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A IMPOSSIBILIDADE DE EXECUÇÃO JUDICIAL EM ABERTURAS DE CRÉDITO EM CONTAS CORRENTES
Everardo Gueiros Filho
Í N D I C E
Introdução pág. 04
I -Conceito pág. 06
II - Requisitos do Processo
Executivo pág. 08
III - Títulos Executivos pág. 11
IV - Impossibilidade de Execução
de Contrato de Abertura de Crédito pág. 13
Conclusão pág. 25
Bibliografia pág. 27
INTRODUÇÃO
De início, devemos elucidar que
esta monografia tem o objetivo de uma rápida análise acerca dos elementos do
processo de execução e de sua inaplicabilidade à ações que visem a cobrança de
créditos advindos de contratos de abertura de contas correntes.
Neste trabalho não pretendemos
esgotar todos os aspectos do tema proposto, tendo em vista sua grande amplidão.
Por outro lado, se o tentássemos, certamente cometeríamos o equívoco de
apequenar os debates ao seu derredor.
Na elaboração dessas poucas
linhas jurídicas, observamos principalmente a utilidade prática do fenômeno a
ser estudado, começando pelo conceito de processo de execução, passando pela
análise de seus requisitos, adentrando nos fundamentos do instituto, para ao
depois abordar de forma mais singular sua aplicação às cobranças judiciais que
utilizam-se de contratos de abertura de crédito em conta corrente como título
executivo.
As considerações e análises aqui
esboçadas provém da observação das lides forenses, da leitura de doutrinadores
acerca da matéria, além do estudo de nossa jurisprudência. Tomamos por base
para a pesquisa, materiais diversos, a exemplo de peças processuais, livros
jurídicos e decisões judiciais, objetivando sempre apresentar a importância
desta questão no Direito Processual moderno.
Em síntese, procuraremos
demonstrar nesta presente monografia as linhas gerais pelas quais se pauta o
procedimento judicial de execução de títulos extrajudiciais, relacionando-as ao
ponto específico da execução baseada em contrato de abertura de crédito, para,
enfim, demonstrar sua impossibilidade jurídica.
Iniciaremos, pois, com a
conceituação e análise dos requisitos do processo de execução de títulos
extrajudiciais.
I -CONCEITO
É preceito fundamental em nosso
direito civil, especificamente no campo em que disciplina as obrigações cíveis,
o fato do devedor que descumpre obrigação à ele imposta em decorrência de Lei
ou de sua vontade, exprimida por meio de contrato, sujeita-se à ação do credor,
além de responder pelas eventuais perdas e danos decorrentes de sua mora
obrigacional. Este princípio está insculpido em nosso Código Civil, em seu Art.
1.056.
Visando garantir instrumento
processual adequado à realização de tal direito do credor, foi instituído em
nossas leis processuais as normas reguladoras do processo de execução. Neste
tipo de processo, o credor busca a satisfação de seu crédito, por meio da
prerrogativa legal que lhe permite executar o patrimônio do devedor caso este não
venha a cumprir sua obrigação no tempo, modo e forma acertados. Para tanto,
deve o credor possuir título executivo, judicial ou extrajudicial, revestido
das caraterísticas elencadas pela Lei com essenciais para a propositura de ação
de execução. Nos dizeres de Nelson Néry Junior , " É a inadimplência do
devedor, de obrigação líquida e certa, que legitima o credor à execução".
Ações Executivas são aquelas que
provocam providências jurisdicionais de execução. Estas ações têm por
pressuposto um título executivo. Nestes, o credor provoca as atividades
jurisdicionais necessárias a transformar um estado de fato existente.
São duas as espécies de ações
executivas : execução forçada - execução de sentença e as ações executivas em
sentido estrito ou impóprio- 585 CPC.
Podemos conceituar este tipo ação
com sendo a medida judicial que visa a satisfação de uma pretensão do credor,
consubstanciada em título revestido dos requisitos exigidos em lei, por
intermédio da diminuição do patrimônio do devedor.
