é viável o pedido de declaratório incidental, já que é perfeitamente possível o surgimento de controvérsia sobre a existência de questão prejudicial de que dependa a sorte dos embargos (12). Desse modo, sendo os embargos ação típica de conhecimento, e sendo o rito ordinário aplicável subsidiariamente aos procedimentos especiais, nos termos do artigo 272, parágrafo único do Código de Processo Civil, não há intransponível barreira oposta à pretensão de acrescentar-se o pedido de declaração incidente aos embargos do devedor, senão vejamos:

Art. 272. O procedimento comum é ordinário ou sumário.

Parágrafo único. O procedimento especial e o procedimento sumário regem-se pelas disposições que Ihes são próprias, aplicando-se-lhes, subsidiariamente, as disposições gerais do procedimento ordinário.

Retomando as linhas de entendimento do ilustre processualista Adroaldo Furtado Fabrício, nos embargos de execução, realmente ocorre a prejudicialidade, porém, ainda que seja visualizada como ação de conhecimento ensartada no processo executivo, não comporta a demanda da declaratória incidente, tendo em vista sua incompatibilidade de rito, mesmo que neste procedimento se possa manifestar a prejudicialidade (13).

1.2.2 A ação declaratória incidental e o processo cautelar

Perante as ações cautelares, a inadmissibilidade da declaração incidente é inquestionável.

Além da inadequação dos ritos, há que se notar que as ações cautelares não pertencem ao processo de conhecimento. Não versam sobre a lide propriamente dita, e só visam satisfazer a pretensão de segurança. Nesse campo, naturalmente, não há onde incluir uma pretensão de solução de lide, típica de processo de conhecimento, como é a declaração incidente.

Nas medidas cautelares, João Batista Lopes, traça linhas caracterizando-as da seguinte maneira:

a) acessoriedade, uma vez que as ações cautelares sempre dependem do processo principal e existe, para garantir o resultado útil dele.

b) autonomia, mesmo dependente do processo principal, as ações cautelares apresentam autonomia, uma vez que a provisoriedade e a revogabilidade constituem, traços distintivos do processo de conhecimento, além disso, necessitam de ser revestidos de requisitos como o fumus boni iuris e o periculum in mora.

c) preventividade, porque procura assegurar a integridade do processo principal, evitando que a ação do tempo cause prejuízos de difícil ou incerta reparação.

d) sumariedade, já que o juiz não se deve aprofundar nos exames das questões de fato e de direito suscitado pelas partes, deve-se ater tão somente à verificação do fumus boni iuris e o periculum in mora.

e) provisoriedade, por não assumir caráter definitivo, uma vez que esta ação deverá ser substituída pela ação principal. Evidencia-se quando esta é concedida liminarmente.

f) instrumentalidade, tendo em vista que todo o processo se reveste de instrumentalidade, no sentido que visa assegurar a eficácia de outra providência jurisdicional, quer cognitiva, quer executória.

g) revogabilidade, pois, conforme dispõe o art. 807 do CPC: "As medidas cautelares conservam a sua eficácia no prazo do artigo antecedente e na pendência do processo principal; mas podem, a qualquer tempo, ser revogadas ou modificadas". Traduzindo, as medidas cautelares são concedidas em caráter de urgência, indicando para tanto situações que caracterizem essas circunstâncias, cessando o perigo, nada obsta que esta seja revogada ou modificada (14).

Assim, não há que se falar em admissibilidade de medidas cautelares em sede de ação declaratória, uma vez que, não se pode obter no processo cautelar, mais do que se poderia obter no principal.

1.2.3 A ação declaratória incidental e o procedimento sumário

A doutrina está pacífica em admitir que não há cabimento da ação declaratória incidental no procedimento sumário, tendo em vista que este procedimento é incompatível aquele.

