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TÍTULOS EXECUTIVOS

 

 

Ernane Fidélis dos Santos

Professor de Direito Processual Civil da Universidade Federal de Uberlândia

Magistrado em Belo Horizonte

 

SUMÁRIO

 

Introdução. 1. Sentença Homologatória de Laudo Arbitral, de Conciliação de Transação. Embargos. 2. Debênture. 3. Documento Público e Particular Testemunhado. Transação Referendada pelo Ministério Público, Defensoria Pública de Advogados. 4. Objeto Material das Obrigações Previstas em Títulos Extrajudiciais do Art. 585, III. 5. Obrigações de Fazer e não Fazer. Tutela Específica e Resultado Prático. Perdas e Danos Multas.

 

Introdução.

 

No novo sistema processual civil brasileiro, com o Código de 1973, adota-as o critério de equiparação dos títulos executivos judiciais e extrajudiciais. Isto quer dizer que, definido a lei – e somente ela – os títulos executivos, pouco importa a sua eficácia executória a origem respectiva, tendo a mesma força de realização os que provenham de decisão judicial e os que se acertam por ato das partes.

 

Em trabalho publicado em novembro de 1991, sustentou Galeno Lacerda a possibilidade de se reencontrarem os princípios do Reg. 737, para retorno ao chamado prazo de assinação, que permita os embargos, sem garantia do juízo para os juízos extrajudiciais. Ideal ou não, este não é, todavia, o sistema brasileiro da atualidade que fez a unificação dos títulos (Seção II, Capítulo III, Livro II do CPC) e, ao cuidar dos embargos, fez apenas distinção entre matérias que podem ser alegadas em uns e em outros.

 

O legislador que aprovou a Lei nº 8.953, de 13-12-94, teve a preocupação de facilitar o procedimento, mas, mesmo assim, não se furtou à tentação de tocar nos títulos executivos e trazer, em conseqüência, inovações ousadas e salutares que, certamente, aumentarão a capacidade de realização do Direito Material.

 

1. Sentença Homologatória de Laudo Arbitral, de Conciliação de Transação. Embargos.

 

Na primitiva redação do art. 584, II, do CPC, considerava-se título executivo judicial   “…a sentença homologatória de transação, de conciliação, ou de laudo arbitral”.  Com o acréscimo da Lei nº 8.953/94, a disposição assim ficou:  “… a sentença homologatória de laudo arbitral, de conciliação ou de transação, ainda que esta não verse questão posta em juízo.”

 

O laudo arbitral é título executivo, desde que homologado devidamente (arts. 1.089 a 1.102 do CPC). No Juizado de Pequenas Causas, o juízo arbitral é de procedimento mais simplificado (Lei nº 7.244/84, arts. 25 a 27), e o laudo é também título executivo judicial.

 

A conciliação é qualquer acordo feito no processo, podendo assumir a feição de transação, recolhimento e renúncia de direitos.

 

De ordinário, a conciliação é provocada pelo Juiz em audiência própria, mas as próprias partes, e qualquer fase do processo, poderão conciliar.

 

A Conciliação provocada se faz por tempo nos autos. A espontânea, por petição escrita, ou também por pedido reduzido a termo. Ambas carecem de homologação, mas, como na transação, a declaração das partes surte seus efeitos desde logo, com impossibilidade de retratação (art. 158 do CPC).

 

A conciliação homologada é título executivo judicial e poderá conter obrigação ilíquida, sujeitando-se ao processo de liquidação de sentença, na forma própria.

 

A transação é forma de prevenção ou extinção de litígios mediante mútuas concessões. Devidamente homologada, a transação é título executivo judicial e, mesmo que nela se prevejam obrigações ilíquidas, dispensa-se o processo de conhecimento para a efetivação do direito correspondente, bastando-se que se promova a liquidação respectiva.

 

As partes poderão fazer acordo extrajudicial, transação ou ato a ela equivalente, de qualquer natureza e valor e requerer homologação judicial, que valerá como título executivo (Lei nº 7.244/84 e art. 584, III, com a nova redação). O procedimento, no caso, é de jurisdição voluntária e só terá valor de título judicial, se todos requererem.