Historicamente, temos que
execução era levada à cabo pelo próprio credor. No direito romano antigo, assim
como em diversos outros sistemas jurídicos arcaicos, o credor adquiria, pelo
inadimplemento do devedor, direito inclusive ao corpo deste, podendo escravizá-lo
como forma de ter sua pretensão satisfeita.
Em uma fase posterior do próprio
direito romano, iniciou-se a elaboração de um sistema, um rito, por meio do
qual a execução deveria pautar-se. Este procedimento inovou ao normatizar e
garantir o direito de defesa do devedor, frente à pretensão executiva do
credor.
Após a Idade Média, e diante da
grande influência exercida pelos princípios católicos e instituições Germânicas
sobre o direito romano, verificou-se a intervenção estatal nas ações
executivas, que deixaram de ser realizadas pelo próprio credor, para se
processarem por meio dos Juízes do Estado. Com o advento das conquistas
pós-revolucionárias da Europa Moderna, firmaram-se em definitivo as bases do
processão de execução, garantindo ao credor a satisfação de seu crédito, sem,
contudo, macular os direitos e prerrogativas do devedor, à exemplo de seu
direito à ampla defesa.
II - REQUISITOS DO PROCESSO EXECUTIVO
Conforme visto no tópico
anterior, para que o credor possa utilizar-se da via executória em seu desígnio
de ter satisfeita sua pretensão frente ao devedor, deve atender a certos
requisitos.
Inicialmente, temos que toda e
qualquer execução, à luz do disposto no Art. 583 do codex de ritos pátrio, deve
ser baseada em título executivo judicial ou extrajudicial. Este requisito,
embora aparentemente não enseje o surgimento de questões relevantes, configura
um dos mais discutidos temas em nossos Tribunais, em virtude do conceito de
título executivo, mormente o de procedência extrajudicial, ser bastante amplo e
de difícil delimitação na esfera prática. Isto ocorre em virtude de nossa
legislação pátria exibir um rol exemplificativo de tais títulos, como se
observa da leitura do Art. 585, VII, CPC.
A conceituação, caraterização e
análise mais aprofundada deste requisito será estudada posteriormente em tópico
próprio, tendo em vista o fato de sua essencialidade relativamente ao tema
principal a ser debatido na presente monografia.
Outro requisito para a
propositura de qualquer ação de execução consiste no inadimplemento do devedor.
"A não satisfação, pelo devedor, da obrigação constante do título
executivo, nos termos e prazos legais, carateriza o inadimplemento autorizador
do ajuizamento da ação de execução."
Tal requisito é, na verdade uma
das condições para a propositura de qualquer ação, a saber: o interesse
processual do autor. Não estando o devedor em mora, ou seja, não ocorrendo o
inadimplemento das obrigações à ele impostas, sejam por título extrajudicial ou
através de sentença judicial, ou tendo este cumprido a obrigação no lugar,
tempo e modo avençado ou determinado, de nada servirá a execução, sendo inócua
a sua interposição por já cumprida a obrigação. O legislador, ao elencar o
inadimplemento do devedor dentre os requisitos necessários, quis demonstrar a
essencialidade da ocorrência da mora do devedor para que seja o credor
legitimado a dar início aos procedimentos executórios sobre os bens do devedor.
Tanto que o próprio CPC, mais adiante em seu Art. 581, obsta a propositura e
prosseguimento da ação, acaso o devedor cumpra a obrigação.
Da mesma forma, as demais
condições para propositura da ação devem restar igualmente preenchidas. Deve
ocorrer a legitimidade das partes do processo, ou seja, o credor deve estar
legitimado a efetuar a cobrança da obrigação em juízo, e do devedor deve ser
legitimado a responder a execução contra ele proposta. Os Arts. 565 e 566 do
CPC tratam da legitimidade para propor ou continuar a execução forçada,
enquanto o Art. 587 do mesmo diploma legal elenca os sujeitos passivos das
execuções. Há a necessidade ainda da possibilidade jurídica do pedido do Autor,
ou seja, deve ser abarcada pelo ordenamento jurídico sua pretensão executiva.
