BuscaLegis.ccj.ufsc.br

A REFORMA NO PROCESSO CIVIL

Breves Notas e Comentários (PARTE 4: Apoio Judiciário)

 

 

JOEL TIMÓTEO RAMOS PEREIRA

Juiz de Direito

 

 

IV.

Apoio Judiciário

1. Introdução

 

1.         O novo regime do acesso ao direito e aos Tribunais, (apoio judiciário – embora esta seja apenas uma vertente desse benefício) foi completamente reformado pela Lei 30-E/2000, de 20.Dezembro (publicado em Suplemento).

 

2.         Essa reforma tem aplicação apenas aos pedidos formulados a partir de 1 de Janeiro de 2001.

 

3.         Todos os processos de apoio judiciário iniciados até 31 de Dezembro de 2000 é aplicável o regime anterior – art. 57º, nº 2 da referida Lei.

 

·           Desde logo, o que se deve entender por iniciados até 31 de Dezembro de 2000 ? Em bom rigor, um requerimento formulado em 28 de Dezembro e assim apresentado no Tribunal só irá à distribuição no dia 04 de Janeiro 2001, pelo que não se poderá considerar como iniciado em 2000.

 

·           Consideramos, contudo, que o espírito do legislador ¾ embora o tenha traduzido de forma passível de equívocos ¾ é de abranger todos os requerimentos apresentados até ao último dia de Dezembro de 2000

 

 

 

2. Processamento

 

1.         O requerimento é apresentado junto dos organismos da Segurança Social da área da sua residência, competindo ao dirigente máximo desses serviços, a decisão sobre tal pedido.

 

2.         São aplicáveis as regras de procedimento administrativo em tudo o que não se encontra regulado na Lei (artº 22º)

 

3.         Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo (artº 25º, nº 4).

 

4.         O prazo para decisão do requerimento é de trinta dias úteis. Decorrido o prazo referido no número anterior sem que tenha sido proferida uma decisão, considera-se tacitamente deferido e concedido o pedido de apoio judiciário.

 

5.         Se o requerimento tiver sido apresentado na pendência de acção judicial, a decisão final sobre o pedido de apoio judiciário é notificada ao tribunal em que esta se encontra pendente e à contraparte na acção (artº 27º, nº 2)

 

6.         A decisão de indeferimento do pedido de apoio judiciário não admite reclamação, nem recurso hierárquico ou tutelar, sendo susceptível de impugnação judicial nos termos dos artigos 28º e 29.

 

·           Ora, preceitua o artº 29-º que é competente para conhecer e decidir o recurso em última instância o tribunal da comarca em que está sediado o serviço de segurança social que indeferiu o pedido de apoio judiciário, ou, caso o pedido tenha sido formulado na pendência da acção, o tribunal em que esta se encontra pendente.

 

·           Tratando-se de um processo administrativo e estando sujeito às regras do procedimento administrativo (artº 22º), compete aos Tribunais Administrativos a apreciação da impugnação judicial referente a actos praticados por agentes ou funcionários administrativos.  Se o apoio judiciário passa a ser encarado como uma prestação social, estamos perante uma relação jurídica administrativa entre os serviços de segurança social e os seus beneficiários, pelo que os tribunais competentes para conhecer das impugnações das decisões administrativas sobre esses pedido serão, nos termos da Constituição, os tribunais administrativos, e não os tribunais de comarca.

 

·           Ou seja, serão suscitadas inúmeras excepções de incompetência do Tribunal em razão da matéria ¾ o que atrasará ainda mais alguns processos, sabendo que até aqui. É nossa convicção pessoal e independentemente da concepção do apoio judiciário como uma prestação social, o certo é que o sistema vigente funciona bem, dele não advindo excepcional acréscimo da actividade dos tribunais nem constituindo um significativo factor de morosidade nas decisões judiciais. Os pedidos de apoio formulados em processos instaurados desenvolvem-se, em regra, nos próprios articulados da causa, são decididos sem dificuldades de maior e em prazo curto, deles não advindo entorpecimento da justiça. E o mesmo se poderá dizer dos pedidos de nomeação de patrono.  O sistema proposto vem introduzir factores externos de perturbação, de perplexidade e de morosidade.

 

7.         A contraparte na acção judicial em cuja pendência tenha sido apresentado o pedido de apoio judiciário pode suscitar oposição ao deferimento deste, impugnando-o nos termos dos artigos 28º e 29º.

 

·           Além da não pacífica competência do Tribunal, em razão da matéria, para apreciar desta questão, pelas mesmas razões referidas supra,

 

·           Cremos que serão muitos os incidentes de oposição, desde logo porque, a partir de agora, “os encargos  decorrentes da concessão do apoio judiciário são levados em regras de custas a final” (artº 40º)

 

·           Significa isto que, caso a parte que não goze do benefício do apoio judiciário, perca a causa (e a outra parte beneficie também ou não do benefício na modalidade de nomeação de patrono), será sempre essa parte vencida que suportará os encargos referentes ao benefício do apoio judiciário. Como a parte contrária não quererá correr esse risco, e caso tenha fundamento, sobretudo quando tenha sido deferido tacitamente, veremos muitos mais incidentes de oposição, relativamente aos que até aqui existiam (praticamente nenhuns).

 

·           Por outro lado, o Estado, pelo poder legislativo e executivo, nessa parte, embora qualifique o benefício do apoio judiciário como uma “prestação social”, desvincula-se do ónus correspondente, a saber, o suportar dos respectivos encargos, transferindo para a outra parte (caso seja vencida) o encargo de suportar não apenas as custas do processo, mas também os encargos referentes ao apoio judiciário.

 

 

 

8.         Ao elenco anterior das presunções de insuficiência económica, foi acrescentado “os titulares de direito a indemnização por acidente de viação (al. f) do artº 20º).

 

·           Significando, assim, que independentemente dos rendimentos que aufira, quem se apresenta no Tribunal como titular de uma indemnização por acidente de viação, goza logo à partida da presunção de insuficiência económica, nem sequer carecendo de invocar outras razões.

 

·           Será praticamente impossível à parte contrária (em regra, seguradoras e Fundo de Garantia Automóvel), em incidente de oposição, provar que o requerente não goza dessa presunção (até porque a titularidade do direito à indemnização por acidente de viação está em regra dependente do próprio mérito da acção). Por outro lado, porque o fundamento invocado (e muito provavelmente tacitamente deferido) não contende com os motivos pelos quais se poderá retirar o benefício (artº 37º), dificilmente o incidente de oposição será procedente (importa notar que a al. a) do nº 1 do artº 37º refere se o requerente adquirir meios suficientes... e não que o requerente já tivesse meios suficientes, sabendo que também nesse caso não se aplicarão as al. b) e c) do mesmo número.

 

 

9.         Tal como no regime anterior, o apoio judiciário pode ser retirado oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público, da parte contrária ou do patrono nomeado. Será mais frequente, face à provável proliferação do benefício do apoio judiciário quando tacitamente deferido, que o juiz, oficiosamente mande averiguar as situações económicas da parte que beneficia do apoio judiciário e lhe possa retirar esse benefício – art. 37º, nº 3 da Lei 30-E/2000, de 20.12.

 

 

10.       Mantém-se a restrição da concessão de apoio aos estrangeiros que não residam habitualmente em Portugal, o que viola o princípio da equiparação consagrado no art. 15.º da Constituição, como o Tribunal Constitucional já reconheceu (acórdão n.º 365/2000), na sequência de numerosa jurisprudência do Tribunal Central Administrativo.

 

 

 

Disponível em http://www.verbojuridico.net/