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A IMPOSSIBILIDADE DE EXECUÇÃO JUDICIAL EM ABERTURAS DE CRÉDITO EM CONTAS CORRENTES

 

Everardo Gueiros Filho

 

 

 

Í N D I C E

 

Introdução pág. 04

I -Conceito pág. 06

II - Requisitos do Processo Executivo pág. 08

III - Títulos Executivos pág. 11

IV - Impossibilidade de Execução de Contrato de Abertura de Crédito pág. 13

Conclusão pág. 25

Bibliografia pág. 27

 

 

INTRODUÇÃO

 

De início, devemos elucidar que esta monografia tem o objetivo de uma rápida análise acerca dos elementos do processo de execução e de sua inaplicabilidade à ações que visem a cobrança de créditos advindos de contratos de abertura de contas correntes.

Neste trabalho não pretendemos esgotar todos os aspectos do tema proposto, tendo em vista sua grande amplidão. Por outro lado, se o tentássemos, certamente cometeríamos o equívoco de apequenar os debates ao seu derredor.

Na elaboração dessas poucas linhas jurídicas, observamos principalmente a utilidade prática do fenômeno a ser estudado, começando pelo conceito de processo de execução, passando pela análise de seus requisitos, adentrando nos fundamentos do instituto, para ao depois abordar de forma mais singular sua aplicação às cobranças judiciais que utilizam-se de contratos de abertura de crédito em conta corrente como título executivo.

As considerações e análises aqui esboçadas provém da observação das lides forenses, da leitura de doutrinadores acerca da matéria, além do estudo de nossa jurisprudência. Tomamos por base para a pesquisa, materiais diversos, a exemplo de peças processuais, livros jurídicos e decisões judiciais, objetivando sempre apresentar a importância desta questão no Direito Processual moderno.

Em síntese, procuraremos demonstrar nesta presente monografia as linhas gerais pelas quais se pauta o procedimento judicial de execução de títulos extrajudiciais, relacionando-as ao ponto específico da execução baseada em contrato de abertura de crédito, para, enfim, demonstrar sua impossibilidade jurídica.

Iniciaremos, pois, com a conceituação e análise dos requisitos do processo de execução de títulos extrajudiciais.

 

 

I -CONCEITO

 

É preceito fundamental em nosso direito civil, especificamente no campo em que disciplina as obrigações cíveis, o fato do devedor que descumpre obrigação à ele imposta em decorrência de Lei ou de sua vontade, exprimida por meio de contrato, sujeita-se à ação do credor, além de responder pelas eventuais perdas e danos decorrentes de sua mora obrigacional. Este princípio está insculpido em nosso Código Civil, em seu Art. 1.056.

Visando garantir instrumento processual adequado à realização de tal direito do credor, foi instituído em nossas leis processuais as normas reguladoras do processo de execução. Neste tipo de processo, o credor busca a satisfação de seu crédito, por meio da prerrogativa legal que lhe permite executar o patrimônio do devedor caso este não venha a cumprir sua obrigação no tempo, modo e forma acertados. Para tanto, deve o credor possuir título executivo, judicial ou extrajudicial, revestido das caraterísticas elencadas pela Lei com essenciais para a propositura de ação de execução. Nos dizeres de Nelson Néry Junior , " É a inadimplência do devedor, de obrigação líquida e certa, que legitima o credor à execução".

 

Ações Executivas são aquelas que provocam providências jurisdicionais de execução. Estas ações têm por pressuposto um título executivo. Nestes, o credor provoca as atividades jurisdicionais necessárias a transformar um estado de fato existente.

São duas as espécies de ações executivas : execução forçada - execução de sentença e as ações executivas em sentido estrito ou impóprio- 585 CPC.

Podemos conceituar este tipo ação com sendo a medida judicial que visa a satisfação de uma pretensão do credor, consubstanciada em título revestido dos requisitos exigidos em lei, por intermédio da diminuição do patrimônio do devedor.