Afora tais requisitos essenciais,
indica o CPC pátrio outros pressupostos a serem atendidos. Quando se tratar de
execução para cobrança de crédito, deve o título executivo revestir-se de
certos caracteres: ser líquido, certo e exigível. Devem ainda as execuções
serem propostas por meio de petição inicial, instruídas com título executivo
(salvo se fundar-se em sentença), com o demonstrativo de débito atualizado,
acaso trata-se de execução por quantia certa, e com a prova de que se verificou
a condição, ou ocorreu o termo (Art. 614, CPC).
III- TÍTULOS EXECUTIVOS
Restando analisados os requisitos
- tanto gerais como específicos - para a propositura de qualquer ação de
execução, adentraremos, neste momento, num estudo mais pormenorizado dos
títulos executivos e seus requisitos.
Nosso direito divide os títulos
executivos em dois grandes grupos: os títulos executivos judiciais,
provenientes de decisões na esfera judicial, e os títulos executivos
extrajudiciais, que apesar de serem estranhos à esfera judicial em sua gênese,
são revestidos de caráter executivo pela Lei.
Os títulos executivos judiciais
estão enumerados no Art. 584 do CPC, e são: I- sentença condenatória proferida
no processo civil; II- a sentença penal transitada em julgado; a sentença
arbitral e a sentença homologatória de transação ou conciliação; IV- a sentença
estrangeira, homologada pelo Supremo Tribunal Federal; V- o formal e a certidão
de partilha, embora de acordo com o parágrafo único do referido artigo, estes
últimos só possuam força em relação ao inventariante, aos herdeiros e aos
sucessores à título universal ou singular.
Já os títulos executivos
extrajudicias, diretamente relacionados ao tema central da presente monografia,
não são enumerados taxativamente, já que o Art. 585 do CPC, após citar alguns
títulos de tal categoria, acrescenta em seu inciso VII que demais títulos podem
configurar títulos extrajudiciais com caráter executivo, a depender de
determinação em lei.
Quando ação de execução objetiva
a cobrança de créditos, existem três requisitos legais aos quais devem se
enquadrarem os títulos executivos fundantes de tais ações: devem ser certos,
líquidos e exigíveis.
O conceito de liquidez é aquele
dado quando a obrigação é inquestionável quanto a sua existência e determinada
quanto ao seu objeto, tratando-se de condição da ação executiva. Em princípio,
deve o próprio título fornecer todos os elementos para que se possa aferir a
certeza e liquidez do débito. Tratando-se de título que embora sem mencionar o
valor do débito, contém elementos necessários à sua devida apuração, mediante
simples cálculo aritmético, temos que a liquidez do título se faz presente.
Nossa jurisprudência já se posicionou no sentido de não alterar a liquidez do
título de crédito a cobrança pelo saldo devedor, quando o total a ser executado
é inferior à quantia total do título.
Exigível se mostra a obrigação
quando esta se encontrar-se vencida. Sem tal condição é inadmissível a
propositura da execução, tendo em vista ser condição da própria ação executiva
o inadimplemento do devedor.
Destarte, ocorrendo a confluência
de tais requisitos, aliadas às condições da ação em geral e da ação executiva
em específico, permiti-se o ingresso em juízo para recebimento de determinado
crédito, onde além do pagamento do principal, ficará o devedor sujeito ao
pagamento dos juros de mora, correção monetária e demais consectários legais.
IV - IMPOSSIBILIDADE DA EXECUÇÃO
DE CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO
Após as breves considerações
preliminares acerca da natureza e requisitos da ação executiva, passaremos a
exposição e análise do tema central da presente monografia: a impossibilidade
de uma ação de execução fundada em contrato de abertura de crédito.
O contrato de abertura de crédito
em conta-corrente, mesmo que acompanhado de extratos de movimentação, não
constitui título executivo extrajudicial, na forma do art. 585, II, do CPC, por
não ser obrigação de pagar quantia determinada. Este é o entendimento que,
acertadamente, veio sendo formulado por nossos Tribunais, culminando com a
edição da Súmula 233 do Superior Tribunal de Justiça, ocorrida em 08/02/2000,
com o seguinte teor: "O contrato de abertura de crédito, ainda que
acompanhado de extrato da conta-corrente, não é título executivo."
