A LIVRE DISTRIBUIÇÃO À
LUZ DA LEI 10.358, DE 27 DE DEZEMBRO DE 2001
George Marmelstein
Lima*
Recentemente, foi
publicada a Lei 10.358, de 27 de dezembro de 2001, que, entre outras mudanças,
alterou o art. 253, do Código de Processo Civil, ora transcrito na parte em que
interessa:
"art. 253.
Distribuir-se-ão por dependência as causas de qualquer natureza:
I – omissis;
II – quando, tendo
havido desistência, o pedido for reiterado, mesmo que em litisconsórcio com
outros autores".
A alteração teve
origem no anteprojeto de lei nº 14, elaborado pelos processualistas Athos
Gusmão Carneiro e Sálvio de Figueiredo Teixeira, em cujas notas explicativas
fica nítido o seu intuito:
"É alterado o
‘caput’ do art. 253, a fim de que a distribuição seja feita por dependência não
apenas nos casos de conexão ou continência com outro feito já ajuizado, como
ainda nos casos de 'ações repetidas', que versem idêntica questão de direito . Evitar-se-ão,
assim, as ofensas ao princípio do juiz natural, atualmente ‘facilitadas’ nos
foros das grandes cidades: o advogado, ao invés de propor a causa sob
litisconsórcio ativo, prepara uma serie de ações similares e as propõe
simultaneamente, obtendo distribuição para diversas varas. A seguir, desiste
das ações que tramitam nos juízos onde não obteve liminar, e para os autores
dessas demandas postula litisconsórcio sucessivo, ou assistência
litisconsorcial, no juízo onde a liminar haja sido deferida.
A alteração desse
artigo do CPC foi inclusive sugerida pelo Tribunal Regional Federal da 1ª
Região, por ofício datado de 19.05.1994, e encaminhado ao Conselho da Justiça
Federal ( of. 270/94- PRESI), com esse objetivo: obstar as ‘distribuições
conduzidas’" – grifos no original.
A mudança, sem dúvida,
é salutar, pois deixa expresso que o primeiro juízo a quem a causa foi
distribuída ficará sempre prevento para o seu julgamento, independentemente de
haver proferido sentença homologatória da desistência, evitando, com isso,
fraudes à livre distribuição que vinha ocorrendo em todas as grandes comarcas. Antes,
o posicionamento tradicional era no sentido de que não existiria conexão de
causa finda com outra recém-proposta como fonte alteradora das regras de
competência. Logo, uma vez homologada, por sentença, a desistência, a nova
petição, mesmo sendo idêntica à primitiva (mesmas partes, mesmo objeto, mesma
causa de pedir, mesmo advogado), seria distribuída livremente, sem que o juízo
da causa originária ficasse prevento para dela conhecer, o que permitia que a
parte ajuizasse inúmeras ações sucessivamente, pedindo, em seguida, a
desistência do feito, até que o processo fosse distribuído ao juízo de sua
preferência.
Antes mesmo da
alteração legislativa, os Tribunais pátrios, seja no exercício de seu poder
regulamentar, seja no julgamento de casos concretos, vinha adotando a tese de
que, ao verificar que a parte ajuizou ações sucessivas com o intuito de iludir
a distribuição, o juiz (seja o distribuidor, seja o da causa), visando reprimir
esse ato atentatório à dignidade da justiça, teria o poder-dever de reconhecer
a prevenção em relação àquele juízo a quem primeiro foi distribuída a ação,
mesmo que já existisse sentença homologatória de desistência.
A Instrução Normativa
nº 22. DE 21 DE AGOSTO
DE 2000, (Diário da Justiça de
23/8/2000, Seção II, pág. 001), da Corregedoria Geral do Tribunal Regional
Federal da 1a Região, já determinava que a distribuição de ação idêntica
(Código de Processo Civil, art. 301, § 2º) a outra extinta por desistência seja
feita ao juiz que conheceu da primeira, ainda que, na hipótese de vários
interessados, nem todos tenham figurado na primitiva relação de autores.
As decisões também são
abundantes no mesmo sentido, mesmo quando não havia norma dispondo sobre a
matéria.
Na 2a Região, cita-se
o CC 96.02.26371-7/RJ, 4a Turma, rel. Célia Georgakopoulos, em 20/11/1996, DJ:
22/05/1997, onde está ementado que "Tendo havido desistência em mandado de
segurança, ficou preventa a respectiva vara para a distribuição de outro
"writ" idêntico. Não se trata de conexão para evitar decisões
contrárias, mas sim de se precaver contra a violação do princípio do juiz
natural. Em igual sentido: CC 95.02.23703-0/RJ, 3a Turma, rel. Juiz Celso
Passos, em 21/11/1995, DJ 22/10/1996, p. 80054.
Na 3a Região,
exemplifica-se o CC 3123/SP, 1a Seção, rel. Juiz Oliveira Lima, em 06/09/2000,
DJU 20/10/2000, p. 265, cuja ementa prescreve que "A distribuição a juízo
diverso de outra medida cautelar, idêntica a anterior que foi extinta por
desistência, fere o princípio do juiz natural. Precedente desta corte. Não
obstante a extinção do primeiro, a prevenção por conexão está a determinar a
distribuição do segundo feito ao mesmo juízo do pedido anterior. Em idêntico
sentido: CC 94.03.061144-8/SP, 2a Seção, rel, Juíza Eva Regina, em 2/06/1998,
DJ:12/08/1998, p. 512; CC 03025205-1/SP, 2a Turma, rel. Juiz Oliveira Lima,
DOE:15/06/1992, p.135.
