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AÇÃO DE NUNCIAÇÃO DE OBRA NOVA

 

 

 

 

 

 ADRIANA FERRARI

 

 

 

 

 

 

É ação real através da qual o autor pretende impedir que edificação de obra nova (entendida como qualquer modificação empreendida sobre imóvel, abrangendo construção, reforma, modificação, realinhamento de edificação, etc.): que prejudique o seu imóvel, em suas construções, servidões e destinações, que prejudique ou altere a coisa comum ou seja contrária a leis administrativas – caso em que a legitimidade é do município (artigo 934 e seguintes do Código de Processo Civil).

 

1. Conceito

 

Nunciação é, aqui, sinônimo de embargo. Obra nova é a iniciada, mas ainda não terminada.

 

Com a ação de nunciação de obra nova impede-se a conclusão de obra em imóvel vizinho, que prejudique o prédio do autor. Cabe a ação, por exemplo, no caso de obras que prejudiquem o exercício de servidão de passagem.

 

Enquanto não concluída a obra, cabe a ação de nunciação de obra nova, para impedir que o vizinho abra janela, terraço ou varanda, a menos de metro e meio (Cód. Civil, art. 1.301); concluída a obra, cabe a demolitória, no prazo de ano e dia (Cód. Civil, art. 1.302) [1] ; da falta de propositura desta ação não resulta seja o proprietário obrigado ao recuo de metro e meio ao edificar nos limites de sua propriedade (STJ, 3ª Turma, Resp. 229164 / MA, Min. Eduardo Ribeiro, relator, j. 14.10.99).

 

Prédio vizinho não significa necessariamente prédio contíguo. Relevante é o prejuízo decorrente da obra embargada.

 

A nunciação de obra nova não se confunde com a fundada em dano iminente, quando prédio vizinho ameace ruína (Cód. Civil, art. 1.280), nem com a ação para exigir caução (Cód. Civil, art. 1.281).

 

Afirma-se que, existindo dúvida ou disputa quanto à propriedade ou posse do local onde se realizam as obras, a ação de nunciação é imprópria para dirimir a controvérsia, cabendo, conforme o caso, ação possessória, reivindicatória ou de demarcação.   O caso seria, então, de extinção do processo sem julgamento de mérito. Mas, como bem observou o Ministro Ruy Rosado de Aguiar, isso implicaria a remessa das partes a outra via processual, sempre que o demandado alegasse dúvida sobre o título da propriedade. Na verdade, “os títulos apresentados deverão ser examinados na própria ação de nunciação, a fim de que se verifique a existência de um de seus pressupostos. Afastar desde logo o pedido apenas porque há dúvida sobre o ponto significa remeter as partes a uma prévia ação reivindicatória, ou de demarcação ou divisão, sempre que o demandado alegar dúvida sobre o título de propriedade”; as dúvidas podem e devem ser apreciadas na própria ação de nunciação (STJ, 4ª Turma, Resp. 440.167-MA, Min. Ruy Rosado de Aguiar, relator, j. 3.10.2002).

 

*Obs.:   Em síntese a ação de nunciação de obra nova pode tutelar de forma indireta a posse, todavia está possibilidade não a situa entre as ações de natureza possessória "stricto sensu" como desejaram alguns doutrinadores, pois a pretensão do autor é embargar a obra que está sendo construída e causando-lhe prejuízos, restando-lhe ser reconhecida como ação possessória "lato sensu", em detrimento de poder ser ajuizada pelo possuidor.

 

 

2. Legitimação

 

è Dois interesses estão envolvidos na ação de nunciação de obra nova: primeiro,  o do particular, que pretende impedir que obra alheia o afete, causando-lhe prejuízo; segundo, o do Poder Público, para impedir conflitos sociais, prejuízos à coletividade, para evitar que obras sejam realizadas à margem da lei, fora da normalidade e em prejuízo da função social da propriedade.

 

A ação pode ser proposta por possuidor direto, como o locatário, ainda que contra o possuidor indireto.    Podem promover a ação o vizinho proprietário (ainda que sem a posse), o co-proprietário, o possuidor, o loteador (mesmo que tenha vendido todos os lotes do loteamento - Lei n. 6.766 de 1979, art.45) e o município (caso a obra não esteja de acordo com a legislação administrativa que trata das construções).

 

Pode também ser proposta por condômino contra outro condômino (art. 934, II). No caso de condomínio edilício, a ação pode também ser proposta pelo síndico.     A ação deve ser ajuizada contra o dono da obra (que não precisa ser, necessariamente, o proprietário do imóvel, mas o responsável pela edificação) e seu cônjuge, se for pessoa física.

 

Da alternativa “ou”, constante do artigo 934, II, in fine, infere-se a desnecessidade de alegação de prejuízo, na ação proposta por condômino para impedir a alteração da coisa comum.