Este entendimento, no entanto,
formou-se após acirrados debates doutrinários e jurisprudenciais. Suas linhas
mestras repousam em princípios inerentes aos títulos executivos extrajudiciais,
os quais passaremos a analisar.
A apuração da certeza, liquidez e
exigibilidade, requisitos indispensáveis à caracterização do título executivo,
inexistem no contrato, já que a execução objetiva o saldo devedor a ele
vinculado e os extratos bancários são produzidos de forma unilateral pela
instituição bancária.
O art. 585 do CPC, em seu inciso
II, ao qualificar como título executivo o documento particular assinado pelo
devedor e por duas testemunhas, não inclui o contrato de abertura de crédito em
conta-corrente. A apuração da certeza, liquidez e exigibilidade, requisitos
indispensáveis à caracterização do título executivo, inexistem no contrato, já
que a execução objetiva o saldo devedor a ele vinculado e os extratos bancários
são produzidos de forma unilateral pela instituição bancária.
Ora, o título executivo
extrajudicial é documento que contém obrigação de pagamento de quantia
determinada e, ante a ausência de certeza quanto ao valor expresso na cambial,
não se inclui o contrato de abertura de crédito neste rol, mesmo que
acompanhado de extratos de movimentação.
O eminente Ministro Costa Leite,
do STJ, no recurso especial n. 66.266-4-MG, proferiu a seguinte decisão:
"Contrato de abertura de
crédito em conta corrente não constitui título executivo extrajudicial, segundo
o previsto no art. 585, II, do CPC, por não consubstanciar obrigação de pagar
quantia determinada" ( in DJU de 18.09.95).
E ainda:
"Limitando-se a ensejar a
utilização de determinada quantia, não consubstancia obrigação de pagar quantia
determinada, inexistindo correspondência com o modelo previsto no art. 585, II
do CPC".
Comanda o nosso Codex Processual
Civil, em seu art. 583: "Toda execução tem por base título executivo
judicial ou extrajudicial". Reportando-se ao preceito legal em apreço,
destaca o respeitado Humberto Theodoro Júnior :
"Como lógica e juridicamente
não se concebe execução sem prévia certeza sobre o direito do credor, cabe ao
título executivo transmitir essa convicção ao órgão judicial. E nessa ordem de
idéias, observa José Alberto dos Reis, não é o título apenas a base da
execução, mas, na realidade, sua condição necessária e suficiente. É condição
necessária, explica o grande mestre, porque não é admissível execução que não
se baseie em título executivo. É condição suficiente, porque, desde que exista o
título, pode-se logo iniciar a ação de execução, sem que se haja de previamente
propor a ação de condenação, tendente a comprovar o direito do autor"
Observa, de outro lado, o
alentado Alcides de Mendonça Lima , com esteio na doutrinação de Calamandrei:
"Certeza diz respeito à
existência do crédito; a liquidez decorre da determinação da sua importância
exata; a exigibilidade se refere ao tempo em o qual poderá o credor exigir o
respectivo pagamento. É certo um crédito quando não é controvertida a sua existência
(an); é líquido, quando é determinada a importância da prestação (quantum); é
exigível, quando seu pagamento não depende de termo ou condição, nem está
sujeito a outras limitações".
As execuções suscitadas pelas
instituições financeiras trazem como suporte um contrato de abertura de crédito
em conta corrente, cujo real saldo devedor decorre dos pertinentes
demonstrativos da movimentação da conta bancária; o conjunto desses elementos,
no sentir dos bancos, empresta ao ajuste firmado pressupostos de certeza,
liquidez e exigibilidade, integrando-o, então, como título executivo
extrajudicial.
Na atual visão dos Pretórios
pátrios, no entanto, abstrai-se dos contratos desse porte qualquer pressuposto
de executoriedade, vez não ostentarem eles os requisitos mínimos de liquidez,
certeza e, por conseqüência, de exigibilidade.
Averbe-se que, por muito tempo e
até época bastante recente, os contratos em alusão eram tidos como dotados de
exeqüibilidade, desde que a eles aderissem os respectivos extratos de conta.
