® BuscaLegis.ccj.ufsc.Br
RESPONSABILIDADE CRIMINAL DOS PRATICANTES DE ARTES MARCIAIS
Dr. Carlos Eduardo Ribeiro Lemos
Juiz de Direito do Estado do Espírito Santo.
Faixa-preta 2º DAN de Judô
Bacharel em Educação Física e Presidente do Centro Capixaba
de Judô – CECAJ
Como se não bastasse a violência
ocasionada pelas diferenças sócio-econômicas de nosso País, de algum tempo para
cá tornou-se "moda" outro tipo de violência: aquela proporcionada por
garotões que gostam de ser rotulados de "pitboys", a maioria de
classe média, que se autopromovem distribuindo pancadaria e provocando baderna
em festas, boates, na rua, ou ainda em freqüentes brigas de gangues, fazendo o
uso irresponsável e indevido das técnicas de defesa e ataque aprendidas em
academias de jiu-jitsu ou outros tipos de lutas.
O País inteiro convive com este
problema atualmente e o discute, surgindo sempre a questão: "quem são os
culpados?".
Como praticante de arte-marcial
sei que não é este ou aquele esporte de luta o responsável, mas sim, alguns
professores inescrupulosos que com a intenção de atrair "fregueses",
buscam a fama e dinheiro conquistando adolescentes sob a promessa de torná-los
"imbatíveis guerreiros" através dos conhecimentos da técnica de uma
determinada arte-marcial.
Quem trabalha com adolescentes
sabe que nesta fase a pessoa necessita de se auto-afirmar, destacando a sua
auto-imagem de alguma forma com relação aos demais jovens de seu meio. Uns
conseguem se destacar pela inteligência, outros pela beleza física, outros pela
simpatia e bom papo e outros, infelizmente, pela falsa sensação de poder
trazida pela superioridade física proporcionada pelas artes marciais,
comprovando-a através dos atos de violência e selvageria ora discutidos.
O pior é que o
"marketing" ao menos momentaneamente funcionou, pois academias que se
promoveram pelo estigma da violência ficaram lotadas. É óbvio que, se antes o
adolescente não buscava a luta para se auto-afirmar, passou a buscá-la, no
mínimo, com medo de ser agredido, ou seja, para aprender a se defender daqueles
praticantes brigões.
Nota-se porém que a coisa perdeu
o controle e aqueles que se promoveram pela violência viram que aquela
propaganda passou a depreciar as lutas e os professores que pregavam a
"briga" como forma de desenvolvimento da "pseudo arte de
lutar". A sociedade passou a cobrar com veemência de suas autoridade e
gestores públicos um posicionamento enérgico para a debelação deste mal.
Importante, ao meu ver, é
informar de forma clara e verdadeira aos praticantes de lutas as
responsabilidades criminais atuais de cada um deles pelo mal uso de seus
conhecimentos técnicos, assim como as tendências de modificação em nossa
Legislação Penal em função da situação criada pelos "pitboys".
Antes de mais nada é necessário
fazer a distinção entre a VIOLÊNCIA ESPORTIVA e a VIOLÊNCIA praticada COM AS
TÉCNICAS DO ESPORTE, porém, FORA DELE.
Vejamos: muitos esportes, no
calor da competição, trazem alguns riscos e certa dose de violência nos embates
que são dosados e limitados por regras e punições rígidas aos excessos
cometidos pelos atletas. É o exemplo do futebol moderno, sob a influência da
escola européia, do basquete com exagerado empenho defensivo nos moldes da NBA
e, não diferentes, os esportes de lutas como o judô, o jiu-jitsu, o boxe, a
luta-livre e outros. Falando especificamente sobre as lutas vemos que as
técnicas, quando executadas entre dois praticantes e dentro das regras
esportivas que buscam, ao invés da destruição física do oponente, a sua derrota
dentro da filosofia da superação esportiva, num clima de concorrência leal e
positiva para a formação do ser humano, quase nunca traz conseqüências sérias e
danosas que os definam como mais arriscados do que os outros esportes de equipe
citados, que comprovadamente muitas vezes trazem mais lesões aos seus
praticantes do que as lutas.
A VIOLÊNCIA ESPORTIVA, na
concepção criminal, é moralmente TOLERADA, ou seja, se na prática de QUALQUER
ESPORTE, não só os de lutas, ocorrerem lesões com danos à integridade física ou
à vida do oponente, não ocorrerá crime por ter o atleta atuado no chamado
"exercício regular do direito", que é pelo Código Penal denominado de
"excludente de ilicitude", estando, pois, no mesmo patamar jurídico
da "legítima defesa", por exemplo. O Estado autoriza, regulamenta e
até incentiva a prática dos esportes, socialmente úteis, não podendo punir
aqueles que, exercitando um direito, causam dano. Haverá crime apenas quando
ocorrer excesso do agente, ou melhor, quando a agressão do atleta causador do
dano extrapolar os limites da tolerância o que, intencionalmente desobedece às
regras esportivas, causando resultados lesivos; estes sim, constituirão crimes,
eis que não necessários à prática do esporte, ou produzidos além das regras
técnicas permitidas pela moral prática regulamentada pelo Poder Público. Quando
estes limites são excedidos, dizemos em direito que haverá ABUSO DE DIREITO e
não a excludente citada.