 

Quando se trata de título fundado em sentença homologatória de conciliação, de qualquer acordo extrajudicial homologado, ou de transação, pergunta-se: os motivos de embargos se esgotam no causísmo do art. 741 do CPC e a ele ficam vinculados, inclusive? No meu modesto entendimento, não.

 

A sentença homologatória de transação, conciliação ou acordo extrajudicial homologado, não é de jurisdição contenciosa, mas típico ato de deliberação, de jurisdição voluntária. Em tais atos não é o Juiz que soluciona o litígio, mas as próprias partes, em acordo , disciplinado, por vontade própria, suas relações jurídicas. Os embargos do devedor, nessas hipóteses, objetivando desconstituir o título executivo, poderão fundamentar-se em qualquer matéria que se poderá alegar em processo de conhecimento, exatamente porque não houve ainda pronunciamento judicial que afirmasse, com definitividade, a obrigação contida no título, isenta de vícios que a possam macular.

 

O embargante pode alegar nulidades absolutas de transação ou do acordo (CC, art. 1450, causas de anulabilidade, como menoridade relativa, erro, dolo, coação, simulação ou fraude (art. 146 do CC), enfim toda e qualquer matéria referente a vícios de manifestações de vontade, além de fatos relativos à extinção da obrigação, não importando o momento de sentença homologatória.

 

O argumento contrário mais substancial é a nova redação do art. 741: “Na execução fundada em título judicial, os embargos só poderão versar sobre”. Ocorre, porém, que esta não foi a intenção da lei, cujo objetivo foi apenas o de sanar a intromissão indevida de inexistentes embargos sem efeito suspensivo.

 

A transação pode conter cláusulas translativas, o que ocorre quando a vantagem oferecida por um dos transatores não faz propriamente dita do objeto do litígio. É questão estranha, não posta em juízo, como, por exemplo, um pagamento em dinheiro que se promete, para que a outra parte renuncie qualquer direito que pretenda sobre o bem disputado. As estipulações, ainda assim, quaisquer que sejam, são consideradas objeto da transação e podem se4r matéria constante do título executivo (art. 584, III, com o acréscimo da Lei nº 8.953/94).

 

Posto se admita homologação de transação, feita extrajudicialmente, para aquisição de efeitos judiciais, qualquer acordo realizado em processo, ainda que se trate de questão estranha, adquirirá tal característica. Seria o caso, o exemplo, de nos autos onde se discute sobre a propriedade de determinado bem transcionar-se a respeito de indenização por ato ilícito, sem nenhuma relação com o que está posto em juízo.

 

Nas transações  sobre questão não postas em juízo, admite-se a participação de terceiro, desde que dela participem também as partes primitivas.

 

2. Debênture.

 

Acrescentou-se como título executivo extrajudicial a debênture.

 

A debênture é título de crédito causal, porque representa parcela de mútuo global que a sociedade anônima, dentro de certos limites, pode oferecer ao público (art. 52 da Lei nº 6.404, de 15-12-76).

 

As debêntures podem ser ao portador, endossáveis (art. 63 da Lei nº 6.404/76) e escriturais (arts. 34 e 74 da Lei nº 6.404/76), caracterizando-se estas últimas por serem simplesmente registradas em contas de movimentação.

 

A debênture é título de crédito também executivo (art. 585, I, com a nova redação da Lei nº 8.953/94) e, qualquer que seja sua forma , comporta execução, desde que o título, na forma da lei, contenha os requisitos da certeza, liquidez e exigibilidade. Inclusive as debêntures escriturais possuem tal qualidade, desde que formalmente constituídas, com possibilidade de reprodução que instrua o pedido executório.

 

3. Documento Público e Particular Testemunho. Transação Referendada pelo Ministério Público, Defensoria Pública e Advogados.

 

A tendência do Direito moderno é dar eficácia cada vez maior às relações jurídicas devidamente acertadas não apenas em forma jurisdicional, mas, também, quando os particulares, usando de seu poder de disciplinamento de seus próprios negócios, o fizerem.

 

O título executivo, por outro lado, já que se trata de se reconhecer acertamento que se traduz na própria substância.

