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AÇÕES POSSESSÓRIAS
RITA MARASCO IPPÓLITO
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA
DO RIO GRANDE DO SUL
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E
SOCIAIS
MESTRADO EM DIREITO PROCESSUAL
CIVIL
Processo Civil Contemporâneo II
Porto Alegre, outubro de 2001
Sumário
INTRODUÇÃO
1 AÇÃO DE MANUTENÇÃO DE POSSE
2 AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE
3 INTERDITO PROIBITÓRIO
4 AÇÃO VINDICATÓRIA DA POSSE
5 EFEITOS DA POSSE NO PROJETO DO
CÓDIGO CIVIL
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
INTRODUÇÃO
Intenta-se com este ensaio
proporcionar uma maior proximidade com o tema ações possessórias, visto ser
esta matéria de essencial importância para os lidadores do direito.
O tema é aparentemente simples,
mas de acordo com o caso concreto, pode tornar-se complexo, causando
divergências entre os doutrinadores, assim como a jurisprudência não é
pacífica.
Deve-se buscar uma adequação das
disposições do direito material com as prescrições processuais.
1 AÇÃO DE MANUTENÇÃO DE POSSE
Inexiste, a rigor, diferença
ontológica entre as várias formas de ataque à posse, a que correspondem
diferentes espécies de proteção interdital. Elas se distinguem mais
propriamente pelo grau de intensidade e, conseqüentemente, pela maior ou menor
extensão dos efeitos da ofensa sobre a situação fática do possuidor.
Poder-se-ia dizer que essa gravidade varia de um grau mínimo (simples ameaça) a
um grau máximo, que é a privação da posse. Entre esses extremos situa-se a
ofensa de gravidade média, que é a turbação, que passaremos a analisar.
Dá-se ação de manutenção de posse
quando o possuidor, sem haver sido privado de sua posse, sofre turbação em seu
exercício, isto é, prejuízo à prática de seus direitos possessórios. Através do
interdito, pretende obter ordem judicial que ponha termo aos atos
perturbadores.
Salutar dizer que o art. 502 do
Código Civil permite ao possuidor turbado ou esbulhado manter-se ou
restituir-se por sua própria força, desde que o faça logo. É a legítima defesa
da posse.
Pontes de Miranda (2000, p. 316)
pondera que:
“Legítima defesa só há, se o
ataque é no presente, atual, e supõe que ainda não se haja consumado o esbulho.
Portanto, já se não pode pensar em legítima defesa, se, por exemplo, a outra
pessoa já está de posse da coisa móvel, embora ainda não a tenha levado
consigo, ou para casa, ou escondido, ou guardado. O ato pelo qual o desapossado
recuperaria a posse já seria ataque”.
Está presente, aqui, o princípio
da não-violência, ou seja, sempre que há regra jurídica que pré-exclui a
contrariedade de direito, o emprego de força torna-se permitido (= não
contrário a direito). Em conseqüência, não entra no mundo jurídico como ato
ilícito, desde que se contenha nos limites que a lei pressupôs.
São requisitos para o sucesso da
ação:
a) posse legítima, devendo
existir de modo absoluto.
Roberto de Ruggiero (1999, p.
803) observa:
“A posse deve ser superior a um ano,
isto é, uma posse que tenha durado um ano completo ou, como costuma dizer-se,
reproduzindo a linguagem dos antigos práticos, um ano e um dia. É preciso aqui,
como na prescrição aquisitiva, o instituto da acessio temporis para poder
julgar à posse própria a do autor na sucessão a título particular. Não é, pois, manutenível a posse que dure há
menos de um ano, que não tenha durado por um ano inteiro com todos os
requisitos da legitimidade, donde resulta a conseqüência que tal posse não é
protegida contra as turbações e é só defendida com a ação de reintegração
contra a espoliação violenta ou clandestina”.
Divergindo da opinião do autor
supra mencionado, outros doutrinadores, como por exemplo Caio Mário da Silva
Pereira, ressalvam que, se a posse data de menos de ano e dia, ninguém será
mantido ou reintegrado, senão contra quem não tiver melhor posse. Considera-se
no conflito das posses, melhor a que se fundar em justo título, ou, na falta
deste, a que contar maior tempo. E, se não for possível apurá-lo, por serem
todas duvidosas, o juiz ordenará o seqüestro da coisa, até que, em decisão
definitiva, fique demonstrado qual a melhor.
b) turbação atual, conservando o
possuidor a posse. Se a turbação é passada, sem que haja probabilidade de se
repetir, o mandado de manutenção é inócuo, devendo a vítima, ao invés de
pleiteá-lo, reclamar perdas e danos.
Lafayette salienta que:
“Se a violência está passada e
não há justo receio de que continue ou venha a reproduzir-se, a dita ação
(manutenção) deixa de ser aplicável, porque teria cessado sua razão de ser – a
violência: resta somente o mal causado, o que pode dar lugar a ação de perdas e
danos”[1].
Da mesma forma, se o possuidor
não mais conserva a posse, por haver sido esbulhado, a ação que lhe compete é a
de reintegração, que será a seguir examinada, e não a de manutenção de posse.
Outro ponto a ser abordado, versa
sobre a finalidade das ações possessórias, qual seja a paz social e a ordem
pública, isto é, a proteção possessória foi instituída com o objetivo de
facilitar e aliviar a proteção da propriedade. Ao invés da prova da propriedade,
que o proprietário deve fazer quando reclamar uma coisa em mãos de terceiros
(reivindicatio), bastará fazer a prova da posse, contra aquele que dela o
privou.
Ensina Rudolf von Jhering (1999,
p. 35):
“A ação possessória mostra-nos a
propriedade na defensiva e a reivindicação na ofensiva. Exigir da defensiva a
prova da propriedade seria proclamar que todo indivíduo que não está em
condições de provar a sua propriedade - o que em muitos casos é impossível, e
mesmo na maioria deles, quando se trata de móveis – está fora da lei, e que,
qualquer um pode arrebatar-lhe sua propriedade. E acrescenta, que a proteção possessória aparece assim como um
complemento indispensável da propriedade. O direito de propriedade sem ação
possessória seria a mais imperfeita coisa do mundo, enquanto que a falta da
reivindicação apenas a afetaria, considerando-se a questão apenas pelos seus
aspectos práticos”.
Aspecto em que a doutrina e a
jurisprudência ainda não se puseram de acordo é se a perda parcial da posse
caracteriza esbulho ou turbação para efeito de proteção por meio dos
interditos. A corrente dominante tem sido a de que há apenas turbação, porque o
possuidor continua na posse do restante. O problema é solucionado com a norma
contida no art. 920 do CPC, que estabelece:
“Art. 920 – A propositura de uma
ação possessória em vez de outra, não obstará que o juiz conheça do pedido, e
outorgue a proteção legal correspondente àquele, cujos requisitos estejam
comprovados”.
