A imprescindibilidade
da atuação do advogado nos Juizados Especiais Cíveis e Criminais
Por Walter Gustavo da
Silva Lemos, Advogado.
INTRODUÇÃO:
Com o advento da Lei
n° 9099/95, o direito processual brasileiro ganhou um grande impulso na busca
pela distribuição da Justiça no país.
A parcela menos
abastada da sociedade puderam ter um pleno acesso à justiça, para a resolução
de suas lides, sem o temor de um procedimento processual demorado e que não
atendia os princípios básicos da Constituição Federal de 1988.
Esta mesma Carta
Política já se posicionava sobre a necessidade da instauração de juizados
especiais cíveis e criminais para as causas de menor complexidade e respaldo
econômico.
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"Tal lei
descreveu em seu art. 9° que as partes não necessitam de comparecimento
judicial acompanhado de advogado devidamente constituído"
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Mas no Brasil, anteriormente
a esta determinação constitucional, já havia uma justiça para as pequenas
causas, regradas pela Lei n° 7.244, de 7 de novembro de 1984, que apontava
corretamente para uma justiça mais célere e rápida para o povo brasileiro.
Com a instituição da
Lei n° 9099/95, os Juizados Especiais foram devidamente regrados e teve
efetivamente a sua legislação aplicada, para que os princípios que a
Constituição descreveu gerassem os seus reais efeitos.
Um destes princípios
apostos na Lei n° 9099/95 é o da informalidade, para que os atos processuais
possam se realizar sem as devidas formalidades apontadas na legislação comum,
tanto que tal lei descreveu em seu art. 9° que as partes não necessitam de
comparecimento judicial acompanhado de advogado devidamente constituído.
Este tópico da Lei dos
Juizados Especiais Cíveis e Criminais trouxe a baila à figura do jus postulandi
no direito brasileiro.
Assim, a própria parte
pode comparecer no juizado e promover a sua causa, sem a necessidade de ser
acompanhada por advogado. Este tipo de ato jurídico vem causando uma série de
problemas para a justiça brasileira, o que será analisado devidamente neste
trabalho.
Ainda, este tipo de
ato traz uma diminuição do campo de atuação do advogado, vez que o autor ou réu
no procedimento do juizado especial pode comparecer sem acompanhamento deste
causídico.
DA NECESSIDADE DO
ADVOGADO PARA A ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA:
A Lei 9099/95 inovou
trazendo vários baluartes de modernidade e aplicação de justiça social, mas
também quedou em certas heresias jurídicas, tais como a desnecessidade de
advogado para a assistência das partes das causas de até vinte salários
mínimos.
Pode, assim, a parte
comparecer ao juizado especial e reduzir a termo seus pedidos, sem ajuda ou
representação por profissional de direito.
Este dispositivo legal
encontra dissonância com o que é descrito na Lei 8906/94, que em seu artigo 1º
assevera que:
“Art. 1º - São
atividades privativas da advocacia:
I – A postulação a
qualquer órgão do poder judiciário e aos juizados especiais;”
Assim, a regra dos
juizados especiais é contrária ao ordenamento jurídico vigente, pois suprime a
assistência advocatícia perante o juizado especial.
Ainda, o texto da Lei
9099/95 também se contradiz com o que determina o artigo 2º da advocacia, que
descreve que “o advogado é indispensável à administração da Justiça.”
O Legislador, ao
definir sobre a disponibilidade da assistência advocatícia, atuou contra legem,
vez que não coadunou este regramento com a legislação sobre a advocacia.
Tal pensamento também
é descrito pelo Desembargador goiano Roldão Oliveira de Carvalho em sua obra
Juizados Especiais Cíveis e Criminais – Comentários a Lei n° 9099/95, ao assim
lecionar:
“Penso que o
legislador andou cochilando ao editar esta norma. Feriu a um só tempo o art.
133, parte inicial da Constituição Federal e 2° da Lei n° 8906/94.
Ademais, o que dita a
maior ou menor complexidade da causa não é o seu valor econômico.”(1997:59)
Este pensamento é
correto, pois dá à parte a decisão sobre a conveniência de ser patrocinado ou
não por advogado, o que não é bom para a perfeita administração da justiça.
O art. 133 da
Constituição Federal assim descreve:
“Art. 133 – O advogado
é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e
manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.”
Corroborando o mesmo
pensamento legal, notasse que o art. 36 do CPC estabelece que "a parte
será representada em juízo por advogado legalmente habilitado".
Sobre o tema, a
jurisprudência já demonstrou que em juízo, a parte necessita de representação
por advogado devidamente habilitado, senão vejamos:
“ADVOGADO COM
INSCRIÇÃO PROFISSIONAL CANCELADA – FALTA DE CAPACIDADE POSTULATÓRIA (ART. 36,
CPC) – VÍCIO INSANÁVEL – PROCESSO ANULADO AD INITIO.
1. A representação da
parte em juízo da-se-á por advogado legalmente habilitado, sob pena de padecer
o processo de vício insanável. 2. Anulação do processo ab initio. 3. Recuso
provido.”
Insta-se registrar que
Valentin Carrion, tratadista e magistrado trabalhista, faz em seus
"Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho" (18ª ed., 1994,
pág. 565) menção sobre o tema discorrido, senão vejamos:
"Ressalta-se o
que acima se disse: estar desacompanhado de advogado não é direito, mas
desvantagem; a parte desacompanhada de advogado era caricatura de Justiça; a
capacidade de ser parte ou a de estar em Juízo (art. 792, nota 1) não se
confunde com a de postular. Já na reclamação verbal, a parte ficava na
dependência da interpretação jurídica que aos fatos dava o funcionário que
reduzia a termo suas afirmações. Depois vinham as dificuldades do leigo na
instrução e nos demais atos processuais, onde o arremedo de Justiça mais se
acentua."