Com a reforma processual ocorrida em 1995 e alterações da lei 10444/2002, fica expressamente vedada a interposição da ação declaratória incidental no procedimento sumário, conforme dispõe o artigo 280 do Código de Processo Civil: "No procedimento sumário não são admissíveis ação declaratória incidental e a intervenção de terceiro salvo a assistência, o recurso de terceiro prejudicado e a intervenção fundada em contrato de seguro".

A admissão do pedido de declaratória incidente é incompatível com o procedimento sumário, uma vez que este procedimento é regulado pelo princípio da celeridade e economia processual. Aliás, ocorre a suscitação da questão prejudicial na própria contestação, ato que, no procedimento sumário ocorre no curso da audiência, imediatamente antes da conciliação e da produção de provas. Se ocorresse a admissão da ação declaratória incidental, importaria numa paralisação do processo, pois se deve abrir prazo para oferecimento de resposta para a parte contrária. Desse modo, estaria ferindo assim o princípio norteador do procedimento sumário que é o da celeridade (15).

1.3CONEXÃO ENTRE A CAUSA PRINCIPAL E A DECLARAÇÃO INCIDENTE

A característica básica da declaração incidente consiste na força de provocar a reunião, num mesmo processo, de duas lides.

Antes do requerimento de declaração, é verdade que já existia as duas lides, mas em planos processuais diversos, pois só uma delas seria objeto da decisão de mérito, que, finalmente, viria a constituir a coisa julgada.

Após o ajuizamento da declaratória é que as duas lides, isto é, tanto a originária como a incidente, passam à categoria única de lides principais.

Não são, porém, duas lides simplesmente justapostas. Essa reunião sucessiva, permitida pela ação declaratória incidental, só é possível se entre elas existir o vínculo de prejudicialidade.

Há destarte, de ocorrer um ponto comum, que faça com que a solução da questão incidente venha forçosamente a refletir sobre o julgamento da ação principal ou primitiva.

Por isso, impõe-se tratar as duas ações como causas conexas. Aliás, a prejudicialidade é, na essência, uma forma especial de conexão.

O cúmulo de ações conexas está sempre presente, quer a iniciativa da declaração incidental seja do autor, quer seja do réu.

Sendo o pedido de declaração incidente formulado pelo autor, provoca uma cumulação de ações, que apenas se distingue da cumulação comum de ações por ser sucessiva ou superveniente.

Ao invés de serem conjuntamente oferecidos os pedidos, corporificados em petição única, apresentam-se eles espacial e temporalmente separados, de forma incidental no processo.

É o que dispõe o artigo 5º do Código de Processo Civil: " Se, no decurso do processo, se tornar litigiosa relação jurídica de cuja existência ou inexistência depender o julgamento da lide, qualquer das partes poderá requerer que o juiz a declare por sentença".

Neste mesmo diapasão, entende Orlando de Assis Corrêa:

A declaratória propriamente dita pressupõe um litígio entre as partes, devido à interpretação de um fato, ou uma relação jurídica, da qual resulte, ou possa resultar, prejuízo para uma das partes; a declaratória assim proposta não está sujeita a uma lide em andamento, e é proposta como ação principal. (16)

Se, outrossim, é o réu da ação subordinada a pedir declaração incidente, fica bem claro o caráter reconvencional desse pedido e, portanto, ainda aí se trata de cumulação, que outra não é a figura identificável no simultaneus processus resultante da reconvenção, embora se verifique nesse caso, ao lado da nota da sucessividade já referida, a inversão da posição das partes.

Há, como se vê, sempre uma cumulação de ações conexas, de tal modo que, em hipótese alguma, pode-se pretender divisar na declaração incidente um mero incidente processual. Atente-se, porém em dizer que a declaratória incidental só será possível se a relação jurídica controvertida, que influa na decisão da causa principal, puder ser objeto de ação autônoma; só desta forma se justifica a declaratória, que embora originada de uma ação já existente, é por sua vez, uma ação com todos os requisitos e subordinada a todas as condições necessárias ao desenvolvimento válido de uma ação. (17)

 

2 AÇÃO DECLARATÓRIA INCIDENTAL

 

Se no curso do processo, tornar-se litigiosa relação jurídica de cuja existência ou inexistência depender o julgamento da lide, qualquer das partes poderá requerer que o juiz a declare por sentença, conforme artigo 5º do Código de Processo Civil.