Por fim, na 4a Região,
há o precedente do CC 97.04.24501-7/RS, 1a Seção, rel. Jardim de Camargo, em
03/09/1997, DJ 05/11/1997, p. 93731, onde se decidiu que "Existindo
identidade de processos, sendo que na primeira ação houve exame da inicial e
indeferimento de liminar, encontrando-se arquivada devido a pedido de
desistência, a segunda ação deve ser distribuída por prevenção" 1.
Observe-se que, apenas
o Tribunal Regional Federal da 5a Região, ainda não havia adotado o
posicionamento agora imposto por lei.
Sem receio de
equívoco, foi importante a alteração legislativa, ainda que apenas para efeitos
simbólicos, já que os Tribunais Regionais Federais, quase todos, já vinham
adotando a regra, mesmo sem norma expressa dispondo sobre a matéria.
Contudo, a redação da
lei não é a melhor. Ainda é possível a existência de burlas à livre
distribuição, inclusive utilizando a própria alteração legislativa. Confira-se.
Um sujeito X ingressa
com uma ação onde seria possível o litisconsórcio ativo facultativo; a ação é
distribuída precisamente ao juízo que ele desejava; objetivando burlar a livre
distribuição, o sujeito pediria a desistência da ação e, em seguida, ingressaria
com uma nova ação com inúmeros litisconsortes ativos; por força da nova redação
do art. 253, do CPC, esta nova ação deveria ser distribuída por dependência ao
juízo a quem foi distribuída a primeira ação; desse modo, os novos
litisconsortes estariam "escolhendo" o juiz para a sua causa, o que
configura burla ao juízo natural e à livre distribuição. Como se observa, a lei
merece ser aplicada com bastante cautela para que não seja utilizada exatamente
para proporcionar a burlar à livre distribuição, que ela própria almeja banir.
Outro ponto omisso (ou
falho) na nova redação diz respeito às ações extintas por outra causa diversa
da desistência. Imagine-se a seguinte situação: a parte ajuíza várias ações,
todas sem procuração e/ou sem pagamento das custas; se uma é distribuída ao juiz
de sua ‘preferência’, o advogado não precisaria nem pleitear a desistência das
demais, que serão extintas por falta de pressuposto processual, qual seja, a
regularidade da representação ou terão suas distribuições cancelada por
ausência de pagamento das custas.
A nova redação do art.
253, do CPC, não deixa expresso que, nesses casos, a distribuição também deve
ser feita por dependência.
Redação melhor seria a
oferecida pelo art. 43, §§ 2o e 3o, do anteprojeto da Lei Orgânica da Justiça
Federal, elaborado pela AJUFE:
"§2o. No caso de
desistência de ação, ou de extinção do processo sem julgamento do mérito por
qualquer causa, em havendo a propositura de nova ação com o mesmo objeto,
estará prevento o juiz que primeiro conheceu do pedido" – grifamos.
"§3o. Ao propor
nova ação, a parte deverá informar na inicial o ajuizamento de ação anterior,
sob pena de condenação por litigância de má-fé".
Para finalizar, creio
que existe, implicitamente, no sistema jurídico, uma norma decorrente do juiz
natural determinando que, sempre que houver tentativa de burla à livre
distribuição, o juiz tem o dever de impedir essa fraude.
Portanto, a nova
redação dada ao art. 253, do CPC, dada pela Lei 10.358, de 27 de dezembro de
2001, cujos objetivos são nobilíssimos, deve ser sempre interpretada
teleologicamente (ora alargando o seu sentido, ora restringindo-o), visando
sempre reprimir qualquer tentativa de burla à livre distribuição.
Desse modo, em síntese
ao que foi exposto, conclui-se:
a) a distribuição de
ação idêntica a outra ação, mesmo já extinta por desistência ou por qualquer
outra causa extintiva (p. ex. ausência de procuração ou cancelamento da
distribuição por não pagamento das custas), deve ser feita ao juiz a quem foi
distribuída a primeira, caso fique evidenciado o intuito de burla à livre
distribuição;
b) no caso de
propositura de nova ação idêntica a outra já extinta por desistência, em que,
na nova ação, houve a inclusão de outros litisconsortes ativos facultativos
estranhos ao feito originário, estes deverão ser excluídos da lide, procedendo,
quanto a eles, o desmembramento do feito, devendo a nova ação composta pelos
litisconsortes excluídos ser livremente distribuída.
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1- Em sentido
contrário, citam-se, entre outros os seguintes acórdãos do TRF da 1a Região,
proferidos antes da promulgação da já referida Instrução Normativa nº 22/2000:
CC 98.02.24600-0/RJ, 2a Turma, Rel. Juiz Espírito Santo, em 09/12/1998, DJ
09/09/1999; AMS 01306417/MG, 4a Turma, rel. Juiz Eustáquio Silveira, em
26/10/1994, DJ: 07/11/1994 PAGINA: 63214; AC 01309769/MG, 3a Turma, rel. Juiz
Tourinho Neto, em 08/11/1993, DJ: 25/11/1993 PAGINA: 50897.
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* George Marmelstein
Lima é Juiz Federal Substituto da 4ª Vara/CE.
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