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A CRISE DO PARADIGMA DUAL DE POLÍCIA
E A DESLEGITIMAÇÃO POLICIAL
COMO INSTRUMENTO DE CONTROLE SOCIAL
Jorge da Silva Giulian
A
Polícia vista como instância de controle social, tem que ter legitimação dentro
da sociedade civil, principalmente para fazer sua função primaz, que é
fiscalizar a conduta entre os entes de que à compõem.
Historicamente, a Polícia sempre foi organizada militar ou paramilitar em sua
estrutura, sendo na cidade de Roma, no antigo Império Romano, a constituição de
um corpo de soldados retirados do Exército Romano, que tinham como missão o
patrulhamento da cidade e eram subordinados a figura do "edil" da
cidade.
Constituía-se em uma centúria de homens (100 homens), comandados por um
centurião (capitão). Resumindo, o primeiro corpo organizado de controle social,
era municipal e tinha sua estrutura militarizada .
Com o decorrer da história a Polícia como um todo foi especializando-se,
culminando o seu ápice na era de Napoleão Bonaparte, que criou e instituiu o
sistema policial "gens d'armes", e devido as suas vitórias em guerra
contra outras nações, este sistema difundiu-se por uma grande infinidade de
países, os quais vigem até hoje, é só vermos a França com a Gendarmeria
Francesa, a Itália com os Carabinieris, a Espanha com a Guarda Civil Espanhola,
entre outras.
Porém os países anglo-saxões, também criaram seu próprio sistema policial,
tendo como os mais famosos os policiais ingleses, os bobs; e, posteriormente a
Scotland Yard.
NOSSO SISTEMA
O Brasil possui um sistema híbrido de controle social, tendo várias policias
para fazerem o mesmo tipo de policiamento, nossa divisão consiste em áreas
funcionais e não territoriais ou por competência, ou seja, existe à nível
estadual, uma Polícia Ostensiva e outra de Investigação, que se interpõem e
fazem cada qual apenas metade do ciclo policial.
Esse sistema policial, além de falho, causa grandes embates corporativos entre
as duas instituições, fazendo com que o crédito necessário para que a população
passe a visualizar sua polícia como necessária, eficaz e eficiente, torne-se
difícil de ser alcançado.
AS FUNÇÕES
Em 1808, D.João VI, criou este sistema dual de polícia, variando as
nomenclaturas e definições de competências através dos anos, mas houve sempre
duas policias, cada qual realizando metade do ciclo policial.
Em 1969, o governo militar, tentou regulamentar esta situação através do
decreto-lei nº 667, talvez uma das poucas ações correta da ditadura, mas a
resistência dos delegados da Polícia Civil, causaram um grande óbice em termos
de definições de funções, ou seja, o corporativismo exarcebado impediu uma
melhora no policiamento em termos de funções.
Os delegados, inclusive, devido a perda do setor ostensivo diante do
decreto-lei 667, ventilaram uma possível preferência pela Polícia Militar em
detrimento à Polícia Civil, o que "a posteriori" foi constatado
exatamente o contrário .
A alegação dos delegados da Polícia Civil, é que deixando o policiamento
ostensivo como exclusividade da Polícia Militar, acarretaria com a extinção da Polícia
Civil.
Atualmente à nível estadual a Polícia Militar realiza o policiamento ostensivo
e de preservação da ordem pública quando necessário, e a Polícia Civil realiza
o policiamento investigativo.
AS DISFUNÇÕES
No decorrer dos anos, o Brasil nunca foi muito adepto, na aplicação da lei
através do cientificismo, mas utilizou-se sempre de um pragramatismo, do tipo
"espanque antes e pergunte depois", causando na Polícia uma opção
profunda em prol da elite brasileira.
Historicamente, a Polícia foi criada a fim de controlar primeiramente os
escravos no Brasil Império e depois para controlar a população de baixa renda ,
denotando uma preferência por uma categoria social, fazendo com que a polícia
brasileira auxiliasse na elitização do incipiente Estado brasileiro.
Hoje, na maioria de nossos Estados, existem 02 Policias, que apesar de
legalmente terem funções distintas, agem na maioria dos casos como Polícias
Ostensivas.
