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A impossibilidade
da cobrança do título de crédito prescrito via procedimento monitório
José Arnaldo Vitagliano
advogado, mestre em Constituição e
Processo pela UNAERP – Ribeirão Preto, especialista "lato sensu" pela
ITE – Bauru, professor de Estudos Sociais e História pela UNIFAC – Botucatu
Sumário:1.
Considerações preliminares – 2. A ação de procedimento monitório – 3. Aspectos
históricos e direito comparado – 4. Particularidades do procedimento monitório
– 5. A instrumentalidade do processo – 6. Conclusões – 7. Bibliografia.
1. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
A
Lei 9.079/95 criou o procedimento monitório, estabelecendo um tipo inédito de
procedimento em nosso direito formal. (1) Esse procedimento visa
agilizar o trâmite do processo de conhecimento, simplificando seu andamento
quando o autor for detentor de documento escrito sem força de título executivo
e poupando o juiz de prolatar uma sentença, visto que, uma vez não apresentados
os embargos tempestivamente, o mandado de pagamento torna-se um mandado de
citação executivo, de onde segue-se atos como a penhora, a avaliação, etc. e o
procedimento passa a ser o executivo, previsto no Livro II do CPCB.
"A ação
monitória é o meio processual diferenciado, pelo qual o credor de quantia certa
ou de coisa determinada visa a obter o reconhecimento e a concretização de seu
direito, comprovado por documento hábil sem eficácia executiva." (2)
"É o meio
pelo qual o credor de quantia certa ou de coisa determinada, cujo crédito
esteja comprovado por documento hábil, requerendo a prolação de provimento
judicial consubstanciado, em última análise, num mandado de pagamento ou de
entrega de coisa, visa a obter a satisfação de seu direito". (3)
"Trata-se
de um remédio para eliminar, praticamente, o processo de conhecimento,
permitindo ao credor substituir a comum ação de cobrança por um expediente que
atraia o devedor a preferir o pagamento ao debate judicial. A ação monitória,
portanto, foi criada em face da necessidade de se ter um procedimento
intermediário que viabilizasse o pronto acesso da parte à execução, sem
percorrer os demorados trâmites processuais impostos pelo rito ordinário."
(4)
A
jurisprudência de nossos tribunais vem, ao nosso ver, data venia,
erroneamente, admitindo a cobrança de título de crédito prescrito via ação de
procedimento monitório.
A
afirmação de que o acolhimento deste tipo de procedimento ao título de crédito
prescrito é errôneo deve-se ao fato de que, a ação, de procedimento monitório,
nada mais é do que uma ação de conhecimento de rito especial onde se visa
agilizar o andamento processual e conceder ao detentor do direito, configurado
em um documento escrito sem força de título executivo, uma maior celeridade em
sua pretensão.
Trata-se,
a ação monitória, de procedimento, de direito formal. (5) No
caso do título de crédito prescrito, temos uma relação jurídica de direito
material (6) onde o direito encontra-se exaurido pela inércia do
autor em ajuizar a ação competente no prazo legal. Esse título de crédito é
regido por lei específica, (7) lei material que prevê seu lapso
temporal para execução, ação de cobrança, cognitiva portanto, tudo regido por
lei material, que especifica a relação jurídica sui generis ocorrente
entre as partes que desse instituto jurídico se utilizarem, por livre e
espontânea vontade.
Utilizar-se
da ação de procedimento monitório quando da relação jurídica regida
materialmente por um título de crédito somente seria admissível se o título
encontrasse despido de executividade, como é o caso, v. g., do cheque após 180
(cento e oitenta) dias de sua emissão, por dois anos após decorrido esse
interregno. (8)
Agora,
após dois anos e cento e oitenta dias, não vemos como pode ser possível a
cobrança via procedimento monitório do cheque então prescrito, despido de
qualquer ação que assegure seu recebimento tendo em vista a presença do
instituto da prescrição. (9) Falar-se que, se pode ser cobrado, via
ação monitória, um papel qualquer onde exista a confissão de uma dívida,
deve-se então ser aceito o título de crédito prescrito devido o fato de que se
trata de papel muito mais importante é, para nos, um equívoco grave, pois, ao
firmar-se, as partes, promessa qualquer de dívida em um papel qualquer, estão
elas sujeitas à legislação material pertinente, que trata da ação pessoal
própria, prevista pela lei material. (11
Em
situação diversa, estando as partes envolvidas em relação jurídica regida pelo
direito material, mais especificamente do direito comercial no caso em tela, os
contratantes, os sujeitos presentes na relação jurídica comercial, encontram-se
regidos pela legislação material pertinente, i. e., pela legislação específica
ao título de crédito utilizado pelas partes na relação jurídica firmada. Jamais
uma lei formal, processual, pode modificar prazos e aplicações de institutos
específicos de direito material, devidamente regrados por ele.
Argumenta-se
que o título de crédito prescrito, portanto que não tem força de título
executivo, é objeto apto ao embasamento para o ajuizamento da ação monitória.
Ora,
o título de crédito é relação de direito material, prescrito em Lei específica,
devidamente exeqüível dentro do seu interregno temporal legalmente previsto.
Jamais uma ação, prevista por uma lei formal, pode utilizar-se como fulcro para
a parte ajuizar um procedimento cognitivo baseado em direito tutelado
materialmente mas também materialmente previsto como prescrito.
Expomos
uma questão: anteriormente ao advento da Lei 9.079/95, que criou o procedimento
monitório, existia alguma ação que se utilizasse para a cobrança do título de
crédito prescrito?
Em
nosso ainda curto espaço de tempo em contato com a ciência jurídica, e
realizando uma minuciosa pesquisa sobre essa situação, desconhecemos qualquer
ação desse tipo. Não conseguimos vislumbrar ação que servisse para esse
propósito. É evidente que não pode ser utilizada a ação de procedimento
monitório para a cobrança de título de crédito prescrito. Estar-se-ia
ressuscitando uma relação jurídica coberta com o manto da prescrição
processual.
2. A AÇÃO DE PROCEDIMENTO MONITÓRIO
Discorrendo
sobre a ação de procedimento monitório, José Rogério Cruz e Tucci, em sua obra
Ação Monitória, São Paulo: Saraiva, 1995, explica com muita propriedade que se
trata de procedimento cognitivo, criado para agilizar o andamento processual
das ações de cobrança, que visem a futura execução; assim, podemos afirmar que
jamais pode ser criada nova dívida em relação já prescrita, como é o caso da
cobrança do cheque prescrito, pois, antes do advento dessa nova Lei, não
existia qualquer procedimento jurídico para esse tipo de cobrança, ou seja,
referido título estava prescrito, o que não pode ser aceito é o fato de que uma
lei formal ressuscite direito material prescrito.