Historicamente, temos que execução era levada à cabo pelo próprio credor. No direito romano antigo, assim como em diversos outros sistemas jurídicos arcaicos, o credor adquiria, pelo inadimplemento do devedor, direito inclusive ao corpo deste, podendo escravizá-lo como forma de ter sua pretensão satisfeita.

Em uma fase posterior do próprio direito romano, iniciou-se a elaboração de um sistema, um rito, por meio do qual a execução deveria pautar-se. Este procedimento inovou ao normatizar e garantir o direito de defesa do devedor, frente à pretensão executiva do credor.

Após a Idade Média, e diante da grande influência exercida pelos princípios católicos e instituições Germânicas sobre o direito romano, verificou-se a intervenção estatal nas ações executivas, que deixaram de ser realizadas pelo próprio credor, para se processarem por meio dos Juízes do Estado. Com o advento das conquistas pós-revolucionárias da Europa Moderna, firmaram-se em definitivo as bases do processão de execução, garantindo ao credor a satisfação de seu crédito, sem, contudo, macular os direitos e prerrogativas do devedor, à exemplo de seu direito à ampla defesa.

 

 

II - REQUISITOS DO PROCESSO EXECUTIVO

 

Conforme visto no tópico anterior, para que o credor possa utilizar-se da via executória em seu desígnio de ter satisfeita sua pretensão frente ao devedor, deve atender a certos requisitos.

Inicialmente, temos que toda e qualquer execução, à luz do disposto no Art. 583 do codex de ritos pátrio, deve ser baseada em título executivo judicial ou extrajudicial. Este requisito, embora aparentemente não enseje o surgimento de questões relevantes, configura um dos mais discutidos temas em nossos Tribunais, em virtude do conceito de título executivo, mormente o de procedência extrajudicial, ser bastante amplo e de difícil delimitação na esfera prática. Isto ocorre em virtude de nossa legislação pátria exibir um rol exemplificativo de tais títulos, como se observa da leitura do Art. 585, VII, CPC.

A conceituação, caraterização e análise mais aprofundada deste requisito será estudada posteriormente em tópico próprio, tendo em vista o fato de sua essencialidade relativamente ao tema principal a ser debatido na presente monografia.

 

Outro requisito para a propositura de qualquer ação de execução consiste no inadimplemento do devedor. "A não satisfação, pelo devedor, da obrigação constante do título executivo, nos termos e prazos legais, carateriza o inadimplemento autorizador do ajuizamento da ação de execução."

Tal requisito é, na verdade uma das condições para a propositura de qualquer ação, a saber: o interesse processual do autor. Não estando o devedor em mora, ou seja, não ocorrendo o inadimplemento das obrigações à ele impostas, sejam por título extrajudicial ou através de sentença judicial, ou tendo este cumprido a obrigação no lugar, tempo e modo avençado ou determinado, de nada servirá a execução, sendo inócua a sua interposição por já cumprida a obrigação. O legislador, ao elencar o inadimplemento do devedor dentre os requisitos necessários, quis demonstrar a essencialidade da ocorrência da mora do devedor para que seja o credor legitimado a dar início aos procedimentos executórios sobre os bens do devedor. Tanto que o próprio CPC, mais adiante em seu Art. 581, obsta a propositura e prosseguimento da ação, acaso o devedor cumpra a obrigação.

Da mesma forma, as demais condições para propositura da ação devem restar igualmente preenchidas. Deve ocorrer a legitimidade das partes do processo, ou seja, o credor deve estar legitimado a efetuar a cobrança da obrigação em juízo, e do devedor deve ser legitimado a responder a execução contra ele proposta. Os Arts. 565 e 566 do CPC tratam da legitimidade para propor ou continuar a execução forçada, enquanto o Art. 587 do mesmo diploma legal elenca os sujeitos passivos das execuções. Há a necessidade ainda da possibilidade jurídica do pedido do Autor, ou seja, deve ser abarcada pelo ordenamento jurídico sua pretensão executiva.