Agora, a violência praticada com
as técnicas do esporte, porém, fora dele, em brigas por exemplo, apesar de
atualmente não estar prevista em nosso Código Penal como causa específica de
aumento de pena pelas lesões causadas nas vítimas, vemos que os Tribunais e
Juizes têm, em decisões reiteradas, sopesado as penas dos lutadores, ora
considerando o conhecimento técnico de luta como qualificadora, ora na própria
análise das circunstâncias judiciais analisadas no momento de se proceder a
dosimetria da pena, ou ainda, tendo a conduta do lutador brigão como sempre
dolosa, na modalidade do chamado dolo eventual, considerando que por saber lutar,
conscientemente estaria admitindo e aceitando o risco de produzir o resultado
lesivo à integridade física de outrem numa confusão.
Por exemplo, se numa briga entre
duas pessoas comuns um vier a falecer, a pena para o autor do homicídio é de 6
a 20 anos. Algumas decisões, tratando-se de criminosos lutadores, tem
considerado a habilidade do mesmo como um "recurso que dificulta ou torna
impossível a defesa do ofendido", que é uma qualificadora prevista no
Código Penal, que poderia majorar a pena para 12 a 30 anos de reclusão. Como se
vê, apesar de ainda não constar previsão explícita na lei para os criminosos
lutadores, a jurisprudência tem tratado de interpretar a lei de forma a
implantar mais energia na busca do desestímulo e freio à ação daqueles.
Os brigões têm que saber que a
pena para uma lesão corporal leve em alguém é de 3 meses a 1 ano de cadeia. No
caso das lesões corporais graves, de 2 a 8 anos de prisão e, na lesão corporal
seguida de morte, de 4 a 12 anos de reclusão. Como sabem que se usarem seus
conhecimentos técnicos numa briga poderão ferir seriamente um adversário, o
melhor é, definitivamente, NÃO BRIGAR.
Por causa destes
"pitboys" irresponsáveis, ou talvez, mal orientados, modificações
sérias em nossa Legislação Penal estão sendo propostas no Congresso Nacional.
Muito recentemente, o Senador Luiz Estevão (PMDB-DF) apresentou projeto de lei
que prevê que "o praticante de artes marciais ou outros tipos de luta que
cometer qualquer crime aplicando, de forma desvirtuada, as técnicas de lutas, poderá
ter sua pena aumentada ou até dobrada". Tal projeto já foi aprovado pela
Comissão de Assuntos Sociais. A proposta do Senador, que foi relatada pela
Senadora Marluce Pinto (PMDB-RR), implementa alterações no Código Penal e nas
tipificações dos crimes de homicídio doloso, rixa qualificada, ameaça e
formação de quadrilha ou bando. Uma das modificações propostas, por exemplo,
duplica a pena se os agentes do crime formarem quadrilha e forem praticantes de
qualquer tipo de luta. No mesmo projeto, inclui-se no Estatuto da Criança e do
Adolescente a obrigatoriedade de registro na Vara da Infância e da Juventude de
todo praticante de artes marciais. Como se vê, essas exigências burocráticas
legais, que se mostram necessárias, incomodarão a todos os praticantes de lutas
que pagarão pela inconseqüência dos baderneiros. Porém, não podemos assistir de
braços cruzados mais este tipo de violência gratuita, que deprecia a imagem de
todos os esportes de luta, desvirtuando suas filosofias que pregam o implemento
físico, mental e espiritual de seus praticantes como o caminho para o
desenvolvimento harmônico de verdadeiros cidadãos.
Finalizando, tenho que o Poder
Judiciário e as demais autoridades devem combater o mal também na sua origem,
ou seja, começando a punir civil, administrativa e criminalmente estas pessoas
que se acham, mas não merecem ser chamadas, "professores", eis que só
se prestam a enganar seus alunos estimulando a violência como se ainda vivessem
na barbarie dos gladiadores, e não num Estado democrático de direitos, o que
pode ser fatalmente danoso para terceiros e para eles próprios. Talvez,
tenhamos que passar a estudar a possibilidade de responsabilizá-los pelas
besteiras de seus pupilos, pois o Código Penal já prevê que "responde pelo
crime o terceiro que determina o erro". Parece-me óbvio: se são eles os
responsáveis pelos erros dos alunos, por que não responderem por eles? É algo
que acredito merecer uma atenção especial da Justiça e seus executores.
Carlos Eduardo Ribeiro Lemos
Juiz de Direito - ES
retirado de: http://direitobancario.com.br/