 

No caso de contravenção a lei, regulamento, ou postura municipal, a legitimação do Município (art. 934, III) não exclui a do particular, precisando este, porém, alegar prejuízo. Em sentido contrário, sustentando a legitimidade exclusiva do Município.

 

A ação pode ser proposta por particular contra obra realizada pela Administração pública, ante o princípio da submissão de todos à lei (STJ, 4ª Turma, Resp. 92115/ SP, Min. Bueno de Souza, relator, j. 6.4.99).

 

Embora o embargo extrajudicial possa ser notificado ao construtor (CPC, art. 925), é contra o proprietário que a ação deve ser proposta.

 

Legitimado passivo é o dono da obra, aquele que determinou a construção. Pode ser o proprietário, o possuidor, o titular de direito real, o locatário, o condomínio, o arrendatário.

 

 

3. Embargo extrajudicial

 

Havendo urgência, o proprietário da obra ou o seu construtor, pode ser notificado verbalmente pelo interessado - diante de duas testemunhas - a não continuá-la, caso em que está configurado o embargo extrajudicial, que deve ser ratificado em juízo em até três dias após a notificação, sob pena de perder os seus efeitos.

 

Comete atentado o réu que desatende ao embargo extrajudicial ratificado na forma do parágrafo único do artigo 935. Não fora assim, não faria sentido a previsão do embargo extrajudicial.

 

Para tal ratificação, embora a lei não fale, há mister que o autor descreva o estado em que se encontrava a obra, como o faria o oficial de justiça, no caso do art. 938, já que tal circunstância é essencial para a própria prevenção à desobediência.

 

Embargo inicial

 

Havendo urgência, o proprietário da obra ou o seu construtor, pode ser notificado verbalmente pelo interessado - diante de duas testemunhas - a não continuá-la, caso em que está configurado o embargo extrajudicial, que deve ser ratificado em juízo em até três dias após a notificação, sob pena de perder os seus efeitos.

 

O embargo pode ser concedido liminarmente ou após justificação prévia (mediante decisão fundamentada), segundo dispõe o art. 937 do Código de Processo Civil.

 

Caso deferido, o mandado contendo a ordem de embargo é cumprido por oficial de justiça, que deve lavrar auto circunstanciado com descrição do estado da obra (que constitui medida de caráter eminentemente preventivo, para o fim de evitar problemas práticos posteriores) e comunicar ao construtor e operários de que a obra não deve prosseguir.

 

 

4. Petição inicial

 

è Na petição inicial, o autor deve pedir o embargo da obra (com cominação de pena por descumprimento da ordem), que representa o elemento mandamental da ação; a reconstrução, modificação ou demolição do que for irregular (elemento executivo da ação); a fixação de pena para o caso de descumprimento e a condenação em indenização por danos causados pela obra embargada (elemento condenatório).   Se o autor limitar-se a pedir a demolição, a ação não é de nunciação.

 

Há o pedido liminar de suspensão da obra, ou de ratificação do embargo extrajudicial (sem o que se descaracteriza a especialidade do procedimento) e o principal de reconstituição, modificação ou demolição (art. 936, I). O pedido de cominação de pena (art. 936, II) decorre da circunstância de se tratar de obrigação de fazer. É facultativo, mas em geral conveniente, o pedido de perdas e danos (art. 936, III).

 

Este pedido é, sobretudo importante nos casos em que o autor embarga obra que invadiu minimamente terreno seu, dada a probabilidade de decisão em favor da edificação. Abre-se, assim, a via para que a sentença condene o réu a indenizar a porção de terreno de que indevidamente se apropriou, em lugar de simples julgamento de improcedência da ação.

 

Ainda que já não caiba o embargo, porque praticamente concluída a obra, não se extingue o processo, por carência de ação, havendo pedido de indenização, sobre o qual deva se pronunciar o juiz (STJ, 1997).

 

Recomenda-se a descrição do estado da obra, com fotografias, sempre que possível, para comprovação de eventual atentado.

 

 

5. Justificação prévia

 

Não há previa citação ou intimação do réu para a audiência de justificação eventualmente determinada pelo juiz.

 

 

6. Desobediência ao embargo

 

A continuação na obra, seja por quem for, importará em desobediência, inclusive com prisão em flagrante, se for o caso.

 

è Porém, a obra pode prosseguir se julgador admitir liminarmente a prestação de caução real ou fidejussória por parte do nunciado (sempre no juízo de origem, ainda que os autos estejam no tribunal), desde que comprovado prejuízo decorrente da suspensão determinada e não se trate de ação ajuizada pelo município em razão de violação do disposto na legislação administrativa que regulamente o direito de construir.

