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A Efetividade do Direito e o Processo Judicial

 

 

 

Raquel Cavalcanti Ramos Machado - 12/05/2002

 

 

  

  É comum o homem deturpar os meios de que dispõe para atingir um fim, transformando-os em um fim em si mesmo. O Direito, como obra humana que é, não escapa a essa realidade. O processo judicial, por sua vez, como instrumento do Direito, também não.

 

 

 

A deturpação do processo judicial ocorre na medida em que se deixa de solucionar questões práticas postas à apreciação do Poder Judiciário, em privilégio do debate de questões teóricas sobre a natureza de institutos processuais. Essa deturpação é no todo indesejável, não só porque traz graves danos à vida dos jurisdicionados, como porque leva referido poder ao descrédito.

 

 

 

Exemplo disso é o tratamento dispensado ao processo cautelar e à antecipação de tutela. Ambos têm por finalidade assegurar a efetividade do direito reclamado, afastando o perigo de danos causados pela demora no julgamento do processo. A cautelar é ação autônoma, utilizada para assegurar que o pleito requerido em outra ação (de conhecimento ou de execução) possa ser utilmente entregue. Tendo em vista que, somente em cada caso, é possível verificar qual a medida adequada para garantir a eficácia da decisão final, inevitável é concluir que em ação cautelar pode-se requerer qualquer medida necessária e suficiente à utilidade do direito que se pretende tutelar. A antecipação de tutela, por sua vez, surgiu para possibilitar ao jurisdicionado, dentro do próprio processo de conhecimento, o requerimento de medida, como o próprio nome está a indicar, antecipatória, total ou parcialmente, do pedido final. Bem se vê, a antecipação de tutela foi conquista do jurisdicionado, que agora dispõe de dois instrumentos para alcançar o mesmo fim. Como ensina o professor Marcelo Guerra: “para se obter a prestação de tutela cautelar antecipatória (ou seja, através de medidas antecipatórias), o requerente vai dispor (para obter o mesmo efeito) assim, da ação cautelar disciplinada no Livro III do CPC como da simples liminar prevista no art. 273 do mesmo diploma”. (Estudos sobre o Processo Cautelar, São Paulo: Malheiros, p. 102).

 

 

 

Nada obstante a clara finalidade de ambas as medidas e o fato de a antecipação de tutela ser uma conquista na garantia da tutela jurisdicional efetiva, observa-se que, na prática, os jurisdicionados vêm sendo lesionados em seus direitos por conta da realidade, descrita no início deste texto, da deturpação dos fins. De fato, vê-se, com freqüência, pedidos liminares em processo cautelares serem indeferidos ao argumento de que a medida adequada para o pleito seria a antecipação de tutela. Essas decisões têm fundamento na acadêmica distinção entre as medidas em exame, e ainda na alegativa de que, como na antecipação de tutela não há necessidade de dois processos, o Poder Judiciário fica menos sobrecarregado.

 

 

 

A preocupação com a sobrecarrega de processos é atual e elogiável, sendo compartilhada por muitos. Impressiona, porém, que essas decisões não se preocupem com o perigo que o jurisdicionado corre de não ter o seu direito totalmente inutilizado, caso não seja deferida de pronto a medida cautelar. Perdem-se os julgadores em discussões sobre o instrumento processual correto, e deixam fenecer o direito dos que reclamam a prestação jurisdicional. Isso, nada obstante o respeito que temos pelos que assim agem, é inadmissível. Há medidas que, ou são concedidas logo, ou não são concedidas jamais, porque serão então inúteis.

 

 

 

A Justiça, antes de tudo, deve assegurar a observância do Direito, não importa a que custo seja. De nada adianta, salas com poucos processos se esse for o custo do malferimento do Direito e da mazela da sociedade. O Direito, a Justiça e Processo serão apenas ornamentos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Raquel Cavalcanti Ramos Machado é Advogada em Fortaleza/CE, Membro do Instituto Cearense de Estudos Tributários e da Comissão de Estudos Tributários da OAB/CE

 

 

 

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