Menciona
o autor supra referido, op. cit., p. 47: "Longe de constituir um novo
gênero de processo, Garbagnati adverte que a única peculiaridade emergente do processo
de natureza monitória é a de criar mais celeremente, mediante um procedimento
especial, o título executivo. Inequívoca, portanto, a sua natureza de processo
de conhecimento."
Continua
o mesmo jurista, op. cit., p. 48: "A especialidade da estrutura
procedimental e da forma do pronunciamento judicial é ditada, nesse caso,
exclusivamente pelo escopo de acelerar ao máximo o reconhecimento do direito,
visando a formação do título executivo. Na verdade, a única novidade que se
vislumbra é a de que o procedimento em apreço encerra, sob a ótica processual,
uma espécie de privilégio para o credor, sobretudo no que se refere ao regime
das provas e ao caráter diferido e eventual do contraditório."
Independentemente
da existência ou não desse novo procedimento (monitório), que relação jurídica
tinha ocorrido entre as partes? Evidentemente uma transação comercial que
acabou, com a prescrição da dívida. Existindo esse novo procedimento, o que
ocorre? Nada de novo, ou seja, a dívida permanece prescrita. Um procedimento
processual não pode ter o condão de ressuscitar relação material, comercial,
definida em legislação material própria, já prescrita.
Fala-se
em agilização do procedimento de conhecimento, do colhimento das provas. Pergunta-se,
nos casos de título de crédito prescrito, que provas tem o autor, não se trata
de um Título de Crédito? É claro que um Título de Crédito não necessita de
comprovação outra, uma vez que a dívida seria líquida, certa, exigível por
tempo expresso em lei, que não socorre quem dorme (dormientibus non
succurrit jus).
Assim,
podermos afirmar que, com relação à ação de procedimento monitório, trata-se de
um equívoco, data venia, a aplicação desse procedimento para
ressuscitar-se dívida prescrita, título que já teve seu interregno temporal
executivo prescrito.
3. ASPECTOS HISTÓRICOS E DIREITO
COMPARADO
Com
relação, ainda, à ação monitória, analisando a mesma na ordem jurídica e
histórica brasileira, é providencial a magistral reflexão de Jhering: (12
"Con el Derecho romano sucedió lo mismo que con
la civilización griega: no ejerció toda su influencia hasta después de haber
desaparecido. Hay también un derecho hereditario para los pueblos: pueden
tardar en aceptar la herencia, pero ninguna herencia valiosa queda sin dueño. El
Derecho romano tenía que servir algún día a la humanidad, lo mismo que las
obras del arte griego y la filosofía de Platón y Aristóteles. Lo verdaderamente
grande nunca acaba en el mundo. Puede ser como la semilla que queda invisible
en la tierra hasta que llega el momento oportuno para su germinación."
"En el fondo y en la forma todas las
legislaciones modernas se basan en el Derecho romano, que ha llegado a ser para
el mundo moderno, como el cristianismo, como la literatura y las artes griegas
y romanas, un elemento de civilización cuya influencia no se limita a las
instituciones que le hemos pedido, sino que nuestro pensamiento jurídico,
nuestro método y nuestra forma de intuición, toda nuestra erudición jurídica en
una palabra, son romanos si es que se puede llamar romana una cosa y verdad
universal, que los romanos han tenido el mérito de desarrollar hasta su último
grado de perfección."
"En algún tiempo las naciones que se daban
nuevos Códigos dejaron a un lado el Derecho romano, pero hubieron de volver a
él y reanudar la continuidad." (Abreviatura de el espíritu del Derecho
Romano, Ed. Revista de Occidente - Buenos Ayres -, 1947, págs. 17 e 18).
Podemos
afirmar que é o que tem acontecido com relativa freqüência, como, p. ex., com a
cláusula rebus sic stantibus e o nauticum foenus, sementes
adormecidas durante muitos séculos para nascerem sob as formas da teoria da
imprevisão e do seguro marítimo, respectivamente, e, no caso, com as regras
mestras das ações arbitrárias do direito romano, embriões onde os alemães e
austríacos mostraram a seus legisladores os elementos que os levaram à criação
dos institutos do procedimento monitório, no ZPO, e da ação monitória, no
JNZPO, austríaco.
Os
institutos, nessas duas ordens jurídicas, não são idênticos, embora visem a
solução semelhante. No ZPO, o procedimento monitório visa a proporcionar ao
requerente, para pretensões provavelmente indiscutíveis, sem debate e sem
decisão sobre a matéria, um título com força de coisa julgada.
Assim,
diante da afirmação unilateral e sem verificar a verdade para provar a
afirmação do requerente, o curador de justiça, em caso de pretensões
determinadas, decreta a assim chamada intimação de pagamento (ou notificação
para pagamento), contra a qual o requerido deve apresentar impugnação. Se ele
fizer isso, o procedimento passa ao processo ordinário e o procedimento
monitório então foi somente uma forma especial de iniciar o processo; se ele
não impugnar, e havendo pedido do requerente, decreta-se a chamada execução
forçada, que torna exeqüível a notificação de pagamento e com respeito à
impugnabilidade e à sentença de revelia. Tornando-se inimpugnável a intimação,
ela se converte numa sentença definitiva, com força de coisa julgada sobre a
pretensão, que se baseia na omissão da impugnação. Sem impugnação não é
possível uma negativa da pretensão. Sem impugnação não é possível um debate
sobre a matéria e decisão do tribunal.
No
procedimento monitório, a competência é do curador de justiça (Rechtspfleger),
inclusive para a decretação do mandado executivo, sua recusa e remessa para o
tribunal competente.
Apesar
dos encômios que envolveram a introdução desse novo tipo de procedimento
especial de jurisdição contenciosa, notadamente no que toca ao rigorismo
técnico de suas normas e à intenção de economia processual que se embute nelas,
não se pode fugir de algumas observações.
Salientamos
que as ponderações que se lhe façam não têm o propósito de minimizar o valor da
iniciativa. Toda e qualquer medida que se adote, visando à eliminação dos males
técnicos ou procedimentais que entravam a economia processual, já é, em tese e
por si só, digna de ser recebida com louvor e boa vontade, tendo em vista a
terrível situação em que nossos Tribunais se encontram nos dias atuais.