Com esta norma, o descompasso
entre a espécie de tutela possessória postulada e o tipo de ataque à posse
ocorrido, isto é, ingressando-se com o interdito da reintegração, mas sendo
comprovado que houve apenas turbação, o pedido não é inépto. O juiz,
considerando os requisitos devidamente provados, concederá a manutenção, e não
a reintegração.
À primeira vista, a regra do
artigo parece fazer exceção ao disposto no art. 460, que proíbe ao juiz ditar
sentença favorável ao autor, diversa da que ele haja pedido. Tal não é o caso,
entretanto.
A justificativa não reside na
aplicação do princípio da conversibilidade do procedimento, pois não se trata
simplesmente de aproveitar o procedimento, mas de entregar ao autor prestação
jurisdicional diversa da pedida no seu conteúdo. Outrossim, a dificuldade prática
que freqüentemente se apresenta, nos casos concretos, em identificar a natureza
e extensão da ofensa à posse, forneceria uma boa explicação, contudo é solução
doutrinária insuficiente e insatisfatória.
O que realmente ocorre está ligado à natureza mesma da tutela
possessória. O possuidor que se dirige ao juiz em busca de amparo contra o ato
ofensivo de sua posse pretende, em realidade, que a prestação jurisdicional
paralise a ação hostil, quaisquer que tenham sido as conseqüências já
produzidas, e as faça cessar. O petitum é sempre pedido de proteção
possessória, embora esta possa assumir mais de uma forma e a indicada pelo
autor não seja a cabível. O binômio “ofensa à posse – proteção possessória” é sempre
o mesmo, e a variação do segundo termo corresponde as diferenças de extensão,
não de essência, do primeiro. Pode-se mesmo afirmar que, a rigor, há uma só
ação possessória, com variantes determinadas pelas condições de fato.
c) provar que a turbação tem
menos de ano e dia, pois, se houver durado mais do que tal lapso, a situação de
fato oriunda dos atos agressivos se consolidou, sendo diferentes os remédios
jurídicos cabíveis para cada uma das situações.
Nesta ação, assim como na de
reintegração e no interdito proibitório, pode o juiz, a requerimento do autor,
sendo recente (menos de ano e dia) a moléstia e se se convencer de sua boa
razão, determinar a expedição de mandado liminar, ordenando que cesse a
turbação, sem prejuízo da responsabilidade civil pelas perdas e danos que
poderão ter origem no ato de agressão à posse. Poderá, outrossim, com tal
escopo e quando for menos veemente a prova, submeter a expedição de mandado à
justificação judicial, onde o requerente demonstrará a lesão de seu direito e os
demais pressupostos da ação.
Concedido o mandado liminar, o
réu apresenta defesa e, correndo a ação seus trâmites regulares, a sentença
final decidirá pela cassação ou pela confirmação definitiva da medida. Caso
venha a julgar procedente a demanda, acrescentar-lhe-á, à medida liminar,
tão-somente o efeito declaratório. Se, ao contrário, for de improcedência a
sentença final, caberá ao juiz, no próprio ato sentencial, revogar a medida
liminar, a qual, todavia, irá perdurar enquanto não transitar em julgado a
sentença, se os eventuais recursos contra ela interpostos não permitirem a
execução provisória do julgado, caso o recurso deva ser recebido em ambos os
efeitos.
A despeito da justificação, caso
não se convença, o juiz transferirá para final o seu pronunciamento, tomando o
feito, após a citação regular do réu, o rito ordinário.
Datando de mais de ano e dia a
turbação, não tem cabimento a ação especial, com expedição de mandado in limine
litis, porém a comum, para a qual o réu é regularmente citado, apresenta
provas, decidindo a final o juiz segundo o alegado e provado pelas partes
litigantes.
Aqui, é importante salientar que
o art. 273 do CPC não alterou o direito material, isto é, ainda que com base
nesse dispositivo, se a posse tiver mais de ano e dia (requisito do direito
material – liminar somente para os casos em que a posse contar com menos de ano
e dia), não é possível se obter a tutela antecipada nas ações possessórias.
Vale dizer que o procedimento especial exclui o geral.
A sentença mantenedora da posse
deverá restituir ao statu quo ante, com a cessação da moléstia, inclusive
demolição de obras eventualmente realizadas pelo turbador. Tal sentença é de
eficácia mandamental.
Ovídio A. Baptista da Silva
(1998, p. 414) ensina que:
“As eficácias próprias das
sentenças de procedência têm origem no direito material e correspondem à
natureza do respectivo direito a que o processo, através da sentença, tem por
fim tornar efetivo e realizado. Não há nenhuma regra ou princípio de direito processual
que possa criar, modificar ou suprimir eficácias sentenciais, sem criar,
modificar ou suprimir a respectiva pretensão de direito material. Assim como
seria inimaginável a transformação de uma ação de separação judicial, ou uma
ação de anulação de contrato numa ação condenatória, sem que a respectiva
pretensão fosse concomitantemente mutilada, assim, também a regra de processo
que substitua o procedimento especial pelo ordinário, não poderá nunca
interferir na eficácias de uma determinada ação. Daí porque é sem fundamento a
opinião dos que afirmam que as ações
possessórias, quando se tenham transformado em ordinárias, pela
consumação do prazo de “ano e dia” do ato da agressão possessória, passam a ser
condenatórias, de tal modo que a execução de sentença deva obedecer às regras
do processo de execução para entrega de coisa certa, se a demanda possessória
for de reintegração; ou do processo executivo para cumprimento das obrigações
de fazer ou não fazer, se a possessória ordinária tiver por objeto da tutela
contra a simples turbação da posse.
Seria simples demonstrar como a
tutela da posse anular-se-ia inteiramente se, por exemplo, nas ações de
manutenção e de interdito proibitório, a respectiva sentença que as acolhesse,
fosse meramente condenatória. Se a tutela jurisdicional se resumisse em
condenação, ter-se-ia então de promover um segundo processo para cumprimento de
uma obrigação de fazer o qual, sendo infungível em geral o ato de agressão ou
ameaça de agressão possessória, transformaria a proteção à posse em reparação
pecuniária. Neste caso, em razão da infungibilidade do ato de ofensa à posse,
teríamos de sujeitar-nos ao princípio da transformação da obrigação originária
em obrigação monetária, como prevê o art. 638, parágrafo único do CPC, o que
desvirtuaria inteiramente a tutela jurisdicional da posse, solenemente
anunciada pelo legislador em regras claríssimas de direito material.
Certamente, o direito processual
não poderia provocar um dano de tal gravidade ao direito material, sem abdicar
de sua tão decantada função instrumental”.
A tutela jurídica da posse tem como fundamento a existência do
interesse geral de assegurar e conservar a ordem fática para que nada mude, sem
ser dentro de paz, ou por decisão de justiça. Somente a deliberação dos homens,
sem violência, e a aplicação das leis devem poder mudar os estados de fato
existentes.
