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A COMPETÊNCIA RELATIVA NO PROCESSO PENAL
Arnaldo Siqueira de Lima

O Código de Processo Penal em vigor não trouxe regras claras sobre competência relativa e absoluta, como fez o de Processo Civil. O teor do art. 108 do CPP induz o leitor a raciocinar com competência relativa, pois dita que a parte deve argüir a incompetência do juízo no prazo da defesa, e, logo a seguir, no art. 109, traz a idéia de competência absoluta, vez que permite ao juiz se declarar incompetente em qualquer fase do processo.

Ora, seria a incompetência absoluta para o juízo e relativa às partes? O assunto é de envergadura e por demais complexo.

A doutrina majoritária não deixa dúvida que o juiz penal tanto pode ser absoluto, como relativamente incompetente. Apresenta, em regra, como causas de absoluta incompetência aquelas relacionadas com a matéria (ratione materie), em relação à pessoa (ratione persona), e como relativa aquelas causas em razão do lugar da infração (ratione loci).

A regra traçada no art. 70 do CPP, a exemplo do art. 8º do Código de Processo Penal Italiano (La competenza per territorio è determinata dal luogo in cui il reato è stato consumato), transmite a idéia, por todos divulgada de que o legislador assim a fez porque é no local do crime que melhor se colhem as provas. É no local do crime que se torna necessário o caráter retribuitivo da pena: é naquele local onde a lei foi violada que o Estado precisa punir o autor para dar exemplo aos demais membros da sociedade. Norma de caráter absoluto, portanto.

O teor do art. 73, da legislação processual penal que dita ‘‘Nos casos de exclusiva ação privada, o querelante poderá preferir o foro de domicílio ou da residência do réu, ainda quando conhecido o lugar da infração’’, leva à conclusão de que esse preceito traduz hipótese de incompetência relativa, como afirma Maria Lúcia Karam, in ‘‘Competência no Processo Penal’’, 1997, p. 50, ‘‘No processo penal, há uma única hipótese de incompetência relativa, que se dá no caso de exclusiva ação penal privada, em que transige a lei com o interesse das partes, permitindo ao querelante uma opção, que deve se fazer ou pelo foro comum determinado pelo local do fato, quando seu interesse terá coincidido com o interesse público, ou pelo foro de domicílio ou residência do querelado, quando seu interesse presumidamente coincidirá com o interesse do querelado, hipótese análoga àquela prevista na segunda parte da regra contida no artigo 95 do Código de Processo Civil’’.

Essa mesma idéia vê-se claramente no magistério do professor Hélio Tornaghi, (‘‘Curso de Processo Penal’’, 1997, p. 95). Diz o mestre: ‘‘A norma sobre competência é, por vezes, inderrogável pela vontade das partes: diz-se a competência absoluta. De outras vezes, a lei lhes confere disponibilidade: a competência é relativa. Exemplo típico dessa última é o que decorre do art. 73 do Código de Processo Penal’’.

A jurisprudência tem se manifestado no sentido de que a competência territorial, no processo penal é relativa. Ocorre que os estados da Federação têm autonomia, inclusive para organizar sua Justiça. Cada unidade federativa tem suas organizações judiciais. Tourinho Filho afirma que mesmo na competência territorial um Estado não pode julgar causas de outro. Veja seu magistério: ‘‘No que respeita à Justiça Comum Estadual, cujos órgãos são os tribunais e juízes estaduais, exerce ela o poder de julgar as causas de sua competência dentro das circunscrições territoriais em que está dividido o Brasil: estados-membros e Distrito Federal (...) Se um juiz de São Paulo vem a conhecer de uma causa da competência do juiz de Minas, pensamos que a incompetência é absoluta, uma vez que as justiças, embora comuns, são diversas.’’ (‘‘Processo Penal’’, v. 2, 1998, p. 83 e 579).

Nota-se, portanto, que mesmo a competência territorial no processo penal é de regra absoluta, sendo relativa quando se tratar de ação privada, apesar dos reiterados julgados no sentido de que a incompetência em razão do local do fato é relativa, independentemente da modalidade de ação penal.

Mesmo os seguidores da corrente jurisprudencial acima hão de convir que as questões envolvendo competência entre os foros de Taguatinga-DF e Samambaia-DF não podem ter tratamento similar às questões relativas à jurisdição do Gama-DF e de Luziânia-GO, pois, neste caso, serão provocados juízos de organizações judiciárias diversas. Tanto é assim que em um eventual conflito de jurisdição, o órgão competente para dirimir será diferente, ou seja, no conflito entre foros da mesma unidade federativa cabe a resolução ao Tribunal de Justiça local, todavia envolvendo federações diversas a competência pertence ao Superior Tribunal de Justiça.

Finalmente, o que se observa é que muitos desses que reconhecem a incompetência territorial, no processo penal, como relativa, julgam a argüição em preliminar, não sendo aí coerentes como ponto de vista esposado, pois a via adequada é a exceção. Preliminar, como sabemos, é matéria reservada à incompetência absoluta.


Arnaldo Siqueira de Lima
Delegado de Polícia do Distrito Federal e
Professor da Universidade Católica de Brasília

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