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A antecipação da tutela e o mandado de segurança nos juizados especiais

 

 

Geovane De Mori Peixoto

 

Professor de Direito Constitucional da FABAC, Professor de Direito Internacional da FABAC e da UFBA, Coordenador Acadêmico Adjunto do Curso de Direito da FABAC, Coordenador da Escola de Formação de Dirigentes e Governantes da Bahia, Especializando em Direito Administrativo pela Fundação Faculdade de Direito da Bahia e Advogado

 

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Tutela Antecipada. 3. Pressupostos da Concessão da Tutela Antecipada. 4. Características da Tutela Antecipada. 5. Breves Anotações Sobre a Utilização do Mandado de Segurança. 6. Da Utilização do Mandado de Segurança em Sede dos Juizados Especiais Cíveis. 7. Limites à Utilização do Mandado de Segurança para Impugnação da Tutela Antecipada: A) Limitação do Ato de Autoridade – Natureza Jurídica Diversa do Ato Decisório; B) Distinção Entre Direito Líquido e Certo e o Direito Ensejador da Tutela Antecipada; C) A Ausência de Contraditório no Mandado de Segurança. 8. Do Pedido de Revogação da Liminar ao Juiz de 1º Grau. 9. Síntese.

 

 

1.          INTRODUÇÃO:

 

  É ponto pacífico na doutrina e na jurisprudência pátria a possibilidade de concessão, pelo Magistrado, de antecipação da tutela, genérica (art. 273, do CPC) e específica (art. 461, § 3º, do CPC), nas ações de competência dos Juizados Especiais Cíveis, pela exegese dos ars. 2º e 6º, da Lei nº 9.099/95.

 

 Acontece, todavia, que a decisão concessiva desta espécie possui natureza interlocutória, somente passíveis de serem guerreadas por intermédio do recurso de agravo (ar. 522, do CPC), e na sistemática dos Juizados Especiais Cíveis não há previsibilidade legal da utilização deste, como coaduna o Enunciado nº 10, do 1º Colégio Recursal de Pernambuco:

 

“Das decisões proferidas pelo Juizado Especial, somente são cabíveis os recursos previstos nos arts. 41e 48 da Lei n. 9.099/95 (recurso inominado e embargos de declaração), não se admitindo o recurso de agravo, instrumentalização ou retido”.

 

Frente à ausência de espécie recursal eficaz e hábil a combater as decisões interlocutórias na sede dos Juizados Especiais, têm-se socorrido os operadores do direito do remédio heróico do mandado de segurança, não com pouca freqüência.

 

Embora visualizemos esta possibilidade de utilização do mandamus, reconhecemos a existência de algumas ressalvas a serem feitas, pertinentes ao tema, que no nosso entender não vêm sendo observadas diuturnamente na prática, como pretendemos desenvolver doravante.

 

2.                     TUTELA ANTECIPADA:

 

A necessidade imperiosa de antecipar a tutela jurisdicional é magistralmente esplanada por Kazuo Watanabe, ao lecionar que:

 

“O princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, inscrito no inc. XXXV do art. 5º da Constituição Federal, não assegura apenas o acesso formal aos órgão judiciários, mas sim o acesso à justiça que propicie a efetiva e tempestiva proteção contra qualquer forma de denegação da justiça e também o acesso à ordem jurídica justa. Cuida-se de um ideal que, certamente, está ainda muito distante de ser concretizado, e, pela falibilidade do ser humano, seguramente jamais o atingiremos em sua inteireza. Mas a permanente manutenção desse ideal na mente e no coração dos operadores do direito é uma necessidade para que o ordenamento jurídico esteja em contínua evolução” [1]

 

Esta espécie de provimento jurisdicional é, de forma simplista, a antecipação dos efeitos a serem alcançados pela decisão final da demanda,  é o adiantamento da tutela perquirida, sem confundir-se com a tutela cautelar advinda do poder geral de cautela dos Magistrados. Não podemos furtar-nos à transcrição da cátedra de Nelson Nery Junior e de Rosa Maria Andrade Nery, acerca do tema:

 

