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José Emilio Nunes Pinto
Redundante? Certamente que não.
Neologismo? Pode ser. Se é neologismo, é apenas uma palavra nova que está sendo
introduzida na língua portuguesa? Certamente que não. O que é então a
arbitralização da arbitragem?
Se tivéssemos que definir a
arbitralização da arbitragem, certamente seríamos forçados a dizer que se trata
de um fenômeno tropical, localizado pontualmente no Brasil, e sem incidência em
outros continentes. Se buscarmos as razões de incidência desse fenômeno,
constataremos que ela é contemporânea do estágio de desenvolvimento do
instituto da arbitragem, correspondendo, ao que ocorre, no campo da vida
humana, à infância. A infância do instituto da arbitragem se manifesta na falta
de uma prática consistente e de uma massa crítica de casos arbitrados. É
verdade que a Lei de Arbitragem, na sua feição mais moderna, é de edição
recente. No entanto, como já tivemos a oportunidade de nos manifestar, a causa
da manutenção do estágio de infância está na trajetória de acidentes e
incidentes por que vem passando a arbitragem no Brasil.
Devido às dificuldades de
utilização da arbitragem e, em especial, da existência de uma legislação hoje
já revogada e que não propiciava o seu desenvolvimento, caiu esta em desuso,
cedendo exclusividade à solução judicial das controvérsias surgidas nas
relações contratuais, ainda que relativas a direitos patrimoniais disponíveis.
Por via de conseqüência, cristalizou-se, ainda em matérias onde a arbitragem
seria cabível, a prática do contencioso judicial, caracterizado este por suas
normas estritas, prazos determinados e de estrita observância pelo juiz e pelas
partes, fases bem delineadas e encerradas pelo efeito da preclusão, sem
mencionar a necessidade de participação obrigatória de advogado para postulação
de direitos. Essa prática reiterada do contencioso judicial moldou o perfil de
algumas gerações de advogados e vem dando origem ao processo denominado de
"processualização da arbitragem".
A arbitralização da arbitragem é
um fenômeno que se contrapõe à sua processualização. Ao fazermos este
contraponto não pretendemos criticar uma e elogiar outra; não estamos fazendo,
enfim, qualquer juízo comparativo de valor. O que se busca, nada mais é do que
incentivar o exercício de cada um deles levando em conta as suas
características próprias, evitando-se a transposição de conceitos e atitudes,
como estes fossem intercambiáveis numa e noutra.
A prática vem demonstrando que é
muito difícil não se ceder à tentação de cair na processualização. Casos há, e
não são poucos, onde instrumentos típicos do processo judicial são trazidos à
prática arbitral, engessando procedimentos ou impedindo que estes se
desenvolvam com a flexibilidade que lhes é característica. Esses casos devem
ser objeto de grande preocupação de todos os que se encontrem envolvidos em
procedimentos arbitrais. Faz-se necessário que se moldem as atitudes das partes
e, sobretudo, dos árbitros. Quanto a estes, é vital que decidam efetivamente e
que exerçam os poderes que lhes foram conferidos por lei. Outra coisa que não
se pode aceitar é que, na insegurança natural que ronda o estágio de infância
da arbitragem no Brasil, além de processualizada esta se torne judicializada.
Portanto, quanto maior for a insegurança em decidir, mais tenderão os árbitros
a remeter as partes ao Judiciário, e mais estará a arbitragem judicializada.
O antídoto à processualização e
judicialização da arbitragem é a sua arbitralização. Arbitralizar a arbitragem
é dar, na prática, vida ao marco legal que regula o instituto. É aplicar a lei
ao caso concreto, mas da forma em que foi esta concebida. E ressalte-se, por
oportuno, que a lei não teve como premissas a processualização, nem a
judicialização. Nem há qualquer traço destas no texto legal vigente. Muito pelo
contrário e veremos isto ao final deste Artigo.
É muito importante que se
relembre que a Lei de Arbitragem trouxe um abrandamento da rigidez das regras
procedimentais quando comparadas com as aplicáveis ao processo. Abrandamento da
rigidez, mas com preservação de garantias constitucionais das partes. Se, de um
lado, a arbitragem não deve ser processualizada, por outro, não deve ela
representar uma aventura em que se lance o titular de direitos, já que a
constitucionalidade da Lei de Arbitragem pressupõe que, nas matérias em que
seja cabível a solução de controvérsias pela via arbitral, ainda aí as
garantias constitucionais correlatas estarão presentes. A arbitragem prioriza e
garante os princípios do contraditório, da igualdade das partes, da
imparcialidade do árbitro e de seu livre convencimento.
Na arbitragem, o princípio do
contraditório se faz presente em todas as fases, seja quando da elaboração do
compromisso, seja quando da apresentação das alegações iniciais e finais, sem
mencionar quaisquer eventos ou despachos do árbitro ou Tribunal Arbitral, no
curso do procedimento, que afetem ou possam afetar os direitos das partes em
discussão. Da mesma maneira, a regularidade do procedimento arbitral não poderá
prescindir do tratamento igualitário dispensado a todas as partes envolvidas.