Afora tais requisitos essenciais, indica o CPC pátrio outros pressupostos a serem atendidos. Quando se tratar de execução para cobrança de crédito, deve o título executivo revestir-se de certos caracteres: ser líquido, certo e exigível. Devem ainda as execuções serem propostas por meio de petição inicial, instruídas com título executivo (salvo se fundar-se em sentença), com o demonstrativo de débito atualizado, acaso trata-se de execução por quantia certa, e com a prova de que se verificou a condição, ou ocorreu o termo (Art. 614, CPC).

 

 

III- TÍTULOS EXECUTIVOS

 

Restando analisados os requisitos - tanto gerais como específicos - para a propositura de qualquer ação de execução, adentraremos, neste momento, num estudo mais pormenorizado dos títulos executivos e seus requisitos.

Nosso direito divide os títulos executivos em dois grandes grupos: os títulos executivos judiciais, provenientes de decisões na esfera judicial, e os títulos executivos extrajudiciais, que apesar de serem estranhos à esfera judicial em sua gênese, são revestidos de caráter executivo pela Lei.

Os títulos executivos judiciais estão enumerados no Art. 584 do CPC, e são: I- sentença condenatória proferida no processo civil; II- a sentença penal transitada em julgado; a sentença arbitral e a sentença homologatória de transação ou conciliação; IV- a sentença estrangeira, homologada pelo Supremo Tribunal Federal; V- o formal e a certidão de partilha, embora de acordo com o parágrafo único do referido artigo, estes últimos só possuam força em relação ao inventariante, aos herdeiros e aos sucessores à título universal ou singular.

Já os títulos executivos extrajudicias, diretamente relacionados ao tema central da presente monografia, não são enumerados taxativamente, já que o Art. 585 do CPC, após citar alguns títulos de tal categoria, acrescenta em seu inciso VII que demais títulos podem configurar títulos extrajudiciais com caráter executivo, a depender de determinação em lei.

Quando ação de execução objetiva a cobrança de créditos, existem três requisitos legais aos quais devem se enquadrarem os títulos executivos fundantes de tais ações: devem ser certos, líquidos e exigíveis.

O conceito de liquidez é aquele dado quando a obrigação é inquestionável quanto a sua existência e determinada quanto ao seu objeto, tratando-se de condição da ação executiva. Em princípio, deve o próprio título fornecer todos os elementos para que se possa aferir a certeza e liquidez do débito. Tratando-se de título que embora sem mencionar o valor do débito, contém elementos necessários à sua devida apuração, mediante simples cálculo aritmético, temos que a liquidez do título se faz presente. Nossa jurisprudência já se posicionou no sentido de não alterar a liquidez do título de crédito a cobrança pelo saldo devedor, quando o total a ser executado é inferior à quantia total do título.

Exigível se mostra a obrigação quando esta se encontrar-se vencida. Sem tal condição é inadmissível a propositura da execução, tendo em vista ser condição da própria ação executiva o inadimplemento do devedor.

Destarte, ocorrendo a confluência de tais requisitos, aliadas às condições da ação em geral e da ação executiva em específico, permiti-se o ingresso em juízo para recebimento de determinado crédito, onde além do pagamento do principal, ficará o devedor sujeito ao pagamento dos juros de mora, correção monetária e demais consectários legais.

 

 

 

IV - IMPOSSIBILIDADE DA EXECUÇÃO DE CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO

 

Após as breves considerações preliminares acerca da natureza e requisitos da ação executiva, passaremos a exposição e análise do tema central da presente monografia: a impossibilidade de uma ação de execução fundada em contrato de abertura de crédito.

O contrato de abertura de crédito em conta-corrente, mesmo que acompanhado de extratos de movimentação, não constitui título executivo extrajudicial, na forma do art. 585, II, do CPC, por não ser obrigação de pagar quantia determinada. Este é o entendimento que, acertadamente, veio sendo formulado por nossos Tribunais, culminando com a edição da Súmula 233 do Superior Tribunal de Justiça, ocorrida em 08/02/2000, com o seguinte teor: "O contrato de abertura de crédito, ainda que acompanhado de extrato da conta-corrente, não é título executivo."

Este entendimento, no entanto, formou-se após acirrados debates doutrinários e jurisprudenciais. Suas linhas mestras repousam em princípios inerentes aos títulos executivos extrajudiciais, os quais passaremos a analisar.