Hodiernamente, contudo,
esboçou-se uma reação radical contra esse entendimento praticamente
solidificado, passando a predominar à compreensão quase que indiscrepante,
quanto a não se incluírem os contratos em menção entre os títulos
extrajudiciais detentores de executoriedade.
Os princípios de absoluta
igualdade que predominam no atual Diploma Básico, alinhados às avançadas
concepções encartadas no Estatuto Protetivo do Consumidor, vieram a ressaltar
um sentimento mais apurado de proteção ao mais fraco em confronto com o mais forte,
economicamente falando.
Não se pretende com isso, de modo
algum, sedimentar um direito avesso aos estabelecimentos bancários e que só
vislumbre, para fins de proteção, o direito dos clientes dos mesmos
estabelecimentos.
Em absoluto, não é essa a idéia!
O que tem avalizado as mais recentes decisões acerca da problemática é, com
precisão, o sentido de total igualdade entre os direitos e as obrigações
daqueles que intervêm em determinada relação contratual, quer das instituições
financeiras, quer dos que com elas contratam, delimitando-se, nos exatos termos
da lei, os direitos de um e de outro, sem se admitir que o direito de um se
sobreponha ao do outro.
Neste sentido, é que não mais se
faz admissível conferir pressupostos de liquidez, certeza e exigibilidade a
contratos aos quais - e é o caso típico dos de abertura de crédito em conta
corrente - a lei não atribui expressamente esses atributos, admitindo-se que o
economicamente mais fortalecido crie, em seu favor, títulos de crédito.
É de se indagar: na conjuntura
processual civil em vigor, em que norma enquadrar-se-iam mencionados contratos
como títulos executivos extrajudiciais? Em nenhuma, é nosso entendimento.
Arredados os incisos I e III a VI
do art. 585 da Cartilha Procedimental, artigo esse que cataloga, de forma
exauriente, os títulos executivos, restariam, para fins de enquadramento, os
incisos II e VII do mesmo preceito.
É de refutar, todavia, a
possibilidade de incidência do aludido inciso II, eis que este qualifica como
título executivo exclusivamente o documento particular assinado pelo devedor e
por duas testemunhas.
O contrato de abertura de crédito
em conta corrente firmado pelos litigantes tipifica, inquestionavelmente,
documento particular, achando-se assinado pelo devedor e por testemunhas.
Convenhamos, no entretanto: o
objeto da execução não é o contrato em si, senão o saldo devedor a ele
vinculado, cujos valores reais decorrem, não do ajuste pactuado em si, porém
dos extratos bancários unilateralmente emitidos pela instituição financeira, demonstrativos
esses dos quais ausentam-se as assinaturas do correntista e de qualquer
testemunha, havendo dissensão do executado sobre os respectivos valores.
O importe exeqüendo, em assim
sendo, não guarda a menor consonância com a exigência legal, segundo a qual,
como enunciado, o documento particular guindado à condição de título executivo
extrajudicial é aquele assinado pelo devedor e por duas testemunhas.
E do ajuste em si, em que pese
assinado pelo correntista e por testemunhas, não consta qualquer obrigação de
pagar quantia determinada.
Em perfeito coro com esse
entendimento, já se decidiu:
"Título executivo
extrajudicial, previsto no artigo 585, II, do CPC, é documento que contém a
obrigação incondicionada de pagamento de quantia determinada (ou entrega de
coisa fungível) em momento certo. Os requisitos de certeza, liquidez e
exigibilidade, devem estar ínsitos no título. A apuração de fatos, a atribuição
de responsabilidades, a exegese de cláusulas contratuais tornam necessário o
processo de conhecimento, e descaracterizam o documento como título
executivo" (RSTJ 8/371).
Outrossim, o contrato em
referência não se insere no âmbito do apontado inciso VII do mesmo art. 585,
haja vista inexistir qualquer disposição legal expressa a conferir força
executiva aos contratos de abertura de crédito em conta corrente, ainda que a
eles adiram os pertinentes extratos bancários de movimentação da conta.
