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RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANO CAUSADO AO MEIO AMBIENTE
PROFESSORA ADRIANA
FAGUNDES BURGER
INTRODUÇÃO:
Inicialmente, tem-se a impressão que o
presente tema deriva da evolução da consciência ecológica alcançado após a
segunda guerra mundial quando a Europa começou a tomar consciência do desrespeito
ao direito da humanidade com a poluição derivada das grandes indústrias, a
destruição do “atol de biquíni”,
experiências nucleares e demais conseqüências do desmesurado progresso.
Tal progresso, por óbvio, deve ser
questionado na medida em que trouxe consigo a evidência da falta de consciência
da humanidade. Buscando tecnologia perdemos qualidade de vida e a própria vida
de tantos seres vivos incluindo o próprio homem foram ceifadas pela utilização
de produtos denominados modernos no sentido de melhorar a produção.
Aqui no estado do Rio Grande do Sul tivemos
por algum tempo o lamentável problema dos filhos de pequenos agricultores que
plantavam fumo para empresas multinacionais, estas crianças começaram a nascer
com problemas congênitos horríveis que foram identificados com o uso direto dos
agrotóxicos oferecidos gratuitamente pelas grandes empresas para “melhorar” a
produção das lavouras. De toda a polêmica gerada na época, restou claro que os
pesticidas e adubos até poderiam ser eficazes para a lavoura mas não poderiam
ter contato direto com a pele de quem aplica que via de regra carregava os
tubos direto nas costas muitas vezes com o dorso nu. Além do que deveriam ser
providenciadas máscaras para evitar a inalação
dos venenos.
Casos como este hoje em dia são encontrados apenas em
países menos desenvolvidos pois as grandes potências despertaram antes e
iniciaram toda uma caminhada para a conscientização da humanidade sobre a fragilidade
da estabilidade do ecossistema.
É claro que casos mais ou menos isolados de
barbarismo industrial ainda são encontrados mesmo em países altamente
desenvolvidos inclusive culturalmente como é o caso da França que até poucos dias
- janeiro de 1996 - continuava a ignorar os apelos insistentes e unânimes da
população mundial que clama pelo fim dos testes nucleares.
A poluição nos dias de hoje é uma das
grandes preocupações de qualquer pessoa que tenha uma visão global do planeta.
Os rios e riachos contaminados, praias poluídas, ruídos ensurdecedores,
ambientes que intoxicam.
A degradação ambiental, conforme parecer de
Roberto Durço, causa não apenas incômodo, mas também danos muitas vezes fatais,
para nosso organismo. Como o clássico exemplo da Borregard no Rio Grande do
Sul. Pergunta-se se estaremos diante do “novo feudalismo dos proprietários de
fábricas e dos soberanos das grandes indústria, de que falava Pietro
Belafonte?”.
“Inacessíveis ao clamor do povo,
indiferentes à medidas governamentais, seguem eles seus caminhos, como se
recobertos pelo manto da intangibilidade.” [1]
De certa forma, mostramo-nos bem mais
atrasados que os povos primitivos, fartamente conhecido o respeito que os
antigos egípcios nutriam pelo Rio Nilo, que ainda hoje chamamos de sagrado.
Igual respeito nutriam os hindus pelo Ganges.
A verdade é que por não termos mantido esta
tradição estamos pagando elevadíssimo preço pois nossos rios estão morrendo
contaminados, em estado de difícil e onerosa recuperação tudo causado pela
ausência de fiscalização que os defenda do lançamento em seus canais de dejetos
e resíduos venenosos das industrias.
O que buscamos tratar neste breve estudo é
o fundamento da responsabilização dos cidadãos, das empresas e do Poder Público
pela indenização devida em casos de dano ecológico e, principalmente, pela sua
reparação, bem como os meios pelos quais é possível a efetivação do
ressarcimento devido à coletividade, como possuidora do direito ao meio
ambiente sadio, e ao cidadão individualmente considerado.