 

Nesta forma de conciliação, o art. 585, II, do CPC, tinha a seguinte redação: “Art. 585 – São títulos executivos extrajudiciais. II – O documento público ou o particular assinado pelo devedor e subscrito por duas testemunhas, do qual conste a obrigação de pagar quantia determinada ou de entregar coisa fungível”. A Lei nº 8.953/94, mais ousada, deu sensíveis passos à frente e alterou a redação para “…II. A escritura pública ou outro documento público assinado pelo devedor: o documento particular assinado pelo devedor e por duas testemunhas; o instrumento de transação referendado pelo ministério Público, pela Defensoria Pública ou pelos advogados dos transatores.

 

O acertamento de dívida, assim, pode dar-se através de simples manifestação de vontade,  materializada em documento, podendo constituir título executivo, desde que dele conste obrigação de pagar quantia certa, entregar coisa, prestar fato ou dele se abster.

 

Os documentos podem ser públicos ou particulares. Documento público é o que se produz por autoridade, ou sem a sua presença, com a respectiva chancela, desde que tenha  competência para tal. Documentos particulares são os concertados pelos particulares, sem a formalidade da presença da autoridade.

 

A escritura pública, que é lavrada pelo oficial público competente, o tabelião ou o notário, é modalidade documento público e tanto ela quanto qualquer outro documento público, assinados pelo devedor, adquirem forma própria de título executivo.

 

O documento público tem, pois, sentido mais amplo, bastando, para adquirir executividade, que seja lavrado ou chancelado por autoridade competente e que o conteúdo da estipulação não seja vedado pela própria finalidade elaboração do instrumento e com ele esteja conforme. É o caso, por exemplo, do termo de ocorrência, lavrado pelo guarda de trânsito, onde se informam obrigações assumidas pelos protagonistas do acidente. Em desapropriação administrativa, outro exemplo, prestar-se como título executivo o acordo firmado entre interessados, perante a autoridade expropriante, para a respectiva definição entre interessados, perante a autoridade expropriante, para a respectiva definição de direitos de cada um , relacionados com o objeto do procedimento ou com a própria solução de divergências surgidas.

 

A mesma força executiva terá o documento particular, desde que também assinado pelo devedor e por duas testemunhas. Referidas testemunhas são apenas instrumentárias, provando a declaração, não seu teor. Neste caso, a executividade do título poderá ser impugnada, através de embargos, se a testemunha não participou efetivamente do ato, no momento de sua formação.

 

O instrumento de transação, de qualquer valor, natureza ou objeto, desde que não se trate de direito indisponível e tenham as partes plena capacidade. Constitui título extrajudicial, uma vez por elas assinado e referendado pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública ou pelos advogados dos transatores (Lei nº 7.244/84,. Arts 55 e 595, II, com a redação da Lei nº 8.953/94).

 

A “Defensoria Pública” é instituída por lei e abrange a da união, a do Distrito Federal e Territórios e a dos Estados (art. 2º, da LC 80, de 12-01-94). São órgãos estatais, não se confundindo com organizações semelhantes, mantidas por universidades ou outras entidades.

 

A lei fala, na verdade, em transação. Transação, tecnicamente, é forma de extinção de obrigações mediante concessões recíprocas (art. 10.25 do CC), mas, para validade do instrumento como título extrajudicial, qualquer acordo referendado, ainda que uma das partes nada conceda, vale como título executivo.

 

Quando a transação envolver interesses de incapazes, poderá ser feita com a participação do Ministério Público, da Defensoria Pública ou dos advogados das partes, mas, para sua eficácia de acertamento definitivo como título de execução, mister se faz a homologação do Juiz, cuja interferência a fará título executivo judicial (art. 55 caput, da Lei nº 7.244/84).

 

O advogado representa a parte. Na transação, a presença dos advogados de todas as partes transatoras, referendando a avença, dá força executiva ao documento. Em qualquer acordo da espécie transação, no qual haverá de ter sempre concessões mútuas, revela-se contraditória a presença de um só advogado, representando dois ou mais transatores. O que os advogados fazem é referendar, assistindo a parte e não valendo imparcialmente pelo negócio, como ocorre na hipótese da participação do Ministério Público ou da Defensoria Pública. Mesmo no acordo, o advogado sempre age por uma parte frente à outra, na pressuposição de interesses antagônicos; daí exigir a lei que, para se valer como título executivo extrajudicial, o instrumento de transação deva ser referendado pelos advogados constituídos das partes, isto é, cada transator com o seu e não ambos com apenas um advogado. E,  na hipótese de simulação, isto é, quando, embora, aparentemente, haja representação individual, os advogados nada mais sejam do que procuradores conjuntos (ocorre sempre entre sociedades de fato ou de direito entre causídicos e até por simples colaboração de profissionais), a executividade do título – não a dívida em si – pode ser desconstituída através de embargos.

