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A Lei 10.444/02, as futuras
reformas do CPC
e a gradual extinção do
processo de execução de sentença
Guilherme Rizzo Amaral
(Mestrando em Direito pela PUCRS)
A execução permanece o 'calcanhar
de Aquiles' do processo. Nada mais difícil, com freqüência, do que impor no
mundo dos fatos os preceitos abstratamente formulados no mundo do direito.
(Athos Gusmão Carneiro).
Publicada no Diário Oficial da
União, em 08 de maio de 2002, e com vacatio legis de três meses, a Lei nº
10.444, de 07 de maio de 2002, trouxe importantes inovações ao Código de
Processo Civil Brasileiro, finalizando a tríade de leis (antes, vieram as leis
10.352 e 10.358, ambas de dezembro de 2001) que compõem a chamada segunda fase
de reformas do CPC.
No que toca ao regime de execução
das obrigações de fazer e não fazer,
contidas em título executivo judicial, já havia, mesmo antes da publicação da
lei nº 10.444, dúvidas se as mesmas ensejariam um processo de execução
autônomo, ou se o artigo 461 do CPC já ofereceria uma sentença de eficácia
mandamental ou executiva latu sensu, independente, portanto, de execução ex
intervallo. Autores como Kazuo Watanabe e Ada Pellegrini Grinover já defendiam
a tese de que a concepção normativa anterior à nova lei (e, vale lembrar, em
vigor até 07 de julho de 2002) já tinha como decorrência a alteração da
execução da obrigação de fazer e de não fazer advinda de sentença.
Quaisquer dúvidas que antes
poderia haver em relação à necessidade de um processo de execução autônomo para
promover a tutela específica das obrigações de fazer ou não fazer declaradas em
título executivo judicial, deixaram de existir após as inovações trazidas pela
lei 10.444/02.
Por força da inclusão, proposta
pelo eminente Des. Federal Teori Albino Zavascki (TRF 4ª Região), do artigo
461-A (obrigações de entregar), e da alteração do artigo 644 do CPC, elimina-se
definitivamente a necessidade do processo de execução autônomo de título
executivo judicial, quando o mesmo tratar de obrigações de fazer, não-fazer ou
de entregar coisa certa ou incerta. O devedor, condenado em sentença transitada
em julgado ou sujeita a recurso desprovido de efeito suspensivo, será intimado
para cumpri-la, podendo o juiz fixar multa (astreintes) para o caso de
descumprimento (art. 461, §4º) ou tomar as medidas necessárias para a
efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente
(art. 461, §5º), tais como busca e apreensão ou requisição de força policial
(sendo o rol do §5º meramente exemplificativo). Não há mais que se falar,
nestes casos, em instauração de processo de execução mediante citação do
devedor, ajuizamento de embargos à execução, etc.
Para o Min. Sálvio de Figueiredo
Teixeira, que juntamente com o Athos Gusmão Carneiro coordena a comissão
reformadora do CPC, dá-se aí um processo sincrético, no qual se fundem cognição
e execução.
Não há dúvidas de que as reformas
vêm para atender anseios justificados dos operadores do direito e, porque não,
de todos os jurisdicionados, eis que se mostrava incompatível com a realidade
social atual a imposição de um segundo processo (execução), findo um primeiro
(conhecimento), este freqüentemente longo e custoso para aquele que busca a
tutela de seu direito. Ademais, especialmente nos casos de obrigação de fazer e
não fazer, a concessão de antecipação dos efeitos da tutela com base no artigo
461, §3º do CPC - com força mandamental (art. 461, §4º) ou executiva latu sensu
(art. 461, §5º) - já colocava em dúvidas a utilidade da execução ex intervallo.
Chegamos, assim, a um sistema provido
de técnicas mais eficazes e céleres para a tutela dos direitos relativos a
obrigações de fazer, não fazer e de entregar. Pois bem, para onde vamos? As
sentenças que condenam ao pagamento de quantia certa, e que geralmente
apresentam inúmeras dificuldades no processo de execução autônomo (incidente
sobre a penhora, ocultação de bens do executado, controvérsia acerca de
cálculos, etc.), são o próximo alvo da comissão reformadora do CPC. Ora, não há
sentido em outorgar-se à sentença proferida por um magistrado investido de
jurisdição, forjada no contraditório fiscalizado e conduzido pelo Estado, o
mesmo tratamento que se dá a títulos executivos extrajudiciais, muitas vezes
produzidos sem o conhecimento do próprio devedor.
Submeter tão diversos títulos a
um processo de execução uno (diga-se de passagem, influência do italiano
Liebman sobre seu aluno, Alfredo Buzaid, idealizador do Código de 73) é idéia
que, revista pela comissão reformadora, certamente restará abandonada, por
força da chamada 3ª fase de reformas do CPC.
Lança-se, com a Lei 10.444/02, um
protótipo de processo sincrético, cuja utilização autorizará, futuramente
(resta saber quando), o lançamento de um sistema mais arrojado, eliminando-se a
execução autônoma de títulos executivos judiciais e relegando-se ao livro II do
CPC tão somente os títulos executivos extrajudiciais. Como propõe Athos Gusmão
Carneiro, ao apresentar esboço inicial de futuro anteprojeto de lei, a
efetivação forçada da sentença condenatória será feita como etapa final do
processo de conhecimento, após um tempus iudicati, sem necessidade de um
processo autônomo de execução (afastam-se princípios teóricos em homenagem à
eficiência e brevidade).
Com isso, visa-se uma
reaproximação do processo ao direito material, relembrando a célebre lição de
Chiovenda, para quem o processo precisa ser apto a dar a quem tem um direito,
na medida do que for praticamente possível, tudo aquilo a que tem direito e
precisamente aquilo a que tem direito. É momento de deixar de se pensar no
processo pelo processo, para encará-lo em sua verdadeira função: um instrumento
de realização de justiça e, principalmente, de pacificação social.