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A DIMENSÃO DA GARANTIA DO ACESSO À JUSTIÇA NA JURISDIÇÃO COLETIVA
Humberto Dalla Bernardina de
Pinho([i][i])
É fato indubitável que o direito
processual civil, em nível mundial, passou por enormes transformações até
alcançar sua forma atual.
Desde os primórdios da civilização
organizada, até os dias atuais, os povos têm tido como preocupação constante a
busca de um instrumento efetivo para a pacificação social.
Nesse sentido, as diversas sociedades evoluíram de modo a
encontrar a melhor maneira de solucionar seus conflitos.
Nesse caminho percorrido[1][1], desde a época do Código de Hamurabi, podemos
identificar essas formas de solução de litígios, conhecidas hoje como
substitutos (ou equivalentes) jurisdicionais, a saber, autodefesa,
auto-composição e mediação.
Essa busca encerra-se, de certo modo,
com a adoção da jurisdição, que, a partir de meados do século XIV, torna-se a
forma predominante de solução dos litígios[2][2].
Desde então, a jurisdição passa às
atribuições do Estado. O Poder Estatal passa a ser enxergado como um todo que é
exercido em três vertentes distintas, conforme sua área de atuação.
A partir daí, delineiam-se as três
funções do Estado: administrar, legislar e julgar. É nesse contexto que o
Estado-Juiz assume a responsabilidade de exercer a jurisdição, compondo de
forma imperiosa e definitiva os litígios[3][3].
A Jurisdição apresenta, portanto, como
vantagens, a imparcialidade, a defesa dos direitos da sociedade e a autoridade
e capacidade de impor a decisão tomada. Seus elementos básicos são a lide[4][4] (existência de uma demanda ajuizada, ou seja, um
autor que vem a juízo a fim de deduzir sua pretensão e obter a prestação
jurisdicional do Estado-Juiz), a inércia[5][5] (o fato de o juiz não agir de ofício, mas somente
quando provocado pelas partes), a substitutividade[6][6] (o monopólio da função jurisdicional) e a
definitividade[7][7] (caber ao Judiciário dar a palavra final nos
conflitos e questões jurisdicionalmente suscitados).
Essas quatro características traduzem a
própria jurisdição exercida pelo Estado-Juiz, através de um instrumento
denominado processo. Assim, o Juiz irá adequar aquele caso concreto que lhe é
submetido à “moldura legal” [8][8], aplicando o dispositivo legal pertinente à
questão, e solucionando o conflito de forma a garantir seja proporcionada aos
membros da sociedade a justiça por eles esperada quando elegeram o Estado-Juiz
como “único solucionador” de seus conflitos.
Esta é a realidade que prepondera hoje
de forma quase absoluta na ordem processual mundial.
Ocorre que, a jurisdição, com o passar
do tempo, tem se mostrado ineficaz em diversas situações, pelos mais variados
motivos.
Tal situação, confrontada com a
crescente modificação da sociedade, vem ensejando uma busca por novos
instrumentos jurisdicionais[9][9].
Nessa esteira, na ordem jurídica
processual foram inseridos dispositivos que procuravam diminuir o nível de
obstrução das vias jurisdicionais.
No Brasil foram adotadas basicamente
duas formas de atuação.
Numa primeira linha foram criados e
desenvolvidos mecanismos de tutela de interesses metaindividuais, tais como a
ação popular, a ação civil pública, o mandado de segurança coletivo e outras
ações coletivas, previstas não só na Lei nº 7.347/85, mas também no Código de
Defesa do Consumidor e no Estatuto da Criança e do Adolescente, entre outros.
Numa segunda linha, a ação foi
diversificada; numa primeira vertente, os procedimentos tradicionais foram
abreviados, suprimindo-se fases desnecessárias ou aperfeiçoando-se a redação
dos dispositivos legais, evitando-se assim maiores delongas processuais em
razão de divergência de interpretação acerca dos mesmos[10][10]. Numa segunda vertente, procurou-se simplificar
alguns procedimentos, (principalmente aqueles que versavam sobre pequenas
disputas, na área cível, e infrações de menor potencial ofensivo, na área
criminal) através da adoção de princípios como a oralidade, imediatidade,
concentração e informalização, todos envoltos numa atmosfera conciliatória.
Seguindo a primeira linha de atuação,
foi editada no Brasil a Lei nº 7.347/85, que disciplinou a ação civil pública[11][11].
Contudo, o aparelho judiciário, apesar
de inúmeras tentativas de melhora, tem se mostrado lento na compreensão das
questões coletivas[12][12], o que desperta, cada vez mais, a atenção dos
doutrinadores para a questão do acesso à justiça, sobretudo na jurisdição
coletiva.
O acesso à justiça é sem dúvida o tema
mais em voga nos dias atuais. Não apenas por sua estreita relação com a
viabilidade política de um Estado Democrático de Direito, mas principalmente
ante os recentes episódios que se passaram em nosso país e que acabaram por
culminar num grande Projeto de Reforma do Poder Judiciário.
Ocorre que, como adverte Kazuo Watanabe[13][13], esta questão é bastante complexa, pois é
necessária uma nova mentalidade a fim de que se assegure o acesso à ordem jurídica
justa.
Ampliando essa ótica, e trazendo novas
luzes, J.J. Calmon de Passos afirma ser necessário conceber o processo como
instrumento de realização efetiva dos direitos individuais e coletivos, sendo
então, em última análise um instrumento político de participação social[14][14].
Essa perspectiva é suficiente para que
se tenha uma idéia do que seja o acesso à justiça e de sua importância.
De se ressaltar, contudo, ter tal
importância alçado, há muito, foros internacionais, por intermédio das obras do
insuperável Mauro Cappelletti[15][15].