 

Se, embora havendo acordo, não existir concessão de uma das partes, excessivamente rigorosa seria a exigência de dois advogados, quando um só, que representa a parte concedente, dá seu  referendo.

 

A representação do advogado prova-se pelo instrumento de mandato que acompanha ao instrumento, ou por declarações nele próprio. De qualquer forma, inequívocos devem ser os poderes de atuação do procurador.

 

4. Objeto Material das Obrigações Previstas em Títulos Extrajudiciais do Art. 585, III.

 

A lei nº 8.953/94 tornou passíveis de execução por título extrajudicial todas as obrigações, qualquer que seja o objeto: pagar quantia certa, entregar coisa móvel, fungível ou infungível, ou imóvel, prestar fato ou dele se abster.

 

Antes da Lei nº 8.953/94, além das dívidas de dinhero, somente poderiam ser objeto de título judicial as obrigações de entrega de coisa móveis fungíveis, isto é, das que podem ser substituídas por outras (art. 50 do CC).

 

Com a extensão ilimitada de agora, também para as infungíveis dá-se condição de serem objeto de obrigação constável de título executivo extrajudicial, o mesmo ocorrendo com os bens imóveis. A reforma é profunda, já que a execução para entrega de coisa certa ou incerta, qualquer que seja sua natureza, é possível de se realizar, se fundada em título extrajudicial, devidamente formalizado nos termos do novo art. 594, II, do CPC.

 

Há observação importante a ser feita com  relação aos títulos extrajudiciais do inc. II (documentos públicos ou particulares) e os do inc. I (cambiais e títulos cambiariformes). A estes últimos a forma define a presença dos princípios da abstração e independência, de modo tal que a causa de pedir da execução se consubstância apenas na declaração autônoma do conteúdo do Título. Para se executar dívida fundada em nota promissória, por exemplo, basta que a inicial afirme, além de outras indicações, como emissão e vencimento, quem é o credor e o valor a ser pago. Os demais documentos, sejam públicos ou privados, não se dotam de tais requisitos cambiais. Daí, seja a obrigação vazada em termos contratuais, seja como mera declaração unilateral de vontade, ser necessário que se faça constar no título a causa da obrigação, para que possa adquirir a natureza executiva. Em tal espécie de título não se comporta obrigação vazada em termos vazios de causa, valendo o documento, quando assim se portar, como simples começo de prova de processo de conhecimento.

 

Sem haver restrição na lei, podem também os imóveis ser o objeto material do título executivo extrajudicial, mas, quando a obrigação for decorrente de negócio jurídico que exija formalidade especial, a executividade só nascerá com a existência dos requisitos formais essenciais. É possível, por exemplo, requerer, por via executiva, a entrega do imóvel dado em locação, com o contrato formalizado por instrumento particular, assinado pelo locador e duas testemunhas, mas, para reclamar-se a do bem, em razão de aquisição contratual , além da disposição prevendo a entrega, que pode constar em peça apartada, há de se fazer prova do ato aquisitivo (transcrição).

 

Importa ressalvar que, se a transferência de posse pode dar-se por ato específico com determinada forma, basta que exista, para ser autorizada a execução. É o que acontece com a promessa de venda por instrumento particular, com testemunhas, prevendo a transmissão de posse. Observa-se, contudo, que nem o ato translativo de domínio nem a promessa de fazê-lo não valem como título executivo, se expressamente dele não constar a obrigação de entrega do bem.

 

Quando a dívida em dinheiro fundar-se em documento, cujo negócio exija escritura pública, só poderá ser cobrada executivamente, se materializada em tal forma. É o que ocorre quando se cobra o preço da venda de imóvel.