2 - BREVE BOSQUEJO HISTÓRICO
Ainda que possa parecer recente o conceito
de que o meio ambiente é um bem comum a todos os homens, tal idéia é de todo
equivocada. Paolo Maddalena, renomado magistrado italiano, um dos precursores a
jurisdicionar sobre responsabilidade civil ambiental informa em seu livro
“Danno Pubblico ambientale”[2] que, voltando os olhos à antigüidade Romana
veremos que naquela época não houve dificuldade de conceber como único sujeito
de direito certa pluralidade de pessoas. O “populus romanus” foi concebido
acima de tudo como “corpus” ou “universitas” [3] este, foi considerado titular de um patrimônio próprio, que
administrava através de seus magistrados
e a respeito do qual eles
possuíam o assim chamado “ager publicus
populi romani”.
É interessante salientar que o fundamento
daquilo que foi estabelecido como direito foi visto pelos Romanos como
manifestação da vontade coletiva, do “populus”. A concepção de “populus”
não corresponde ao nosso conceito de povo cunhado após a Revolução
Francesa que está mais ligado à noção de nação como identidade de indivíduos
com a mesma pátria e portanto sujeitos às leis daquele país. “Uma comunidade humana caracterizada pela
vontade dos indivíduos que a compõe de viver sob a mesma ordenação
jurídica.”[4]Do conceito de povo o conceito de nação começou a formar-se
quando, a partir de Montesquieu, revelaram-se as causas naturais e tradicionais
que contribuem para formar o que este francês chamou “espírito geral “ ou
“espírito da nação”[5].
Para os Romanos, o “populus” era o depositário da concepção do que seria
ou não lei para eles. Tinha o “populus”o poder legiferante nato à sua concepção
do que era justo ou não, forjando assim o ius.
O
termo “ius” indica na verdade o conjunto de “leges” e “mores”, isto é, de
manifestações de vontades expressas pelo “populus” (leges), ou comportamento
tácitos “mores”.
Gaio, no prefácio de suas Instituições
distingue o direito próprio do povo Romano, o “ius civile”, do direito que
pertence à todos os homens, enquanto fundado sobre a “naturale ratio”, e que se
identifica concretamente com institutos comuns aos Romanos e às outras
populações.
No fundo desta concepção nota-se o convencimento de que o direito é
um produto da comunidade, que pode ser uma comunidade determinada, a civitas ou
a comunidade de todos os homens. Na indicação do ius gentium vê-se o eco de
formulações históricas e se percebe em particular a definição na qual aparece a imagem do cosmo como uma
cidade que tem uma única constituição, na qual se agregam, posteriormente, as
leis de cada povo.
Análogo discurso encontramos em Ulpiano, o
qual afirma a existência além do ius genium também do ius naturale, precisando
que “ius naturalis est quod natura omnia animalia docuit”, D.I.I.1.3, enquanto
“ius genium est quo gentes humanae
utuntur, quod a naturali recedere facile intellegere licet, quia illud omnibus
animalibus, hoc solis hominibus inter se commune sit,” D.I.I.1.4.
Devemos ressaltar entretanto que tanto
Gaio como Ulpiano põe em evidência que
se trata de toda a forma de um ius
comune, o da civitas, compreendido aquele aplicado à Roma, o da humanidade é o
direito a ser aplicado a todos, Romanos e demais homens, pode-se dizer que o
direito da humanidade é o direito de todos os animais compreendido o homem.
Isto confirma que para os Romanos a
verdadeira fonte do ordenamento era a comunidade, e cada comunidade era capaz
de propor o direito a ela aplicado. Da comunhão de vida dentro dos muros de uma cidade era concebido o “ius civile”
da comunhão de vida entre todos os homens, era concebido o “ius gentium” e da
comunhão de vida entre todos os animais
era concebido o “ius naturale”, fundado
diretamente na natureza.
O discurso como se vê era extremamente
simples, “ubi socitas ibi ius”, este era o princípio informador de tudo. Onde
há sociedade, aí há direito.
Assim, em Roma, a produção do direito era
responsabilidade da comunidade, demonstrando que para antiguidade clássica não
havia qualquer obstáculo em considerar o “populus” como sujeito de direito:
sujeitos eram os homens individualmente e sujeito era considerado o conjunto, a
pluralidade de homens que na verdade era o “populus”.
Esta clareza de idéias se ofuscou na época
de meio, na verdade, se é verdade que na época tardia clássica foi bem evidente
aos juristas que o imperador recebia seu poder da vontade do povo - Gaio,
Inst., I, 5 -, é por outro lado indubitável que esta, por assim dizer
legitimação popular do imperador está menos evidenciada na Idade Média
considerando-se que a autoridade derivava de Deus e não mais do povo.