A ação declaratória incidental é a que tem por objeto obter a declaração da existência ou inexistência de uma relação jurídica, ou da autenticidade ou falsidade, de um documento quando desta relação, no curso de uma lide surgir questão controvertida que dependa do julgamento desta e que as partes desejem torná-la imutável por força de sentença, fazendo coisa julgada (18).

É o que dispõe o artigo 325 do Código de Processo Civil:

Art. 325. Contestando o réu o direito que constitui fundamento do pedido, o autor poderá requerer, no prazo de 10 (dez) dias, que sobre ele o juiz profira sentença incidente, se da declaração da existência ou da inexistência do direito depender, no todo ou em parte, o julgamento da lide (art. 5o).

O instituto é realmente complexo, suscitando dúvidas e divergências jurisprudenciais e doutrinárias. Por outro ângulo, atente-se ao fato de que a ação declaratória incidental é uma outra ação, que pode ser proposta por qualquer das partes de uma ação já em andamento, no mesmo processo e geralmente sem a suspensão da ação principal.

Destarte, sendo uma ação declaratória, o bem da vida que constitui seu objeto é a certeza jurídica quanto à existência, inexistência ou ao modo de existir de uma relação jurídica.

Assim, a ação declaratória incidental tem por finalidade recair sobre outro direito, outra relação jurídica, conforme os termos do art. 5º do Código de Processo Civil. Daí, se no curso do processo, se tornar litigiosa relação jurídica de cuja existência ou inexistência depender o julgamento da lide, qualquer das partes poderá requerer que o Juiz a declare por sentença, fazendo coisa julgada desta, para posteriormente não ser mais objeto de uma ação independente.

Em outros termos, a ação declaratória incidental deve recair sobre uma questão prejudicial, isto é, sobre relação jurídica que, sem fundamentar diretamente o pedido, todavia, condiciona o direito invocado pelo autor.

Por outro lado, a decisão deve recair sobre questão que possa influir no processo e trazer gravame a uma das partes, visto que toda decisão interlocutória está sujeita a agravo de instrumento.

Portanto, por ser questão incidente, traduz sempre dúvidas ou controvérsia que o Juiz deve resolver através de ato decisório. Na ação declaratória incidental, se a dúvida ou controvérsia tiver por objeto ato de mero expediente ou ordinatório, não haverá questão incidente.

As razões para a existência da declaratória incidental são precípuamente calcadas no princípio da economia processual. Por este princípio, devemos procurar o máximo de benefícios com o mínimo de esforço, e, se pudermos juntar dois ou mais pedidos num só requerimento, ou se puder o julgador, numa só decisão dirimir duas ou mais questões, isto deve ser feito, para proteger os interesses da parte e do próprio Estado, monopolizador da prestação jurisdicional (19).

2.1 ORIGEM HISTÓRICA DA AÇÃO DECLARATÓRIA INCIDENTAL

A declaração incidental, que até o Código de Processo Civil de 1939, não merecia referência expressa em nossa legislação formal, e que agora encontra regulamentação nos artigos 5º, 325 e 470 do vigente Estatuto Processual. Não é novidade na história do direito, pelo menos no que se refere à ação declaratória e as questões controvertidas.

O direito romano, a propósito da matéria, conhecia os praejudicios e as actiones praejudiciales, que sem dúvida, são as fontes do instituto atual da ação declaratória incidental.

O direito germânico ou bárbaro, que prevaleceu durante algum tempo após a queda do império romano, porém, em nada contribuiu para a construção da ação declaratória incidental.