O princípio do status quo,
considerado como imprescindível à paz jurídica, exige que cada um respeite as
situações jurídicas e a posse dos outros. Quieta non movere. Assim, ninguém
pode, sem ofender o princípio, transformar ou extinguir relações de posse, cujo
titular é outro.
Não se vai discutir, aqui, a qualidade do direito do turbador, nem
a natureza ou profundidade do dano, porém, o fato em si, perturbador da posse.
Por isso é que, tais sejam as circunstâncias, pode ser concedida, não só contra
o malfeitor, como também, contra o que se supõe fundado em direito.
Dá-se o interdito contra os
incômodos ou turbações, sendo incômodo (moléstia) qualquer atentado à posse
legítima, consistente em fatos ou atos que, praticados contra a vontade do
possuidor, impedem o exercício ou mudam o estado precedente da posse,
implicando de todas as maneiras uma pretensão contrária à posse alheia. É
preciso, assim, que o ato seja praticado com a intenção de exercer um direito
sobre a coisa e com o ânimo de contrariar o gozo do possuidor.
Pode, então, a moléstia ser: a) de fato, quando consiste a
turbação em via de fato, ou seja, se perturba materialmente a posse, como no
caso de proceder a construções no solo alheio ou cortar as árvores alheias; b)
de direito, quando se realiza por via judicial ou administrativa, como no caso
de anúncio de venda pública de coisa possuída.
Embora, geralmente, a turbação de
posse se caracterize pelo animus turbandi, portanto, impregnada de dolo, pode
ela ocorrer, igualmente, por simples culpa, como no caso do vizinho que,
inadvertidamente, por erro de mensuração, estende sua construção além dos
limites do seu terreno, abrangendo um pedaço do imóvel contíguo.
Tem-se discutido se a manutenção
pode ser concedida ao possuidor direto e, ainda, se é lícito expedir-se contra
o indireto. Enquanto para alguns autores é possível a proteção possessória
entre os dois possuidores, outros negam a tutela da posse por via dos
interditos invocados por qualquer deles e afirmam que as diferenças ou litígios
devem dirimir-se por outras ações que não as de natureza possessória.
Cabe, também, referir que
inadmissível seria cogitar-se o pedido de manutenção na posse contra o
possuidor direto, que tem poder sobre a coisa, e não pode ser considerado
turbador da posse indireta.
Importante esclarecer que podem
ser rés em ação possessória as pessoas de Direito Público. Nenhuma imunidade as
acoberta. Pode suceder que o ato do Poder Público, ofensivo à posse,
caracterize também violação de direito líquido e certo do possuidor, de modo a
ensejar mandado de segurança – nem assim fica excluída a possessória, se a
prefere o prejudicado. Ocorre, aqui, caso típico de concurso eletivo de
remédios jurídico-processuais: abre ao lesado a opção livre por qualquer das
duas vias, segundo sua conveniência e critério, cabendo anotar ainda a
possibilidade de oferecer-se uma terceira escolha: a demanda indenizatória,
dita de desapropriação indireta.
Não tem lugar, porém, a
manutenção de posse para defesa de servidões contínuas não aparentes, nem
servidões descontínuas (aquelas em que não é possível o usucapião), em razão da
ausência de sinais visíveis, salvo quando os respectivos títulos provieram do
possuidor do prédio serviente, ou daquele de quem este o houve, pois que então se
distinguem da mera tolerância. Mas, se se patenteiam por obras ostensivas, cabe
ao interdito, como se se tratasse de contínuas e aparentes.
Mister dizer, ainda, que os
direitos reais albergados pela ação de manutenção de posse são só os
imobiliários e, entre eles, apenas os de gozo, não possuindo a proteção o
titular de direitos reais de garantia, como o credor hipotecário.
O que há de peculiar na ação
possessória é que pode o réu, entre outros meios de defesa, alegar e provar que
a posse do autor desmerece proteção, por havê-la o mesmo, por exemplo, obtido
violentamente do próprio contestante. Faculta-se ao juiz, caso se haja
convencido de tal alegação, não somente denegar o pedido de manutenção, como
atender o pedido do constestante, no sentido de reintegrá-lo na posse de que
foi esbulhado. Por isso se diz que a ação possessória é dúplice.
Adroaldo Furtado Fabrício (2001,
p. 415) faz a seguinte indagação:
“Os interditos de reintegração,
de manutenção e proibitório, ou algum deles, entram nessa categoria dos juízos
dúplices ‘por natureza’? E diz: Parece-nos que não. Em matéria de proteção
possessória, supõe-se a existência de um possuidor e de um ofensor da posse; as
correspondentes legitimações ativa e passiva são definidas por essas mesmas
posições e não são intercambiáveis. O que antes denominamos polaridade da
relação processual acha-se predeterminada antes mesmo da instauração do
processo. Continua, esclarecendo: Muito excepcionalmente inexiste a
predeterminação das legitimações – a situação jurídica é tal que qualquer dos
sujeitos pode ajuizar a ação em face do outro ou dos outros. Tal ocorre nos
juízos demarcatórios e divisórios: Não há, rigorosamente, autores e réus;
qualquer dos confinantes ou comunheiros poderia ter tomado a iniciativa. Se há
dois sujeitos da relação jurídico-material e qualquer deles pode propor a mesma
ação contra o outro, essa ação é dúplice. No entanto, a lei tornou dúplice a
ação possessória ao permitir que o juiz, no mesmo processo e independentemente
de reconvenção, dispensasse a proteção possessória ao réu, se ele a requerer
para si e prova os requisitos que normalmente se exigiram do autor”.
Outro ponto a ser estudado é se a
ação de manutenção de posse, assim como as demais possessórias, são de natureza
real ou pessoal? A questão é importante, quando o bem litigioso é imóvel, para
definir-se a necessidade ou não de ambos os cônjuges integrarem a relação
processual, em face do que dispõe o artigo 10 de CPC.
Em doutrina não há grandes
divergências, mas a jurisprudência tem se mostrado enormemente instável a
respeito do tema.
Predomina hoje, entre nós, o
entendimento de que a posse é um direito e de natureza real. Em conseqüência,
quando a pessoa casada quiser propor ação possessória necessitará da presença
ou do consentimento do outro cônjuge.
Na verdade, não há razão para se
questionar em torno da natureza real da ação possessória, pelo menos em face do
direito positivo nacional, pois o art. 95 do CPC, ao cuidar da competência para
as ações reais imobiliárias, inclui expressamente, entre estas, as
possessórias.
Problema que tem desafiado os
julgadores é o que se põe na contagem do prazo, para efeito ou não de ser
idônea a sumária possessória, quando são múltiplos os atos de turbação da
posse, praticados pela mesma pessoa e formando o seu conjunto a moléstia de que
se queixa o lesado. Há divergência entre os doutrinadores, visto que uns mandam
computar o prazo de primeiro ato turbativo e outros aconselham isolar da
seqüência de atos o que constitua turbação real.