Dessa forma, Mauro Cappelletti introduz
e apresenta ao mundo suas "Ondas Renovatórias do Direito Processual"
que vêm sendo estudadas como a base do moderno direito processual, não mais
cegamente vinculado a regras formais, mas sim comprometido com as novas
necessidades sociais, e atento às modificações em todos os ramos da vida humana.
Isto se dá como verdadeira necessidade
de sobrevivência de qualquer disciplina jurídica.
Assim, se o direito é necessário para
regulamentar a vida em sociedade e se é certo que essa sociedade está em
permanente evolução, a ciência jurídica encontra-se, inexoravelmente, no
seguinte dilema: ou acompanha a evolução, fornecendo as soluções adequadas e
necessárias a se manter a ordem no Estado Democrático de Direito, evitando de
um lado o autoritarismo e de outro a anarquia, ou torna-se obsoleta e
desprovida de qualquer serventia, o que acarretará sua mais perfeita falta de
efetividade, utilizando-se aqui o termo no contexto proposto por Luis Roberto
Barroso[16][16], para quem isto significa "a realização do Direito, o desempenho concreto de sua função
social”, bem como “a materialização,
no mundo dos fatos, dos preceitos legais e simboliza a aproximação, tão íntima
quanto possível, entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social".
Tendo em vista todas as considerações
acima aduzidas, não fica difícil perceber a grande importância de um estudo
mais aprofundado do direito processual, o que, indubitavelmente, só pode ser
feito dentro de uma perspectiva voltada ao acesso à justiça.
Entretanto, tal estudo torna-se mais
específico na medida em que este acesso à justiça deve ser garantido numa ordem
civil constitucional, e não apenas nas demandas individuais, mas também, e
principalmente, nas coletivas, pois aí residem as grandes carências e
necessidades da sociedade de massa.
É nesse contexto que voltamos ao
pensamento de Cappelletti para concluir que o direito, tanto material como
processual, não pode ficar estagnado, sob pena de cair em desuso ou, ou que é
pior, deixar de atender aos anseios sociais, perdendo assim sua razão de ser[17][17].
Destarte, torna-se imperioso nos dias
de hoje, quando estamos imersos numa ordem coletiva, investigar qual é o meio
mais eficaz para a proteção dos direitos transindividuais[18][18].
Isto porque vivemos em uma sociedade de
produção em massa; temos relações de troca e de consumo em massa, bem como conflitos
de massa.
Desta forma, não mais procurar-se-á a
Justiça apenas para dirimir-se conflitos de caráter meramente individual, mas
também para a solução doutros de natureza eminentemente coletiva, já que
envolvem grupos, classes e coletividades. Em outras palavras, trata-se de
“violações de massa”[19][19].
Na realidade, a complexidade da
sociedade moderna, com intrincado desenvolvimento das relações econômicas, dá
lugar a situações nas quais determinadas atividades podem trazer prejuízos aos
interesses de um grande número de pessoas, fazendo surgir problemas
desconhecidos às lides meramente individuais. Assim, os direitos e os deveres
não se apresentam mais, como nos Códigos tradicionais, de inspiração
liberal-individualística, como direitos e deveres essencialmente individuais,
mas meta-individuais e coletivos.
Portanto, continuar, conforme a
tradição individualística, a atribuir direitos exclusivamente a pessoas
individuais significaria tornar impossível uma efetiva proteção jurídica dos
direitos coletivos, exatamente na ocasião em que surgem como elementos cada vez
mais essenciais para a vida civil (direito ao meio-ambiente, à saúde, segurança
social em sentido lato, etc.). Em suma, os direitos transindividuais pertencem,
em última análise, à coletividade.
A tutela dos direitos coletivos traz em
si uma grande dificuldade. Se esses direitos pertencem a todos, quem vai
tutelá-los? É verdade que cada cidadão possui uma “cota-parte” desse direito.
Entretanto, a fim de ser ele bem defendido, é necessária a fixação de uma
instituição que o titularize e tenha reais condições de desempenhar um bom
trabalho.
De nada adiantaria criar um direito
coletivo sem que uma pessoa processual recebesse a incumbência de defendê-lo,
uma vez que os interesses dessa magnitude são bastante amplos, o que torna
inviável sua defesa por apenas uma pessoa.
A questão passa a ser então qual seria
o ente mais adequado para formular tal defesa?
A resposta é automática no ordenamento
brasileiro: o Ministério Público.
Não se está aqui defendendo que o Parquet tenha a titularidade privativa
para a defesa desse direito. No entanto, é muito difícil combater o fato de que
o Ministério Público é parte prioritária ou a pessoa processual mais bem
preparada para tanto[20][20], como, aliás, foi constatado cabalmente pela
pesquisa de campo levada a efeito recentemente na Uerj, sob a coordenação do
Professor Paulo Cezar Pinheiro Carneiro[21][21].
Essa mesma pesquisa apontou ainda um
baixo número de ações propostas por associações civis, o que denota o tímido
grau de organização da sociedade brasileira, e que vem ao encontro da posição
acima sustentada no sentido de que deve o Ministério Público suprir esta
deficiência até que ela seja sanada, através de uma conscientização social.
Por outro lado, é de se frisar que em
determinados casos, há um grande poder econômico ou político em jogo, que
reflete de forma negativa no autor da ação.
Eis mais uma razão para o acerto da
solução em se reconhecer sempre a legitimação do Parquet, pois enquanto instituição autônoma, independente frente às
três funções do Poder Público, e dotada de estrutura organizada, tem maiores e
melhores condições de obter um resultado processual positivo.
Todas essas considerações devem ser
colocadas num ambiente processual renovado; em outras palavras, as velhas
regras e estruturas processuais em questão de legitimação e interesse de agir,
de representação e substituição processual e de limites subjetivos e objetivos
da coisa julgada precisam ser urgentemente revistas e alteradas em prol da
defesa da sociedade.