“A tutela antecipada dos efeitos da sentença de mérito não é tutela cautelar, porque não se limita a assegurar o resultado prático do processo, nem a assegurar a viabilidade da realização do direito afirmado pelo autor, mas tem por objetivo conceder, de forma antecipada, o próprio provimento jurisdicional pleiteado ou seus efeitos. Ainda que fundada na urgência (CPC, art. 273, I), não tem natureza cautelar, pois sua finalidade precípua é adiantar os efeitos da tutela de mérito, de sorte a propiciar sua mediata execução, objetivo que não se confunde com o da medida cautelar (assegurar o resultado útil do processo de conhecimento ou de execução ou, ainda, a viabilidadedo direito informado pelo autor)” [2]

 

Complementando-se com a lição do Mestre Humberto Theodoro Júnior, ao expor que:

 

“Não se trata de simples faculdade ou de mero poder discricionário do juiz, mas de um direito subjetivo processual que, dentro dos pressupostos rigidamente traçados pela lei, a parte tem o poder de exigir da Justiça, como parcela da tutela jurisdicional a que o Estado se obrigou.

 Com o novo expediente, o juiz, antes de completar a instrução e o debate da causa, antecipa uma decisão de mérito, dando provisório atendimento ao pedido, no todo ou em parte” [3]

 

Tem como escopo precípuo a harmonização de dois princípios basilares, a concessão desta medida extraordinária, quais sejam a efetividade da jurisdiçãoI e a segurança jurídica, ensejadores da antecipação da decisão de mérito, aqui debatida.

 

Saliente-se, ainda, que na maioria, quase totalidade, dos casos a tutela antecipada é concedida liminarmente inaudita altera pars, ab initio, ou seja, sem a oitiva da parte contrária, sem que torne-se, todavia, uma ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa, até mesmo pela sua revogabilidade a qualquer tempo, pelo próprio Magistrado que a concedeu, nos termos do § 4º, art 273, do CPC, além da sua provisoriedade, é claro. O que prevalece é um interesse superior da justiça, como princípio geral do direito, que vem socorrer em determinados casos, nos quais a espera pela manifestação da parte contrária pode fazer perecer o direito. 

 

3.                     PRESSUPOSTOS DA CONCESSÃO DA TUTELA ANTECIPADA:

 

Quando são concedidas liminarmente, os pressupostos para concessão da antecipação da tutela são, ordinariamente, o periculum in mora e o fumus boni iuris, de amplo conhecimento, e tão debatidos.

 

Todavia existem outros pressupostos, de maior importância, a saber, fulcradores de uma antecipação dos efeitos da tutela, quais sejam: prova inequívoca e verossimilhança da alegação.

 

Mais uma vez recorremos à cátedra do Mestre Humberto Theodoro Júnior, para distinguirmos estes dois pressupostos:

 

“Por se tratar de medida satisfativa tomada antes de completar-se o debate e instrução da causa, a lei condiciona a certas precauções de ordem probatória. Mais do que a simples aparência do direito (fumus boni iuris) reclamada para as mediadas cautelares, exige a lei que a antecipação da tutela esteja sempre fundada em prova inequívoca.

(...) Quanto à “verossimilhança da alegação”, refere-se ao juízo de convencimento a ser feito em torno de todo o quadro fático invocado pela parte que pretende a antecipação da tutela, não apenas quanto à existência de seu direito subjetivo material, mas também e, principalmente, no relativo ao perigo de dano e sua irreparabilidade, bem como ao abuso dos atos de defesa e de procrastinação praticados pelo réu.

Exige-se, em outros termos, que os fundamentos da pretensão à tutela antecipadasejam relevantes e apoiados em prova idônea”. [4]

 

Estariam estes pressupostos em total consonância com os incisos I e II do art. 273, do CPC, que reclamam além destes que:

 

“I – haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou

II – fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.” (in verbis)

 

Seriam pressupostos complementares àqueles supra analisados, porém totalmente inseridos nos demais: o periculum in mora,  o fumus boni iuris, a prova inequívoca e a verossimilhança da alegação.

 

4.   CARACTERÍSTICAS DA TUTELA ANTECIPADA:

 

São características intrínsecas da tutela antecipada, constantes inclusive do texto expresso do codex processual, a provisoriedade e a reversibilidade, merecendo ambas um breve desenvolvimento, com o escopo de uma melhor elucidação do tema do presente artigo, senão vejamos.