Com o passar do tempo se firmou o princípio
da estabilidade do direito em virtude do qual o direito não é aquilo estipulado
pelo povo ou pela comunidade, mas aquilo que o órgão ao qual é reconhecido o
poder legiferante define como tal.
O advento do estado de direito não
modificou este princípio mas começou a admitir espaço para os homens como
indivíduos no âmbito das organizações do estado na medida em que começou a reconhecer
como pré-existente a si mesmo Estado alguns direitos fundamentais do homem que
por serem fundamentais antecedem o conceito de Estado.
Tais direitos não eram constituídos pelo
Estado mas simplesmente reconhecidos e garantidos por este. A luta para afirmar
estes direitos foi e é, de certa forma,
contra o próprio estado que por eles deveria zelar.
Do estado de direito se passa para estado
social no qual a liberdade do indivíduo não é concebida apenas no sentido
individual mas também em sentido comunitário, coletivo. Os direitos
fundamentais representam a tradicional tutela das liberdades burguesas: liberdade pessoal, política econômica.
Constituem um direito contra a intervenção do Estado. Pelo contrário, os
direitos sociais representam direitos de participação no poder político e na
distribuição da riqueza social produzida. A forma do Estado oscila, assim,
entre a liberdade e a participação (E.
Forsthoff, 1973).[6]
Enquanto os direitos fundamentais garantem
a viabilidade de uma vida digna, os direitos sociais representam a via por onde
a sociedade entra no Estado, modificando-lhe a estrutura formal.
Reemerge assim a concepção do “populus ” do
direito romano quando novamente, após longa caminhada, se reconhece novamente a
legitimidade do poder legiferante na vontade popular.
Ao longo da história percebe-se uma
evolução no sentido de, aos poucos, poder se identificar a diferenciação da concepção de Estado da pessoa física do
rei, criou-se o dogma da personalidade do Estado.
O discurso desenvolvido até aqui sobre a
subjetividade plurima do povo como sujeito de um direito nato à um ambiente
salutar, entende por ambiente “tudo aquilo que circunda e condiciona a vida
humana”[7] e sobre a configuração de uma concepção de propriedade coletiva da
terra. Isto nos leva agora a enfrentar um outro obstáculo que se apresenta na
tentativa que estamos fazendo de estabelecer uma conexão da titularidade do
direito a um ambiente sadio à um número de pessoas cada vez mais amplo até
cobrir a inteira humanidade.
Se trata do problema de reconhecer à
coletividade o domínio daquela
categoria de coisas que por uma irraigada e insensata tradição foram
considerados privadas da tutela jurídica como a “res communi omnium”.
Estes bens, comuns à todos os homens, na
prática, foram considerados “bens de ninguém”. Absolutamente privados de
proteção. Assim, cada indivíduo poderia usá-los como bem quisesse; quando na
verdade pelo significado literal da expressão são bens de domínio comum o que é
o oposto de nenhuma pessoa ou ninguém.
As
fontes Romanas irão nos auxiliar a compreender o fenômeno que Marciano põe em
evidência no sentido de definir as coisas que devem ser consideradas comuns,
iure naturali: o ar, a água corrente, o mar[8]. A indicação faz entender que precisamos distinguir entre curso de
água e água corrente: é na verdade res communes omnium a água que corre no rio
não o rio em si, o qual, sabemos de outras fontes, é ao invés uma res publica,
isto é, um bem pertencente ao populus .
A indicação da res communes, entretanto,
não parece exaustiva e apesar de pertencer à mesma categoria é
interessante que se explicite que tanto os peixes, como a fauna de um modo
geral à ela pertencem. Uma longa tradição considerava res nullius, coisa de
ninguém, quando na realidade devemos observar que pertenciam à todos.
A categoria da res communes omnium, se
corretamente entendida, isto é, referida ao ius gentium ou ao ius naturale ,
demonstra claramente a subjetividade do
populo que os Romanos tiveram uma concepção não só nacional, mas também universal do
direito. Ao lado do direito dos “civitas”, ius civile, atinente aos cidadãos Romanos, havia também
o direito de todos os homens, “civitas”, ius gentium ,e de todos os seres
vivos, ius naturale.