Nesse sentido, Paulo Cezar Pinheiro
Carneiro[22][22], propõe um re-estudo da garantia constitucional do
acesso à justiça, a partir de quatro grandes princípios, a saber:
acessibilidade, operosidade, utilidade e proporcionalidade.
A acessibilidade significa a existência
de sujeitos de direito, capazes de estar em juízo, sem obstáculos de qualquer
natureza, utilizando adequadamente o instrumental jurídico, e possibilitando a
efetivação de direitos individuais e coletivos.
Isto se dá através do direito à
informação, da garantia de uma legitimidade adequada e da gratuidade da justiça
para os necessitados.
Operosidade, a seu turno, significa que
todos os envolvidos na atividade judicial devem atuar de forma a obter o máximo
de sua produção, para que se atinja o efetivo acesso à justiça.
Este princípio se aplica no campo subjetivo
a partir de uma atuação ética de todos os sujeitos do processo, os quais devem
sempre zelar pela efetividade da atividade processual. No campo objetivo, pode
ser instrumentalizado através da utilização correta dos meios processuais,
priorizando sempre a busca da verdade real e a índole conciliatória.
Por utilidade entende-se que o processo
deve assegurar ao vencedor tudo aquilo a que ele tem direito a receber, da
forma mais rápida e proveitosa, garantindo-se, contudo, o menor sacrifício para
o vencido. Isto é instrumentalizado através dos seguintes fatores: a) superação
da dicotomia segurança versus
celeridade, binômio que deve ser aquilatado caso a caso, no curso do feito; b)
utilização das espécies de tutela de urgência; c) concretização da execução
específica como regra, adotando-se a genérica apenas excepcionalmente; d)
fungibilidade da execução, especificamente no campo dos direitos do consumidor
(art. 6º, inciso V do C.D.C.), propondo o autor, o aumento da incidência dessa
regra para outros campos do direito; e) alcance subjetivo da coisa julgada,
sobretudo nas ações coletivas; e f) limitação da incidência das nulidades, como
corolário do princípio da instrumentalidade do processo.
Por fim, o princípio da
proporcionalidade, que se traduz pela escolha a ser feita pelo julgador quando
existem dois interesses em conflito. Deve ele se orientar por privilegiar
aquele mais valioso, ou seja, o que satisfaz um maior número de pessoas.
Dessa forma, um direito coletivo deve
ter “mais valor”[23][23] do que um individual. Esse princípio deve se
manifestar tanto no que pertine à legitimidade, concessão de medidas de
urgência, ônus da prova (inversão), utilização de prova ilícita, fungibilidade
de execução e coisa julgada.
Toda essa concepção deve ser
compatibilizada, ou melhor dizendo, deve ser adotada pelo Poder Judiciário,
hoje tão em voga nos noticiários.
A bem da verdade, talvez entre todos os
sujeitos processuais, seja o Juiz aquele que mais necessite modificar sua
mentalidade[24][24], a fim de adequá-la aos modernos postulados do
direito processual coletivo.
Não nos cabe aqui exemplificar ou
especificar esta afirmação. Contudo, é certo que não raros autores vêm se
dedicando a esse mister, não com intuito destrutivo ou de atacar a magistratura
enquanto instituição, mas no intuito de contribuir para a adoção de uma nova
postura[25][25].
Para contribuir na execução desta
tarefa[26][26], em 1992 foi encaminhado ao Congresso Nacional o
Projeto de Emenda Constitucional nº 96, hoje transformado em 96-A, acrescido de
diversos substitutivos, de autoria original do Deputado Hélio Bicudo.
Posteriormente, foi publicado o
Relatório Final do referido Projeto[27][27], cuja relatoria coube, inicialmente ao Deputado
Aloysio Nunes Ferreira, e, posteriormente, à Deputada Zulaiê Cobra. A votação
já foi iniciada, mas tem se prolongado em razão da complexidade da matéria[28][28]-[29][29].
Dentre as principais soluções apontadas
no Projeto de Emenda Constitucional em referência, exsurge a instituição do
Controle Externo do Poder Judiciário, através de um órgão denominado Conselho
Nacional da Justiça, previsto e regulamentado na nova redação do artigo 103-A[30][30].
Entretanto, pensamos que o Projeto de
Emenda à Constituição poderia ter avançado um pouco mais no que tange à
proteção dos direitos coletivos.
Soluções mais práticas como a
utilização dos juizados especiais cíveis e da arbitragem em sede de ação
coletiva poderiam ser implementadas sem um esforço muito grande e, em
determinados casos, poderiam surtir excelente efeito[31][31].
Por outro lado, o próprio direito
processual tradicional deve se reciclar, a exemplo do que vem sendo feito pelo
direito civil, a fim de ganhar fôlego para enfrentar o próximo milênio, onde
uma sociedade de massa, cada vez mais globalizada, recorrerá ao Poder
Judiciário deduzindo pretensões coletivas e de extensão social.
Novamente aqui a questão se põe em
foco; ou o direito processual civil se renova e se adequa às novas necessidades
sociais, ou perderá em grande parte sua efetividade e contribuirá para elevar o
nível de tensão social, na medida em que estará falhando em seu objetivo de
promover a paz e o bem comum na sociedade[32][32].
Para que isso se implemente, é
necessário mudar o enfoque das relações processuais do âmbito individual e
patrimonial para o eixo da indisponibilidade, quando se tratar de uma demanda
coletiva.
Em outras palavras, se há alguns anos
atrás o mestre Cândido Dinamarco[33][33] revolucionou o direito processual através do
postulado da instrumentalidade do processo, faz-se necessário agora um novo
avanço – dar mais um passo – qual seja promover a despatrimonialização do
direito processual, até mesmo para manter esse sentido de instrumentalidade
atualizado.