 

 

7. Reconvenção

 

è Para a condenação do autor em perdas e danos, exige-se reconvenção: É admitida a reconvenção (até mesmo para que haja condenação em perdas e danos caso os pedidos formulados na ação de nunciação de obra nova sejam rejeitados). 

 

è O réu deve ser citado, para que lhe seja concedida a oportunidade de apresentar contestação no prazo de cinco dias.   O prazo é contado a partir da data da juntada aos autos do comprovante de recebimento da carta ou do mandado. Havendo justificação prévia, o prazo para resposta conta-se a partir da intimação da decisão que apreciou o pedido de liminar. 

 

*Obs.:  É admissível a nomeação à autoria, oposição e denunciação da lide (que pode ocorrer com o proprietário que deseja assegurar o direito de regresso contra o construtor).

 

8. Continuação da obra, prestada caução

 

Sobre o assunto, dispõe o artigo 940 do CPC. O pedido de prestação de caução obedece ao procedimento dos processos cautelares. Ele é autuado em apartado e apenso ao processo principal, que não se suspende. A caução deve ser suficiente para as obras de retorno ao estado anterior, bem como para garantir o pagamento das perdas e danos.

 

Interposta apelação, o pedido deve ser formulado ao relator (CPC, art. 800, § único).

 

9. Foro e valor da causa

 

O foro competente, conforme dispõe o art. 95 do Código de Processo Civil, é o da situação da coisa. Trata-se de competência ratione loci absoluta.

 

O valor da causa deve corresponder ao valor venal do imóvel relativo a obra objeto material da ação de nunciação de obra nova.

 

 

10. Provas, transação e sentença

 

As provas a serem produzidas nesta espécie de ação geralmente são a documental (planta do imóvel, certidão imobiliária, levantamento fotográfico), testemunhal (especialmente no embargo extrajudicial, na audiência de justificação prévia, e na de instrução e julgamento, para a prova de fatos que não tenham sido provados de outra forma e que sejam importantes ao deslinde da controvérsia) e pericial (para identificar e caracterizar a obra, apresentando elementos relativos as questões debatidas no processo e dados técnicos que fornecem dados a formação da convicção do julgador).

 

Quanto a eventual transação que possa ser realizada entre as partes, admitindo, por exemplo, a obra a menos de um metro e meio da divisa, Abrão assevera que “qualquer eventual limitação ou mesmo redução do espaço foi expressamente renunciada pelo interessado, diante de um acordo cunhado na indenização, razão pela qual esse tipo de transação se afigura perfeitamente cabível e, portanto homologável por sentença”.

 

A sentença que acolher o pedido formulado pelo autor determinará o desfazimento, reconstrução, modificação ou demolição do que for irregular, fixando prazo para cumprimento da ordem, com condenação em perdas e danos. Contra ela o réu poderá interpor recurso de apelação que deve ser recebido nos efeitos devolutivo e suspensivo (art. 520 do Código de Processo Civil).

 

 

11. Principais divergências a respeito da matéria

 

Alguns aspectos relativos à ação de nunciação de obra nova que não são pacíficos na doutrina e nos Tribunais, são expostos a seguir:

 

·        parte dos julgadores afirma que, se a obra estiver praticamente concluída, não cabe ação de nunciação de obra nova. Para evitar problemas, convém cumular ao pedido de nunciação o de indenização (cumulação eventual);

 

·        há decisões admitindo e outras rejeitando a possibilidade de cumulação do pedido de sustação da obra com o de demolição;

 

·        se a construção invade o terreno vizinho, há decisões admitindo a ação de nunciação de obra nova, entendendo que deve ser proposta ação possessória e outras afirmando que, se a obra for totalmente edificada em imóvel alheio, deve ser ajuizada ação de manutenção de posse; caso haja edificação parcial sobre imóvel de terceiro a nunciação de obra nova é a ação cabível;

 

·        há julgados não admitindo o prosseguimento da ação de nunciação de obra nova se o embargo liminar não for deferido, porque este seria um pressuposto para o desenvolvimento do processo;

 

·        há dissensão a respeito do procedimento a ser observado após as providências do art. 938 do Código de Processo Civil, se o cautelar (art. 939 do Código de Processo Civil) ou o ordinário (RT, vol. 470, p. 97 e art. 928 do Código de Processo Civil, utilizado por analogia na ação de nunciação de obra nova).

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Bibliografia:

·        Comentários ao Código de Processo Civil, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2000, v. 13, p. 309.

·        Da ação de nunciação de obra nova. São Paulo, Saraiva, 1986. p. 14.

·        Manual de Direito Processual Civil, São Paulo, Saraiva, 1999. v. 3. p. 58.

·        Procedimentos Especiais, Antonio Carlos Marcato, 8ª edição, 2001.

 

 

Retirado de: http://geocities.yahoo.com.br/adri_ferrari/direito.html