A apuração da certeza, liquidez e exigibilidade, requisitos indispensáveis à caracterização do título executivo, inexistem no contrato, já que a execução objetiva o saldo devedor a ele vinculado e os extratos bancários são produzidos de forma unilateral pela instituição bancária.

O art. 585 do CPC, em seu inciso II, ao qualificar como título executivo o documento particular assinado pelo devedor e por duas testemunhas, não inclui o contrato de abertura de crédito em conta-corrente. A apuração da certeza, liquidez e exigibilidade, requisitos indispensáveis à caracterização do título executivo, inexistem no contrato, já que a execução objetiva o saldo devedor a ele vinculado e os extratos bancários são produzidos de forma unilateral pela instituição bancária.

Ora, o título executivo extrajudicial é documento que contém obrigação de pagamento de quantia determinada e, ante a ausência de certeza quanto ao valor expresso na cambial, não se inclui o contrato de abertura de crédito neste rol, mesmo que acompanhado de extratos de movimentação.

O eminente Ministro Costa Leite, do STJ, no recurso especial n. 66.266-4-MG, proferiu a seguinte decisão:

 

"Contrato de abertura de crédito em conta corrente não constitui título executivo extrajudicial, segundo o previsto no art. 585, II, do CPC, por não consubstanciar obrigação de pagar quantia determinada" ( in DJU de 18.09.95).

E ainda:

"Limitando-se a ensejar a utilização de determinada quantia, não consubstancia obrigação de pagar quantia determinada, inexistindo correspondência com o modelo previsto no art. 585, II do CPC".

Comanda o nosso Codex Processual Civil, em seu art. 583: "Toda execução tem por base título executivo judicial ou extrajudicial". Reportando-se ao preceito legal em apreço, destaca o respeitado Humberto Theodoro Júnior :

"Como lógica e juridicamente não se concebe execução sem prévia certeza sobre o direito do credor, cabe ao título executivo transmitir essa convicção ao órgão judicial. E nessa ordem de idéias, observa José Alberto dos Reis, não é o título apenas a base da execução, mas, na realidade, sua condição necessária e suficiente. É condição necessária, explica o grande mestre, porque não é admissível execução que não se baseie em título executivo. É condição suficiente, porque, desde que exista o título, pode-se logo iniciar a ação de execução, sem que se haja de previamente propor a ação de condenação, tendente a comprovar o direito do autor"

Observa, de outro lado, o alentado Alcides de Mendonça Lima , com esteio na doutrinação de Calamandrei:

"Certeza diz respeito à existência do crédito; a liquidez decorre da determinação da sua importância exata; a exigibilidade se refere ao tempo em o qual poderá o credor exigir o respectivo pagamento. É certo um crédito quando não é controvertida a sua existência (an); é líquido, quando é determinada a importância da prestação (quantum); é exigível, quando seu pagamento não depende de termo ou condição, nem está sujeito a outras limitações".

As execuções suscitadas pelas instituições financeiras trazem como suporte um contrato de abertura de crédito em conta corrente, cujo real saldo devedor decorre dos pertinentes demonstrativos da movimentação da conta bancária; o conjunto desses elementos, no sentir dos bancos, empresta ao ajuste firmado pressupostos de certeza, liquidez e exigibilidade, integrando-o, então, como título executivo extrajudicial.

Na atual visão dos Pretórios pátrios, no entanto, abstrai-se dos contratos desse porte qualquer pressuposto de executoriedade, vez não ostentarem eles os requisitos mínimos de liquidez, certeza e, por conseqüência, de exigibilidade.

Averbe-se que, por muito tempo e até época bastante recente, os contratos em alusão eram tidos como dotados de exeqüibilidade, desde que a eles aderissem os respectivos extratos de conta.

Hodiernamente, contudo, esboçou-se uma reação radical contra esse entendimento praticamente solidificado, passando a predominar à compreensão quase que indiscrepante, quanto a não se incluírem os contratos em menção entre os títulos extrajudiciais detentores de executoriedade.