Isto implica, diretamente, na adoção de
uma mentalidade que privilegie o caráter indisponível dos direitos tutelados
por meio da ação coletiva, dada a sua clara extensão social.
Não basta, pois, a existência de um
direito civil constitucionalizado; há que haver também um direito processual
civil efetivamente dotado de carga constitucional, sobretudo em sede de
jurisdição coletiva[34][34].
Somente dessa forma estaremos adequando
o direito adjetivo aos modernos avanços da ciência jurídica e promovendo a real
e concreta executoriedade do mandamento constitucional do acesso à justiça.
Isto porque, de nada adianta a
existência de um dispositivo constitucional amplo e de aplicação imediata e
abstrata se os operadores do direito buscam desculpas ou às vezes brechas no
sistema legal para, por intermédio de uma interpretação literal, forçar um
retrocesso histórico que só atende a alguns poucos interesses individuais, em
detrimento do amplo e predominante interesse público.
Por outro lado, é forçoso reconhecer
que a jurisdição coletiva apresenta-se como uma das grandes soluções para o
crônico problema da obstrução das vias jurisdicionais[35][35].
Tem ela a capacidade de fazer
convergir, em uma única relação processual, uma enorme gama de interesses.
Isso é benéfico à sociedade, pois
haverá um processo mais consistente, onde as chances de vitória do autor são
maiores, e à própria administração da Justiça, já que um processo coletivo
evita o ajuizamento de dezenas, centenas, ou, até mesmo, milhares de ações
individuais.
Finalmente, essa evolução no direito
material e no direito processual só se tornará plenamente efetiva com a própria
evolução da atuação do Ministério Público como órgão agente nas demandas
coletivas.
É necessário, destarte, adotar uma nova
mentalidade na concepção das questões processuais em sede de jurisdição
coletiva.
Não é possível a cega utilização dos
institutos tradicionais do direito processual civil, tais como legitimidade,
litisconsórcio, condições para o regular exercício do direito de ação e coisa
julgada, às novas questões sociais que surgem, eis que presenciamos hoje o
surgimento de um direito processual eminentemente coletivo.
Esta é a tarefa para qual todos somos
chamados nos dias atuais. Cabe a nós aceitar o desafio e ajudar a manter e
efetividade do direito processual ou rejeitar a oferta, contribuindo, assim,
voluntária ou involuntariamente, para o desuso da jurisdição como instrumento
de solução de conflitos, e aumento do nível de tensão social.
[1][1] Conferir a linha evolutória traçada por José Eduardo Carreira Alvim, in Elementos
de Teoria Geral do Processo, 6ª edição, Rio de Janeiro: Forense, 1997, p.10
e ss..
[2][2] Ressalvando-se, contudo, que desde a época da Roma antiga já havia um
sistema jurisdicional, onde o poder de julgar era exercido, em última
instância, pelos Imperadores.
[3][3] A chamada tripartição dos poderes estatais foi proposta, ainda de
forma embrionária, por Aristóteles, sendo desenvolvida e finalmente
sistematizada por Montesquieu, e imortalizada em sua obra “De L`Esprit des
Lois”. (in OS PENSADORES –
MONTESQUIEU [tradução sob supervisão da Editora Bertrand Brasil]. O Espírito das Leis, São Paulo: Nova
Cultural, 1997). A propósito de tal evolução, é de se conferir BARROSO, Luís
Roberto. Interpretação e Aplicação da
Constituição, 2ª edição, Rio de Janeiro: Saraiva, 1998, p. 161, nota nº 42.
[4][4] Modernamente a doutrina processual vem entendendo não ser a lide um
elemento essencial da jurisdição, mas acidental, na medida em que é possível a
instauração de uma relação jurídico-processual independentemente da existência
de contraposição de interesses. Nesse sentido, a questão assume contornos de
maior relevância quando se discute a natureza da chamada “jurisdição
voluntária”. Acerca da controvérsia, bem como dos fundamentos adotados, veja-se
FREITAS CÂMARA, Alexandre. Lições de
Direito Processual Civil, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1998, p. 80 e ss.
Lembre-se ainda que no direito pátrio foi Afrânio Silva Jardim um dos autores
que primeiro se posicionou acerca do papel exercido pela lide na moderna
estrutura jurisdicional. O mestre, de quem tive a honra de ser monitor ainda na
Graduação da Faculdade de Direito da Uerj, sempre enfatizou ser a pretensão o
real elemento necessário da jurisdição, e não a lide. Cf. a respeito JARDIM,
Afrânio Silva. Direito Processual Penal,
4ª edição, Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 237 e ss..
[5][5] Este princípio encontra-se consubstanciado nos artigos 2º, 128 e 262
do Código de Processo Civil, e é conhecido em doutrina como princípio
dispositivo ou da demanda.
[6][6] É em razão da substitutividade que se impede, em regra, exercitem as
partes diretamente seus direitos quando os mesmos são violados ou ameaçados. A
fim de reforçar ainda mais este postulado, o legislador houve por bem
caracterizar como ilícito penal, tipificado no artigo 345 do Código Penal
Brasileiro, esta conduta, que recebeu o nomen
iuris de “exercício arbitrário das próprias razões”.
[7][7] Esta característica é responsável pelo importante papel exercido pelo
Poder Judiciário no mecanismo de controle recíproco entre os Poderes da
República, denominado “checks and balances”.
[8][8] Esta expressão era, e ainda é, freqüentemente utilizada por Paulo
Cezar Pinheiro Carneiro em suas aulas na Graduação da Faculdade de Direito da
Uerj. Apesar de aparentemente simples, consegue, com perfeição, definir o
procedimento de suma relevância, mas que por vezes transcorre de forma
imperceptível, onde o julgador concretiza, com eficácia inter partes ou erga omnes,
dependendo do caso, o comando abstrato e genérico previsto pelo legislador.