Mencionados contratos, deste
modo, não informam títulos revestidos de eficiência de executiva. É o
entendimento que, de forma continuada, vem sendo esposado pelo colendo Superior
Tribunal de Justiça, quando tem proclamado:
"I - A teor da norma
insculpida no art. 585, II, da lei processual civil, na Execução, sendo o
título originário de contrato de abertura de crédito, tem o embargante o
direito de questionar o valor em dinheiro nele expresso, sobretudo, quando se
vislumbra, de imediato, a possibilidade de erro na apuração do montante do
crédito (art. 586, do CPC)
II - Inexistindo certeza quanto
ao valor expresso na cambial, consequentemente, não será o título líquido, nem
exigível. Contrato de abertura de crédito em conta corrente não constitui
título executivo extrajudicial como preconizado no art. 585, II, do CPC"
(REsp. n. 57.171-5-SP, j. em 17.04.95, rel. Min. Waldemar Zveiter).
É useiro e vezeiro convocarem as
casas bancárias, na tentativa de imporem mencionados contratos como títulos
impregnados de exeqüibilidade, o art. 5º da Medida Provisória n. 1.367, de
20.03.96, reeditada pela de n. 1.410, que erigiram os contratos de abertura de
crédito em conta corrente à condição de títulos representativos de dívida
líquida e certa, atribuindo-lhes, pois, eficácia executiva plena.
Não se desconhece que, com
efeito, em 20.03.96 o ordenamento jurídico pátrio foi invadido pela Medida
Provisória n. 1.367, que, discorrendo sobre a emissão de Notas do Tesouro
Nacional - NTN destinadas a aumento de capital do Banco do Brasil S/A, além de
determinar providências outras, consignou em seu art. 5º: "Os
instrumentos, públicos ou particulares, de contrato de depósito bancário e de
contrato de abertura de crédito em conta corrente para garantia de cheques
(cheque especial) são títulos executivos extrajudiciais, sendo líquidos os
saldos apresentados nos extratos de conta corrente emitidos pela instituição
financeira na forma dos respectivos instrumentos.
Veja-se na seqüência a parte
final do presente artigo.
"Doutrina Cível - Contrato
de Abertura de Crédito em Conta Corrente não constitui Título Executivo (Parte
2 de 2")
Tornou-se explícito, com isso, o
que já estava se tornando cristalizado, ultimamente, na jurisprudência dos
Tribunais Pátrios.
Encartados estivessem os
contratos em questão na letra do art. 585, II do Código de Processo Civil, como
pretendiam as instituições financeiras e, por certo, não haveria a menor
necessidade de ser editada uma Medida Provisória, indiscutivelmente gerada sob
o manto da influência econômica - e com essa influência se confundiu relevância
e urgência para conferir a aludidos contratos relevos de executoriedade,
pretendendo-se única e exclusivamente, ante a resistência a respeito dos
Pretórios pátrios, legitimar-se a inserção dos mesmos no preceito processual
antes mencionado.
Contudo, transposto o trintídio
legal, sem que se operasse a conversão da aludida Medida Provisória em lei,
conforme exigência constitucional, foi ela reeditada, em 18 de abril de 1996,
agora como Medida Provisória n. 1.410, a qual reproduziu integralmente o mesmo
art. 5º daquela substituída.
Suplantado novamente o prazo de
30 (trinta dias), sem a conversão da Medida Provisória n. 1.410 em lei, foi
ela, uma vez mais, reeditada através da Medida Provisória n. 1.457, de 16 de
maio de 1996, de cujo texto estirpou-se, porém, a redação do art. 5º, na
conformidade das duas Medidas Provisórias precedentes.
Na MP n. 1.457, o art. 5º conta
com a seguinte redação:
"As sociedades de economia
mista de capital aberto, detentoras de saldo credor na conta de registro das
contrapartidas de ajuste de correção monetária do ativo permanente e do
patrimônio líquido em balanço com data-base anterior à publicação da Lei n.
8.920, de 20 de julho de 1994, poderão deixar de destinar referido saldo para a
constituição de reserva de lucros a realizar".
Portanto, a ascensão dos
contratos de abertura de crédito em conta bancária, desde que acompanhados dos
extratos demonstradores da movimentação da respectiva conta, à condição de
título cercado de exeqüibilidade, tal como imposto pelo art. 5º das Medidas
Provisórias ns. 1.367 e 1.410, resultou esboroada, pela própria supressão do
pré-falado art. 5º do texto da Medida Provisória n. 1.457, reeditada em
substituição à última.