No entanto, optando pelo procedimento arbitral, as partes esperam a
distribuição da justiça mediante a solução da controvérsia surgida entre elas
em relação a determinado negócio jurídico. Para tanto, pressuposto fundamental
de todo o procedimento arbitral é a imparcialidade dos árbitros e sua
neutralidade em relação às questões objeto da controvérsia. A violação de
qualquer desses princípios induz a nulidade da sentença arbitral.
Nessa mesma linha de idéias, deve
o árbitro estabelecer o seu livre convencimento em relação aos fatos e
circunstâncias que deram origem à controvérsia entre as partes. Nesse princípio
reside uma questão subjacente de natureza ética, ou seja, se é certo que o
árbitro deve decidir, mais certo ainda é que não decida até que tenha formado
integralmente a sua convicção em relação à controvérsia. É dever do árbitro
entender os fatos e lançar mão dos meios legais à sua disposição para buscar a
verdade. O exercício do dever poderá fazer com que o árbitro seja mais flexível
na aplicação das regras regulamentares aplicáveis à arbitragem. Se vislumbrar
que da sua atuação mais flexível poderá obter mais dados e informações
relativas à controvérsia, não deve se furtar a assim proceder. Ademais, o
abrandamento da rigidez das normas processuais admite que o árbitro determine,
de ofício, provas que pretende ver realizadas e que não foram postuladas pelas
partes, tudo em prol de seu livre convencimento. No entanto, há dois pontos
essenciais que influenciam a atuação do árbitro. De um lado, não deve ele
flexibilizar a aplicação de regras se entender que qualquer das partes age sem
a devida diligência e pretende se beneficiar dessa flexibilização e, ainda, se
a flexibilização em nada poderá contribuir para o seu livre convencimento.
Neste último caso, a flexibilização não guardaria qualquer relação de benefício
para o procedimento, podendo vir a ser entendida como favorecimento a uma das
partes. Inexiste um receituário prático que prescreva os procedimentos a serem
adotados e aqueles em que se devam flexibilizar as regras. Isto será sempre uma
questão de foro íntimo, a ser avaliada pelo árbitro à luz dos contornos de cada
caso.
Muito se vem falando das
responsabilidades e deveres dos árbitros e de seu comportamento ético. Vale
lembrar que, ao optarem por submeter as controvérsias à arbitragem, as partes
nela envolvidas também assumem responsabilidades e têm deveres específicos.
Dever de colocar à disposição do árbitro as informações, dados e circunstâncias
que integram a questão controversa e a responsabilidade de agir diligentemente
de forma a permitir que os prazos sejam cumpridos, especialmente aquele ao
final do qual deverá o árbitro proferir a sentença arbitral. O descumprimento
do prazo para prolação da sentença arbitral, na forma ajustada no compromisso,
induz a nulidade da sentença arbitral, dada a gravidade da falta em face da
importância conferida pela Lei de Arbitragem ao acordo das partes. A proteção
desse ajuste carrega junto com ela a obrigação das partes de atuar
diligentemente, eximindo-se de praticar qualquer ato que tenha efeito meramente
protelatório da decisão final. Essa obrigação é uma outra faceta da ética no
procedimento arbitral, imputável às partes e seus representantes, sejam eles
advogados ou não.
Do lado dos árbitros, devem eles
definir claramente a linha divisória entre a extensão do princípio do
contraditório evitando o cerceamento de defesa e a manifestação continuada em
que se possa determinar a intenção protelatória sem qualquer benefício para o
convencimento do árbitro e deslinde da controvérsia. Traçada essa linha, deve o
árbitro avaliar o estado do processo, encerrando a fase de manifestação das
partes. Ao tomar essa decisão, deve o árbitro ter em mente que uma possível
alegação infundada de cerceamento de defesa poderá ser menos onerosa do que uma
alegação de nulidade da sentença arbitral por descumprimento de prazos. É
indubitável que o árbitro terá sempre meios de garantir que o encerramento da
fase de manifestações ocorra com a participação das partes envolvidas adotando,
para tanto, expediente acautelatório, já que esta é uma medida salutar para a
preservação da validade da sentença arbitral.
Por tudo isso, defendemos a
arbitralização da arbitragem, afastando a sua processualização. Somente uma vez
arbitralizada, poderá a arbitragem cumprir plenamente a sua função. Somente
cumprindo integralmente a sua função, estará a arbitragem contribuindo para o
equilíbrio das relações e negócios jurídicos e atendimento da vontade das
partes manifestada, num primeiro estágio, na cláusula compromissória e
reiterada no compromisso.
A bem da verdade, é importante que se diga que, ao passo que a processualização da arbitragem é indesejável, o Judiciário tem um importante papel a desempenhar no processo evolutivo do instituto até que atinja a sua maturidade. É justamente o Judiciário o poder que haverá de construir a jurisprudência da arbitragem, que aferirá o cumprimento das normas éticas pelos árbitros e partes, assim como sancionará os desvios ocorridos no procedimento arbitral. Ao não judicializarmos a arbitragem, estaremos implementando as disposições legais, reservando-se o Judiciário para que ele exerça o papel que a Constituição e a Lei de Arbitragem desenharam para que ele exercesse. Somente com um Judiciário forte e ativo, que construa e solidifique a jurisprudência sobre a arbitragem é que estaremos fortalecendo o instituto.
retirado de: http://www.infojus.com.br/webnews/noticia.php?id_noticia=1800&