 

A natureza provisória da tutela antecipada é traço marcante e essencial do presente instituto. Obedecem as decisões, concessivas de antecipação do provimento final, o rito determinado para as execuções provisórias, com espeque no art. 273, § 3º, do CPC.

 

Trata-se de uma conseqüência lógica do próprio instituto, vez que estamos diante de uma antecipação do provimento final pleiteado, por uma das partes, sem contudo a certeza jurídica que somente será conferida pela res judicata. Caso não possuísse este traço característico não estaríamos diante de uma antecipação dos efeitos da tutela, mas da concessão da própria tutela, marcante das decisões de mérito.

 

  A segunda característica marcante a ser desenvolvida é a reversibilidade da tutela antecipada. Encontra sede na Lei Instrumental, § 2º, do art. 273, disciplinando que:

 

“Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado”.(grifo inautêntico)

 

Encontra justificativa a citada irreversibilidade na sempre lúcida e clara lição do Mestre Humberto Theodoro Júnior:

 

“O periculum in mora deve ser evitado para o autor, mas não à custa de transportá-lo para o réu (periculum in mora in reversum). Em outros termos: o autor tem direito a obter o afastamento do perigo que ameaça seu direito. Não tem, todavia, a faculdade de impor ao réu quesuporte dito perigo. A antecipação de tutela, em suma, não se presta a deslocar ou transferir risco de uma parte para a outra”. [5]

 

A tutela antecipada serve para conferir segurança e afastar um perigo que coloque em risco um provimento jurisdicional tardio, todavia não pode-se aceitar sob esse manto que o perigo persista, mas somente passe a ser suportado por outra parte. O perigo ensejador dessa medida dever ser aniquilado, e não invertido, como têm feito por vezes os nossos julgadores.

 

5.    BREVES ANOTAÇÕES SOBRE A UTILIZAÇÃO DO MANDADO DE SEGURANÇA:

 

Para conceituarmos mandado de segurança recorremos à clássica conceituação delimitada pelo Mestre Hely Lopes Meirelles, em sua memorável monografia acerca do tema:

 

“Mandado de segurança é o meio constitucional posto à disposição de toda pessoa física ou jurídica, órgão com capacidade processual, ou universalidade reconhecida por lei, para a proteção de direito individual ou coletivo, líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou  habeas data, lesado ou ameaçado de lesão, por ato de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça (CF, art. 5º, LXIX e LXX; Lei n. 1.533/51, art. 1º)”. [6]

 

Trata-se de ação de natureza civil, que alem dos pressupostos processuais genéricos e condições da ação inerentes à esta espécie, destacamos os seguintes pressupostos, destacados no conceito transcrito retro: ato de autoridade, ilegalidade ou abuso de poder, lesão ou ameaça de lesão e direito líquido e certo não amparado por hábeas corpus ou hábeas data. 

 

Primeiramente cumpre esclarecer que a outrora vedação à impetração de mandado de segurança contra ato de autoridade judicial já foi superado, principalmente a nível jurisprudencial, exceto contra despacho ou decisão judicial , quando haja previsibilidade em lei processual de recurso a ser manejado ou possa ser suplantado  por via de correição (art. 5º, II, da Lei nº 1.533/51). Anota contudo a Profª. Maria Sylvia Zanella Di Pietro que:

 

“(...) não obstante a clareza do dispositivo, a jurisprudência passou a admitir o mandado de segurança mesmo quando caiba recurso, desde que este não tenha efeito suspensivo e da decisão possa resultar dano irreparável”. [7]

 

Com relação à lesão ou ameaça de lesão cumpre esclarecer a impossibilidade de manusear o mandamus contra atos meramente preparatórios, mas somente quanto àqueles exeqüíveis ou em iminência de execução, aptos a produzirem os seus efeitos. Diante disto podem ser preventivos ou repressivos.

 

Por último destacamos novamente a cátedra do Mestre Hely Lopes Meirelles, para extrairmos o significado de direito líquido e certo:

 

“(...) é o que apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercitado no momento da impetração. Por outras palavras, o direito invocado, para ser amparável por mandado de segurança, há de vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante: se sua existência for duvidosa ; se sua extensão ainda não estiver delimitada; se seu exercício depender de situações e fatos ainda indeterminados, não rende ensejo à segurança, embora possa ser defendido por outros meios judiciais”. [8]

 

Possui o writ um rito célere e diferenciado, em virtude de sua urgência, não possuindo contestação da autoridade impetrada, mas apenas prestação de informações no prazo de 10 (dez) dias, que pode ser, inclusive, de “punho próprio”. Há, também a possibilidade de concessão de liminar.