Tal supressão, aliada à não
conversão das Medidas Provisórias ns. 1.367 e 1.410 em lei, no prazo de trinta
dias a contar das respectivas edições, fez desaparecer a força executiva por
elas emprestada aos títulos fundados em extratos bancários. Não convoladas em
lei nenhuma dessas Medidas Provisórias, perderam elas por completo qualquer
sentido ou expressão legal.
Isso porquanto, o conteúdo
jurídico que as Medidas Provisórias veiculam somente adquire estabilidade
normativa, a contar do momento em que, observado o disciplinamento ritualístico
do procedimento de conversão das mesmas em lei, houver o indispensável
pronunciamento favorável e aquiescente do Congresso Nacional, que é, frente à
nossa Lei Maior, o único órgão investido dos poderes ordinários de legislar.
A esse respeito, é por demais
claro o Texto Fundamental de 1988, ao dispor, em seu art. 62, parágrafo único:
"As medidas provisórias
perderão eficácia desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de
trinta dias a partir de sua publicação, devendo o Congresso Nacional
disciplinar as relações jurídicas delas decorrentes".
É a própria Lex Máxima, assim,
que nega qualquer efeito às Medidas Provisórias em referência, posto que não
convertidas em lei, com o que a eficácia jurídica das mesmas resultou
desconstituída ex tunc.
Só o Congresso Nacional, nos
moldes previstos constitucionalmente, disporia de poderes para disciplinar as
relações jurídicas decorrentes daquelas Medidas Provisórias.
Por isso mesmo, afigura-se como
flagrantemente ilegal, uma vez que atentatório à Constituição Federal, a par de
usurpador da competência legislativa do Congresso Nacional, o art. 7º,
encartado na Medida Provisória n. 1.457, que expressa:
"Ficam convalidados os atos
praticados com base na Medida Provisória n. 1.410, de 18 de abril de
1996".
Admitir-se a prevalência desse
abusivo art. 7º, a fim de justificar a executoriedade do título trazido aos
autos de execução pelo recorrido, implicaria em negar-se que a função
legislativa é deferida ordinariamente e com exclusividade ao Congresso
Nacional, que a exercita por direito inquestionavelmente próprio, mercê de
atribuição constitucional.
Não poder-se-á esquecer, nessa
conjuntura, que a utilização, pelo Poder Executivo, das medidas provisórias,
constituindo-se em exceção que derroga o postulado previsor da divisão
funcional do poder, está destituída de autonomia, eis que subordinada, na sua
eficácia legal e na sua definitiva incorporação ao direito positivo interno, à
vontade do Congresso Nacional, via processo de conversão em lei.
Nesse diapasão, já proclamou a
mais alta Corte de Justiça do País:
"A decadência da MP, pelo
decurso, "in albis", do prazo constitucional, opera a
desconstituição, com efeitos "ex tunc", dos atos produzidos durante
sua vigência - Não apreciação em tempo hábil pelo Congresso Nacional. Rejeição
tácita ou presumida - Convalidação, pelo Chefe do Executivo, de atos praticados
com fundamento em MP não convertida, afronta o art. 62, parágrafo único, da CF
- (...)" (ADIN n. 365-8/600-DF, j. em 01.10.90, rel. Min. Celso de Mello).
Os atos regulamentares de medidas
provisórias não-convertidas em lei não subsistem autonomamente, eis que nelas
reside, de modo direto e imediato, o seu próprio fundamento de validade e de
eficácia. A ausência de conversão legislativa opera efeitos extintivos radicais
e genéricos, de modo a afetar todos os atos que estejam, de qualquer modo,
causalmente vinculados à medida provisória rejeitada ou não transformada em
lei.
Arremate-se afirmando que:
"A Constituição não pode
submeter-se à vontade dos poderes constituídos e nem ao império dos fatos e das
circunstâncias. A supremacia de que ela se reveste - enquanto for respeitada -
constituirá a garantia mais efetiva de que os direitos e as liberdades não
serão jamais ofendidos" (STF, ADIN n. 293-7/600-DF, j. em 06.06.90, rel. Min. Celso de Mello).