Naqueles termos, a comunidade era a fonte do direito,
diversamente da atualidade. Hoje, a coletividade deve envidar todos os esforços
para que o poder legiferante reconheça seus conceitos do que considera correto
ou não.
No
Código Civil Brasileiro, Lei n.3.071 de 1º de janeiro de 1916, o verbo poluir é
utilizado uma única vez. O art.584 dispõe que: “São proibidas construções
capazes de poluir, ou inutilizar para o uso diário a água de poço ou fonte
alheia, a elas existentes.”
Na legislação penal encontramos em nosso
Código Penal, Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940, no art. 271 o
verbo poluir ao tratar de “poluição ou corrupção de água potável de uso comum
ou particular, tornando-a imprópria para o consumo ou nociva para a saúde.” Tal
dispositivo legal é comentado por Bento Faria[9] que entende referir o artigo
apenas à água potável, isto é, que se destina a ser bebida pelas pessoas ou à
preparação de alimentos, ficando portanto excluída a água destinada à outros
usos.
Como se vê, não é recente a tentativa do
homem para coibir o uso devasso de nossos recursos naturais. Este esforço pode
ser identificado no século XIII eis que no ano de 1273 houve uma determinação legal
antipoluente editada por Eduardo na
Inglaterra. Este soberano baixou normas restringindo o uso do fogo. Tempos
depois, no início do século XIV, em 1306, o governo britânico aprovou outra lei
de combate à poluição que vedava a queima de carvão enquanto o parlamento
estivesse reunido.
Em março de 1941 temos um dos primeiros
registro de direito internacional em decorrência de pretensão à ressarcimento
por poluição, foi constituído um Tribunal Arbitral para decidir controvérsia suscitada
entre o governo dos Estados Unidos da América e o Governo do Canadá, tendo como
base a Convenção assinada em 15 de abril de 1935.[10]
Os gazes fortes e a poluição de um modo geral vinham causando grande
estrago nas plantações de uma localidade do estado de Washington, causando
graves indisposições seguidas de náuseas na pequena população que buscou
amigavelmente, junto à empresa do país vizinho a alteração do meio de produção
e indenização pelos prejuízos de um modo geral . Mas, face à recusa da empresa
em atender a solicitações, necessário se fez buscar via judicial. Neste momento
se constatou a dificuldade de identificar o titular do direito subjetivo e
mais, como o poluidor se encontrava em território estrangeiro não estava
sujeito à jurisdição do país dos ofendidos.
Assim, esta demanda surge por iniciativa
dos Estados Unidos que pretendia a indenização, dentro outras coisas, pelos
danos causados pela empresa TRIAL SMELTER no estado de Washington, A “Consolidated
Mining and Smelting Company” é uma fundição localizada na cidade de Trail, na
Província de British Columbia, no Canadá.
O pedido dos Estados Unidos de reembolso
das quantias gasta na investigação,preparação e prova deste caso foi negado,
haja vista que estes atos são pela sua própria natureza necessários à
apresentação e preparo de um caso, os quais de acordo com a convenção de
arbitragem devem ser pagos por cada governo. estes custos também não são
computáveis dentro da indenização pleiteada.
Cumpre salientar que este caso é anterior à própria ONU,
Organização das Nações Unidas, criada em São Francisco da Califórnia em 1945.
Portanto, não havia a Corte Internacional de Justiça. Na época existia apenas a
Liga Internacional da Nações órgão que possuía a Corte Permanente de Justiça
Internacional. Mas, mesmo hoje em dia, normalmente, se faz arbitragem e apenas
se aquilo que foi determinado pelo árbitro não é cumprido é que se recorre à
corte. De qualquer forma, a Corte Internacional de Justiça não possui poder de
coação sobre os países pois isto afetaria a soberania do mesmo.
No caso da “Trail smelter”, fundição
localizada na cidade de Trail, , Província British Columbia, no Canadá, que
através de vapores tóxicos vinha causando danos no território dos Estados
Unidos, em propriedades privadas e em pessoas nelas instaladas, especialmente
em Washington e New York, naquela época, 1935, não havia precedentes
jurisprudenciais no direito internacional sobre o assunto razão pela qual foram
utilizados alguns julgados da Suprema Corte dos Estados Unidos que tratavam da
poluição do ar e da água.