 

6.                     DA UTILIZAÇÃO DO MANDADO DE SEGURANÇA EM SEDE DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS:

 

Ante a ausência de possibilidade de manejar o recurso de agravo contra decisões interlocutórias, notadamente as concessivas de tutela anetcipada, como foi afirmado no intróito deste trabalho, recorreram os operdadores do direito à utilização do mandado de segurança.

 

Acerca do tema, citamos um dos melhores autores pátrio da matéria, o Magistrado Ricardo Cunha Chimenti, ao explanar que:

 

“Mesmo aqueles que entendem incabível o agravo de instrumento na fase de conhecimento dos processos regidos pela Lei n. 9.099/95 admitem o mandado de segurança contra ato judicial praticado por juiz singular do Juizado”. [9]

 

Saliente-se, apenas, que em se tratando de ato do juiz singular, competente para julgar será o órgão colegiado, ou seja, a Turma Recursal.

 

 Encontra essa utilização fundamento em dois princípios, um explícito na Carta Política e outro princípio implícito.

 

O primeiro encontra sede no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal de 1988, ao afirmar que:

 

“A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

 

É o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional (direito de ação), definido e delimitado em sua importância por Nelson Nery Junior da seguinte forma:

 

“O direito de ação é um direito público subjetivo exercitável até mesmo contra o Estado, que não pode recusar-se a prestar a tutela jurisdicional. O Estado-juiz não está obrigado, no entanto, a decidir em favor do autor, devendo, isto sim, aplicar o direito ao caso que lhe foi trazido pelo particular. O dever de o magistrado fazer atuar a jurisdição é de tal modo rigoroso que sua omissão configura causa de responsabilidade judicial”. [10]

 

 O segundo princípio, implícito, é o do duplo grau de jurisdição.Definem este princípio os Mestres Antonio Carlos de A. Cintra, Ada Pelllegrini Grinover e Cândido R. Dinamarco, da seguinte forma:

 

“Esse princípio indica  a possibilidade de revisão, por via de recurso, das causas já julgadas pelo juiz de primeiro grau (ou primeira instância), que corresponde à denominada jurisdição inferior. Garante, assim, um novo julgamento, por parte dos órgãos da “jurisdição superior”, ou de segundo grau (também denominada de segunda instância)”. [11]

 

E complementam, ainda, os Ilustres Mestres, acerca do sistema dos Juizados Especiais:

 

“A sistemática adotada na Lei dos Juizados Especiais foi muito bem sucedida, a ponto de vir a ser consagrada no texto constitucional de 1988 (art. 98, inc. I). Com isso fica resguardado o duplo grau, que não deve necessariamente ser desempenhado por órgão da denominada “jurisdição superior””. [12]

 

Mesmo diante dos argumentos acima esposados não podemos encarar essa possibilidade como uma regra, mas sim como exceção, e obedecidos determinados limites, que pretendemos debater no tópico seguinte.

 

 

7.                     LIMITES À UTILIZAÇÃO DO MANDADO DE SEGURANÇA PARA IMPUGNAÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA:

 

O primeiro argumento a ser discutido é a ausência de previsibilidade constitucional para esta utilização do writ. O art. 5º, LXIX, da Carta Magna, instituidor do mandado de segurança determina as suas diretrizes básicas, restando a tarefa de disciplinar a matéria ao legislador infra-constitucional, que o fez na Lei 1.533/51.

 

Acontece que o escopo principal deste remédio constitucional, tampouco os seus objetivos secundários, é impugnar decisões interlocutórias, chegando-se a esta utilização por uma questão de exegese, e aplicabilidade de princípios fundamentais (direito de ação e duplo grau de jurisdição). Resta, assim, patente que a sua utilização para esse fim deve ser vista com ressalvas, e obedecer determinados limites.