Os princípios de absoluta igualdade que predominam no atual Diploma Básico, alinhados às avançadas concepções encartadas no Estatuto Protetivo do Consumidor, vieram a ressaltar um sentimento mais apurado de proteção ao mais fraco em confronto com o mais forte, economicamente falando.

Não se pretende com isso, de modo algum, sedimentar um direito avesso aos estabelecimentos bancários e que só vislumbre, para fins de proteção, o direito dos clientes dos mesmos estabelecimentos.

Em absoluto, não é essa a idéia! O que tem avalizado as mais recentes decisões acerca da problemática é, com precisão, o sentido de total igualdade entre os direitos e as obrigações daqueles que intervêm em determinada relação contratual, quer das instituições financeiras, quer dos que com elas contratam, delimitando-se, nos exatos termos da lei, os direitos de um e de outro, sem se admitir que o direito de um se sobreponha ao do outro.

Neste sentido, é que não mais se faz admissível conferir pressupostos de liquidez, certeza e exigibilidade a contratos aos quais - e é o caso típico dos de abertura de crédito em conta corrente - a lei não atribui expressamente esses atributos, admitindo-se que o economicamente mais fortalecido crie, em seu favor, títulos de crédito.

É de se indagar: na conjuntura processual civil em vigor, em que norma enquadrar-se-iam mencionados contratos como títulos executivos extrajudiciais? Em nenhuma, é nosso entendimento.

Arredados os incisos I e III a VI do art. 585 da Cartilha Procedimental, artigo esse que cataloga, de forma exauriente, os títulos executivos, restariam, para fins de enquadramento, os incisos II e VII do mesmo preceito.

É de refutar, todavia, a possibilidade de incidência do aludido inciso II, eis que este qualifica como título executivo exclusivamente o documento particular assinado pelo devedor e por duas testemunhas.

O contrato de abertura de crédito em conta corrente firmado pelos litigantes tipifica, inquestionavelmente, documento particular, achando-se assinado pelo devedor e por testemunhas.

Convenhamos, no entretanto: o objeto da execução não é o contrato em si, senão o saldo devedor a ele vinculado, cujos valores reais decorrem, não do ajuste pactuado em si, porém dos extratos bancários unilateralmente emitidos pela instituição financeira, demonstrativos esses dos quais ausentam-se as assinaturas do correntista e de qualquer testemunha, havendo dissensão do executado sobre os respectivos valores.

O importe exeqüendo, em assim sendo, não guarda a menor consonância com a exigência legal, segundo a qual, como enunciado, o documento particular guindado à condição de título executivo extrajudicial é aquele assinado pelo devedor e por duas testemunhas.

E do ajuste em si, em que pese assinado pelo correntista e por testemunhas, não consta qualquer obrigação de pagar quantia determinada.

Em perfeito coro com esse entendimento, já se decidiu:

"Título executivo extrajudicial, previsto no artigo 585, II, do CPC, é documento que contém a obrigação incondicionada de pagamento de quantia determinada (ou entrega de coisa fungível) em momento certo. Os requisitos de certeza, liquidez e exigibilidade, devem estar ínsitos no título. A apuração de fatos, a atribuição de responsabilidades, a exegese de cláusulas contratuais tornam necessário o processo de conhecimento, e descaracterizam o documento como título executivo" (RSTJ 8/371).

Outrossim, o contrato em referência não se insere no âmbito do apontado inciso VII do mesmo art. 585, haja vista inexistir qualquer disposição legal expressa a conferir força executiva aos contratos de abertura de crédito em conta corrente, ainda que a eles adiram os pertinentes extratos bancários de movimentação da conta.

Mencionados contratos, deste modo, não informam títulos revestidos de eficiência de executiva. É o entendimento que, de forma continuada, vem sendo esposado pelo colendo Superior Tribunal de Justiça, quando tem proclamado:

 

"I - A teor da norma insculpida no art. 585, II, da lei processual civil, na Execução, sendo o título originário de contrato de abertura de crédito, tem o embargante o direito de questionar o valor em dinheiro nele expresso, sobretudo, quando se vislumbra, de imediato, a possibilidade de erro na apuração do montante do crédito (art. 586, do CPC)

II - Inexistindo certeza quanto ao valor expresso na cambial, consequentemente, não será o título líquido, nem exigível. Contrato de abertura de crédito em conta corrente não constitui título executivo extrajudicial como preconizado no art. 585, II, do CPC" (REsp. n. 57.171-5-SP, j. em 17.04.95, rel. Min. Waldemar Zveiter).