O Tribunal considerou que de acordo com os
princípios de Direito Internacional nenhum estado tem o direito de permitir que
em seu território seja utilizado nenhum meio de produção que possa causar danos
através de vapores a outro território propriedade ou pessoas nele instaladas,
quando o caso é de conseqüências sérias e dano evidente. O Tribunal declarou a
responsabilidade do Canadá.
De 5 a 16 de junho de 1972 se realizou a
Conferência das Nações Unidas Sobre
Meio Ambiente, conhecida como Convenção de Estocolmo, é considerado o primeiro
grande texto sobre a matéria pois ali, solenemente, se declarou que o homem tem
direito fundamental à liberdade, à igualdade e à condições de vida
satisfatórias em um meio ambiente cuja qualidade lhe permita viver com
dignidade e bem estar. Estabelece ainda que o homem tem o dever solene de proteger e melhorar o meio ambiente para as
gerações presentes e futuras. Este mesmo princípio foi reafirmada na
conferência sobre segurança e cooperação na Europa, reunida em Helsinki, em
1975.
Vale ressaltar que o chamado relatório
Brudantland da Comissão Mundial para o desenvolvimento e meio ambiente das
Nações Unidas, nos seu princípios gerais, art.1º, proclama que “cada ser humano
tem o direito fundamental de viver em um ambiente adequado à sua saùde e ao seu
bem estar”. E no art.2º, “Os Estados devem conservar e utilizar o meio ambiente
e os recursos naturais de forma a proteger as gerações presentes e futuras”.
A ECO/92 foi realizada com base no
relatório Brudentland.
3 - ANÁLISE DA TEORIA GERAL DA RESPONSABILIDADE
CIVIL E A TENDÊNCIA MUNDIAL PARA A OBJETIVAÇÃO
A
responsabilidade civil historicamente decorreu da prática de ato
considerado ilícito, contudo, pode-se identificar responsabilidade civil
decorrente de ato lícito quando, em regra, decorre do risco assumido por quem
pratica determinadas atividades.
Os diferentes regimes da responsabilidade
civil decorrem do fundamento da obrigação de reparar o dano causado pela atividade
desenvolvida ou por uma determinada ação.
Basicamente, podemos sintetizar dizendo que
a culpa definida por Mazeau, num clássico sobra a matéria é considerada “o ato
ou a abstenção que teria cometido um homem diligente, um homem avisado, um
homem prudente”[11] Esta, fundamenta a
responsabilidade subjetiva e o risco a objetiva. De tal forma que a
responsabilidade objetiva traduz uma obrigação de indenizar atribuída a quem
causou prejuízo alheio independentemente de ter agido com qualquer espécie de
culpa (negligência, imperícia ou imprudência) ou seja, embora possa não existir
qualquer constatação de participação na conduta do agente lhe é atribuída a
responsabilidade por ter assumido o risco ao desenvolver determinada atividade.
A sociedade busca atualmente compensar anos
de destruição voraz através de uma legislação mais rígida. Ao estudar o tema
comparei a tendência ao movimento de sístole e diástole. O Brasil, país típico
do terceiro mundo, como tal sempre foi extremamente permissivo com o
desmatamento, poluição de rios e lagos neste momento possui uma legislação
bastante rígida.
A matéria passou a ser disciplinada a
partir da Lei 6.938 de 31.agosto.1981, instituidora da Política Nacional do
Meio-Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação , arts.9 a 21.
O art.14, parágrafo 1o. ao dispor que :
“Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo é o poluidor
obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os
danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O
Ministério Público da União e dos estados terá legitimidade para propor a ação
de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente”.
(grifei) Introduziu assim, a responsabilidade civil objetiva, que se baseia na
idéia de que a pessoa que cria o risco
deve reparar os danos advindos de seu empreendimento[12]. Revolucionando
o sistema de reparação judicial do dano ambiental no Brasil, até então, baseado
na responsabilidade subjetiva, que permite a perquirição da existência ou não
de culpa - negligência, imprudência ou imperícia - como condição para atribuir
a responsabilidade civil ao causador do dano.