[9][9] A propósito, veja-se a minuciosa radiografia elaborada por Ada
Pellegrini Grinover: “Todavia, é preciso
reconhecer o grande descompasso entre a doutrina e a legislação de um lado, e a
prática judiciária de outro. Ao extraordinário progresso científico da
disciplina não correspondeu o aperfeiçoamento do aparelho judiciário e da
administração da Justiça. A sobrecarga dos tribunais, a morosidade dos
processos, seu custo, a burocratização da Justiça, certa complicação
procedimental; a mentalidade do juiz, que deixa de fazer uso dos poderes que o
Código lhe atribui; a falta de informação e de orientação para os detentores
dos interesses em conflito; as deficiências do patrocínio gratuito, tudo leva à
insuperável obstrução das vias de acesso à Justiça, e ao distanciamento cada
vez maior entre o Judiciário e seus usuários”. (GRINOVER, Ada Pellegrini. Novas Tendências do Direito Processual,
2ª edição, São Paulo: Forense Universitária,
1990, p. 177).
[10][10] Nesse sentido foi efetivada a chamada Reforma Processual,
consubstanciada nas Leis nº 8.455/92, 8.950/94, 8.951/94, 8.952/94, 8.953/94,
9.139/95 e 9.756/98, entre outras. Registre-se que tramitam ainda no Congresso
Nacional mais três Projetos de Reforma do
Código de Processual Civil, identificados como Projetos 13, 14 e 15,
disponíveis na Internet no “site” do Ministério da Justiça, em http://www.redegoverno.gov.br,
consultado em 20 de novembro de 2000.
[11][11] Esta Lei foi posteriormente alterada pelo Código de Defesa do
Consumidor, que não só expandiu este instituto, como também fez a previsão da
ação coletiva, enquanto instrumento hábil à defesa do direito individual
homogêneo, o que será estudado no curso desta parte do trabalho.
[12][12] Ada Pellegrini Grinover mais uma vez analisa com exatidão as falhas na
conjuntura processual: “A análise
macroscópica da sociedade contemporânea revela alguns dados extremamente
preocupantes na administração da Justiça. Não última, certamente, é a
verificação da existência de um número cada vez maior de conflitos de interesses,
não adequadamente solucionados, ou nem mesmo submetidos à apreciação
jurisdicional. De um lado, a sociedade de massa gera conflitos de natureza
coletiva ou difusa, dificilmente tratáveis segundo os esquemas clássicos da
processualística de caráter individualista; do outro lado, a lentidão e o custo
do processo, a complicação e a burocracia da Justiça, afastam o detentor de
interesses indevidamente considerados ‘menores’, contribuindo para aumentar a
distância entre o cidadão e o Poder Público, exacerbando a litigiosidade
latente e desacreditando a Justiça, com conseqüências sempre perigosas e
freqüentemente desastrosas”. (GRINOVER, Ada Pellegrini, op. cit. .p. 205/206).
[13][13] Sustenta o autor que: "a
problemática do acesso à Justiça não pode ser estudada nos acanhados limites do
acesso aos órgãos judiciais já existentes. Não se trata apenas de possibilitar
o acesso à Justiça enquanto instituição estatal, e sim de viabilizar o acesso à
ordem jurídica justa. Uma empreitada assim ambiciosa requer, antes de mais
nada, uma nova postura mental. Deve-se pensar na ordem jurídica e nas
respectivas instituições, pela perspectiva do consumidor, ou seja do
destinatário das norma jurídicas, que é o povo, de sorte que o problema do
acesso à Justiça traz à tona não apenas um programa de reforma como também um
método de pensamento, como com acerto acentua Mauro Cappelletti". (WATANABE,
Kazuo. Acesso à Justiça e Sociedade
Moderna, in Participação e Processo,
Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 1988, p. 128).
[14][14] "Acredito estejamos
caminhando para o processo como instrumento político de participação. A
democratização do Estado alçou o processo à condição de garantia
constitucional; a democratização da sociedade fá-lo-á instrumento de atuação
política. Não se cuida de retirar do processo sua feição de garantia constitucional, e sim fazê-lo ultrapassar os
limites da tutela dos direitos individuais, como hoje conceituados. Cumpre
proteger-se o indivíduo e as coletividades não só do agir contra legem do
Estado e dos particulares, mas de atribuir a ambos o poder de provocar o agir
do Estado e dos particulares no sentido de se efetivarem os objetivos
politicamente definidos pela comunidade. Despe-se o processo de sua condição de
meio para realização de direitos já formulados e transforma-se ele em
instrumento de formulação e realização dos direitos. Misto de atividade
criadora e aplicadora do direito, ao mesmo tempo". (CALMON DE PASSOS,
J.J.. Democracia, participação e processo,
in Participação e Processo, Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais,
1988, p. 95).
[15][15] Em uma de suas mais felizes passagens, pontifica o Mestre: "o recente despertar de interesse em
torno do acesso efetivo à Justiça levou a três posições básicas, pelo menos nos
países do mundo Ocidental. Tendo início em 1965, estes posicionamentos
emergiram mais ou menos em seqüência cronológica. Podemos afirmar que a
primeira solução para o acesso - a primeira ‘onda’ desse movimento novo - foi a
assistência judiciária; a segunda dizia respeito às reformas tendentes a
proporcionar representação jurídica para os interesses ‘difusos’, especialmente
nas áreas da proteção ambiental e do consumidor; e o terceiro - e mais recente
- é o que nos propomos a chamar simplesmente "enfoque de acesso à
justiça" porque inclui os posicionamentos anteriores, mas vai muito além
deles, representando, dessa forma, uma tentativa de atacar as barreiras ao
acesso de modo mais articulado e compreensivo". (CAPPELLETTI, Mauro, GARTH, Bryant
[tradução de Ellen Gracie Northfleet]. Acesso à Justiça, Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1988,
p. 31 e ss.).