Quase todas as viaturas das Polícias Civis utilizam-se de giroflex e pinturas
ostensivas, além dos integrantes da força de investigação, utilizarem-se de
coletes, distintivos e bonés com os dísticos de sua corporação.
Em suma, torna-se motivo de piada para qualquer policial, ou mesmo para
qualquer cidadão, a pecha de que há algum tipo de investigação por parte das
Polícias Civis.
Normalmente, os traficantes e delinqüentes são presos através de denúncias
anônimas ou por informantes (X-9), que gozam de certas regalias no meio
policial, mas certos policiais em entrevistas insistem em dizer que foram
capturados após exaustivas investigações, o que entre os profissionais da área
de Segurança Pública, sabemos que não é verdade.
A investigação brasileira é primária e sem recursos, além de não haver cultura
policial para que se evolua, as tentativas de melhora são empíricas e
desintonizadas, cada qual tentando um caminho diferente.
Peguemos como exemplo o setor de informações, até bem pouco tempo atrás as
Policias não trocavam informações, principalmente a fim de não deixar a outra
se sobressair perante a sociedade.
Já na área administrativa, as Polícias Militares ainda dispensam muito tempo e
dinheiro em ações que pouco adiantam para a melhoria da Segurança Pública, em
São Paulo há mais PMs na guarda-florestal que Policiais Florestais em toda a Amazônia,
só o tempo que policiais militares dispensam em serviços burocráticos e de
guarda, torna-se administrativamente inviável, sem falar nas ações puramente
militares, como formaturas e cerimônias militares, que consomem tempo, dinheiro
e policiais que poderiam estar realizando o policiamento, e não em ações
inúteis em termos de segurança para a população.
Visualiza-se isto nas bandas de músicas dos batalhões de polícia, nas guardas
dos quartéis postadas basicamente para fazerem continência para as autoridades
constituídas e em outros serviços que em nada contribuem para o serviço
policial.
AS PROPOSTAS
Diante do quadro de Segurança Pública, surgem várias propostas para a melhora
do quadro atual, e em termos de Congresso Nacional, existem várias propostas,
mas somente duas estão realmente tomando corpo, as quais podem ser aprovadas.
O primeiro é o Projeto de Emenda Constitucional nº 613 - A de 1998, de autoria
da Deputada Zulaiê Cobra, que versa sobre a unificação policial e a
desconstitucionalização das Policias Estaduais.
Já o segundo é o Projeto de Emenda Constitucional nº 514/97, de autoria do
Executivo Federal, que literalmente extingue as Polícias Militares.
E mais recentemente, o Secretário de Segurança Pública do Rio Grande do Sul,
Senhor José Paulo Bisol, encaminhou nova proposta de Emenda Constitucional,
semelhante aos outros PECs, porém com a inovação de abolição do vetusto
Inquérito Policial, peça arcaica oriunda das ordenações afonsinas e manuelinas
no Brasil, o que acredito que está no caminho certo.
Revela-se assim uma tendência nacional a uma redefinição de competências, para
que se otimize recursos e que esta nova instituição policial inicie uma nova
etapa em nossa nação, fazendo todo o ciclo de polícia, desde o policiamento
ostensivo até a investigação.
CONCLUSÃO
Estamos iniciando um novo milênio e completando 500 anos de existência, não
obstante, a globalização e o fim das fronteiras, principalmente comerciais,
colocou o Velho e o Novo mundo mais próximos, e com as conseqüentes comparações.
Temos que ter cautela em apontar soluções milagrosas, como se fosse a panacéia
para todos os males da insegurança pública, pois uma ação precipitada, uma lei
mal elaborada, gera efeitos muitas vezes irreversíveis.
O debate tem que continuar, e acredito ainda ser cedo para pensarmos em uma
unificação a curto prazo, pois as Policias Estaduais são corporações
diametralmente distintas, com formações diferentes, urge principalmente o
início da mudança de mentalidade dentro das instituições, a começar por aceitar
críticas construtivas em razão de um bem maior que é a segurança de nosso
grande povo brasileiro.
Jorge da Silva Giulian
Tenente da PMSC
Bacharel em Direito e Mestrando em Direito pela UFSC
RETIRADO DE http://www.neofito.com.br