Segundo os ensinamento de Caio
Mario da Silva Pereira (1990, p. 53), melhor será distinguir:
“Se, na cadeia de fatos, um
houver que importe em privação da posse, daí correrá o prazo; se houver vários
atos distintos, sem nenhuma relação de causalidade, cada um constitui turbação
autônoma para efeito da contagem; se, ao contrário, forem ligados entre si pela
mesma causação, formará toda a cadeia uma só moléstia, e do último eles
contar-se-á o lapso para efeito de ser admitido o rito sumário”.
Por fim, deve-se referir que, no
tocante à competência, as ações possessórias, versando sobre coisas móveis,
correrá no for do domicílio do réu, segundo a regra do art. 94. Se a disputa
incidir sobre imóvel, competirá ao foro da situação da coisa litigiosa,
aplicando-se prevenção quando a gleba estender-se por território de mais de uma
comarca ou Estado.
2 AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE
A ação de reintegração de posse é
concedida ao possuidor que foi esbulhado.
Em outras palavras, aquele que é desapossado da coisa tem, para reavê-la
e restaurar a posse perdida, ação de reintegração de posse.
Dá-se o esbulho quando o
possuidor é injustamente privado de sua posse. Na doutrina tradicional
entendia-se necessário, para caracterizar o esbulho, a presença de violência.
Todavia, entre nós, mesmo na vigência do Código de Processo Civil de 1939, que
em seu art. 371, II condicionava a concessão do interdito reintegratório à
prova da violência, a jurisprudência vinha desprezando referida exigência, para
proclamar que o esbulho se caracterizava mesmo que sua fonte se encontrasse na
clandestinidade ou precariedade. Se a posse clandestina se tornou pública, mas
o novo possuidor se recusa a devolvê-la ao antigo, ou, se o precarista
recalcitra em não restituir a coisa que lhe foi confiada a título precário, o
esbulho se caracteriza, malgrado não se haja manifestado a violência.
Deve-se mencionar que, além
disso, o art. 927 do atual CPC, diz:
“Art. 927 - Incumbe ao autor provar:
I – a sua posse;
II – a turbação ou o esbulho
praticado pelo réu;
III – a data da turbação ou do
esbulho;
IV – a continuação da posse,
embora turbada, na ação de manutenção; a perda da posse, na ação de
reintegração”.
Constata-se, que o citado artigo
não mais utiliza o vocábulo “violência”, pondo termo, assim, a discussão.
São pressupostos necessários para
o êxito da reintegração:
a) a existência da posse.
Observa Roberto de Ruggiero (
1999, p. 808) que:
“Para o exercício da
reintegração, exige-se uma posse, seja ela qual for, o que significa que nem se
exige a anualidade, nem a ausência de vícios, sendo protegida a própria posse
ilegítima e também a simples detenção. No entanto, não é qualquer detentor que
pode invocar a tutela. Se não é preciso no espoliado um animus domini é, porém,
necessário que ele tenha, pelo menos, o de possuidor por si com respeito
próprio e independente de reter a coisa; por outras palavras: deve-se
distinguir entre quem detém em nome próprio e possui nomine alieno e quem, não
só possui, mas também detém em nome alheio, como o mandatário e outros. A ação
conferida aos primeiros não pode justamente considerar-se extensiva também aos
segundos, que não tem um interesse próprio e independente a fazer valer sobre a
coisa que lhes foi entregue”.
b) que tenha havido o esbulho.
Ressalva-se que está excluída da
caracterização do esbulho a privação da coisa por justa causa.
c) que o mesmo date de menos de
ano e dia, em função, como na dito quando se tratou da ação de manutenção de
posse, de que nosso direito distingue a espécie de proteção possessória segundo
o esbulho tenha ocorrido antes de completar um ano e dia da data em que o
possuidor pede a proteção judicial ou, ao contrário, se tenha dado em tempo
superior. Valem, para este instituto as mesmas considerações já tecidas com
relação a manutenção da posse.
Se a prova destes fatos for
veemente, ou se deles se convencer o juiz através de justificação, pode o juiz,
ainda aqui, ordenar expedição de mandado liminar de reintegração, devolvendo-se
a coisa esbulhada à vítima, antes mesmo de se ouvir o esbulhador. Caso,
entretanto, não chegue desde logo a tal convencimento, ordenará a citação do
réu, e, contestado o feito, toma ele o rito ordinário, como já explanado supra.
Sendo medidas antecipatórias, as
medidas liminares concedidas em ações
possessórias não são cautelares. Não se lhes exige, para seu cabimento, o
pressuposto que a doutrina considera essencial para a tutela cautelar: o
periculum in mora, ou melhor dizendo, o risco de dano irreparável ao direito
alegado pelo autor.
A prova necessária e suficiente
para que o juiz conceda a liminar de reintegração é apenas prova da posse e
esbulho alegados pelo autor. Trata-se de decisão baseada em summaria cognitio,
por duas razões fundamentais: a) a necessidade de pronta reação judicial contra
o esbulho cometido contra o possuidor torna absolutamente incompatível a busca
de um convencimento exaustivo, só possível através da instrução, probatória
normal; b) a produção dessa prova – ainda que ao réu se dê ciência do pedido de
reintegração liminar, de modo que ela possa acompanhar a realização da
audiência de justificação – é sempre unilateral, pois ao demandado, nessa fase
procedimental, não é lícito produzir prova contrária à pretendida pelo autor.
Sua participação na audiência preliminar limita-se a fiscalizar a regularidade
de sua realização.
O objetivo imediato da sentença é
restituir a coisa ao esbulhado, ou, se ela não mais existir, o seu valor.
Cabe a ação de esbulho ao
possuidor direto contra o possuidor indireto, como já se disse quanto à
manutenção de posse. Ao possuidor indireto dá-se o interdito recuperandae para
obter a restituição em favor do direto ou em seu próprio benefício, se o possuidor
imediato não puder ou não quiser reaver a coisa, e o esbulhador for um
terceiro.
Nem só o autor da ofensa pode ser
legitimado passivo. A ação pode ser movida contra aquele que recebeu a coisa do
esbulhador de má-fé, vale dizer, sabendo do esbulho. Explica-se que isso só
possa ocorrer em relação ao esbulho e, pois, à ação reintegratória: é preciso
que o autor tenha sido desapossado para que a coisa possa ser passada a
terceiro.
Necessário examinar, também,
outro tema: as hipóteses em que, segundo o nosso direito, devemos considerar o
possuidor despojado da posse e os casos em que, não obstante esteja ele
afastado momentaneamente do poder fático efetivo sobre a coisa, ainda o
considere a lei possuidor.