[16][16] BARROSO, Luis Roberto. O Direito
Constitucional e a Efetividade de suas Normas, Rio de Janeiro: Renovar,
1990, p. 76 e ss..
[17][17] A propósito, diz Cappelletti, “não
é preciso ser sociólogo de profissão
para reconhecer que a sociedade (poderemos usar a ambiciosa palavra:
civilização?) na qual vivemos é uma sociedade ou civilização de produção em
massa, de troca e de consumo de massa, bem como de conflitos ou
conflitualidades de massa. (...) Daí deriva que também as situações de vida,
que o Direito deve regular, são tornadas sempre mais complexas, enquanto por
sua vez, a tutela jurisdicional – a Justiça será invocada não mais somente
contra violações de caráter individual, mas sempre mais freqüente contra
violações de caráter essencialmente coletivo, enquanto envolvem grupos, classes
e coletividades. Trata-se, em outras palavras, de violações de massa”.
(CAPPELLETTI, Mauro. Formações Sociais e
Interesses Coletivos Diante da Justiça Civil, in Revista de Processo, vol. 5, separata (sem indicação de
tradutor).
[18][18] Nesse sentido, Silva Pacheco afirma que, “ após a Carta das Nações Unidas de 1945 e a Declaração Universal dos
Direitos de 1948, vem crescentemente se concretizando a tendência de convenções
internacionais e processos de integração global e regional, como incremento dos
direitos sociais, econômicos, culturais, ecológicos, indispensáveis à dignidade
e ao livre desenvolvimento da personalidade humana. A doutrina, cada vez mais
intercomunicante, passou a focalizar novas nuances do fenômeno jurídico e os
ordenamentos dos países inclusive do nosso, ampliaram a previsão de direitos,
com o reconhecimento de todos eles, inclusive dos transindividuais, coletivos
ou difuso e de direitos individuais homogêneos, além dos tradicionais. Para a
sua defesa, tornou-se preciso permitir o acesso à justiça de legitimados
autônomos, alargando, racionalmente, o campo da legitimidade, principalmente na
esfera processual e, outrossim, dilatando o conceito de direito subjetivo, para
abranger não só o direito que tenha um sujeito determinado como também o sujeito indeterminado, e, ademais,
estendendo o próprio conceito de sujeito de direito. Se existem direitos
difusos, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por
circunstâncias de fato, ou direitos coletivos, de que seja titular grupo,
categoria ou classe de pessoas vinculadas por uma relação jurídica básica, há
de se admitir, necessariamente, que exista quem os defenda. Assim, atualmente,
pode-se pleitear a tutela jurisdicional, quando houver ameaça ou lesão a
direito de qualquer natureza, quer seja direito subjetivo, no conceito
tradicional, de interesse legitimamente protegido de sujeito determinado, quer
seja de direito individual homogêneo, direito transindividual, coletivo ou
difuso”. (PACHECO, Silva. Evolução do
Processo Civil brasileiro, 2ª edição, Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p.
396/397).
[19][19]
O próprio Cappelletti, no sentido do texto, registrou inúmeras vezes que
“a concepção tradicional do processo
civil não deixava espaço para a proteção dos direitos difusos. O processo era
visto apenas como um assunto entre duas partes, que se destinava à solução de
uma controvérsia entre essas mesmas partes a respeito de seus próprios
interesses individuais”. (CAPPELLETTI,
Mauro, GARTH, Bryant [tradução de
Ellen Gracie Northfleet]. Acesso à Justiça, Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris,
1988, p. 49).
[20][20] Anote-se, contudo, que Mauro Cappelletti, no trabalho citado à nota nº
17, sustenta expressamente que o Parquet
não seria a instituição mais adequada para essa tutela. Contudo, pensamos que o
nobre jurista escreveu o texto voltado para as tradições ministeriais
européias, onde a sociedade traz um nível de conscientização bem mais elevado
que o nosso. Na verdade, a legitimação do Ministério Público para essa tutela
do direito brasileiro justifica-se, principalmente, ante o caráter
hipossuficiente de nossa sociedade, numa situação bastante semelhante àquela
que faz o Promotor de Justiça ingressar nos autos de uma ação individual quando
uma das partes é hipossuficiente, ou mesmo assumir seu pólo ativo, como se dá, v.g. em processo penal nas ações
oriundas de crimes sexuais, e no processo civil, através da propositura da ação
civil ex delicto, embora quanto a
este último exemplo pese grande dissenso doutrinário, que não será aqui
abordado por fugir aos limites de nossa proposta.
[21][21] Confira-se a pesquisa em CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Acesso à Justiça: juizados especiais cíveis
e ação civil pública, tese de cátedra em Teoria Geral do Processo
apresentada à Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro,
Forense, 1999.
[22][22] CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. op.
cit., p. 55 e ss..
[23][23] Remetemos o leitor à teoria da ponderação de interesses, da qual
falamos no capítulo primeiro desta parte. Para maiores esclarecimentos sobre o
tema, consulte-se SARMENTO, Daniel. A
Ponderação de Interesses na Constituição Federal, Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2000.
[24][24] Sobre essa questão específica, consulte-se Kazuo Watanabe, in
GRINOVER, Ada Pellegrini et alii. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor
Comentado, 6ª edição, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999, p. 706.