Porém,
o terrível entrave de nossa burocracia judiciária não está nos maiores ou
menores defeitos das normas de processo e de procedimento, ele se assenta, como
na maioria das instituições brasileiras, em estruturas arcaicas e carregadas de
vícios sedimentados ao longo dos tempos.
Pode
ser constatado que, no interior do Brasil, é comum juízes acumulando duas ou
três comarcas, como também é comum acumularem, nas sedes das organizações
judiciárias, duas ou mais varas; em alguns casos não existe qualquer cumulação,
mas temos cartórios com até 11.000 (onze mil) processos; trata-se de tarefa
humanamente impossível a condução de tamanha quantia de feitos. Mas, enquanto
não se tomarem providências sérias, no âmbito administrativo, que corrijam, ao
menos em parte, a dolorosa deficiência, material e humana, que estrangula a
máquina judiciária, as mais bem intencionadas medidas e os mais perfeitos
textos de lei não passarão nunca de enganosas e frustrantes esperanças, estarão
fadadas ao insucesso.
Neste
nosso Brasil, é comum a idéia de que uma determinada lei irá corrigir os
defeitos decorrentes de toda uma estrutura deficiente, que determinada lei irá
resolver tudo, a impunidade, a corrupção, a morosidade da justiça, enfim, todos
os graves defeitos de nossa jovem sociedade. Ora, é necessário, em primeiro
lugar, deixar de literalmente empurrar a sujeira para debaixo do tapete, ou
seja, de achar que com o estalar dos dedos, com a criação de uma ou outra lei,
estaremos resolvendo estes problemas. É necessário, com urgência, a contratação
de novos funcionários em nossos fóruns, aí incluí-se principalmente juízes; é
necessária a urgente informatização (realizada pelo Estado, não por iniciativa
de alguns valorosos funcionários), enfim, é necessário investimentos reais em
nosso judiciário, em todas as instâncias e fóruns.
Mas,
voltando ao procedimento monitório, podemos afirmar, com segurança, que
trata-se apenas de um procedimento cognitivo que agiliza o trâmite processual,
suprimindo formas mais burocráticas e tornando o processo mais célere. No
entanto, jamais poder-se-ia falar (e muito menos aplicar) em novo tipo de
processo com o poder de criar novas situações jurídicas em atropelo ao
ordenamento material vigente. Em outras palavras, como já fora exposto, jamais
poderia uma norma processual invadir a esfera do direito material e criar nova
forma de cobrança de título de crédito prescrito.
O
procedimento monitório previsto em nosso ordenamento processual não especifica
este tipo de prática, nossa jurisprudência (e nossa doutrina), a nosso ver
entendendo de forma deturpada a legislação, vem aplicando o procedimento
monitório de forma a sobrepor o direito formal ao direito material, sendo que,
jamais isto pode ser realizado, pois, aquele é instrumental em relação a este.
4. PARTICULARIDADES DO PROCEDIMENTO
MONITÓRIO
Podemos
constatar que o art. 1.102a tem redação assemelhada à do § 1º da Lei Monitória
austríaca, de 27 de abril de 1873, com uma distinção importante. A lei
austríaca limita, prudentemente, a 15.000 shillings o valor da obrigação
que pode ser objeto da ação monitória, ou seja se a importância exigida ou se o
valor do objeto considerado na pretensão, sem acréscimos de juros e acessórios,
não ultrapassar a soma de 15.000 shillings. Este valor equivale mais ou
menos a vinte salários mínimos brasileiros.
Podemos
realizar uma comparação com a lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, criadora
dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, que, no seu art. 3º, inc. I,
estabelece:
"O Juizado
Especial Cível tem competência para conciliação, processo e julgamento das
causas cíveis de menor complexidade, assim consideradas:
I - as causas
cujo valor não exceda a quarenta vezes o salário mínimo;",
Parece
que, por isso e tendo em vista o procedimento sumário desse instituto, haveria nele,
com vantagem, lugar para o que se pretende com a ação monitória.
Quarenta
salários mínimos equivalem a R$ 4.400,00, ou seja, R$ 2.400,00 além do limite
máximo da lei monitória austríaca. Não seria mais consentâneo adaptar-se às
normas desse Juizado regras de procedimento que o habilitassem, também, a
alcançar os objetivos do procedimento monitório recém-criado?
Tal
orientação talvez trouxesse duas presumíveis vantagens práticas: a) não deixar
que se discuta num procedimento, onde o objetivo evidente é a rapidez dos
respectivos atos, obrigações de valor ad infinitum, cuja prova será,
muitas vezes, um singelo documento; b) utilizar-se de um meio que tem, em sua
minudente sistematização, todos os instrumentos procedimentais que pressupõem
conduzir a uma real celeridade.
Em
algumas comarcas do Estado de São Paulo (v. g. São Manuel) é perfeitamente
aceito o procedimento monitório no juizado especial cível, providência esta,
pioneira e existente garças à iniciativa dos doutos magistrados locais, que
aplaudimos e destacamos como muito bem aplicada no sentido de dar maior
celeridade aos procedimentos, objetivo maior da Lei do Juizado Especial Cível.
Todavia,
nem sempre a ação monitória transmite a presunção de que a almejada economia
processual nela perseguida venha a traduzir-se em realidade. Provavelmente, a
construção pretoriana deve adotar a orientação do procedimento monitório
alemão, que também não estabelece um valor teto para a obrigação reclamada.
Com
relação ao procedimento monitório, consoante o art. 1.102b, se a petição
inicial estiver devidamente instruída, o juiz deferirá de plano a expedição do
mandado de pagamento ou de entrega da coisa no prazo de quinze dias.
A
sistematização brasileira, também neste momento, difere da alemã e da
austríaca, que lhe teriam servido de modelo. No procedimento monitório alemão
não é o juiz quem determina a expedição do mandado, mas o administrador da
justiça (Rechtspfleger), junto ao juízo e que é um escrivão de hierarquia
superior. É, por isso, um mandado de eficácia precária, tanto assim que, se a
pretensão for impugnada, cessam seus efeitos e do procedimento monitório, que
terá sido, apenas, uma forma especial de início do processo ordinário
pertinente.
No
entanto, na ação monitória austríaca, embora sua expedição seja determinada
pelo juiz, esse mandado é apenas um mandado de pagamento condicionado, que
perde sua força se for tempestivamente contestado. O credor pode recorrer ao
procedimento monitório para uma ação de cobrança. Nesse caso, o tribunal é
obrigado a decretar a ordem de pagamento por meio de uma notificação (Bescheid)
para a ação, com a advertência de que, se for contestada, realizar-se-ão os
demais procedimentos da ação pertinente, devendo realizar-se audiência. Não se
fala em sentença. Não se fala em constituição, de pleno direito, de título
executivo judicial, no caso de a contestação ser rejeitada.
