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A perícia oficial no Código de Processo Penal

Rodrigo FB de Andrade e José WS Bezerra 

Ao ser convocada pelo Estado-juiz para oficiar no feito, a pessoa dotada da habilitação específica para o exame, se for particular, “oficializa-se”, transforma-se em auxiliar do juiz, em funcionária pública para desempenhar o "munus"

 

 

  Um dos princípios norteadores do processo penal é o princípio da verdade real. Este impõe a busca pertinaz acerca de como, positivamente, deu-se a dinâmica do fato, o que, em verdade, aconteceu. Excetuando-se os casos em que se apresentam alguns obstáculos intransponíveis na sua aplicação, a saber: a prescrição do crime, a decadência, a retratação da representação, a perempção, o perdão do ofendido, a renúncia, a inconstitucionalidade, em regra, do uso da prova ilícita, a proibição da revisão criminal pro societate da sentença absolutória irrecorrível, a transação penal nas infrações de menor potencial ofensivo da Lei n. 9.099/95 etc. Descabem aqui as presunções e ficções processuais do cível.
  
  No âmbito inquisitorial, a autoridade policial, por força do princípio, porque há urgência face à possibilidade de desaparecimento dos sinais do crime, na busca da existência de indícios de autoria e materialidade, lança mão também da perícia técnica para coligir todas as informações possíveis, as quais vão subsidiar o convencimento – a opinio delicti - do membro do Parquet – o titular da ação penal -, quando do oferecimento da denúncia. Este também, caso considere imprescindíveis, requererá novas diligências.
  
  Recebida a denúncia, ingressa-se na seara processual, onde ocorre a jurisdicionalização das provas. O juiz, nesse momento e se assim o entender, pode decretar a produção de novas provas que achar necessárias à formação da sua convicção para o bem julgar. Em se tratando de prova técnica, o juiz – o peritus peritorum -, caso não possua os conhecimentos apropriados, determina o concurso de especialista – o perito - para a realização da perícia ou prestação de esclarecimentos. “Entende-se por perícia o exame procedido por pessoa que tenha determinados conhecimentos técnicos, científicos, artísticos ou práticos acerca dos fatos, circunstâncias objetivas ou condições pessoais inerentes ao fato punível a fim de comprová-los.”(1)
  
  Quem pode exercer a função de perito? Segundo Bento de Faria, ex-ministro da Suprema Corte: “toda a pessoa pode exercer a função de perito, desde que possua conhecimentos necessários para a realização da perícia.”(2)
  
  Ao ser convocada pelo Estado-juiz para oficiar no feito, a pessoa dotada da habilitação específica para o exame, se for particular, “oficializa-se”, transforma-se em auxiliar do juiz, em funcionária pública para desempenhar o munus. Tem-se o ilustrativo exemplo narrado pelo Prof. Tornaghi: “No momento em que escrevo estas linhas vejo no jornal que foram consultados alguns mateiros (conhecedores do mato) acerca de fatos ligados ao desaparecimento na selva amazônica de um tenente do Exército brasileiro. Esses homens são possivelmente rudes e analfabetos, mas ninguém melhor do que eles para uma perícia na floresta.”(3) A investidura legal na função é a única exigência para a validade de quaisquer exames de corpo de delito e outras perícias, em geral realizadas no âmbito do procedimento penal e do inquérito policial, e os correspondentes laudos.
  
  Ex vi do art. 159, do Código de Processo Penal, ad litteram: “Os exames de corpo de delito e as outras perícias serão feitos por dois peritos oficiais.” Mas quem é o perito oficial?
  
  Segundo o magistério do Prof. Tornaghi: “Em princípio o perito é, no sistema do Código de Processo Penal, oficial do Estado, servidor público, ou melhor perito oficial, com idoneidade moral e habilitação técnica, científica ou artística.”(4)
  
  Diante do contexto dos arts. 159 e 178, ambos do Código de Processo Penal, prossegue o Prof. Tornaghi: “Existem ainda os institutos tecnológicos, os bromatológicos, os de identificação, os de estatística e outros, que também contam com peritos oficiais, dos quais pode a autoridade socorrer-se.”(5) Registre-se que, especificamente, no âmbito das polícias judiciárias, a condição de perito oficial não advém de titulação pregressa, é decorrente de curso de formação profissional levado a efeito nas Academias de Polícia.
  
  Impende ressaltar o que preceitua o art. 182 do Código de Processo Penal, ad litteram: “O juiz não ficará adstrito ao laudo, podendo aceitá-lo ou rejeitá-lo, no todo ou em parte.” Tendo por supedâneo fundadas razões, esse é o critério. É o princípio do livre convencimento motivado da autoridade julgadora. Extensivamente, também é facultada essa prerrogativa aos jurados, nos crimes da competência do Tribunal do Júri, conforme entendimento da Suprema Corte espelhado pelo eminente Ministro Moreira Alves, relator do HC 70183/SP (DJU 13-8-93, p. 15677), cuja ementa tem o seguinte teor: “Sendo os jurados juízes, não está o juiz adstrito à observância de laudo técnico se há – como no caso houve – razões para afastar-se dele.”
  
  Insiste-se, sob pena de ilogismo exegético, a condição de perito oficial não é exclusiva de determinada categoria profissional. Concluindo, o gênero perícia oficial engloba várias espécies de peritos oficiais, dos quais são exigíveis: idoneidade moral, não-impedimento para funcionar no feito, conhecimento prático ou habilitação técnico-científica específica para a natureza do exame a ser realizado e investidura legal na função; são, apenas, esses os requisitos necessários para o perito oficial, com o seu trabalho, auxiliar na administração da Justiça.
  
  NOTAS
  
  1) Fernando da Costa Tourinho Filho. Processo Penal, 3º vol., 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 244.
  
  2) Bento de Faria. Código de Processo Penal, 1º vol., 2ª ed. Rio de Janeiro: Record Editora, 1960, p. 264.
  
  3) Hélio Tornaghi. Curso de Processo Penal, vol. 1, 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 523.
  
  
4) Hélio Tornaghi. Op. Cit., p. 521.
  
  
5) Hélio Tornaghi. Instituições de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 1978, p. 187 e 188

 

 

 

Retirado de: www.direito.com.br