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A TUTELA ANTECIPADA E A TUTELA TIPICAMENTE CAUTELAR. DISTINÇÕES.

 

 

 

 Desde a entrada em vigor da Lei Federal n. 8.952, de 13 de dezembro de 1994, já se verificaram enormes equívocos entre o instituto da "tutela antecipada" e a tutela "tipicamente cautelar".

 

É quanto a isso que pretendo discorrer.

 

Pois bem. Diante do movimento deflagrado por volta da última década, com o fito de trazer o mais amplo acesso ao Judiciário, discutiu-se muito acerca da chamada efetividade do processo; juristas do mais alto gabarito apresentaram propostas que pudessem minorar as mazelas do processo, a fim de que pudesse se tornar um instrumento eficaz e seguro de distribuição de Justiça, finalidade sublime da jurisdição. No desenvolvimento dos estudos para esse fim, é evidente que a pedra angular seria extrair do processo tudo quanto for possível para tornar palpável o bem da vida buscado perante o Estado, por meio do direito de ação.

 

Essa consciência não é recente; já dizia Chiovenda: "na medida do que for praticamente possível, o processo deve proporcionar a quem tem um direito tudo aquilo e precisamente aquilo que ele tem o direito de obter". No direito pátrio, Barbosa Moreira, com sua sobranceira autoridade, também já teve oportunidade de deixar registrado: "se o processo constitui instrumento para a realização do direito material, só se pode a rigor considerar plenamente eficaz a sua atuação quando ele se mostre capaz de produzir resultado igual ao que se produziria se o direito material fosse espontaneamente observado" (A tutela específica do credor nas obrigações negativas. In: Temas de direito processual, p. 30-44).

 

Em julho de 1983, o ilustre processualista Ovídio Araújo Baptista da Silva coordenou o 1º Congresso Nacional de Direito Processual Civil, organizado pelo Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul, ocasião em que foram apresentadas diversas teses e proposições; entre elas, o professor Ovídio Baptista propôs a criação de um parágrafo único ao art. 285 do CPC, no bojo do qual constaria a possibilidade de concessão de liminar antecipatória dos efeitos do provimento de mérito.

 

Posteriormente, mais precisamente no ano de 1985, o Ministro da Justiça Fernando Lyra designou comissão composta pelos professores José Joaquim Calmon de Passos, Kazuo Watanabe, Joaquim Correia de Carvalho Junior, Luiz Antônio de Andrade e Sérgio Bermurdes, a fim de elaborar anteprojeto de modificação do Código de Processo Civil. Sua conclusão foi apresentada em 24 de dezembro do mesmo ano (Revista de Processo 43/86-116), de onde se verificava que o Livro III do CPC seria denominado de "Processo de Cognição Sumária", cujas espécies seriam o "processo cautelar" e a "antecipação da tutela").

 

Por fim, uma comissão composta pelo Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira (presidente), pela desembargadora Fátima Nancy Andrighi (secretária) e integrada por Ada Pellegrini Grinover, Celso Agrícola Barbi, Humberto Theodoro Junior, José Carlos Barbosa Moreira, José Eduardo Carreira Alvim, Kazuo Watanabe e Sérgio Sahione Fadel, apresentou anteprojeto que culminou na lei que criou o instituto da tutela antecipada, situando-a no processo de conhecimento.

 

De todos os estudos empreendidos para se chegar à tutela antecipada, não se pode perder de vista - como já dito - que o objetivo era proporcionar a maior efetividade possível ao processo. Atento a isso, impõe-se extrair a mens legis, diante do preceito contido no art. 273 do CPC, ao estatuir: "O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e (I) haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou (II) fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu."

 

De tudo quanto se pode depreender desse dispositivo processual, há que se extrair a conclusão (antes de mais nada) de que a antecipação ali mencionada é primeiramente da própria tutela material que se persegue por meio do processo (bem da vida). Evidente, pois, que jamais uma tutela antecipada, concedida dentro de um processo de conhecimento, pode ter cunho estritamente cautelar, ou seja, sem que tenha havido primeiramente a antecipação (total ou parcial) da tutela material, para estribar o próprio efeito cautelar. Vale dizer de forma insistente: para que haja a concessão de uma medida tipicamente cautelar dentro do processo de conhecimento, há de haver, inarredavelmente, a antecipação da tutela de mérito, sem o que não haverá amparo jurídico para que uma medida cautelar possa ser proveniente do processo de conhecimento, cuja finalidade (como trivial) é bem outra.