 

5. Obrigações de Fazer e não Fazer. Tutela Específica e Resultado Prático. Perdas e Danos Multas.

 

Na classificação das obrigações de fazer (positivas), existem aquelas que podem ser executadas por outrem e as que não intuitu personae, isto é, as contraídas para que sejam e possam ser cumpridas apenas por determinada pessoa. As primeiras são consideradas fungíveis, as segundas, infungíveis. Pretendo simplesmente a pintura de uma casa ou a pavimentação de uma alameda, sem levar em conta as condições pessoais do empreiteiro: a obrigação é fungível, porque pode ser executada por outra pessoa. Pretendo parecer de famoso jurista, ou a pintura de mural por determinado pintor de fama: a obrigação é infungível, pois por outro não pode ser executada.

 

As obrigações de não fazer são de caráter negativo e o inadimplemento só ocorre, quando se pratica o ato que não devia. De modo geral, ocorrendo a infração, a obrigação de não fazer se transmuda em obrigação de fazer ou se reverte e,  perdas e danos. O contratante construiu onde contratara não construir: para ele nasce a obrigação de demolir, além de responder pelos danos da infração. Outras vezes, a conseqüência do inadimplemento é de tal definitividade que outro recurso não resta senão a indenização, a exemplo do vendedor que quebra a obrigação de exclusividade, contratada com o produto.

 

O processo, conforme tem sido afirmado e reafirmado, tem natureza instrumental. Não é fim em si mesmo, mas simples meio para realização do direito material. Na linha de tal entendimento, o conceito de fungibilidade ou infungibilidade da obrigação de fazer é relativo e deve ser concluído de acordo com características particular da própria obrigação. Os reparos em determinada construção, em princípio, quase sempre sejam conteúdo de obrigação fungível, podem informar infungibilidade, quando a própria experiência aconselhar a realização pessoal do serviço.

 

A grande preocupação do Direito através dos tempos foi com a liberdade da pessoa, de forma que a ela jamais se imponha dever físico que contrarie sua vontade e sua liberdade. Por isso, tradicionalmente, as execuções de fazer sempre comportaram execução apenas quando fungíveis, revertendo-se as infungíveis em perdas e danos. E as de não fazer, embora admitindo-se atos sucessivos de inadimplemento, só teriam conseqüência, geralmente indenizatória e, às vezes, de desfazimento, quando realizados.

 

Com a evolução do conceito de liberdade, mormente se leva em conta a função do homem na sociedade e não o absolutismo do poder de se conduzir como bem entender, está-se chegando à conclusão de que o ideal, para império do direito e de sua almejada satisfação, é o cumprimento específico da obrigação e que qualquer providência substitutiva, ou pelo menos, o resultado prático equivalente ao do adimplemento (art. 461, com a nova redação da Lei nº 8.952/94), desde que se exclua qualquer ofensa ou ameaça física ao obrigado, em outras palavras, admitir-se-á a execução específica, ou o sucedâneo prático, sempre que se empregarem meios que não obriguem o executado a um comportamento físico determinado, ativo ou passivo, como já ocorre nas obrigações de fazer fungíveis.

 

As características peculiares das obrigações de fazer têm levado a técnica processual a adotar nova sistemática de execução, conforme já estava sendo adotado nas relações de consumo. A execução que, antes, seguia rígido procedimento de ação executória própria, pode efetivar-se, agora, através de simples sentença mandamental, pela qual  o Juiz ordena não apenas o cumprimento como também poderá adotar medidas próprias para de chegar à execução in natura ou a resultado equivalente, o que se obtém também com a execução, agora, de título extrajudicial.

 

O que fora considerado como atentório à liberdade física da pessoa, pelo critério que se adota de poder o ato ser praticado sem sua interferência, toma-se, agora, por ato comum de execução, e mais, para sua eficaz realização, poderá o Juiz tomar medidas construtivas diversas (art. 461, § 5º). Um exemplo pode esclarecer: A companhia telefônica nega a ligação de terminal a que está obrigada. Não atendido o preceito judicial que a determinou, o Juiz poderá autorizar pessoa estranha a fazê-lo (sem necessidade de processo de execução pela simples condição mecânica do ato), e, para tanto, está autorizado ao emprego de todos os meios possíveis, inclusive uso de força policial.