É o que ocorre quando o ausente,
sem saber, é vítima de esbulho possessório. Segundo dispõem os arts. 497 e 522
do CC, os atos violentos e clandestinos não geram aquisição de posse e nem a
perde o ausente, se não nos casos em que, tendo notícia da ocupação da coisa
por outrem, abstém-se de retomá-la ou, tentando recuperá-la, é violentamente
repelido.
Segundo o art. 522 do CC, o
ausente que tiver notícia do esbulho, poderá defender a posse através de atos
de legítima defesa possessória, como o permite o art. 502. Em tal caso, ele não
terá ainda perdido a posse. Mas nem só de legítima defesa se poderá valer o
possuidor para conservar a posse, visto que o art. 522 reconhece-lhe o direito
de defendê-la privadamente, contando que o faça logo. Além disso, permite-lhe o
art. 520, IV, a invocação da tutela jurisdicional para a conservação da posse
por meio do interdito da manutenção.
Constituem objeto da reintegração
de posse tanto os imóveis como os móveis. Questionamento é saber se também
estão albergados os direitos reais. Pela doutrina prevalece, e com a
concordância da jurisprudência, que tais direitos gozam da proteção da ação de
reintegração de posse.
Ovídio A. Baptista da Silva
(1998, p. 267), afirma que:
“A ação de reintegração de posse,
assim como as demais ações concebidas pelo ordenamento jurídico para defesa da
posse, é sumária, porquanto terá sempre a mesma limitação do campo das defesas
permitidas ao demandado, ou seja, cinge-se na controvérsia sobre a posse,
impedindo que nela se controverta sobre direito. Ainda que sumárias, podem ter
como veículo um procedimento ordinário, como, em algumas vezes, de fato
ocorre”.
Deve-se mencionar que, a despeito
de controvérsias anteriormente havidas, hoje, tanto na ação de reintegração,
como na de manutenção de posse, pode o juiz ter de enfrentar a defesa do réu,
fundada no domínio. Com base no princípio de que se trata de situações bem
diversas, o julgamento da posse não pode ser distorcido pela invocação da
propriedade, isto é, se o réu acusado de haver turbado ou esbulhado a posse,
articular como defesa o seu domínio, justificando-se de que agiu por ser dono,
não colherá o argumento, porque não lhe assiste, sob a alegação de propriedade,
molestar a posse alheia.
O que lhe cabe, ante a
constituição de uma situação contrária ao seu domínio, é promover a
reivindicação, reavendo a coisa por via petitória.
A reintegração de posse é uma
ação executiva, diferentemente das outras duas espécies de ações possessórias,
que são mandamentais. Sua condição de ação executiva radica, como em todas as
demais desta classe, na pretensão que a ordem jurídica reconhece ao possuidor
de recuperar a posse que haja perdido em virtude do esbulho contra ele
cometido. Trata-se, portanto, de uma ação real, como o são as ações executivas, através da qual o possuidor
desapossado pede a coisa e não o cumprimento de uma obrigação.
O art. 921 do CPC, ao permitir
que o autor cumule à demanda possessória, que é especial, uma ação ordinária
por perdas e danos, abre exceção ao princípio geral segundo o qual a cumulação
de ações sujeitas a procedimentos diferentes obriga a que ambas as ações
cumuladas se processem pelo rito ordinário. No caso dos interditos
possessorios, essa exigência não atua. A junção às ações possessórias especiais
de uma demanda ordinária não lhes retira o caráter de procedimentos especiais.
Além do pedido de indenização por
perdas e danos – que não se confunde com a indenização devida pelo demandado
vencido, relativa às despesas com a reintegração - , poderá o autor cumular à
ação de esbulho (ou turbação) o pedido de uma cominação para o caso de vir o
réu a cometer novo esbulho, bem como o pedido de desfazimento de construções ou
plantações porventura feitas pelo esbulhador.
As eficácias que a sentença de
procedência terá, relativamente a cada um desses pedidos, diferem entre si. A
ação principal de reintegração de posse é executiva, de modo que a execução da
sentença se faz em virtude de ordem sentencial emitida pelo julgador na própria
sentença de procedência, sem que o autor vitorioso necessite ajuizar uma nova
ação de execução; a ação de indenização por perdas e danos é condenatória, de
modo que, um vez julgado procedente este pedido, terá o autor de promover a
ação de execução, com base no art. 584, I do CPC; também condenatória será a
sentença na porção em que condenar o demandado a pagar uma pena para o caso de novo
esbulho. Resta examinar a natureza da sentença que condena o desfazimento de
construção ou plantação feita em detrimento da posse do autor. Se a pretensão
for condenatória, então a sentença que resultar da ação correspondente terá de
ser executada segundo as regras aplicáveis às execuções para cumprimento das
obrigações de fazer; se a ação em causa for executiva, então o juiz, na própria
sentença de procedência, ordenará – e não simplesmente condenará – a destruição
das construções e plantações.
A relação, em que estão entre si
as duas ações até aqui examinadas, resulta nitidamente de tudo quanto foi dito.
Destinadas a dois fins diversos e exercidas sob condições e pressupostos
diferentes, não são em regra acumuláveis, nem há entre elas aquele concurso,
cujo efeito consiste na impossibilidade de propor uma segunda ação quando se
tenha proposto uma primeira, todas as vezes que pelo mesmo título pertençam a
uma pessoa várias ações. Pode, assim, quando não se tenha chegado aos extremos
da ação de reintegração, intentar-se ainda a ação de manutenção, desde que
subsista o fato turbativo, podendo assim uma ação propor-se subordinadamente à
outra.
Salutar que se estude alguns
incidente registráveis nos interditos. São eles:
a) embargos de terceiro: já se decidiu
que os embargos de terceiro só são cabíveis contra ato de apreensão judicial e
dessa natureza não participa a determinação da sentença para restituição do
domínio e posse de bens. Assim, contra mandados de despejo e de reintegração de
posse, não teria defesa o terceiro pela via dos embargos do art. 1046 do CPC.
Os embargos de terceiro, todavia,
como remédio de defesa do estranho (terceiro possuidor, que não é parte) ao
processo, contra o esbulho judicial, não têm o acanhado limite que se pretendeu
fixar. Os atos de apreensão judicial, como o arresto, a penhora e os demais
arrolados no art. 1046 do CPC, são apenas exemplos de hipóteses em que se pode
aplicar o questionado procedimento, mas não são os únicos.
No estágio atual de nosso
direito, a ação de embargos de terceiro é via ampla de tutela do estranho no
processo, em face do ato judicial, quando sua posse ou domínio sofra qualquer
moléstia.
Daí se conclui, que a natureza
dos referidos embargos de terceiro é possessória.