A
defesa na ação de procedimento monitório é exercida através dos embargos.
Segundo os princípios do direito processual brasileiro, embargos indicam meio
de defesa de natureza específica. Assim, doutrina JOSÉ DA SILVA PACHECO -
Repertório Enciclopédico do Direito Brasileiro, Ed. Borsói, v. XX, verbete EMBARGOS:
"No plural, a palavra embargos - título deste verbete - reveste-se de
diversas acepções. Entre elas, destacam-se:" "II) A de um meio de
impugnar a execução de sentença. São os chamados embargos do executado (arts.
1.008 e 1.016 do C.P.C. ‘736 a 747 do CPC de 1973’).
O
Vocabulário Enciclopédico de Tecnologia Jurídica e Brocardos Latinos. Folio
Bound VIEWS. Rio de Janeiro,
1996. CD-ROM, assim define o termo embargos:
"EMBARGOS, s. m. pl. Diz-se do
recurso que a parte oferece, ao juiz ou tribunal, prolator da decisão
definitiva, para que, após o seu reexame ou revisão, profira nova sentença
reformatória ou declaratória da anterior. Diz-se, também, do remédio legal, em
forma articulada, ou não, que se emprega para obstar, ou suspender, certa
medida ou ato da causa ou do processo, cuja efetivação se torne prejudicial aos
interesses da parte. I - Embargos Auriculares. Diz-se pejorativamente do ato de
alguém que cochicha pedidos ao ouvido do juiz. II - Embargos Infringentes.
Diz-se de recurso que é oposto, quando não for unânime o julgado proferido em
apelação ou em ação rescisória (Cód. de Proc. Civil, arts. 530 a 534). III - Embargos Infringentes ou de Nulidade. Em
direito processual penal, diz-se de recurso interponível contra decisão de
segundo grau e não unânime, desfavorável ao réu. É, portanto, recurso exclusivo
da defesa. IV - Embargos
Ofensivos. Diz-se
dos que atacam a decisão visando a reformá-la. V - Embargos Protelatórios.
Diz-se da interposição de recursos de embargos de declaração, sem qualquer
fundamento e com a finalidade única de protelar o feito. VI - Embargos
Relevantes. Em linguagem forense, diz-se daqueles que, atendendo às formalidade
legais pertinentes à matéria, devem ser conhecidos para exame de mérito. Não se
trata de recurso nominado em lei. VII - Embargos à Arrecadação. Diz-se da
impugnação de terceiros prejudicados à apreensão judicial de bens de ausentes
ou de herança jacente. VIII - Embargos à Arrematação e à Adjudicação. Diz-se da
impugnação que o devedor faz, fundada em nulidade da execução, pagamento,
novação, transação, ou prescrição, desde que superveniente à penhora. IX -
Embargos à Carta Precatória. Diz-se do meio legítimo da parte, ou de terceiro
prejudicado, para impedir o seu cumprimento. X - Embargos à Concordata. Em
direito falimentar, diz-se de recurso que qualquer interessado pode oferecer
contra a sentença homologatória de concordata. XI - Embargos à Execução. Diz-se
do remédio legal do executado para obstar ou moderar os efeitos do cumprimento
da sentença, alegando, conforme a fase, matéria anterior ou superveniente à
penhora. Segundo a ocasião em que ocorram, tais embargos dizem-se: à penhora; à
adjudicação; à remissão, etc. XII - Embargos à Penhora. V. Embargos à Execução.
XIII - Embargos à Precatória. V. Embargos à Carta Precatória. XIV - Embargos à
Primeira. V. Interdito Proibitório. XV - Embargos à Remição. Em direito
processual civil, diz-se de meio que o prejudicado em seu direito de remir tem
para impugnar a remição requerida por terceiro. XVI - Embargos à Sentença.
Ditos, também, embargos de alçada, são os embargos infringentes do julgado e
embargos de declaração, únicos recursos admissíveis das sentenças de primeira
instância proferidas em executivos fiscais, ou nas lides em que forem interessadas
na condição de autoras, assistentes ou opoentes a União, autarquias e empresas
públicas federais, em causas de valor igual ou inferior a cinqüenta OTNs (Lei
n° 6.830 - Execução Fiscal -, de 22.9.80, art. 34; Lei n° 6.825 - Justiça
Federal -, de 22.9.80, art. 4°). XVII - Embargos ao Acórdão. Diz-se do recurso
de embargos infringentes, que são opostos à decisão do tribunal, que a prolatou
por maioria de votos. XVIII - Embargos de Alçada. Diz-se dos membros
infringentes e de declaração opostas contra decisões proferidas pela Justiça
Federal sobre causas de determinado valor (Lei nº 6.830/80, art. 4º). Diz-se,
também, dos mesmos embargos que são opostos contra decisões de primeira
instância proferidas sobre execuções fiscais de determinado valor (Lei nº
6.830/80, art. 34). XIX - Embargos de Declaração. Em direito processual civil,
diz-se de recurso que se oferece contra decisão judicial contaminada pelos
vícios da obscuridade, da contradição e da omissão. (Código de Processo Civil,
arts. 535, I e II, a 538). XX - Embargos de Divergência. Diz-se dos que são
interpostos, no Superior Tribunal de Justiça, quando as Turmas divergirem entre
si ou de decisão da mesma Seção (Regimento Interno, arts. 266/267). Diz-se,
também, dos que se interpõem no Supremo Tribunal Federal contra decisão de
Turma, em recurso extraordinário ou em agravo de instrumento, divergente de
julgado de outra Turma ou do Plenário na interpretação de direito federal
(Regimento Interno, arts. 330/332). XXI - Embargos de Nulidade. Em direito processual
antigo, dizia-se de recursos opostos a sentenças de primeira instância,
proferidas em ações de pequeno valor ou em outras hipóteses especificamente
previstas em lei. Foi suprimido pelo atual Código de Processo Civil. XXII -
Embargos de Nulidade e Infringentes de Julgado. No direito processual anterior,
dizia-se de recurso oposto contra decisão, por maioria, nos julgamentos de
segunda instância sobre apelação ou ação rescisória. É recurso extinto. V.