É useiro e vezeiro convocarem as casas bancárias, na tentativa de imporem mencionados contratos como títulos impregnados de exeqüibilidade, o art. 5º da Medida Provisória n. 1.367, de 20.03.96, reeditada pela de n. 1.410, que erigiram os contratos de abertura de crédito em conta corrente à condição de títulos representativos de dívida líquida e certa, atribuindo-lhes, pois, eficácia executiva plena.

Não se desconhece que, com efeito, em 20.03.96 o ordenamento jurídico pátrio foi invadido pela Medida Provisória n. 1.367, que, discorrendo sobre a emissão de Notas do Tesouro Nacional - NTN destinadas a aumento de capital do Banco do Brasil S/A, além de determinar providências outras, consignou em seu art. 5º: "Os instrumentos, públicos ou particulares, de contrato de depósito bancário e de contrato de abertura de crédito em conta corrente para garantia de cheques (cheque especial) são títulos executivos extrajudiciais, sendo líquidos os saldos apresentados nos extratos de conta corrente emitidos pela instituição financeira na forma dos respectivos instrumentos.

Veja-se na seqüência a parte final do presente artigo.

"Doutrina Cível - Contrato de Abertura de Crédito em Conta Corrente não constitui Título Executivo (Parte 2 de 2")

Tornou-se explícito, com isso, o que já estava se tornando cristalizado, ultimamente, na jurisprudência dos Tribunais Pátrios.

Encartados estivessem os contratos em questão na letra do art. 585, II do Código de Processo Civil, como pretendiam as instituições financeiras e, por certo, não haveria a menor necessidade de ser editada uma Medida Provisória, indiscutivelmente gerada sob o manto da influência econômica - e com essa influência se confundiu relevância e urgência para conferir a aludidos contratos relevos de executoriedade, pretendendo-se única e exclusivamente, ante a resistência a respeito dos Pretórios pátrios, legitimar-se a inserção dos mesmos no preceito processual antes mencionado.

Contudo, transposto o trintídio legal, sem que se operasse a conversão da aludida Medida Provisória em lei, conforme exigência constitucional, foi ela reeditada, em 18 de abril de 1996, agora como Medida Provisória n. 1.410, a qual reproduziu integralmente o mesmo art. 5º daquela substituída.

Suplantado novamente o prazo de 30 (trinta dias), sem a conversão da Medida Provisória n. 1.410 em lei, foi ela, uma vez mais, reeditada através da Medida Provisória n. 1.457, de 16 de maio de 1996, de cujo texto estirpou-se, porém, a redação do art. 5º, na conformidade das duas Medidas Provisórias precedentes.

Na MP n. 1.457, o art. 5º conta com a seguinte redação:

"As sociedades de economia mista de capital aberto, detentoras de saldo credor na conta de registro das contrapartidas de ajuste de correção monetária do ativo permanente e do patrimônio líquido em balanço com data-base anterior à publicação da Lei n. 8.920, de 20 de julho de 1994, poderão deixar de destinar referido saldo para a constituição de reserva de lucros a realizar".

Portanto, a ascensão dos contratos de abertura de crédito em conta bancária, desde que acompanhados dos extratos demonstradores da movimentação da respectiva conta, à condição de título cercado de exeqüibilidade, tal como imposto pelo art. 5º das Medidas Provisórias ns. 1.367 e 1.410, resultou esboroada, pela própria supressão do pré-falado art. 5º do texto da Medida Provisória n. 1.457, reeditada em substituição à última.