Quanto ao prazo para oposição dos
embargos de terceiro em oposição à execução da sentença em ação de reintegração
de posse, deve ser contado da data em que houver o terceiro sofrido o alegado
esbulho, isto é, da data em que se cumpriu o mandado reintegratório.
b) mandado de segurança: o
deferimento ou não da medida liminar, nas ações possessórias, se dá através de
decisão interlocutória, desafiadora, portanto, do recurso de agravo de
instrumento. Como na sistemática primitiva do CPC o agravo não era dotado de
efeito suspensivo, comum se fazia o recurso ao mandado de segurança, não para
subsistir o recurso adequado, mas apenas para propiciar-lhe a força de
suspender, temporariamente, a execução do ato impugnado, a fim de aguardar-se o
julgamento do agravo. A Lei nº. 9.139/95, ao alterar a redação dos arts. 527 e
558 do CPC, permitiu ser conferido tal efeito ao agravo, eliminando a
inconveniente praxe de utilizar o mandado de segurança como complemento do
agravo manejado contra as liminares possessórias.
c) embargos de retenção: já ficou
demonstrado que as ações possessórias são procedimentos que englobam, numa só
relação processual, toda a atividade jurisdicional, desde a cognição à
execução.
Inexistindo execução de sentença,
como processo separado tendente a entrega de coisa certa, não se aplicam às
ações de manutenção e reintegração de posse as regras pertinentes à execução
forçada e seus embargos.
Logo, se o demandado tem
benfeitorias a indenizar, e pretende exercer, se cabível, o direito de
retenção, há de fazê-lo no curso da ação por meio da contestação, e nunca por
via de embargos de retenção, após a sentença, porque tais embargos pressupõem,
logicamente, a existência de uma execução de sentença, nos moldes de condenação
à entrega de coisa certa.
d) nomeação à autoria e denunciação
da lide: segundo os arts. 62 e 70, II do CPC, é possível ocorrer, nas ações
possessórias, tanto a nomeação a autoria como a denunciação da lide. Mas as
duas intervenções de terceiro não se confundem, nem podem ser utilizadas pela
parte indiferentemente. Ao contrário, cada uma delas tem requisitos específicos
e aplicação própria a situações bem definidas, visando, ainda, objetivos
diversos.
Assim, cabe nomeação à autoria,
quando o réu da ação possessória não for realmente o possuidor, mas apenas o
detentor do bem litigioso. Com a nomeação, o demandado visa ser excluído do
processo e substituído pelo verdadeiro possuidor, em nome de quem exerce a
detenção.
Já a denunciação da lide só tem
cabimento quando o réu da possessória for possuidor, ou seja, alguém que tem
posse a defender, posse própria, embora apenas direta e sem exclusão da
indireta de outro possuidor, de onde a primeira se derivou. Nesse caso, a
denunciação da lide não afeta a legitimidade de parte do demandado, nem visa a
excluí-lo da relação processual possessória. O possuidor indireto, como o
locador, é chamado pelo direto, o locatário, para responder à ação principal
juntamente com ele e, em ação secundária, para responder pela obrigação de
assegurar a continuidade da posse direta com as correspondentes vantagens ou a
indenização do equivalente se não puder garantir.
3 INTERDITO PROIBITÓRIO
Este interdito é o remédio
possessório concedido ao possuidor que, tendo justo receio de ser molestado ou
esbulhado em sua posse, pretende ser assegurado contra violência iminente.
Pede, portanto, ao Poder Judiciário, que comine, a quem o ameaça, pena
pecuniária, para o caso de transgressão do preceito.
É, assim, de natureza preventiva,
tendo por objetivo impedir que se consume dano apenas temido.
A estrutura do interdito
proibitório é, portanto, de uma ação cominatória, para exigir do demandado uma
prestação de fazer negativa, isto é, abster-se da moléstia à posse do autor,
sob pena de incorrer em multa pecuniária.
O Código de Processo Civil, em
seu art. 932 enumera, os seguintes requisitos como necessários para propositura
da ação:
a) a posse do autor: que pode ser
direta ou indireta.
b) a ameaça de turbação ou
esbulho por parte do réu.
c) o justo receio.
Proposta a ação, se antes da
sentença se verificar a turbação ou o esbulho, o juiz expedirá mandado de
manutenção ou reintegração em favor do autor contra o réu, sem prejuízo da imposição
de multa. Se a turbação ou o esbulho for posterior à sentença que cominou a
pena, nela incorre o réu, sem prejuízo das medidas possessórias cabíveis.
Esta ação é sempre de força nova,
porque a própria citação tem força de interditar a prática do ato que se teme
seja adotado pelo réu em prejuízo do autor. Por isso, o despacho da petição
inicial só pode ser dado quando o promovente apresentar elementos de convicção
adequados para a obtenção de medida liminar, segundo a sistemática do art. 928.
É bom lembrar que não se deve
considerar ameaça à posse simples manifestação do propósito de usar medidas
judiciais para reclamar direitos sobre o bem retido pelo possuidor. As disputas
dominiais, sem agressão arbitrária ao estado de fato em que se acha o possuidor,
são irrelevantes para o mundo possessório. São as ameaças de medidas agressivas
na ordem prática ou material que ensejam o recurso ao interdito proibitório.
Qualquer outro receio, que não seja o da violência iminente, portanto, não
configura o justo receio, de que fala o art. 932 do CPC.
Por outro lado, para que seja
exercida a ação de interdito proibitório, não é preciso que se preveja o que há
de acontecer, mas apenas que se tema que aconteça. Basta que se receie e haja
fundamento par esse receio. Daí falar-se em “justo receio”. Não se exige a
inevitabilidade, tanto assim que se quer o evitamento. Nem que se diga quando
pode ocorrer, tanto assim que só se alude à iminência, que resulta de ser justo
o receio. O que iminente é ameaçante, sem que tenha de ser logo após, ou em
breve tempo.
Ainda há que se frisar que o
justo receio de moléstia deve ser em relação à posse de coisas e direitos
reais, visto que o interdito não se estende aos direitos pessoais. No caso do
interdito proibitório, estão também protegidas as coisas incorpóreas, pois enquanto
a ofensa se mantém no campo da ameaça, a proteção possessória preventiva é
perfeitamente realizável, pois não se trata de fazer cessar conseqüências
fáticas já produzidas (reparáveis só indiretamente, mediante indenização), mas
de se impedir a práticas de atos que as causariam.
Se o réu não contesta o pedido, o
juiz de regra julga antecipadamente a lide, podendo reduzir a pena cominada.
Ou, caso o réu apresente contestação, está mantido o mesmo procedimento
previsto para a ação de manutenção e de reintegração de posse já exposto. Desse
interdito, o possuidor obterá uma sentença mandamental, pela mesma
justificativa já apresentada quando se examinou a ação de manutenção de posse.