Embargos Infringentes. XXIII - Embargos de Terceiro. Diz-se do meio regular de
defesa, oposto por quem não tenha sido parte ativa na lide, mas, julgando-se
prejudicado, intervém no feito, ou na execução, para salvaguardar direitos seus
sobre os bens penhorados, arrecadados, arrestados, vendidos em praça, ou
quaisquer outros sobre os quais recaia indevidamente ação judicial (Cód. de
Proc. Civil, arts. 1.046 a 1.054). XXIV - Embargos
do Credor. Diz-se dos que opõe o credor hipotecário ou pignoratício para
defender a preferência que tem sobre a coisa objeto da garantia. XXV - Embargos
do Devedor. Diz-se do que o devedor pode opor contra execução que lhe é movida
(Cód. de Proc. Civil, art. 736 e seguintes). V. Embargos à Execução. XXVI -
Embargos do Executado. O mesmo que Embargos do Devedor. XXVII - Embargos por
Benfeitorias. Diz-se daqueles que o executado opõe, nas ações reais e
reipersecutórias, para conservar em seu poder a coisa que é objeto da execução,
até que seja pago de benfeitorias necessárias e úteis que nela fez, ou foram
feitas por outrem, de que as houve por qualquer título."
Os
embargos, na regra do art. 1.102c, têm claramente aquele sentido que lhe
atribui DE PLÁCIDO E SILVA, Vocabulário Jurídico, Ed. Forense, 4ª ed.,
Vol. II, pág. 581/582:
"Mas, ao rigor da técnica do Direito Processual, é a expressão usada para
indicar o recurso judicial, utilizado por uma pessoa, seja ou não parte no
feito, para se opor aos efeitos do despacho ou da sentença proferida em uma
demanda, mesmo na fase inicial à fase executória.
Assim,
os embargos, neste sentido estrito, mostram-se oposição ou impugnação a
despacho ou sentença judicial, em virtude dos quais se ofenderam direitos ou
interesses de outrem, ocasionando-lhes gravames, que precisam de reparação, ou
a mesma oposição ao cumprimento do despacho ou sentença, porque se tenha justo
motivo para os não cumprir.
Nesta
circunstância, o direito de embargar advém do prejuízo direto e imediato que se
tenha sofrido pelo despacho ou pela sentença, ou pelo justo motivo, que se
mostre, de poder impedir o cumprimento de quaisquer das decisões judiciais.
O
direito de embargo cabe às partes que participaram ou podiam participar da
demanda. Mas, também se confere o mesmo direito aos terceiros prejudicados,
desde que venham defender a sua posse ou o seu direito, perturbado ou esbulhado
pelo decisório judicial.
No
entanto, com natureza de peça defensiva e embora muitas vezes recurso, nos
embargos não se discutem questões já decididas, salvo se expressamente a lei
conceder a liberalidade ou neles se reclame uma reconsideração do despacho ou
decisão, em face de alteração de fato na relação jurídica.
Tal
princípio se firma na asserção de que nos embargos não cabe discussão de
matéria velha, quer dizer, matéria já anteriormente aventada, discutida e
resolvida.
Assim,
com relação ao procedimento monitório, a principal finalidade dos embargos é a
de se oporem aos efeitos do despacho que determinou a expedição liminar do
mandado de pagamento ou de entrega da coisa, suspendendo-os.
No
entanto, não é assim nos procedimentos monitórios alemão e austríaco, que
somente falam, no caso, em contestação, impugnação ou oposição.
Esclarecendo
acerca do processamento dos embargos no procedimento monitório, em artigo
publicado na Revista do Advogado, doutrina o professor José Rogério Cruz e
Tucci - pág. 78: "Todavia, ainda consoante o caput do artigo 1.102c,
oferecidos os embargos pelo réu, dentro daquele prazo de 15 (quinze) dias,
inaugura-se um procedimento incidental de cognição exauriente, regrado
certamente pelas normas do procedimento comum ordinário (artigo 1.102c,
parágrafo 2º).
Dessa
forma, tratando-se de peça defensiva, nenhuma restrição é imposta ao conteúdo
da argumentação a ser desenvolvida pelo embargante. Poderá alegar qualquer
matéria de natureza processual ou substancial. Todavia, com a inversão da
posição processual que decorre da oferta destes embargos, ao devedor-embargante
é imposto o ônus de provar o fato constitutivo do direito deduzido (artigo 333,
I), com todas as conseqüências que advêm desse encargo.
Podemos
afirmar, portanto, que foi criada uma nova modalidade de embargos
("embargos ao mandado"), que são processados nos próprios autos, que
independem de prévia segurança do juízo e que têm o condão de impedir a
produção de quaisquer efeitos decorrentes da ordem de pagamento ou de entrega
da coisa (artigo 1.102c e parágrafo 3º). Aqui também a decisão liminar pode ser
classificada como interlocutória.
Devemos
ter a devida atenção para evitar a confusão entre tais "embargos" e a
ação incidental, também denominada de embargos, que pode ser ajuizada pelo
devedor após a intimação da penhora ou do depósito, quando da conversão do
mandado de pagamento ou de entrega em mandado de citação, porque, nesse caso,
tal ato processual, como ressaltado, corresponde, em tudo, ao ato citatório da
tradicional ação de execução.
Trata-se
de verdadeira contestação, até porque inexiste ainda título executivo a ser
desconstituído. Assim, não há dúvida de que os "embargos ao mandado",
à luz do disposto no artigo 1.102c, correspondem a uma ação incidental sui
generis.
O
parágrafo 3º dispõe que: "Rejeitados os embargos, constituir-se-á, de
pleno direito, o título executivo judicial. ..". Assim, uma vez improvidos
os embargos, a sentença prolatada reveste-se de força de título executivo
judicial, uma vez prolatada em procedimento similar ao cognitivo.
Se
os embargos não forem opostos - ou forem opostos tardiamente - ocorrem os
efeitos típicos da revelia, constituindo-se, de pleno direito, o mandado
inicial em mandado executivo.
Obviamente,
contra possível injurisdicidade dessa situação equivalente à revelia, uma vez
que, em razão dela, a demanda prosseguirá na forma prevista no Livro II, Título
II, Capítulos II e IV, haverá ensejo de impugná-la. É certo que contra tal
revelia, poderia, nessa oportunidade, ser argüido o entendimento de que:
"Embora recurso, entanto, nos embargos não se discutem questões já
decididas, salvo se expressamente a lei conceder a liberalidade ou neles se
reclame uma reconsideração do despacho ou decisão, em face de alteração de fato
na relação jurídica. Tecnicamente, tal princípio se firma na asserção de que
nos embargos não cabe discussão de matéria velha, quer dizer, matéria já
anteriormente aventada, discutida e resolvida" (De Plácido e Silva, ob. e
loc. cits.).