A Lei de Política Nacional do Meio Ambiente
ao tutelar interesse difuso trata o
poluidor com o instituto da responsabilidade objetiva, ou seja, independentemente
de culpa na sua conduta, deve o
poluidor reparar o dano causado.
Alterando o sistema que até então dificultava a condenação do poluidor em razão
da quantidade de provas exigidas da vítima além de todas as excludentes de
responsabilidade que podem ser invocadas por aquele sistema que agora, com a
responsabilidade objetiva, não é mais possível. Antes, apenas o dano
culposamente causado era passível de indenização restando à vítima a hercúlea
tarefa de provar que o violador agira com culpa o que, no mais das vezes não
era logrado.
A base da responsabilidade civil no Direito
Brasileiro, até então, era a que está disciplinada no art.159 do Código Civil,
e que para Pontes de Miranda, quatro são os elementos, vis-à-vis o referido
artigo, para que o ato gere a responsabilidade extracontratual: “a) um ato ou
omissão; b) imputável ao réu, salvo casos excepcionais de reparação sem
imputabilidade; c) danosos, por perda ou privação de ganhos; d) ilícito”.[13]
Como questão preliminar se impõe definir quem é o titular deste direito à
integridade do meio ambiente. Sérgio
Ferraz[14] utilizou a expressão res omnium, uma vez que este direito
pertence à toda a coletividade. É um direito indivisível posto que pertence à
todos.
A Lei n.7.347/89, Código de Defesa do
Consumidor, em seu art.81, inc.I define “interesses ou direitos difusos, assim
entendidos, para efeito deste Código, os transindividuais, de natureza
indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por
circunstâncias de fato”.
Portanto estamos situados além dos direitos individuais
tutelados pelo Código Civil.
Carvalho Santos, ao interpretar o referido
art.159, afirma que “nosso legislador não se afastando da doutrina tradicional,
conserva a responsabilidade civil com fundamento na culpa, provada ou
presumida, não acolhendo a nova teoria da responsabilidade sem culpa, tal como
querem Uger e outros juristas de não menor porte”.[15]
Resta claro que o eminente civilista pátrio
está se referindo unicamente ao Código Civil Brasileiro de 1º de janeiro de
1916 sem captar as novas tendências mundiais que escapando dos direitos
individuais até então tutelados pelos ordenamentos jurídicos buscam proteger
direitos transindividuais e, neste rumo passa a se consolidar a teoria da
responsabilidade objetiva daquele que assume determinados riscos.
Não obstante as afirmações de Carvalho
Santos, há que se constatar que o movimento doutrinário iniciado no começo do século
visando amparar maior número de vítimas de danos, principalmente aquelas que
estavam desprotegidas em face ao conceito dominante de responsabilidade fundada
na culpa. Saleilles sustentou que a culpa significa nexo causal entre o ato e o
dano, confundindo-se, portanto, com a sua causalidade. verifica-se na teoria
deste autor que seu conceito é a própria negação da culpa, pois elimina o
elemento subjetivo. Daí porque ele pode ser considerado um dos precursores da
responsabilidade objetiva, cuja idéia central é a de que muitos danos devem ser
reparados, sejam ou não resultado de culpa, sustentando que a questão deve ser
resolvida à base do risco e proveito.[16]
Temos como conseqüência da opção do
legislador brasileiro, a partir da Lei n. 6.938, pela responsabilidade objetiva
quando se tratar de dano ao meio ambiente: o dever de reparar independente de
culpa, tal princípio foi, posteriormente consagrado no art.225, parágrafo
terceiro da Constituição Federal.
Desta forma, é irrelevante a argüição de licitude da atividade
desenvolvida pois o fato da conduta do agente causador do dano ter sido
autorizada pelo poder competente e ter obedecido aos padrões técnicos para o exercício
de sua atividade pois não exclui o dever de indenizar.. [17]
Assim, estamos diante da teoria do risco
integral que impõe o dever de indenizar que decorre do fato de existir a
atividade da qual adveio o prejuízo, não exclui o dever de indenizar a alegação
de que foram atendidas todas as regras municipais, estaduais e federais para a
exploração daquela atividade. Sob esta ótica, o titular da atividade assume
todos os riscos dela oriundos, não se operam como causas excludentes de
responsabilidade, o caso fortuito e a força maior.