Destarte, vislumbra-se
nitidamente que o contrato de abertura de crédito apenas enseja a utilização de
certa quantia, que poderá ou não ocorrer, já que o valor não é creditado desde
já e não existe valor exato do débito, inexistindo possibilidade de ser
completado mediante extratos unilaterais.
Neste norte, esta Egrégia
Primeira Câmara já decidiu no agravo de instrumento n. 97.000223-8, de Rio do
Sul, em aresto da lavra do eminente Des. Francisco Oliveira Filho:
"A coação estatal visando a
realização prática da obrigação descumprida pressupõe a certeza, liquidez e
exigibilidade da cártula. 'Contratos de abertura de crédito em conta-corrente,
mesmo que instruídos com os pertinentes demonstrativos de movimentação da conta
bancária respectiva, por não expressarem a assunção, pelo correntista, de pagar
quantia certa, em data determinada, carecem de conteúdo executivo, fazendo nula
a executória neles respaldada' (Apelações cíveis n. 96.010587-5 e 96.010387-2)".
Assim, inexistindo título
executivo hábil ao prosseguimento da execução, considera-se o autor carecedor
de ação, devendo o processo ser extinto. Ressalte-se, finalmente, que o crédito
invocado pelo credor poderá ser pleiteado em ação ordinária de cobrança, via
processo cognitivo, a fim de que se constitua título judicial, ou mesmo através
do novo procedimento injuntivo (Ação monitória).
Os Contratos de abertura de
crédito em conta- corrente, mesmo que instruídos com os pertinentes
demonstrativos de movimentação da conta bancária respectiva, por não
expressarem a assunção, pelo correntista, de pagar quantia certa, em data
determinada, carecem de conteúdo executivo, fazendo nula a executória neles
respaldada.
Por outro lado, no caso, dos
valores que extrapolam o real saldo pactuado, não refletem uma obrigação de
pagar quantia certa e determinada, pelo que, ainda que se acostem aos mesmos os
extratos de movimentação das contas financeiras, não se identificam eles como
títulos dotados de liquidez e certeza, não de admitindo enquadramento nos
ditames do art. 585, II, do CPC.
CONCLUSÃO
Por todo o exposto nesta breve
análise dos institutos da ação de execução, seus requisitos e, por fim, a
análise da impossibilidade da utilização de tal via processual quando o título
executivo extrajudicial a fundamentá-la constitui contrato de abertura de
crédito em conta corrente, temos concluído o objetivo maior de nosso estudo.
É mister que nossos institutos
processuais sejam, devidamente observados, devendo todo profissional do mundo
jurídico zelar pela incolumidade de nosso ordenamento e pela correta aplicação
deste aos casos concretos que a vida social venha a configurar.
Neste diapasão, só temos a
elogiar a edição da Súmula 233 pelo Superior tribunal de justiça, que veio a
fixar norte claro e inquestionável ao problema da execução de contrato de abertura
de crédito, enfrentado por diversas vezes em nossos Tribunais.
Não podemos olvidar que muitas
vezes os interesses econômico se sobrepõe aos sociais, chegando a infringir o
ordenamento jurídico pátrio. In casu, se esmiuçarmos a edição das medidas provisórias
que trataram acerca da atribuição da executoriedade aos contrato de abertura de
crédito, teremos que a matéria tratada não se revestia da necessária urgência e
relevância para ser objeto de apreciação por medida provisória, tendo no seu
fim único o resguardo e salvaguarda de interesses meramente econômicos.
Em conclusão, mister se faz, o
estudo aprofundado, neste e em outros institutos jurídicos, para que, o Direito
atenda as aspirações da sociedade, adequando o conteúdo de nossas leis à
realidade ( e necessidade) cotidiana de nosso país.
BIBLIOGRAFIA
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Processual Civil - vol.2, Ed. Bookseller-1999- Trad. Luiz Abezia e Sandra
Barbery.
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-THEODORO JR, Humberto, Curso de
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retirado de: http://www.infojus.com.br/webnews/noticia.php?id_noticia=462&