No
procedimento monitório alemão é admitido um recurso - Einspruch -,
contra a sentença de revelia, cujo efeito imediato é fazer cessar a competência
do juízo que expediu o mandado executivo em razão dela, o qual, de ofício,
remete o processo para o tribunal superior competente (§ 700 do ZPO).
Conforme
o § 1º do art. 1.102c, se o réu cumprir o mandado, ficará isento das custas e
honorários advocatícios. Todos os encargos com o procedimento são da
responsabilidade do autor.
No
§ 2º do art. 1.102c, no que toca ao propósito da economia processual, parece
estar o complicador do procedimento monitório. Com efeito, diz este dispositivo
que os embargos serão processados nos próprios autos "pelo procedimento
ordinário." Então eles produzirão os efeitos da contestação e demais atos
que fossem pertinentes à ampla defesa do réu. De pronto, não se pode deixar de
admitir a possibilidade de argüição de incidente de falsidade - arts. 390 a 395
- com as tormentosas oscilações da jurisprudência, ad. ex., em torno do recurso
cabível contra o indeferimento da inicial ou contra a sentença que venha a ser
proferida. As anotações de Theotonio Negrão (13) dão uma idéia bem
nítida de como, ante apenas essa ação incidental, o procedimento monitório pode
ser envolvido pelos mesmos obstáculos que empolgariam uma ação de procedimento
comum ordinário. E toda a esperança de celeridade e economia processual, que
inspirara a instituição da ação monitória, se esboroará irremediavelmente.
Podemos
afirmar, portanto, que o procedimento monitório trouxe algumas inovações
procedimentais, alguma celeridade no interstício processual não havendo
oposição do devedor; ocorre que, havendo a efetivação do litígio, os trâmites
são quase que idênticos, ou seja, no lugar de contestação teremos os embargos,
havendo a possibilidade de recurso de apelação da mesma forma tendo em vista
seu improvimento, agilizando-se apenas a formação do litígio com o
reconhecimento de simples prova escrita sem eficácia de título executivo e
transformando o mandado de citação em mandado de pagamento. Mas, repetimos, essas
modificações em nosso direito formal jamais poderiam fulcrar um novo tipo de
processo que atropelaria todo um ordenamento de direito material, permitindo a
cobrança de título de crédito prescrito, de dívida coberta com o manto da
prescrição.
5. A INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO
O
processo é instrumental em relação ao direito material objeto da controvérsia a
ser dirimida. Assim, sendo instrumental, ele sempre dependerá de uma relação de
direito material para que possa existir.
Ao
mencionarmos que o direito material é "o corpo de normas que disciplinam
as relações jurídicas referentes a bens e utilidades da vida" (14),
e, o direito formal, processual "o complexo de normas e princípios que
regem tal método de trabalho, ou seja, o exercício conjugado da jurisdição pelo
Estado-juiz, da ação pelo demandante e da defesa pelo demandado" (15),
podemos seguramente afirmar que, sem que haja relação de direito material,
jamais podemos falar em relação processual.
Como
nos ensinam os mestres supra citados, o processo é "um instrumento a
serviço da paz social" "Falar em instrumentalidade do processo, pois,
não é falar somente nas suas ligações com a lei material. O Estado é
responsável pelo bem-estar da sociedade e dos indivíduos que a compõem: e,
estando o bem-estar social turbado pela existência de conflitos entre pessoas,
ele se vale do sistema processual para, eliminando os conflitos, devolver à
sociedade a paz desejada..." "Por outro lado, a instrumentalidade do
processo, aqui considerada, é aspecto positivo da relação que liga o
sistema processual à ordem jurídico-material e ao mundo das pessoas e do
Estado, com realce à necessidade de predispô-lo ao integral cumprimento de
todos os seus escopos sociais, políticos e jurídico. Falar da instrumentalidade
nesse sentido positivo, pois, é alertar para a necessária efetividade do
processo, ou seja, para a necessidade de ter-se um sistema processual capaz de
servir de eficiente caminho à ‘ordem jurídica justa’" (16)
Mais
adiante, corroborando totalmente com nosso posicionamento acerca da
instrumentalidade do processo, que veda-o de criar novos "direitos"
materiais, anteriormente inexistentes, como no caso da aceitação da ação de
procedimento monitório para fulcrar a cobrança de título de crédito prescrito,
nossos mestres, nesta excelente obra, continuam: "Fala-se da
instrumentalidade do processo, ainda, pelo seu aspecto negativo. Tal é a
tradicional postura (legítima também) consistente em alertar para o fato de que
ele não é um fim em si mesmo e não deve, na prática cotidiana, ser guindado à
condição de fonte geradora de direitos. Os sucessos do processo não devem
ser tais que superem ou contrariem os desígnios do direito material, do qual
ele é também um instrumento (à aplicação das regras processuais não deve
ser dada tanta importância, a ponto de, para sua prevalência, ser condenado um
inocente ou absolvido um culpado; ou a ponto de ser julgada procedente uma
pretensão, no juízo cível, quando a razão estiver com o demandado)."
(17)
Negritamos
esta frase tendo em vista sua total consonância com tudo o que afirmamos até
este momento, ou seja, o processo, como instrumento do direito material, jamais
pode sobrepor-se à legislação material da qual advém o direito colocado à sua
apreciação; sendo incabível, assim, o recebimento da ação monitória (instituto
exclusivamente de direito formal, processual) para fulcrar ação de cobrança de
título de crédito prescrito (títulos de crédito e prescrição são objeto de direito
material); ainda, com o agravante de que, ates da criação da ação de
procedimento monitório, em nosso ordenamento processual, não existia qualquer
ação apta a dar supedâneo à cobrança judicial do título de crédito prescrito.
6. CONCLUSÕES
Como
fora exposto, nossos tribunais vêm recebendo e processando a ação monitória
para cobrança do título de crédito prescrito, ou seja, emitido, v. g., há mais
de dez anos. Entendemos, todavia, tendo em vista todos os argumentos
demonstrados, que referida providência fere frontalmente toda a estrutura
jurídica pátria, isso uma vez que coloca, assim agindo, o direito formal de
forma sobreposta ao direito material; ou seja, coloca o direito formal a
regulamentar uma ação de cobrança que o direito material já regulamentou e
incorporou em seus institutos (prescrição e decadência). Um título de crédito
prescrito está, à luz do direito material, impossibilitado de acionado na
justiça, de ser cobrado através de qualquer forma processual uma vez que
atingido pela prescrição.