Na conferência proferida em 1984 na cidade
de Uruguaiana já ensinava o professor Nelson Nery Junior que: “Ainda que a
indústria tenha tomado todas as precauções para evitar acidentes danosos ao
meio ambiente, se, por exemplo, explode um reator controlador da emissão de
agentes químicos poluidores (caso fortuito), subsiste o dever de indenizar. Do
mesmo modo, se por um fato da natureza ocorrer derramamento de substância
tóxica existente no depósito de uma indústria (força maior), pelo simples fato
de existir a atividade há o dever de indenizar.”
Ainda na mesma oportunidade, manifestou
o professor, entender que o poluidor
deve assumir integralmente todos os riscos que advêm de sua atividade, como se
isto fora um começo da socialização do risco e do prejuízo.
Então, para que exista o dever de indenizar
pelo dano ambiental basta se constatar a existência do evento danoso e do nexo
causal que aponte o poluidor.
O evento danoso é o fato ensejador do
prejuízo ao meio ambiente. O nexo causal é a dedução de que a atividade do
poluidor contribuiu para o evento danoso, independentemente de culpa ou intenção
de causar prejuízo ao ambiente.
Cumpre esclarecer que a licitude da atividade do
agente poluidor ou a alegação que este está operando dentro dos padrões
estabelecidos pelas normas de segurança, ainda que a indústria tenha tomado
todos os cuidados para evitar o dano, se ele ocorreu em virtude da atividade do
poluidor há o nexo causal que faz nascer o dever de indenizar.
“Princípio do poluidor pagador e a
reparação do dano ambiental”[18], este ensaio, escrito por Antônio Hermam
Benjamim, parte do princípio de que todo o Direito Ambiental gira em torno
deste princípio eis que, na sua concepção é através deste princípio que é
traçada a vocação redistributiva,que o
autor identifica como sua função de enfrentamento das deficiências do sistema
de preços que , invariavelmente trazem embutidos os custos sociais da
deteriorização do ambiente. Assim, quem consome produtos cuja produção implica
em deteriorização de recursos ambientais deverá pagar por este custo à
comunidade.
Este princípio busca imputar ao poluidor os
custos sociais da poluição por ele causada, prevenindo, ressarcindo e
reprimindo os danos ocorridos, não apenas a bens e pessoas, mas também à
própria natureza. Cumpre salientar que este princípio não se resume na simplicidade
de quem polui paga posto que não se trata de princípio de compensação dos danos
causados pela polução mas vai mais além, posto que inclui também os custos da
proteção ambiental de qualquer ordem como prevenção, reparação e repressão do
dano ambiental.
Este princípio mereceu previsão
constitucional eis que o art.225, parágrafo 2º prevê que “aquele que explorar
recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de
acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da
lei.”
Portanto, para que haja responsabilidade
civil por dano ambiental são necessários apenas dois pressupostos: o dano e o
nexo de causalidade. Dano ecológico está vinculado ao conceito de poluição
estampado no art.3º da Lei n.6.938 que trata da degradação da qualidade
ambiental resultante de atividade que direta ou indiretamente: a)prejudiquem a
saúde, a segurança e o bem-estar da população; b) criem condições adversas às
atividades sociais e econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota ( conjunto
de seres animais e vegetais de uma região); d) afetem as condições estéticas ou
sanitárias do meio-ambiente; e) lancem matéria ou energias em desacordo com os
padrões ambientais estabelecidos.
O
segundo requisito além do dano ecológico compreendido como toda degradação
ambiental ‘e o nexo de causalidade entre o dano e a atividade do demandado. Na
concepção do nexo causal reside grande debate doutrinário entre a teoria da
culpa e a teoria do risco.
Pasqualotto, no aludido ensaio[19] sustenta
que : “A responsabilidade com base na culpa exige uma relação de causa e efeito
entre uma determinada ação e um determinado resultado. A teoria do risco
desconsidera este nexo causal. A ação da qual a teoria da culpa faz depende a
responsabilidade pelo resultado, é substituída pela assunção do risco em
provocá-lo. Fica pois difícil falar em causalidade. Seria melhor dizer
condicionalidade.” Pois sustenta ainda que causa é fato gerador enquanto
condição é circunstância propícia. Pois para a teoria da responsabilidade civil
objetiva quem põe a circunstância assume o risco de produzir o resultado.