No que se refere a pena
pecuniária, é preciso que se façam algumas considerações – quem pede é o autor,
quem decide é o juiz. Isso significa que incumbe ao autor indicar o valor da
pena pretendida, mas nem por isso fica o juiz vinculado a essa avaliação,
podendo reduzi-la, mas não aumentá-la. Está no critério de proporcionalidade a
pedra de toque do arbitramento do valor: como nas cominatórias, a penalidade
deve ser suficientemente grave para servir de contramotivo à infração, mas
nunca desmensuravelmente superior ao valor do dano que esta causaria e do
proveito econômico que dela pudesse resultar para o infrator.
O pagamento da pena pecuniária
cominada torna-se devido pelo fato mesmo da infração ao preceito, não isentando
o trangressor da indenização de perdas e danos decorrentes da ofensa à posse,
caso tenha resultado em turbação ou esbulho.
Em função da fungibilidade, que
já se disse, existente entre os interditos, uma dificuldade apresenta-se caso o
autor tenha postulado outra proteção possessória, ao invés do interdito
proibitório – é que como o pedido era de manutenção ou reintegração, não terá
requerido a cominação de pena. Convencendo-se o juiz que ocorre apenas ameaça à
posse, e não tendo indicação do autor quanto ao valor da multa, deve ouvi-lo a
respeito, em prazo razoável que fixará, antes de estabelecer o valor da pena
pecuniária. Só não será necessária essa providência se o autor houver formulado
o pedido cumulativo do art. 921, II do CPC.
4 AÇÃO VINDICATÓRIA DA POSSE
A pretensão e a ação vindicatória
da posse supõem posse anterior e posse posterior, entre as quais se trava a
discussão.
Ovídio A. Baptista da Silva
(1993, p. 133) afirma que:
“Temos que observar que a ação de
vindicação de posse de que trata o art. 521 do Código Civil, é ação fundada no
“direito à posse”, e não simplesmente uma ação possessória, como o são os
interditos e as ações ordinárias possessórias. Tal como a ação de imissão de
posse, a vindicação de título ao portador é petitória.
Já Adroaldo Furtado Fabrício
(2001, p. 265) diz:
“Pode–se vindicar sem ser dono, e
a vindicação será só da posse, assim como, mesmo tendo-se o domínio, pode-se
vindicar a posse sem invocá-lo. E essa ação de vindicação da posse é com
certeza cabível em relação a títulos ao portador, até por ser perfeitamente
possível ter-se a posse deles sem ser dono dos mesmos. Continua o autor: Mesmo
em relação a títulos ao portador, pode haver posse sem propriedade e posse
escalonada (posse do depositário, de usufrutuário, de administrador etc.). Esse
raciocínio, ao mesmo tempo que refuta a tese da não-reivindicabilidade dos
títulos ao portador, serve a demonstrar também o cabimento da ação vindicatória
da posse deles, a partir da idéia de que o possuidor e dono podem ser pessoas
distintas. E mais: outros setores da doutrina vêem conflito entre o art. 521 do
CC e o art. 1506 do mesmo diploma, um permitindo e outro vedando a
reivindicação. Isso não corresponde à realidade. O art. 521 – como, de resto, o
art. 1509 – refere-se a títulos já em circulação, e ao injusto desapossamento
que sofra algum dos portadores da cártula; no art. 1506, a referência é ao
emissor ou subscritor do título. Trata-se, pois, de situações inteiramente
distintas, a respeito das quais era livre o legislador de dispor diversamente
para uma e para outra. Inexiste conflito”.
E, ainda, J. D. Figueira Júnior
(1994, p. 282), esclarece que:
“Em que pese a ação vindicatória da posse estar colocada no título
pertinente à posse e oferecer subsídios à recuperação da coisa perdida ou
furtada, trata-se de remédio não puramente interdital, mas de caráter misto
(petitório e possessório)”.
A ação vindicatória da posse não
tem procedimento especial – submete-se ao rito comum, ordinário ou sumário,
segundo o valor da causa.
É legitimado ativo para a ação
aquele que alega, primeiro, a anterioridade da posse do título – não se exige a
prova da boa-fé de ter adquirido antes do demandado, pois tal boa-fé se presume
- e a perdeu sem o concurso de sua vontade – não importa que o possuidor atual
esteja de boa-fé e sempre tenha estado. A ação, de cunho eminentemente
patrimonial, é transmissível, e, portanto, pode ocorrer a legitimação do
sucessor do desapossado.
Quanto à legitimidade ativa, há
autores que entendem existir disparidade entre o art. 521 do CC e seu
parágrafo. No entanto, Adroaldo Furtado Fabrício (2001, p. 319) afirma que não
há contradição verdadeira e que partindo dessa premissa falsa, importantes
repercussões resultariam no processo. Diz o autor:
“O primeiro autoriza quem quer
que haja sido desapossado (dono ou não), em razão de furto ou perda, a reaver a
coisa (no que aqui nos interessa, o título) da pessoa que o detiver. O
parágrafo , cuidando da particular hipótese de ter sido a coisa (ou título)
adquirida nas condições ali especificadas, coloca não uma, mas duas restrições
à pretensão à restituição, assegurada em termos genéricos pelo caput: primeiro
limita sua titularidade ao dono, excluindo, pois, o possuidor sem domínio;
depois, condiciona a recuperação ao reembolso do preço pago pelo evicto.
Ao contrário , pois, do que foi afirmado por alguns, nenhuma
dissonância existe. Há, isto sim, no aludido parágrafo, norma que restringe, em
determinadas circunstâncias de fato, a incidência do artigo. O equívoco vem de
ver-se uma só dessas restrições, quando elas são duas: só se considera a
exigência de reposição do preço quando há outra regra jurídica limitante,
pertinente aos requisitos de legitimação para reaver a coisa adquirida nas
referidas e especiais circunstâncias. E esse é o dispositivo repetido,
inutilmente aliás, no art. 913.
O tema preocupa porque, partindo
de uma falsa premissa, chegou-se a uma conclusão de todo inaceitável, e esta já
respeitante clara e diretamente ao Direito Processual: a de que o art. 907, I,
embora não faça referência ao direito de propriedade, só outorga a ação ali
tratada ao dono do título, restrição que resultaria da combinação daquele
dispositivo com o art. 913. Supomos haver demonstrado que ocorre aí duplo
equívoco: primeiro, a restrição mencionada não decorre do art. 913 deste
Código, mas do parágrafo do art. 521 do Código Civil; segundo, dita limitação
não se estende à vindicação de títulos em geral segundo o art. 907, I, dizendo
respeito somente à vindicação de títulos que o detentor adquiriu em bolsa ou
leilão. Nada disso repercute de forma alguma sobre o disposto no art. 907, I;
este se articula com o art. 521, caput do Código Civil (hipótese genérica), e o
art. 913 com o parágrafo do mesmo art. 521 (hipótese específica)”.