 

A)                    LIMITAÇÃO DO ATO DE AUTORIDADE – NATUREZA JURÍDICA DIVERSA DO ATO DECISÓRIO:

 

Cumpre, num primeiro plano, analisarmos a diversidade de objetos a serem impugnados pelo mandamus e por um recurso específico, contra determinada espécie de decisão, no primeiro ataca-se uma ato de autoridade, no segundo um ato decisório.

 

Quando, nas vias ordinárias, impugna-se um decisão que antecipa os efeitos da tutela o objeto do recurso é o ato decisório propriamente dito, guerreando-se todos os elementos específicos da sua concessão, do instituto  que lhe conferiu origem.

 

Utilizando-se do mandado de segurança para impugnar decisão interlocutória, no caso da tutela antecipada, utiliza-se uma via oblíqua, vez que o objeto principal é um ato de autoridade, mesmo que este esteja decidindo determinada demanda, não confunde-se na sua natureza com um ato decisório, no caso em análise emitido por uma autoridade do Poder Judiciário, na sua função jurisdicional.

 

Para o Mestre Pontes de Miranda, o ato decisório jurisdicional “é emitido como prestação do Estado, em virtude da obrigação assumida na relação jurídica processual (processo), quando a parte ou as partes vierem a Juízo, isto é, exercerem a pretensão à tutela jurídica” [13] .

 

Já para o Mestre Hely L. Meirelles, “ato de autoridade é toda manifestação ou omissão do Poder Público ou de seus delegados, no desempenho de suas funções ou a pretexto de exercê-las. Por autoridade entende-se a pessoa física investida do poder de decisão dentro da esfera de competência que lhe é atribuída pela norma legal”. [14]  

 

Fica clara a diferença entre estas espécies de atos, enquanto um tem como fundamento de ser ilidir as pretensões controvertidas expostas ao Estado-juiz, o outro é qualquer expressão emitida por determinado agente, que por seu múnus, pela função pública que exerce, passa a ser qualificado como ato de autoridade.

 

Desta forma, deve-se ter em mente ao utilizar o mandamus para impugnar determinada decisão de tutela antecipada, que o objetivo é a legalidade ou não do ato de determinada autoridade pública ao decidir, e não a própria decisão, inerente aos atos decisórios

  

B)                    DISTINÇÃO ENTRE DIREITO LÍQUIDO E CERTO E O DIREITO ENSEJADOR DA TUTELA ANTECIPADA:

 

Como pressuposto da impetração do writ destacamos o direito líquido e certo do impetrante. Para espancar qualquer dúvida acerca do tema, vejamos agora conceituação de Ricardo Cunha Chimenti:

 

“Direito líquido e certo é aquele que não precisa da dilação probatória para ser demonstrado, pois os elementos de plano apresentados ou indicados (admite-se apenas a requisição de documento que esteja em poder do impetrado ou de repartição pública de difícil acesso) mostram-se aptos a comprovar a sua existência e o seu limite.

Pelo conceito de Hely Lopes Meirelles, direito líquido e certo é o que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercido no momento da impetração”. [15] (Ob. cit. p. 191)

 

Já a tutela antecipada exige, como pressuposto, a verossimilhança do direito alegado, “que somente se configurará quando a prova apontar para “uma probabilidade muito grande” de que sejam verdadeiras as alegações do litigante” [16] .

 

Entrelaçando os dois institutos, nota-se que, enquanto para concessão da tutela antecipada é suficiente uma probabilidade, concreta, do direito alegado pelo postulante, para concessão do mandamento de segurança é estritamente necessário a certeza e liquidez do direito, nos termos retro aludidos.

 

Há um descompasso entre a concessão e a sua revogação, pois a demonstração capaz de constituir não será para desconstituí-la, pois no direito apenas admite-se a fórmula de “quem pode o mais pode o menos”, todavia a recíproca não tem aplicabilidade. Logo a mera probabilidade não será suficiente onde exige-se a certeza.

 

  É oportuno ressaltar, ainda, que o direito líquido e certo tem que ter incidência direta sobre o caso concreto, não podendo atuar de forma reflexa ou indireta, além de incidir diretamente sobre o ato da autoridade, e não sobre o ato decisório (tópico supra), ou seja, incidem sobre objetos diversos.