É de se ressaltar, que realmente foram as fontes romanas as inspiradoras desse instituto, conforme lembra o ilustre professor Adroaldo Furtado Fabrício:

Os conceitos de Prejudicialidade e Coisa julgada hoje dominantes estão muito próximos aos que vigiam no direito romano, e sua relaboração, após os desvios e deformações ocorridos ao longo da Idade Média, só foi possível a partir da classificação e depuração das idéias romanas, devidas principalmente aos estudos de Chiovenda (20).

É neste diapasão que, justamente a partir dos conceitos de questão prejudicial e coisa julgada dentro da sistemática do direito processual moderno, como no romano, que se faz necessário o instituto da ação declaratória incidental.

Nos tempos mais recentes, essa ação encontra base em elaboração originária da doutrina francesa. Porém, a consagração legislativa, ocorreu em primeiro lugar na Alemanha, cujo exemplo foi, em seguida, observado por diversas outras legislações européias, como a austríaca e a italiana (21).

Daí, pode-se afirmar que a declaração incidental não é, mesmo no direito brasileiro, uma novidade introduzida pelo Código de 1973, tendo em vista que, houve consagrados doutrinadores que lutaram para introduzi-lo desde à época da promulgação do Código de Processo Civil de 1939 (22).

Pelo menos para o réu sempre existiu a possibilidade de pleitear a declaração incidental por via da reconvenção, e para ambas as partes, havia também um tipo especial de declaratória incidental em torno da autenticidade de documentos, que era o incidente de falsidade.

Na verdade, o que fez o Código de 1973 foi regulamentar, particularizadamente, o instituto e ampliar o seu direito de provocar o incidente processual, agora outorgado também para o autor da lide.

Hoje, a disciplina resplandece em nosso diploma processual de forma mais acentuada, diversos doutrinadores recitam o referido instituto em inúmeras obras jurídicas, bem como a numerosa jurisprudência que se encontra em revistas especializadas sobre este assunto.

2.2 Noção de declaração Incidente

O processo judicial de composição de litígios é semelhante ao processo de conduta humana em geral. Tanto num como noutro, o agente, diante da realidade, primeiro conhece, depois delibera e, finalmente age.

Na prestação jurisdicional, o juiz tem de conhecer o conflito de interesse, isto é, a pretensão de um e a resistência de outro para fazer o confronto da lide com as normas do ordenamento jurídico e assim, definir a vontade concreta da lei, fazendo-a atuar materialmente se for preciso, diante da situação litigiosa.

A ação declaratória incidental, como o próprio nome sugere, é ação proposta durante o processo de conhecimento quando se questionar ponto de cuja solução dependa o julgamento da questão principal, conforme descreve o artigo 5º do Código de Processo Civil.

Em outras palavras, sua finalidade é a de resolver no curso do processo de cognição, questão prejudicial vinculada à relação jurídica de cuja existência vai depender o julgamento da lide.

Às vezes, o conflito desaparece com a simples definição da vontade concreta da lei; outras vezes, há necessidade de atuação prática para tornar o querer jurisdicional em realidade material.

Na lição de Adroaldo Furtado Fabrício, o eminente processualista, nos ensina que:

[...] a declaração de existência ou inexistência de relação jurídica acha-se presente em toda sentença, em maior grau nas que se proferem em processo de conhecimento. A ação meramente declaratória distingue-se das demais apenas em que a declaração pedida é pura e simples, não acrescida ou qualificada por algum outro elemento. A ação declaratória exige o processo em fonte autônoma de bem da vida, que vem a ser, no caso, a certeza jurídica da relação (23).

Desse modo, enquanto o juiz apenas delibera no plano ideal da certeza jurídica, o processo é de Conhecimento.

Quando, porém, entra a aplicar a sanção contra a parte vencida para alterar a situação fática e pô-la de acordo com a situação jurídica idealmente definida, o processo é então de Execução.

No plano do processo de Conhecimento que ora é o que nos interessa, o fim da prestação jurisdicional é uma sentença que bem definida a posição jurídica diante da lide, proclame qual das partes goza do amparo da lei.