Afirmamos
isso com base em que os próprios títulos de crédito têm suas formas prescritas
em lei material, lá determinando sua liquidez, sua forma e sua exigibilidade,
requisitos essenciais para sua validade. A forma prescrita em lei nada mais é
do que o conjunto de formalidades que determinado título de crédito apresenta
para que seja legalmente válido (v. g. o cheque requer o emitente, o banco
contra o qual é emitido, a pessoa favorecida, a data e local de pagamento,
etc.), a liquidez nada mais é do que o valor a ser pago pelo referido título,
valor certo, determinado no corpo do título. A exigibilidade refere-se à data
de vencimento, data em que o título de crédito passa a ser cobrado, e, uma vez
não cumprida, torna o devedor inadimplente e sujeito aos procedimentos
judiciais de cobrança.
As
ações de cobrança (de execução e de conhecimento), encontram-se devidamente
discriminadas na legislação originária dos títulos de crédito, permitindo ao
credor a execução e a ação de cobrança (cognitiva), uma vez referida execução
não ajuizada dentro de certos prazos preestabelecidos.
Trata-se,
os títulos de crédito, de instrumentos de direito material, e, uma vez
prescritos, em sede de direito material, todos os procedimentos regulamentadores
da transação realizada entre as partes, cabe ao credor acionar o devedor de
acordo com a situação que o processo como instrumento lhe conferir. Presentes a
decadência ou a prescrição nesta forma de relação jurídica, não há que se
falar, jamais, em qualquer ação que possibilite a cobrança de referida dívida,
isso embasado na legislação material da qual originou-se a relação e da qual e
sobre a qual as partes transacionaram.
Jamais
poderia, neste diapasão, receber, o judiciário, uma ação que possa ser ajuizada
para cobrança de um título de crédito prescrito, que teve seu regular prazo
expirado para a execução (no caso do cheque, 180 dias) e para a ação cognitiva
(dois anos, no caso do cheque), adotando-se o procedimento monitório (art. 1102
do CPC.), que nada mais é do que uma medida de direito formal, que, dessa
forma, não pode sobrepor-se ao direito material regulamentador dos títulos de
crédito. Argumentar-se que tratar-se-ia de mero documento escrito sem força de
título executivo, no caso do cheque emitido há mais de dez anos é, a nosso ver,
um acinte, pois, o cheque, não é e jamais será (mesmo prescrito) um mero
documento sem força de título executivo; é um título de crédito, e, prescrito,
impossibilitado de cobrança judicial, isso tudo segundo nosso ordenamento
jurídico material.
A
única forma de aplicação do procedimento monitório para cobrança de título de
crédito, a nosso ver, seria o momento em que referido título poderia ser
cobrado via procedimento cognitivo, jamais após decorrido o interstício
temporal que o aniquila através da prescrição.
Portanto,
o procedimento monitório, embora inovador em nosso ordenamento jurídico, não
pode ser aplicado com tanta amplitude, sobrepondo-se ao direito material que
regulamenta as relações de crédito; jamais poderá ser recebido pelo judiciário
para cobrança de título de crédito maculado pelo instituto da prescrição, que o
invalida e o torna materialmente impossibilitado de fulcrar uma ação judicial
para cobrança do crédito transacionado materialmente.
NOTAS
01.
A Lei nº 9.079, de 14 de julho de 1995, modificando o Artigo 1.102 do Código de
Processo Civil, criou a ação de procedimento monitório, assim estabelecendo:
Art. 1102a. A ação monitória compete a quem pretender, com base em prova
escrita sem eficácia de título executivo, pagamento de soma em dinheiro,
entrega de coisa fungível ou de determinado bem móvel. Art. 1102b. Estando a
petição inicial devidamente instruída, o juiz deferirá de plano a expedição do
mandado de pagamento ou de entrega da coisa no prazo de quinze dias. Art.
1102c. No prazo previsto no artigo anterior, poderá o réu oferecer embargos,
que suspenderão a eficácia do mandado inicial. Se os embargos não forem
opostos, constituir-se-á, de pleno direito, o título executivo judicial,
convertendo-se o mandado inicial em mandado executivo e prosseguindo-se na
forma prevista no Livro II, Título II, Capítulos II e IV. § 1º Cumprindo o réu
o mandado, ficará isento de custas e honorários advocatícios. § 2º Os embargos
independem de prévia segurança do juízo e serão processados nos próprios autos,
pelo procedimento ordinário. § 3º Rejeitados os embargos, constituir-se-á, de
pleno direito, o título executivo judicial, intimando-se o devedor e
prosseguindo-se na forma prevista no Livro II, Título II, Capítulos II e IV.
02.
RIBEIRO, P. B. FERREIRA, P. M. C. R. Curso de Direito Processual Civil.
Unisíntese – Direito em CD-ROM. Porto Alegre: Síntese, 1999. CD-ROM.
03.
ZAVASCK, Teori Albino. Revista do Advogado da AASP, nº 46/75.
04.
THEODORO JUNIOR, Humberto. Ação Monitória – prova escrita – conceito –
iliquidez – momento de sua argüição. Revista Síntese de Direito Civil e
Processual Civil - nº 1 - Set-Out/99 – Pareceres p. 62.
05.
Direito Formal: Diz-se do conjunto de regras mediante as quais o Estado e os
indivíduos regulam e dirimem as relações de direito material. Ex.: Direito
Processual Civil. Vocabulário Enciclopédico de Tecnologia Jurídica e
Brocardos Latinos. Folio Bound VIEWS. Rio de Janeiro, 1996. CD-ROM.
06.
Direito Material: Diz-se do que estabelece a substância, a matéria da
"norma agendi". Vocabulário Enciclopédico de Tecnologia Jurídica e
Brocardos Latinos. Folio Bound VIEWS. Rio de Janeiro, 1996. CD-ROM.
07.
Os títulos de créditos são previstos por lei específica; v. g.., cheque é
previsto pela Lei 7357 de 1985, cujo Capítulo I trata da emissão e da forma do
cheque in verbis: Art. 1º. O cheque contém: I - a denominação
"cheque'''' inscrita no contexto do título e expressa na língua em que
este é redigido; II - a ordem incondicional de pagar quantia determinada; III -
o nome do banco ou da instituição financeira que deve pagar (sacado); IV - a indicação
do lugar de pagamento; V - a indicação da data e do lugar da emissão; VI - a
assinatura do emitente (sacador), ou de seu mandatário com poderes especiais.