 

Principalmente, nas obrigações de não fazer e, no comum vezes, quando se trata de possibilidade de infração continuada ou por repetição de atos, o resultado prático equivalente ao adimplemento pode ser alcançado também por atos constritivos e até de constante vigilância que impeçam a reiteração. Se foram determinadas, por exemplo, reparos urgentes em prédio que a outro ameace, se foi decidida a retirada de animais barulhentos de certo local, se foi proibido o uso de maquinário ou funcionamento de indústria, se foi proibido o uso de som ou barulho excessivo em estabelecimento depois de determinada hora, o Juiz, para dar cumprimento à decisão ou facilitá-la, poderá determinar a remoção de coisas e pessoas do prédio, poderá ordenar a busca e apreensão dos animais ou máquinas, proibir o funcionamento da indústria, com o uso inclusive de força policial, e determinar ainda à autoridade competente que vale pela regularidade do som do estabelecimento após determinada hora, impondo até ordem de fechamento, se necessário (art. 461, § 5º).

 

Nas obrigações de contratar ou de prestar declaração, quando possível a substituição por sentença (arts. 639/640), alargou-se sensivelmente o campo de atuação do juiz que está autorizado não apenas a determinar que se cumpra como também a usar de meios que facilite o cumprimento do preceito, como pesquisas cartoriais, perícia para exata localização ou identificação do imóvel, confrontação de títulos, etc.

 

Para a facilitação da tutela específica ou realizações de resultado prático correspondente ao adimplemento, as medidas constritivas são meramente exemplificativas, podendo outras ser empregadas, quando necessárias e adequadas.

 

As medidas necessárias, tanto para a execução específica em forma própria (arts. 634 e seguintes) quanto para a simples aferição de resultado que equivalha ao adimplemento, não carecem, necessariamente, de constar da sentença, podendo ser determinadas, inclusive sob forma de execução lato sensu, isto é, por simples ordem judicial, quando forem oportunas para alcançar os respectivos fins.

 

A medida satisfativa pleiteada pode ser antecipada. Para tanto, basta que o autor a requeira, demonstrando a relevância dos fundamentos e justificando o receio de ineficácia da medida, se não concedida (art. 461, § 3º). Fundamentos relevantes são os que indicam não a existência antecipada do direito, mas a possibilidade de que venha  a ser determinado. Se a indústria está produzindo poluição prejudicial ao vizinho, se não for imediatamente sustada, causará, naturalmente, os danos reclamados.

 

A antecipação pode ser dada liminarmente, após o que se cita o réu para contestar, ou então, mediante justificação prévia, devendo o réu ser citado, par dela participar, se pretender.

 

No caso de justificação prévia , à falta de dispositivo próprio, deve-se usar, por analogia, o referente aos procedimentos possessórios, isto é, o prazo de contestação começa a correr após a intimação da decisão que julgar o pedido de antecipação (art. 930, parágrafo único). Já existem, todavia, respeitáveis opiniões contrárias, entendendo ser indiferente a ocorrência de justificação prévia, contando o prazo de defesa a partir da juntada do mandado citatório, devidamente cumprido, como é regra.

 

Ao proferir decisão final, justo é que ao Juiz, depois de completar a cognição se faculte, sem nenhum requerimento, a revogação liminar, o que todavia, deverá fazer de maneira expressa, sob pena de ela prevalecer com o processo em grau de recurso, se houver. A parte, todavia, poderá requerer a revogação no curso do processo, quando, então, o Juíza entenderá ou não, em decisão que deve ser fundamentada.

 

Após a sentença, o Juiz não mais poderá revogar a medida liminarmente concedida, na consideração de que já esgotou sua função jurisdicional.

 

Tanto na liminar como na sentença, o Juiz poderá impor cominação de multa diária ao réu, fixando prazo razoável para o cumprimento do ato (art. 461, § 4º).

 

Para imposição de multa, não há mister pedido da parte e até na execução o Juiz poderá fixá-la (art. 644, com a nova redação da Lei nº 8.953/94).

 

A multa é coercitiva, deve ser suficiente a coagir o devedor ao cumprimento da obrigação e com ela ser compatível, isto é, ser própria às finalidades da obrigação, de forma tal que não seja meio de desencorajá-lo ao adimplemento.

 

Se a obrigação de fazer for de natureza fungível, ou o resultado prático do adimplemento puder ser alcançado, a reversão em perdas e danos só se dará, se o autor o requerer. Quando a obrigação não comportar execução específica nem os resultados do adimplemento se atingirem por outros meios, a reversão em perdas e danos é a única solução (art. 461, § 1º).