Com isso, elimina-se o conflito de pretensão contestada e se necessário, define-se a sanção a ser imposta ao sucumbente.

O objetivo máximo do processo de conhecimento é a coisa julgada, com que se elimina a lide e se estabelece uma solução definitiva, imutável e indiscutível, tanto para as partes como para o próprio Estado que, pela voz do juiz, proferiu a sentença.

No curso do processo, várias são as questões ou pontos controvertidos, na qual o juiz tem de apreciar para chegar à meta da solução da lide, que constitui o mérito da causa, sobre o qual incidirá toda a autoridade da coisa julgada.

O objetivo da decisão final no processo de conhecimento, não é apenas o de julgar a controvérsia, mas também de fazê-lo de modo indiscutível e imutável a coisa julgada (24).

A indiscutibilidade e imutabilidade do pronunciamento jurisdicional, caracterizadoras da coisa julgada, não cobrem, todavia, o processo como um todo. É apenas a resposta ao pedido do autor, contida no dispositivo da sentença, que adquire tal feitio, uma vez ultrapassado a possibilidade de impugnação recursal ao ato decisório do magistrado.

Os fatos e os motivos que conduziram o juiz à declaração do direito da parte, embora relevantes para a fixação do resultado do processo, não se incluem na área de indiscutibilidade perene criada pela sentença transitada em julgado, bem como a apreciação da questão prejudicial, decidida incidentalmente no processo, não argüida por ação declaratória incidental.

Nesta direção, dispõe textualmente o art. 469 do Código do Processo Civil:

Art. 469 Não fazem coisa julgada:

I - os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença;

II - a verdade dos fatos, estabelecida como fundamentos da sentença;

III - a apreciação da questão prejudicial, decidida incidentalmente no processo.

Isto quer dizer que, embora a relação jurídica litigiosa tenha encontrado uma solução definitiva naquele processo e por isso, não possa mais ser discutida em outros processos entre iguais partes, o mesmo não se passa com aquilo que serviu de motivo para o julgamento da causa.

Assim, desde que não se tenha modificado o resultado do processo encerrado, nada impede que, em outros litígios, os mesmos fatos e motivos sejam reapreciados e até mesmo venham a ser reconhecidos de maneira diferente e com eficácia diversa.

Pode ocorrer que uma das partes pretenda, desde logo, ver definitivamente resolvida a questão prejudicial com força de coisa julgada, evitando discussões futuras. Assim sendo, a ação declaratória incidental define-se como uma ação e não apenas como mero incidente processual proposto pelo autor ou pelo réu, em processo pendente, visando a ampliação do âmbito da coisa julgada material (25).

O instituto da ação declaratória incidental, previsto no art. 470 e regulado nos artigos 5º e 325, todos do Código de Processo Civil, foi concebido justamente em face dessa circunstância, ou seja, da inocorrência normal de coisa julgada sobre o pronunciamento jurisdicional acerca da questão prejudicial.

Com a declaratória incidental, amplia-se a área do pedido e, conseqüentemente, do dispositivo da sentença para colocar sob o manto da coisa julgada aquilo que seria simples motivo ou precedente da conclusão do decisório. Portanto, trata-se de medida de economia processual, hoje largamente adotada.

2.3 Natureza Jurídica da Ação Declaratória Incidental

O nosso direito prevê, a formulação de pedido novo por via incidental, pois um pedido abre a relação processual; e o outro pedido, no curso do processo, vem provocar a declaração incidente, como nova questão de mérito.

Daí, o consenso doutrinário de que a declaração incidente configura outra ação, que vem cumular-se supervenientemente àquela de inicio proposto.

Com efeito, não se pode cogitar, na espécie de mera ampliação de pedido, por parte do autor, o que na realidade ocorre, é o acréscimo de pedido novo.

Desse modo, surge com o pedido de declaração incidente, uma nova pretensão ao lado da pretensão principal, ambas na busca da definitividade da coisa julgada.