 

C)                    CONTRADITÓRIO NO MANDADO DE SEGURANÇA:

 

 Pelo procedimento do mandamus não será estabelecida relação contraditória entre as partes originárias da ação em trâmite perante o Juizado Especial, diante do objeto deste trabalho, e em um primeiro momento.

 

O princípio do contraditório está  disciplinado na Constituição Federal, em seu art. 5º, LV, disciplinando que:

 

“aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

 

Interpretando o disposto na lex legum, Nelson Nery Junior, leciona:

 

“Por contraditório deve entender-se, de um lado, a necessidade de dar conhecimento da existência da ação e de todos os atos do processo às partes, e, de outro, a possibilidade de as partes reagirem aos atos que lhe sejam desfavoráveis”. [17]

 

Acontece, que o procedimento do writ não prevê esta relação contraditória, senão vejamos a cátedra de Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

 

“A autoridade coatora é notificada (e não citada) para prestar informações (e não contestação) no prazo de 10 dias; essas informações são prestadas pela própria autoridade coatora e não por meio de procurador e, como correspondem à contestação da pessoa jurídica, devem conter todas as defesas possíveis, quanto à preliminar e quanto ao mérito”. [18]

 

Há uma participação do litisconsorte passivo necessário no feito, sob pena de nulidade, inclusive, todavia o que explanamos é que, diante do que já foi exaustivamente debatido, não formaçào de relação contraditóri nos limites do mandamus, pela sua natureza e características, o que seria imprescindível, diante de sua utilização como recurso, inexistente na Lei 9.099/95, para impugnar uma decisão interlocutória.

 

Defende Nelson Nery Junior, por sua vez, que:

 

“Todos aqueles que tiverem alguma pretensão de direito material a ser deduzida no processo têm direito de invocar o princípio do contraditório em seu favor”. [19]

 

Mesmo com as ressalvas feitas, que devem ser observadas, defendemos que não haveria um efetivo prejuízo, pois as deduções a serem feitas pela parte autora da ação originária foram feitas na incial, e de forma fundamentada e convincentes, a ponto de ensejarem a concessão da tutela antecipada.

 

 

 

 

 

8.                     DO PEDIDO DE REVOGAÇÃO DA LIMINAR AO JUIZ DE 1º GRAU:

 

Embora não faça parte direta do objeto do presente artigo, não poderíamos furtar-nos de expressar a opinião de um outro método de impugnação da tutela antecipada, que seria o simples pedido de revogação da liminar, endereçada ao Juiz singular que a tenha concedido.

 

Encontra espeque este requerimento, justamente no fato da imprevisibilidade de espécie recursal específica para impugnação do instituto, adicionado à reversibilidade e provisoriedade da tutela antecipada (art. 273, §§ 2º e 3º, do CPC), e ratificados pelos princípios processuais constitucionais do contraditório e da ampla defesa.

 

Petição simples, fundamentada e acompanhada de todos os documentos probatórios, a sustentarem a sua revogação, endereçada ao Juiz da causa. Deverá então o Magistrado, fundamentadamente, acolher ou rejeitar o pleito, sem necessidade de maiores formalidades, cumprindo com os princípios insculpidores do Juizado Especial (economia, celeridade, gratuidade, etc.), sem haver necessidade de socorrer-se desde logo do mandado de segurança, que ficaria reservado para um segundo momento, além de lhe conceder maior efetividade, aplicabilidade e aceitabilidade no sistema jurídico processual pátrio.

 

Da mesma forma como concedeu a tutela antecipada, através de liminar inaudita altera pars, não haveria necessidade de abrir prazo à parte contrária, vez que tem poderes para revogar a medida concedida, inclusive, ex officio, sem ofensa ao princípio do contraditório. Seria uma medida simplificada totalmente afeita ao Sistema dos Juizados Especiais, como foi concebido pelo ordenamento pátrio.

 

9. SÍNTESE:

  

Não restam dúvidas acerca da possibilidade de utilizar-se do mandado de segurança para impugnar decisões interlocutórias proferidas pelos Juizados Especiais Cíveis, notadamente a que concede antecipação da tutela, ante a falta de previsibilidade de recurso específico para tal fim, e incorporando que, neste ponto, utilizando-se da melhor corrente hermenêutica, pelos métodos sistemático e teleológico,  ante os princípios basilares insculpidos pela Lei nº 9.099/95, não há possibilidade de uma interpretação extensiva, e aplicação subsidiária do recurso de agravo, neste micro-sistema jurídico.