Desta forma, o art. 9°
da Lei n° 9099/95, que trata sobre a desnecessidade do advogado para o
patrocínio das causas, é, ao mesmo tempo, ilegal e inconstitucional.
DO PENSAMENTO DO
LEGISLADOR DA LEI N° 9099/95:
O legislador quis, ao
constar no art. 9° da Lei n° 9099/95 a desnecessidade de advogado para as
causas de valor até vinte salários-mínimos, que o princípio da informalidade e
celeridade processual fossem amplamente divulgados e aceitos, tendo a prestação
jurisdicional uma maior rapidez.
Assim, o legislador
descreveu sobre o tema, para que as partes resolvessem rapidamente as suas
perlengas e aceitassem as decisões dos juízes monocráticos.
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"A Lei n° 9099/95
deveria ter descrito que a parte pode formular seus pedidos nos juizados, mas
se não puder ser assistida por um advogado, a defensoria pública realizaria o
acompanhamento das partes"
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Tal pensamento é
tacanho, pois embora tenhamos o ditado que damin factus, dabut ius, como
verdade no direito, não podemos fazer do magistrado pessoa onipotente, que não
terá as suas decisões recorridas.
Assim, o legislador
quis que a parte comparecesse ao Juizado e reduzisse a termo os seus pedidos,
sem intervenção do advogado, bem como não necessitando deste profissional para
impulsionar o feito.
Ainda, definiu que se
uma das partes comparecesse com advogado, a outra teria assistência da
defensoria pública.
Este pensamento é
restrito, pois a defensoria somente agiria se uma das partes tivesse advogado e
a outra não.
A Lei n° 9099/95
deveria ter descrito que a parte pode formular seus pedidos nos juizados, mas
se não puder ser assistida por um advogado, a defensoria pública realizaria o
acompanhamento das partes.
Tal acompanhamento
seria necessário para que se evitasse as incorreções e os erros na aplicação da
lei, bem como pedidos esdrúxulos e fora da real aplicabilidade do direito.
Assim, o Estado estaria cumprindo a sua
função jurisdicional, prestando serviços advocatícios a quem não pudesse arcar
com tal ônus, como descrito em nossa Constituição Federal, no art. 5º, LXXIV, que “é dever do Estado prestar
assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de
recursos”.
Desta forma, o pensamento do
acompanhamento do defensor somente quando a outra parte tiver advogado, é
minimista, pois o Estado só prestaria a assistência jurídica se a parte fosse
hipossuficiente em relação à outra no processo.
O que deveria se dar era a assistência
jurisdicional em todas as vezes que a parte não pudesse se representar via
advogado.
CONCLUSÃO:
Por todo o arcabouço legal delineado
acima, vê-se que a figura do advogado é imprescindível para a administração da
justiça, sendo que a sua presença é necessária em todas as instâncias e ritos
processuais.
Se a Constituição Federal assim descreveu
sobre a necessidade do advogado, bem como o que delimita o Código de Processo
Civil, o que é determinado no art. 9° e seus parágrafos da Lei n° 9099/95 é uma
ilegalidade e um desrespeito ao profissional do direito.
Nas palavras do Desembargador Roldão
Oliveira de Carvalho, em obra já citada, “mais acertada teria sito a
obrigatoriedade do patrocínio através de advogado, qualquer que fosse o valor
da causa.”
Se o pensamento foi disponibilizar ao
Autor a proposição de suas razões no Juizado, esta Lei deveria ter disciplinado
o acompanhamento do processo via Defensor Público. Se as duas partes não
tiverem advogados, estas também deveriam ser assistidas pela Defensoria
Pública, para que se garanta o cumprimento do princípio do devido processo
legal e da ampla defesa, tão combatida na Constituição Federal brasileira.
Desta forma, merece reforma a Lei n°
9099/95 neste ponto, de forma a somente garantir o acompanhamento processual
das partes se devidamente assistidas por advogados, ou se esta não puderem
arcar com estes, a presença da Defensoria Pública.
BIBLIOGRAFIA:
Brasil. Lei nº 9.099, de 26 de setembro
de 1995.
Brasil. Constituição Federal, de 05 de
outubro de 1988.
Brasil. Lei nº 8.906, de 4 de julho de
1994
Carvalho. Roldão de Oliveira. JUIZADOS
ESPECIAIS CÍVEIS E CRIMINAIS – COMENTÁRIOS À LEI 9099/95. Edit. LED, 1ª ed.,
1997,Leme.
Carrion, Valentin. COMNETÁRIOS À
CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO. Edit. Saraiva, 18ª ed., 1994, São Paulo.
Teixeira, Sálvio de Figueiredo. Código de
Processo Civil Anotado. Edit. Saraiva, 7ª ed. 2003, São Paulo.
TRF 1ª Região. AC 94.01.04892-4 – DF – 4ª
Turma – Rel. Juiz Eustáquio Silveira – DJU de 09/09/1996)
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Informações bibliográficas sobre este
artigo (Norma 6023:2002 da ABNT)
LEMOS, Walter Gustavo da Silva. A
imprescindibilidade da atuação do advogado nos Juizados Especiais Cíveis e Criminais.
DireitoNet, São Paulo, 31 ago. 2004. Disponível em:
<http://www.direitonet.com.br/doutrina/artigos/x/17/05/1705/>. Acesso em:
14 set. 2004.
Artigo retirado do
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