 

A evolução da medida tipicamente cautelar, dentro das chamadas tutelas diferenciadas, só pode ser entendida dentro dessa conotação, isto é, dentro de uma relação de congruência com o processo de conhecimento. Por corolário, o processo cautelar continua útil e eficaz como sempre(!); possui sua própria finalidade, uma vez que nele bastará haver a plausibilidade do direito invocado (fumus boni iuris), aliado ao perigo na demora (periculum in mora), para que a medida seja concedida. Já a medida de natureza cautelar concedida dentro do processo de conhecimento, como reflexo da antecipação da tutela de mérito, só é deferida quando presentes todos os requisitos contidos no caput, incisos e parágrafos do art. 273 do Código de Processo Civil. O professor José Eduardo Carreira Alvim, sensível à essa evolução do sistema processual com relação às tutelas exaurientes bem consigna: "... as inovações ora introduzidas pelo Código de Processo Civil não tiveram o propósito de neutralizar o processo cautelar, senão o de complementar o elenco do gênero ‘tutelas de urgência’ - de que são espécies o provimento antecipatório e o liminar -, destinadas a atender a situações que não possam aguardar o término do processo principal, para obviar ou reparar eventual lesão de direito. O provimento antecipatório, que, antes, era possível quase só no âmbito do processo cautelar, espraia-se agora para todo o processo de conhecimento, numa indiscutível consagração do poder geral de cautela do juiz." (Código de Processo Civil Reformado, Del Rey, 2a. edição, p. 100).

 

Por corolário do exposto, a antecipação dos efeitos da sentença de mérito deve se dar da mais ampla forma, inclusive assegurando a tutela instrumental que antes só se obtinha por meio do processo cautelar. Contudo, adverte-se: não se deve conceder medidas tipicamente cautelares no processo de conhecimento quando sequer estejam preenchidos os requisitos que autorizem a antecipação da tutela de mérito (bem da vida), porque aquelas só podem encontrar fundamento de validade na própria antecipação do pedido buscado por meio do processo de cognição (res in judicio deducta). Não havendo concessão dos efeitos da sentença de mérito, não há que se falar em medida cautelar dentro do processo de conhecimento. É por isso que nem de longe a tutela antecipada pode ser confundida com tutela tipicamente cautelar. Aquela possui conteúdo exauriente; esta, conteúdo simplesmente instrumental. Leciona Nelson Nery Junior que "... tutela antecipada dos efeitos da sentença de mérito não é tutela cautelar porque não se limita a assegurar o resultado prático do processo, nem a assegurar a viabilidade da realização do direito afirmado pelo autor, mas tem por objetivo conceder, de forma antecipada, o próprio provimento jurisdicional pleiteado ou seus efeitos. Ainda que fundada na urgência (CPC art. 273 I), não tem natureza cautelar, pois sua finalidade precípua é adiantar os efeitos da tutela de mérito, de sorte a propiciar sua imediata execução, objetivo que não se confunde com o da medida cautelar (assegurar o resultado útil do processo de conhecimento ou de execução ou, ainda, a viabilidade do direito afirmado pelo autor)." (Atualidades sobre o processo civil - A reforma do Código de Processo Civil Brasileiro de 1994 e de 1995, Revista dos Tribunais, 2a. edição, p. 68).

 

Estabelecido esse divisor de águas, parece claro não haver qualquer confusão entre a tutela antecipada e a tutela estritamente cautelar. Não obstante, registram-se inúmeras decisões judiciais que concedem medida cautelar dentro do processo de conhecimento, sob o colorido de tratar-se da tutela antecipada. Como exemplo disso, destacam-se provimentos judiciais determinando a exclusão de nome de devedores dos cadastros do SPC e SERASA através de simples decisão (sem qualquer fundamentação) em processos (ad exemplum) de embargos do devedor. Pergunta-se, então, qual seria o fundamento legal para isso? Em primeiro lugar, o pedido tipicamente cautelar não cabe, via de regra, no processo de conhecimento. Em segundo lugar, não houve sequer a concessão de antecipação do mérito do pedido perseguido nessas ações para poder-se falar em "efeitos" dela decorrentes.

 

Verifica-se, com a devida vênia, que decisões dessa natureza não podem jamais subsistir: trabalhando ainda com o exemplo da exclusão de nome de devedor do cadastro do SERASA e do SPC, tem-se que esse pedido é nitidamente cautelar porque visa impedir restrições de crédito e manter a incolumidade moral; cuidando-se de pedido simplesmente cautelar, em linha de princípio, deveria ser exercitado dentro do processo cautelar. A única possibilidade de um requerimento desse jaez ser concedido no processo de conhecimento é havendo a concessão prévia da antecipação do mérito, quando, então, todos os efeitos dessa antecipação estar-se-iam assegurados com amparo legal no art. 273 do Código de Processo Civil, inclusive aqueles tipicamente cautelares.

 

Carlos Alberto Garcete

 

Juiz de Direito

 

 

 

 

retirado de: http://direitobancario.com.br/