POSSIBILIDADE DO ÓRGÃO ESTATAL QUE AUTORIZOU A ATIVIDADE SER
DEMANDADO.
O órgão que autoriza determinada atividade
tem também o dever de fiscalizar o desenvolvimento da mesma, esta é a
expectativa da comunidade, portanto, constatado que houve omissão deste e a demanda
for proposta por particular com base em lesão à direito individual o Estado
poderá ser legitimado passivo para esta ação. Diverso é o caso se tratarmos de
ação civil pública, proposta pelo Ministério Público posto que não teria
sentido penalizar o contribuinte que é quem provê os cofres públicos.
Eis que a regra geral é que a administração
pública responde objetivamente pelos danos que ela ou seus prepostos causarem a
terceiros, regra esculpida no parágrafo 6ºPasqualotto não da Constituição
Federal vigente, incluindo ainda as pessoas jurídicas de direito privado
prestadoras de serviço público. Assim, segundo os ensinamentos de Adalberto Pasqualotto[20]não há maiores
dificuldades em identificar a responsabilidade da administração pública por
atos comissivos mas quando se trata das chamadas faltas do serviço entendida
pela doutrina administrativista como ausência ou funcionamento deficiente do
serviço público enumera o ilustre representante do Ministério Público gaúcho
alguns doutrinadores de renome como Toshio Mukai, Nelson Nery Junior e Paulo
Affonso Leme Machado que esposam este entendimento, entendendo cabível a
responsabilização da administração pública.
Este tema também é analizado por J.J. Gomes
Canotilho[21] sob o título de danos ambientais e atos autorizados . O ilustre
constitucionalista questiona os atos privados autorizados pela administração
pública que causem danos ambientais posto que a autorização pública não
justifica a ilicitude da atividade causadora do dano razão pela qual se cogita
a transferência da responsabilidade para o órgão da administração que
licenciou, restando ao poluidor o pagamento apenas da “poluição ilícita”, ou
seja, aquela não autorizada.
A SOLIDARIEDADE PASSIVA
Assim, dependendo do autor da ação , se um
particular utilizando como fundamento a lesão à direito privado poderá o Estado
ser demandado . Ma além desta questão se coloca outra menos óbvia no sentido da
solidariedade passiva dos responsáveis pela indenização quando houver mais de
um causador do dano. Tal solidariedade se baseia no art.1.518, caput do Código Civil que determina a
solidariedade na responsabilidade extracontratual.
Sob esta ótica, dentre várias indústrias
que jogam dejetos, contribuindo para a poluição de um determinado rio, poderá,
apenas uma delas ser escolhida para ser demandada a prestar total indenização,
in solidum, intotum . Tal entendimento não nos parece o mais correto pois não há ação conjunta ilícita. E,
segundo parecer de Álvaro Villaça Azevedo publicado na RT 722/96 “só existem
cúmplices quando há participação coletiva, de várias pessoas, na realização de
uma iliceidadetab CUSTÓDIO”.
BIBLIOGRAFIA:
· CUSTÓDIO, Helenita Barreira. Responsabilidade Civil por Dano
Causado ao Meio Ambiente. São Paulo, 1983. Tese apresentada ao Concurso de
Livre-Docente para o Departamento de Direito Civil da Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo.
· DINIZ, MARIA HELENA. CURSO DE DIREITO CIVIL BRASILEIRO, 7o.
volume, Responsabilidade civil. Ed. Saraiva, 1988.
· NERY JUNIOR , Nelson e ANDRADE NERY, Rosa Maria,
Responsabilidade Civil, Meio-Ambiente e Ação Coletiva Ambiental in “Dano
Ambiental Prevenção, Reparação e Repressão” Coordenador Antônio Herman V.
Benjamin, Ed. RT.pg.278 a 307.
· MARTINEZ, Maria Cristina Rosa. Responsabilidade Civil por
Danos ao Meio Ambiente. Revista de Estudos Jurídicos, vol.25, No.64, 1992,
pg.89-104.
retirado de: http://direitobancario.com.br/