 

  Essa utilização, todavia, deve ser feita de uma forma criteriosa, e obedecendo a certos limites, restrições impostas pela própria natureza jurídica dos institutos a serem combinados, quais sejam a tutela antecipada e o mandado de segurança. É de reafirmar-se sempre que a finalidade, o escopo, da criação, instituição, do mandamus no ordenamento jurídico brasileiro não objetivava que este fosse utilizado como instrumento recursal, mas uma garantia dos direitos individuais e coletivos fundamentais, um verdadeiro remédio constitucional.

 

A autorizar, por sua vez, essa transmutação, e por via oblíqua permitir a utilização do writ como forma de impugnação da concessão de antecipação dos efeitos da tutela, nos Juizados Especiais, encontram-se princípios constitucionais basilares como o direito de ação e o princípio processual do duplo grau de jurisdição.

 

E  mais uma vez fazendo menção aos métodos de interpretação constitucional, frente aos princípios da unidade constitucional, maior efetividade das normas constitucionais e da harmonização da constituição, deve a tutela do remédio constitucional suprir a ausência, lacuna, de recurso específico contra as decisões interlocutórias nos Juizados Especiais.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

1. CHIMENTI, Ricardo Cunha. Teoria e Prática dos Juizados Especiais Cíveis, 3ª ed, São Paulo: Saraiva, 2000.

 

2. CINTRA, Antonio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini & DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo, 13ª ed., São Paulo: Malheiros, 1997.

 

3. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, 10ª ed., São Paulo: Atlas, 1998.

 

4. FIGUEIRA JR., Joel Dias & LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Comentários à Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais – Lei 9.099, de 26-9-1995, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.

 

5. MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança, 19ª ed., São Paulo: Malheiros Editores, 1998.

 

6. _______________________.  Direito Administrativo Brasileiro, 21ª ed., são Paulo: Malheiros Editores, 1996.

 

7. MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 1999.

 

8. NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal, 6ª ed., São Paulo: Editora RT, 2000.

 

 9. NERY JUNIOR, Nelson & NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil Comentado, 3ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais

 

10. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil, , 1ª ed., v. V, Rio:1974.

 

  11. TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo.  Reforma do Código de Processo Civil, São Paulo: Saraiva, 1996.

 

12. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, Vol. II, 22ª ed., Rio de Janeiro: Editora Forense, 1998.



[1] Tutela Antecipatória e Tutela Específica das Obrigações de Fazer e de Não_fazerarts. 273 e 461 do CPC”, in Sálvio de Figueiredo Teixeira, Reforma do Código de Processo Civil, São Paulo: Saraiva, 1996, p.20

[2] Código de Processo Civil Comentado, 3ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 546

[3] Curso de Direito Processual Civil, Vol. II, 22ª ed., Rio de Janeiro: Editora Forense, 1998, p. 606

[4] ob. Cit., p. 611 e 612

[5] ob. cit. p. 615

[6] Mandado de Segurança, 19ª ed., São Paulo: Malheiros, 1998, p.21/22

[7] Direito Administrativo, 10ª ed., São Paulo: Atlas, 1998, p. 524

[8] Ob. cit. p. 34/35

[9] Teoria e Prática dos Juizados Especiais Cíveis, 3ª ed, São Paulo: Saraiva, 2000, p. 189

[10] Princípios do Processo Civil na Constituição Federal, 6ª ed., São Paulo: Editora RT, 2000, p.98

[11] Teoria Geral do Processo, 13ª ed., São Paulo: Malheiros, 1997, p. 74

[12] Ob. cit., p. 77

[13] Comentários ao Código de Processo Civil, , 1ª ed., v. V, Rio:1974, p. 395

[14] Mandado de Segurança, 19ª ed., São Paulo: Malheiros, 1998, p.31

[16] Theodoro Júnior, Humberto, Curso de Direito Processual Civil, v. 2, 22ª ed., Rio de Janeiro: Editora Forense, 1998, p. 612.

[17] Ob. cit. p. 131/132

[18] Ob. cit. p. 528

[19] Ob. cit. p. 131

 

Fonte:http://www.teiajuridica.com/antutje.htm