Legitimado passivo só pode ser o
detentor – só se pode orientar a ação contra quem tenha em seu poder a coisa
(no caso, o título). Se desconhecida a identidade ou o paradeiro do detentor,
ter-se-á de usar a citação por edital (na hipótese, muito dificilmente o autor
obterá êxito na demanda, pois mesmo a sentença favorável representará,
provavelmente, uma vitória de Pirro. Por isso, em tal emergência, mais sensata
é a opção pela ação de anulação.
A pretensão e a ação do art. 521
são distintas da pretensão e ação de esbulho, embora todas nasçam da posse e
suponham privação do poder fático corporal. A sentença na ação dos arts. 499,
2ª. parte; 503-507, restabelece, provisionalmente, o estado anterior
possessório, inclusive dá ensejo à reintegração antes de ser ouvido o
esbulhador; a ação do art. 521 permite todas as objeções petitórias e a
sentença decide definitivamente quanto à posse.
Pontes de Miranda (2000, p. 431)
diferencia a ação de reivindicação da ação vindicatória da posse, afirmando
que:
“A ação de reivindicação supõe a
propriedade e o estar outrem com a posse; a ação vindicatória da posse só supõe
posse e estar alguém com posse temporalmente inferior, isto é, posteriormente
adquirida. Sempre que o demandante invoca o direito de propriedade e a posse, entende-se
que cumulou essas duas ações. A reivindicação dar-lhe-á posse, porque lhe dá a
propriedade; a vindicatória da posse cabe ainda que falte qualquer direito real
(se trate de posse sem propriedade ou se trate de direito de crédito), ou falte
qualquer direito (está na casa como locatário, de boa-fé , e não tem contrato,
ainda verbal, de locação). Além disso, na primeira mais se atende ao ter-se
adquirido a propriedade, na segunda mais ao ter-se perdido a posse do bem.
Assim, na ação preconizada no art. 521, inexiste conflito entre títulos,
diversamente do que ocorre na reivindicatória (art. 524), em que figura como
fundamento do litígio; na demanda de vindicação, a posse anteriormente perdida
é o que mais importa, e não o título”.
Diferencia-se, também, a ação
vindicatória da reintegração de posse, porque a pretensão fulcrada no art. 521
pode ser dirigida, inclusive, contra quem desconheça o vício precedente que
macula a posse (terceiro de boa-fé), o que não acontece naquela outra, em que o
autor necessita invocar o estatuído no art. 504, § 2ª. parte.
A competência desta ação
determina-se pelo critério genérico do domicílio do demandado, vale dizer, do
detentor do título ou dos títulos.
É ação de direito à posse e não
ação possessória. O que se pede é a restituição da posse. A sua natureza e a
sua eficácia são de ação real e não de ação pessoal.
No tocante a prescrição, é a da
ação que corresponde ao direito a que a posse vindicanda alude, conforme art.
520, parágrafo único, 2ª. parte.
5 EFEITOS DA POSSE NO PROJETO DO
CÓDIGO CIVIL
Art. 1.211. O possuidor tem
direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e
segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado.
§ 1º O possuidor turbado, ou
esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que
o faça logo; os atos de defesa, ou de desforços, não podem, porém, ir além do
indispensável à manutenção, ou restituição da posse.
§ 2º Não obsta à manutenção ou
reintegração na posse a alegação de propriedade, ou de outro direito sobre a
coisa.
Art. 1.212. Quando mais de uma
pessoa se disser possuidora, manter-se-á provisoriamente a que tiver a coisa,
não sendo manifesto que a obteve de alguma das outras por modo vicioso.
Art. 1.213. O possuidor pode
intentar a ação de esbulho, ou a de indenização, contra o terceiro, que recebeu
a coisa esbulhada sabendo que o era.
Art. 1.214. O disposto nos
artigos antecedentes não se aplica às servidões não aparentes, salvo quando os
respectivos títulos provierem do possuidor do prédio serviente, ou daqueles de
quem este o houve.
Art. 1.215. O possuidor de boa-fé
tem direito, enquanto ela durar, aos frutos percebidos.
Parágrafo único. Os frutos
dependentes ao tempo em que cessar a boa-fé devem ser restituídos, depois de
deduzidas as despesas da produção, e custeio. Devem ser também restituídos os
frutos colhidos com antecipação.
Art. 1.216. Os frutos naturais e
industriais reputam-se colhidos e percebidos, logo que são separados. Os civis
reputam-se percebidos dia por dia.
Art. 1.217. O possuidor de má-fé
responde por todos os frutos colhidos e percebidos, bem como pelos que, por
culpa sua, deixou de perceber, desde o momento em que se constituiu de má-fé;
tem direito, porém, às despesas da produção e custeio.
Art. 1.218. O possuidor de boa-fé
não responde pela perda ou deterioração da coisa, a que não der causa.
Art. 1.219. O possuidor de má-fé
responde pela perda, ou deterioração da coisa, ainda que acidentais, salvo se
provar que de igual modo se teriam dado, estando ela na posse do reivindicante.
Art. 1.220. O possuidor de boa-fé
tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem como,
quanto às voluntárias, se lhe não forem pagas, a levantá-las, quando o puder
sem detrimento da coisa. Pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis poderá
exercer o direito de retenção.
Art. 1.221. Ao possuidor de má-fé
serão ressarcidas somente as benfeitorias necessárias; mas não lhe assiste o
direito de retenção pela importância, destas, nem o de levantar as voluntárias.
Art. 1.222. As benfeitorias
compensam-se com os danos, e só obrigam ao ressarcimento, se ao tempo da
evicção ainda existirem.
Art. 1.223. O reivindicante,
obrigado a indenizar as benfeitorias ao possuidor de má-fé, tem o direito de
optar entre o seu valor atual e o seu custo; ao possuidor de boa-fé indenizará
pelo valor atual.
Observando-se os artigos acima
transcritos, constata-se que poucas foram as mudanças no Projeto do Código
Civil com relação aos efeitos da posse. Verifica-se que foram substituídas
algumas terminologias anteriormente utilizadas e alguns artigos foram
“fundidos” em um só, sem que tenham ocorrido grandes transformações nesse
capítulo.
CONCLUSÃO
Pretendeu-se demonstrar, à luz da doutrina dominante, os
principais pontos no tocante aos interditos possessórios e a, não tão
conhecida, ação de vindicação de posse.
Espera-se que a matéria aqui
transcrita possa elucidar e auxiliar na compreensão do assunto, uma vez que é
tema por todos enfrentados no dia a dia.
O certo é que as ações de
proteção à posse estão consagradas tanto no
Código de Processo Civil, com no Código Civil e tem relevância para os
mais variados vértices do direito.
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Anotações ao Código Civil Brasileiro, 2º. Volume. São Paulo, Saraiva, 1993.
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14) ________. Procedimentos
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15) THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Curso de Direito Processual Civil, vol. III. Rio de Janeiro, Forense,
2001.
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[1] LAFAYETTE. Direito das
Coisas, § 19 apud RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, vol. 5 – São Paulo:
Saraiva, 1991, p. 60