Tal supressão, aliada à não conversão das Medidas Provisórias ns. 1.367 e 1.410 em lei, no prazo de trinta dias a contar das respectivas edições, fez desaparecer a força executiva por elas emprestada aos títulos fundados em extratos bancários. Não convoladas em lei nenhuma dessas Medidas Provisórias, perderam elas por completo qualquer sentido ou expressão legal.

Isso porquanto, o conteúdo jurídico que as Medidas Provisórias veiculam somente adquire estabilidade normativa, a contar do momento em que, observado o disciplinamento ritualístico do procedimento de conversão das mesmas em lei, houver o indispensável pronunciamento favorável e aquiescente do Congresso Nacional, que é, frente à nossa Lei Maior, o único órgão investido dos poderes ordinários de legislar.

A esse respeito, é por demais claro o Texto Fundamental de 1988, ao dispor, em seu art. 62, parágrafo único:

"As medidas provisórias perderão eficácia desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de trinta dias a partir de sua publicação, devendo o Congresso Nacional disciplinar as relações jurídicas delas decorrentes".

É a própria Lex Máxima, assim, que nega qualquer efeito às Medidas Provisórias em referência, posto que não convertidas em lei, com o que a eficácia jurídica das mesmas resultou desconstituída ex tunc.

Só o Congresso Nacional, nos moldes previstos constitucionalmente, disporia de poderes para disciplinar as relações jurídicas decorrentes daquelas Medidas Provisórias.

Por isso mesmo, afigura-se como flagrantemente ilegal, uma vez que atentatório à Constituição Federal, a par de usurpador da competência legislativa do Congresso Nacional, o art. 7º, encartado na Medida Provisória n. 1.457, que expressa:

"Ficam convalidados os atos praticados com base na Medida Provisória n. 1.410, de 18 de abril de 1996".

Admitir-se a prevalência desse abusivo art. 7º, a fim de justificar a executoriedade do título trazido aos autos de execução pelo recorrido, implicaria em negar-se que a função legislativa é deferida ordinariamente e com exclusividade ao Congresso Nacional, que a exercita por direito inquestionavelmente próprio, mercê de atribuição constitucional.

Não poder-se-á esquecer, nessa conjuntura, que a utilização, pelo Poder Executivo, das medidas provisórias, constituindo-se em exceção que derroga o postulado previsor da divisão funcional do poder, está destituída de autonomia, eis que subordinada, na sua eficácia legal e na sua definitiva incorporação ao direito positivo interno, à vontade do Congresso Nacional, via processo de conversão em lei.

Nesse diapasão, já proclamou a mais alta Corte de Justiça do País:

"A decadência da MP, pelo decurso, "in albis", do prazo constitucional, opera a desconstituição, com efeitos "ex tunc", dos atos produzidos durante sua vigência - Não apreciação em tempo hábil pelo Congresso Nacional. Rejeição tácita ou presumida - Convalidação, pelo Chefe do Executivo, de atos praticados com fundamento em MP não convertida, afronta o art. 62, parágrafo único, da CF - (...)" (ADIN n. 365-8/600-DF, j. em 01.10.90, rel. Min. Celso de Mello).

Os atos regulamentares de medidas provisórias não-convertidas em lei não subsistem autonomamente, eis que nelas reside, de modo direto e imediato, o seu próprio fundamento de validade e de eficácia. A ausência de conversão legislativa opera efeitos extintivos radicais e genéricos, de modo a afetar todos os atos que estejam, de qualquer modo, causalmente vinculados à medida provisória rejeitada ou não transformada em lei.

Arremate-se afirmando que:

"A Constituição não pode submeter-se à vontade dos poderes constituídos e nem ao império dos fatos e das circunstâncias. A supremacia de que ela se reveste - enquanto for respeitada - constituirá a garantia mais efetiva de que os direitos e as liberdades não serão jamais ofendidos" (STF, ADIN n. 293-7/600-DF, j. em 06.06.90, rel. Min. Celso de Mello).

Destarte, vislumbra-se nitidamente que o contrato de abertura de crédito apenas enseja a utilização de certa quantia, que poderá ou não ocorrer, já que o valor não é creditado desde já e não existe valor exato do débito, inexistindo possibilidade de ser completado mediante extratos unilaterais.