Parágrafo único. A assinatura do emitente ou a de seu mandatário com poderes
especiais pode ser constituída, na forma da legislação específica, por chancela
mecânica ou processo equivalente. Art. 2º. O título a que falte qualquer dos
requisitos enumerados no artigo precedente não vale como cheque, salvo nos
casos determinados a seguir: I - na falta de indicação especial, é considerado
lugar de pagamento o lugar designado junto ao nome do sacado, se designados
vários lugares, o cheque é pagável no primeiro deles; não existindo qualquer
indicação, o cheque é pagável no lugar de sua emissão; II - não indicado o
lugar de emissão, considera-se emitido o cheque no lugar indicado junto ao nome
do emitente. Art. 3º. O cheque é emitido contra banco, ou instituição
financeira que lhe seja equiparada, sob pena de não valer como cheque. Art. 4º.
O emitente deve ter fundos disponíveis em poder do sacado e estar autorizado a
sobre eles emitir cheque, em virtude de contrato expresso ou tácito. A infração
desses preceitos não prejudica a validade do título como cheque. § 1º. A
existência de fundos disponíveis é verificada no momento da apresentação do
cheque para pagamento. § 2º. Consideram-se fundos disponíveis: a) os créditos
constantes de conta corrente bancária não subordinados a termo; b) o saldo
exigível de conta corrente contratual; c) a soma proveniente de abertura de
crédito.
08.
A mencionada Lei do cheque, em seu artigo 59 assim determina: Art. 59.
Prescrevem em 6 (seis) meses, contados da expiração do prazo de apresentação, a
ação que o art. 47 desta Lei assegura ao portador. Parágrafo único. A ação de
regresso de um obrigado ao pagamento do cheque contra outro prescreve em 6
(seis) meses, contados do dia em que o obrigado pagou o cheque ou do dia em que
foi demandado. Art. 60. A interrupção da prescrição produz efeito somente
contra o obrigado em relação ao qual foi promovido o ato interruptivo. Art. 61.
A ação de enriquecimento contra o emitente ou outros obrigados, que se
locupletaram injustamente com o não-pagamento do cheque, prescreve em 2 (dois)
anos, contados do dia em que se consumar a prescrição prevista no art. 59 e seu
parágrafo desta Lei.
09.
Prescrição, s. f. Em direito penal, diz-se da extinção da responsabilidade
criminal do acusado, por se achar findo o prazo legal da punição que lhe fora
imposta por sentença judiciária. Diz-se, também, da decadência do direito de
punir o delinqüente, por inação do seu titular que não o exercitou dentro do
prazo que para esse fim a lei lhe facultara. Em direito privado, diz-se da
maneira pela qual e sob certas condições estabelecidas em lei, alguém adquire
um direito ou se libera de uma obrigação, em conseqüência da inércia desta ou
daquele, durante determinado lapso de tempo. Vocabulário Enciclopédico de
Tecnologia Jurídica e Brocardos Latinos. Folio Bound
VIEWS. Rio de Janeiro, 1996.
CD-ROM.
10.
Ação Pessoal : Em direito processual civil, diz-se da que compete contra quem
tenha o dever de dar, fazer ou não fazer alguma coisa, em virtude de lei ou de
contrato. É a que serve para exigir o reconhecimento ou a proteção de um direito
individual, ou o cumprimento duma obrigação. Vocabulário Enciclopédico de
Tecnologia Jurídica e Brocardos Latinos. Folio Bound
VIEWS. Rio de Janeiro, 1996.
CD-ROM.
11.
NEVES, I. B. O processo civil na doutrina e na prática dos Tribunais –
Doutrina e Jurisprudência – 8ª Ed. Rio de Janeiro: PM do Brasil
Publicações, 1998. CD-ROM.
12.
NEGRÃO, Theotonio. Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor.
34ª Edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2002. "AÇÃO
MONITÓRIA - Requisitos - Lei n. 9079, de 1995 - Art. 1102, "a", CPC.
Ação monitória. Lei n. 9.079/95. O processo monitório é de natureza cognitiva,
observando-se em sua tramitação procedimento especial, pelo que na elaboração
da petição inicial devem ser atendidos os requisitos previstos no art. 282 do
Código de Processo Civil. O nosso sistema legislativo não admite o processo
monitório puro. Tendo instituído o processo monitório documental, pelo que a
inicial deve ser instruída na forma prescrita no art. 1102, "a" e 283
do Código de Processo Civil, sob pena de indeferimento. Apelação
improvida." (Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, 10ª Câmara
Cível, Ap. Cív. 2169/96, rel. Des. José Rodriguez Lema, julg. 05/06/96, in D.O.
de 17.10.96, pág. 158).
13.
CINTRA, Antonio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini, DINAMARCO, Cândido
Rangel. Teoria Geral do Processo. 18ª Ed. São Paulo: Malheiros Editores,
2002. p. 40.
14.
CINTRA, Antonio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini, DINAMARCO, Cândido
Rangel. op. cit. p. 40.
15.
CINTRA, Antonio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini, DINAMARCO, Cândido
Rangel. op. cit. p. 41.
16.
CINTRA, Antonio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini, DINAMARCO, Cândido
Rangel. op. cit. p. 41/42.
BIBLIOGRAFIA
CINTRA,
Antonio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini, DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria
Geral do Processo. 18ª Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2002. p. 40.
NEVES,
I. B. O processo civil na doutrina e na prática dos Tribunais – Doutrina e
Jurisprudência – 8ª Ed. Rio de Janeiro: PM do Brasil Publicações, 1998.
CD-ROM.
NEGRÃO,
Theotonio. Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor.
34ª Edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2002.
PACHECO,
José da Silva. Repertório Enciclopédico do Direito Brasileiro, Ed.
Borsói, v. XX.
RIBEIRO,
P. B. FERREIRA, P. M. C. R. Curso de Direito Processual Civil.
Unisíntese – Direito em CD-ROM. Porto Alegre: Síntese, 1999. CD-ROM.
SILVA,
De Plácido e, Vocabulário Jurídico, Ed. Forense, 4ª ed.,
Vol. II,
THEODORO
JUNIOR, Humberto. Ação Monitória – prova escrita – conceito – iliquidez –
momento de sua argüição. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil -
nº 1 - Set-Out/99 – Pareceres p. 62.
TUCCI,
José Rogério Cruz e. Ação Monitória, São Paulo: Saraiva, 1995.
TUCCI,
José Rogério Cruz e. Revista do Advogado, pág. 78.
Vocabulário
Enciclopédico de Tecnologia Jurídica e Brocardos Latinos. Folio Bound
VIEWS. Rio de Janeiro, 1996.
CD-ROM.
ZAVASCK,
Teori Albino. Revista do Advogado da AASP, nº 46/75.
Retirado de: www.jus.com.br