 

As perdas e danos tem caráter reparativo e a multa que se aplica para forçar o cumprimento da obrigação (no meu entender apenas nas obrigações infungíveis) é coercitiva. Em conseqüência, até que as perdas e danos sejam liquidadas e pagas, há fluência da multa estabelecida (art. 461, § 2º).

 

As obrigações de fazer ou de não fazer podem também ser constantes de título executivo extrajudicial, seguindo, normalmente, as disposições executórias próprias, atendendo, inclusive, as diferenças conseqüências entre as obrigações fungíveis (admito quanto às primeiras a impossibilidade de fixação de multa, já que comportam execuções in natura, mas há divergência doutrinária).

 

Nos títulos, cujo objeto seja obrigação de fazer (naturalmente infungível) ou de não fazer, o título poderá fixar multa por dia de atraso e a data a partir da qual será ela devida, podendo o Juiz reduzi-la, se excessiva, considerando-se como tal o valor que ultrapasse a própria obrigação (art. 990 do CC) e o que transponha a proporcionalidade das conseqüências decorrentes da mora caso em que a redução fica ao prudente arbítrio do Juiz (art. 645, parágrafo único, com a redação da Lei nº 8.953/94). Se o título não contiver previsão de multa, o próprio Juiz a arbitra na inicial da execução (art. 945, caput).

 

O valor da multa pode ser impugnado em embargos e o exeqüente poderá recorrer contra sua fixação ou redução, via agravo de instrumento.

 

As obrigações de fazer comportam execução, quando estabelecidas em sentença e em título executivo extrajudicial devidamente formalizado (escritura pública, documento público, documento particular, subscrito por duas testemunhas, todos assinados pelo devedor, instrumento de transação, referendado pelo Ministério Público, Defensoria Pública ou pelos Advogados dos transatores (art. 594, II, redação da Lei nº 8.953/94). Daí a mudança do art. 632 que não fala mais em  “… cumprir o julgado, mas em satisfazer a obrigação”.

 

A sentença, via de regra, contém pena pecuniária por atraso de cumprimento das obrigações de fazer infungíveis e de não fazer, mas, se tal não ocorrer, o juiz da execução, deve, agora, fazer a fixação, estabelecendo o quantum por dia de atraso e a data a partir será devida a multa (art. 644, com a redação da Lei nº 8.953/94, revogado o art. 645).

 

Ainda que a sentença tenha fixado, o Juiz da execução, poderá aumentar o valor da multa, se verificar que se tornou insuficiente, e reduzi-la, se tornou excessiva  (art. 644, parágrafo único, acréscimo da Lei nº 8.953/94). A modificação, assim prevista, não importa em atribuir ao Juiz da execução o poder de reforma a decisão primitiva, já que, neste caso, haveria ofensa frontal à coisa julgada. Trata-se, na hipótese, de aplicação da cláusulas rebus sic stantibus que, implicitamente, por disposição legal está incluída na decisão. Daí ser mister que a alteração só se proceda, quando houver justificada modificação do estado de fato, atestada pela fundamentação precisa do juízo executório e o aumento por embargos.

 

Nos títulos extrajudiciais, a fixação poderá ser também do juiz, se o Título não a previr, a ele facultando-se também a redução, se a multa por excessiva (art. 645, parágrafo único) com as mesmas conseqüências recursais dos títulos judiciais.

 

Antes da Lei nº 8.953/94,se a pena pecuniária, nas obrigações de fazer infungíveis não fosse fixada na sentença do processo de conhecimento, não poderia ser aplicada. Com a alteração, o próprio Juiz poderá fazê-lo (art. 644). Assim, se o pintor é condenado a realizar um trabalho intuitu personae e não cumpre o julgado, o Juiz na execução, estabelece a multa por dia de atraso.

 

Seja através de acordo homologado judicialmente, valendo como título executivo judicial, seja através de título extrajudicial, formalizado nos termos do art. 585, II, se não houver fixação de multa, o Juiz da execução poderá fazê-lo (art. 645, redação da Lei nº 8.953/94).

 

BIBLIOGRAFIA

 

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