Neste norte, esta Egrégia Primeira Câmara já decidiu no agravo de instrumento n. 97.000223-8, de Rio do Sul, em aresto da lavra do eminente Des. Francisco Oliveira Filho:

"A coação estatal visando a realização prática da obrigação descumprida pressupõe a certeza, liquidez e exigibilidade da cártula. 'Contratos de abertura de crédito em conta-corrente, mesmo que instruídos com os pertinentes demonstrativos de movimentação da conta bancária respectiva, por não expressarem a assunção, pelo correntista, de pagar quantia certa, em data determinada, carecem de conteúdo executivo, fazendo nula a executória neles respaldada' (Apelações cíveis n. 96.010587-5 e 96.010387-2)".

Assim, inexistindo título executivo hábil ao prosseguimento da execução, considera-se o autor carecedor de ação, devendo o processo ser extinto. Ressalte-se, finalmente, que o crédito invocado pelo credor poderá ser pleiteado em ação ordinária de cobrança, via processo cognitivo, a fim de que se constitua título judicial, ou mesmo através do novo procedimento injuntivo (Ação monitória).

Os Contratos de abertura de crédito em conta- corrente, mesmo que instruídos com os pertinentes demonstrativos de movimentação da conta bancária respectiva, por não expressarem a assunção, pelo correntista, de pagar quantia certa, em data determinada, carecem de conteúdo executivo, fazendo nula a executória neles respaldada.

Por outro lado, no caso, dos valores que extrapolam o real saldo pactuado, não refletem uma obrigação de pagar quantia certa e determinada, pelo que, ainda que se acostem aos mesmos os extratos de movimentação das contas financeiras, não se identificam eles como títulos dotados de liquidez e certeza, não de admitindo enquadramento nos ditames do art. 585, II, do CPC.

 

 

CONCLUSÃO

 

Por todo o exposto nesta breve análise dos institutos da ação de execução, seus requisitos e, por fim, a análise da impossibilidade da utilização de tal via processual quando o título executivo extrajudicial a fundamentá-la constitui contrato de abertura de crédito em conta corrente, temos concluído o objetivo maior de nosso estudo.

É mister que nossos institutos processuais sejam, devidamente observados, devendo todo profissional do mundo jurídico zelar pela incolumidade de nosso ordenamento e pela correta aplicação deste aos casos concretos que a vida social venha a configurar.

Neste diapasão, só temos a elogiar a edição da Súmula 233 pelo Superior tribunal de justiça, que veio a fixar norte claro e inquestionável ao problema da execução de contrato de abertura de crédito, enfrentado por diversas vezes em nossos Tribunais.

Não podemos olvidar que muitas vezes os interesses econômico se sobrepõe aos sociais, chegando a infringir o ordenamento jurídico pátrio. In casu, se esmiuçarmos a edição das medidas provisórias que trataram acerca da atribuição da executoriedade aos contrato de abertura de crédito, teremos que a matéria tratada não se revestia da necessária urgência e relevância para ser objeto de apreciação por medida provisória, tendo no seu fim único o resguardo e salvaguarda de interesses meramente econômicos.

Em conclusão, mister se faz, o estudo aprofundado, neste e em outros institutos jurídicos, para que, o Direito atenda as aspirações da sociedade, adequando o conteúdo de nossas leis à realidade ( e necessidade) cotidiana de nosso país.

 

 

BIBLIOGRAFIA

 

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-MENDONÇA LIMA, Alcides: Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VI, tomo II, 1ª ed. - São Paulo: Forense, 1974

-NERY JUNIOR, Nelson, ANDRADE NERY, Rosa Maria: Código de processo civil comentado e legislação processual civil extravagante em vigor: atualizado até 10.03.1999 - 4ª edição ver. e ampl. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999

-PARIZATTO, João Roberto: Execução de Títulos Extrajudiciais, 1ª edição - Minas Gerais: Edipa, 1999.

-THEODORO JR, Humberto, Curso de Direito Processual Civil, vol. II, 29ª Ed., Rio de Janeiro, Forense-1999.

 

 

 

 

 

 

 

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