No direito alemão, para o réu, é a de conceituar a declaração incidente como reconvenção e para o autor como a de ampliação do pedido, salientando que esta fixação não é pacífica na doutrina. Já o Código de Processo Civil austríaco definiu a declaratória incidental, tanto de iniciativa do autor como do réu, como pedido de declaração, conceituando-a como ação e de natureza declaratória (26).

No direito processual brasileiro apresentam-se diversas posições doutrinárias, mas a doutrina dominante estabelece que a ação declaratória incidental ou declaração incidente não constitui mero incidente processual, nem se confunde com a reconvenção quando proposta pelo réu.

Nesta mesma linha de raciocínio entende Adroaldo Furtado Fabrício: "a ação declaratória incidental do réu é substancialmente indistinguível da reconvenção (27)".

Por outro lado, Moacyr Amaral Santos Verbete entende que, sendo a reconvenção a ação do réu, contra o autor, no mesmo feito e juízo em que é demandado, a ação declaratória, quando promovida pelo réu, sempre assumirá a natureza de uma reconvenção, pois trata-se de um caso especial de reconvenção (28).

Não se pode, todavia, pensar que toda reconvenção seja ação declaratória incidental do réu. É que a declaração incidente reclama requisitos próprios e recai sobre área litigiosa muito mais restrita do que a da reconvenção.

É de salientar que a reconvenção pode ser de natureza constitutiva ou condenatória, o que, em princípio, não ocorre com a ação declaratória incidental. Esta, portanto, não se confunde inteiramente com aquela, já que é apenas um tipo das múltiplas feições que podem assumir as ações reconvencionais.

A natureza reconvencional da declaração incidente do réu sempre foi reconhecida por processualistas renomados. Tanto assim que, mesmo antes da regulamentação expressa do Código de 1973, já se defendia a existência do direito brasileiro da ação declaratória incidente do réu, exercitável pela via da reconvenção, sempre que se buscasse atingir a coisa julgada sobre existência ou inexistência de relação jurídica subordinante ou prejudicial, em face da pretensão do autor.

Em suma, seja a ação do autor seja do réu, desde a propositura da ação declaratória incidente, há processo cumulativo e o órgão judicante passa a defrontar-se com duas ações, em cada uma delas corresponde um pedido perfeitamente individualizado.

Nessa outra ação provocada incidentalmente sempre será de natureza declaratória, por sua própria índole e destinação. Desse modo, a ação declaratória incidental é uma ação, de natureza jurídica declaratória, que se desenvolverá no mesmo processo da ação principal, seja esta requerida pelo autor ou pelo réu.

Costuma-se falar em ação principal e ação incidental no caso em exame. Não há, porém, acessoriedade propriamente entre as duas ações.

O pedido de declaração incidente é veiculado por outra ação que, em princípio, seria proponível separadamente, mas que por conveniência da parte e economia processual vem a ser processada nos mesmos autos da causa anteriormente ajuizada.

2.4 Finalidade da Ação Declaratória Incidental

A finalidade do processo é a composição da lide, mediante definição e atuação da vontade concreta da lei. Para o julgador, a lide se revela através do pedido formulado pelo autor, em face do réu.

Esse pedido apresenta-se como o mérito da causa. E a sentença, com que o Juiz prestará a tutela jurisdicional, consistirá no acolhimento ou na rejeição, no todo ou em parte do pedido formulado pelo autor, conforme estabelece o artigo 459, do Código de Processo Civil: "O Juiz proferirá a sentença, acolhendo ou rejeitando, no todo ou em parte, o pedido formulado pelo autor. Nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito, o Juiz decidirá em forma concisa".

O artigo 5º do Código de Processo Civil traz bem claro que o objeto da declaração incidente é sempre relação jurídica, nunca simples fato jurídico, mero motivo de decidir ou norma jurídica abstrata.

 

Retirado de: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5086