[25][25] Não podemos deixar de registrar o diagnóstico, dotado de verdadeira
precisão cirúrgica, elaborado por Ada Pellegrini Grinover acerca da
magistratura brasileira: “O esquema
burocrático e verticalizado da magistratura brasileira, a inexistência de controles
externos, o próprio método de recrutamento dos juízes, a inocorrência até pouco
tempo atrás, de cursos de aperfeiçoamento e especialização para os membros do
Judiciário, o distanciamento dos julgadores, que tem reflexos até mesmo na
linguagem, tudo isto tem levado, no curso dos tempos, ao excessivo
corporativismo dos juízes, encastelados em posições de gabinete que pouco ou
nada têm a ver com a realidade de uma sociedade em transformação. Eis a razão
pela qual nem todos os magistrados têm se demonstrado sensíveis aos desafios
criados pelos novos tempos e nem todos têm sabido dar as necessárias respostas
a conflitos diversos dos tradicionais, a serem solucionados por instrumentos
processuais antes inexistentes, esboçados pela Constituição de 1988 e, em
alguns casos, por leis ainda recentes. Acresça-se a isto a dificuldade de
adaptação a uma ordem jurídica profundamente inovadora, traçada pela
Constituição, a demandar do juiz a postura de árbitro de controvérsias de
dimensões sociais e políticas; e ter-se-á a medida da grande dificuldade de
entrosamento entre a mentalidade do juiz brasileiro e as novas funções que
institucionalmente se lhe demandam. Não é de admirar, portanto, se as primeiras
decisões dos tribunais brasileiros – inclusive do Supremo Tribunal Federal –
sobre os novos instrumentos processuais-constitucionais, como o mandado de
injunção e o mandado de segurança coletivo, têm freqüentemente correspondido a
tornar letra morta a própria norma constitucional. Nem é de estranhar que na
solução de conflitos coletivos os juízes nem sempre tenham sabido corresponder
ao papel que deles se esperava. Algum tempo haverá de passar, antes que a
mentalidade do juiz brasileiro se adapte à nova ordem constitucional, que
representou uma verdadeira ruptura em relação ao recente passado político e
institucional do país. Aliás, não é somente a postura do juiz que tem se
erigido em obstáculo para a plena e imediata efetividade da Constituição.
Muitos são os interesses que esta contrariou e significativos os esforços de
seus titulares para atenuar o impacto das novas disposições. Por sua vez, a
mentalidade conservadora, bastante difusa, também resulta em tendência ao
imobilismo. E a preguiça mental, que leva a interpretar princípios e regras
como se nada de fundamental houvesse mudado, constitui-se em outra
circunstância que embaraça a plena eficácia das recentes disposições. Como
reverter esse quadro?” (Grinover, Ada Pellegrini. O Processo em Evolução, 2ª edição, São Paulo: Forense
Universitária, 1998, p. 25).
[26][26] Até mesmo porque “não basta
haver Judiciário; é necessário haver Judiciário que decida. Não basta haver
decisão judicial; é necessário haver decisão judicial justa. Não basta haver
decisão judicial justa; é necessário que o povo tenha acesso à decisão judicial
justa. O acesso à decisão judicial constitui importante questão política. Não
há verdadeiro Estado Democrático de Direito quando o cidadão não consegue, por
inúmeras razões, provocar a tutela jurisdicional”. (CLÈVE, Clèmerson Merlin. Temas de Direito Constitucional e da Teoria
do Direito, São Paulo: Acadêmica, 1993, p. 50/51).
[27][27] PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO Nº 96-A, DE 1992, de autoria do
Deputado Hélio Bicudo, com relatório da Deputada Zulaiê Cobra que Introduz
modificações na estrutura do Poder Judiciário, disponível na Internet, em http://www.amperj.org.br, inclusive com as
complementações inseridas pela própria relatora, em outubro de 1999, e pelos
destaques apresentados, conforme última versão disponibilizada em maio de 2000.
[28][28] Do texto do relatório, transcrevemos o seguinte excerto que demonstra,
à toda evidência, a preocupação do Poder Legislativo com os rumos do Poder
Judiciário e principalmente com a questão do acesso à justiça: “Há unanimidade nesta Comissão quanto aos
objetivos de nossos trabalhos. Pretendemos todos encontrar soluções para o
atual estado de decadência em que se encontra o Poder Judiciário brasileiro,
que se revela principalmente na demora da entrega da prestação jurisdicional,
no acúmulo de recursos nos tribunais superiores e na dificuldade de acesso do
cidadão à justiça. Queremos, portanto, uma justiça célere, sem olvidar a
segurança jurídica. Buscamos um Judiciário forte e independente, imprescindível
no Estado Democrático de Direito, sem esquecer o controle social dessa
Instituição. Estamos certos, portanto, de que o consenso só será alcançado com
o encontro de vontades visando a um fim comum”.
[29][29] Toda a problemática da Reforma do Poder Judiciário vem sendo
enfrentada por diversos autores nacionais. Contudo, profícua, e sobretudo
equilibrada, abordagem pode ser vista em recente obra de Diogo de Figueiredo
Moreira Neto, na qual colhemos o seguinte excerto: “É imperioso, portanto, que se discuta o problema do aperfeiçoamento,
sempre possível e, por vezes, como agora, necessário, do sistema judiciário,
mas com a necessária elevação e, sobretudo, a perfeita consciência de que se
está tangendo as fibras mais profundas e sagradas do tecido social, sobre a
trama das quais repousa a maravilhosa mas ainda jovem e frágil experiência
humana de individualidade, de liberdade e de responsabilidade que são, em suma,
o espírito da civilização ocidental. Cuidado para que se não ponha em risco o
todo a pretexto de sanar uma parte, pois concessões ao retrocesso costumam
cobrar um alto preço: a tirania, a violência, o terror e até a perda do legado
civilizatório e o retorno à barbárie. Observados esses limites, todo o esforço,
enfim, deve ser envidado para que se possa promover uma reforma da Justiça, que
seja mais que uma reforma do Judiciário, para afastar, além da pesada carga de
trabalho que vem suportando e lhe está minando a qualidade e a credibilidade,
todos esses acabrunhantes problemas que o afligem e que o impedem de ser
célere, barato, útil e, tantas vezes, de ser justo, pois só com uma Justiça forte e independente é possível
alcançar-se e manter-se o ideal de liberdade em qualquer organização política”.
(MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. O
Sistema Judiciário Brasileiro e a Reforma do Estado, São Paulo: Celso
Bastos Editor, 1999, pág. 106).
[30][30] É a seguinte a nova redação do artigo 103-A da
Constituição Federal, de acordo com os termos do Projeto: "Seção II-A - DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTICA
Art. 103-A. O Conselho Nacional de Justiça compõe-se de treze membros
com mais de trinta e cinco e menos de sessenta anos de idade, com mandato de
dois anos, admitida uma recondução, sendo(...)
§ 4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e
financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos
juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo
Estatuto da Magistratura:
I – zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do
Estatuto da Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua
competência, ou recomendar providências;
II – zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou
mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por
membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-los ou
assinar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato
cumprimento da lei, sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas da União;
III – receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do
Poder Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, sem prejuízo da
competência disciplinar e correicional dos tribunais, podendo avocar processos
disciplinares em curso, determinar a perda do cargo, recomendar a remoção,
determinar a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos
proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas,
assegurada ampla defesa;
IV – representar ao Ministério Público, no caso de crime contra a
administração pública ou de abuso de autoridade;
V – rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares
de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano;
VI – elaborar relatório anual, propondo as providências que julgar
necessárias, sobre a situação do Poder Judiciário no País e as atividades do
Conselho, o qual deve integrar mensagem do Presidente do Supremo Tribunal
Federal a ser remetida ao Congresso Nacional, por ocasião da abertura da sessão
legislativa (...)”.
[31][31] Esses instrumentos são citados apenas para ilustrar a necessidade de
se implementar uma mentalidade mais voltada aos direitos coletivos.
Especificamente quanto aos juizados especiais, veja-se RODRIGUES, Geisa de
Assis. Juizados Especiais Cíveis e Ações
Coletivas, Rio de Janeiro: Forense, 1997. Quanto à arbitragem, a questão é
delicada, já que de um lado há dispositivo expresso vedando, de forma genérica,
sua utilização compulsória (artigo 51, inciso VII do C.D.C.) nas relações de
consumo, e, por outro, a Lei da Arbitragem dispõe, em seu artigo 4º, § 2º, que “nos contratos de adesão, a cláusula
compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a
arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por
escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto
especialmente para essa cláusula”. Nesta hipótese, a fim de evitar um
conflito de normas, vem se optando pela tentativa de coadunar ambos os
diplomas, de forma que, a Lei de Arbitragem, sendo mais recente, teria
excepcionado a regra geral do C.D.C.. Assim sendo, seria possível a utilização
de cláusula compromissória apenas nos contratos de adesão, e mesmo assim, se
obedecidas as formalidades impostas pelo dispositivo legal.
[32][32] Nessa perspectiva leciona Ada Pellegrini Grinover: “A tutela jurisdicional dos interesses
difusos, coletivos e individuais homogêneos representa, neste final de milênio,
uma das conquistas mais expressivas do Direito brasileiro. Colocados a meio
caminho entre os interesses públicos e os privados, próprios de uma sociedade
de massa e resultado de conflitos de massa, carregados de relevância política e
capazes de transformar conceitos jurídicos estratificados, os interesses
transindividuais têm uma clara dimensão social e configuram nova categoria
política e jurídica”. (GRINOVER, Ada Pellegrini. A Ação Civil Pública Refém do Autoritarismo, in Revista de Processo, vol. 96, p. 28/36, São Paulo, Revista dos
Tribunais, 1999).
[33][33] DINAMARCO, Cândido
Rangel. A instrumentalidade do processo,
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1986.
[34][34] Até mesmo porque, como salienta Ovídio Batista, “não há mais lugar à concepção prviatística do processo, tão ao gosto
dos civilistas, ainda que a demanda envolva um conflito exclusivamente de
direito privado”. (SILVA, Ovídio Batista da. GOMES, Fabio Luiz. Teoria Geral do Processo Civil, São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 41).
[35][35] A propósito, Rodolfo de Camargo Mancuso elenca as seguintes vantagens
do incremento da jurisdição coletiva: “i)
permite o tratamento processual unitário da matéria controvertida, o que
constitui a técnica adequada nas demandas que envolvem interesses
metaindividuais, pela própria natureza indivisível deste; ii) previne a
pulverização dos conflitos de massa em múltiplas ações individuais, as quais
tumultuam o ambiente judiciário, retardam a prestação jurisdicional, e, ao
cabo, levam ao descrédito social no Poder Judiciário; iii) evita o paroxismo
das decisões qualitativamente diversas sobre um mesmo assunto, ocorrência
incompatível com a garantia constitucional da isonomia, a qual deve se estender
à norma judicada, e não apenas restringir-se à norma legislada; iv) oferece um
parâmetro judicial apriorístico, útil para o equacionamento ou mesmo a
prevenção de conflitos plurissubjetivos, como aqueles que contrapõem
contribuintes e Fisco; aposentados e Previdência Social; poupadores e sistema
bancário; servidores públicos e Estado; consumidores e fornecedores; v)
viabilizar a uniformização da jurisprudência, permitindo uma resposta
judiciária homogênea, cuja eficácia se expande ao longo da extensão e
compreensão do interesse metaindividual considerado, estabelecendo, assim, um
confiável parâmetro judiciário para as demandas assemelhadas”. (MANCUSO,
Rodolfo de Camargo. Divergência
Jurisprudencial e Súmula Vinculante, São Paulo: Revista dos Tribunais,
1999, p. 366).
[i][i]
Doutor em Direito. Professor Adjunto da Faculdade de Direito da UERJ. Professor
do Mestrado em Direito da UNESA. Promotor de Justiça no Estado do Rio de
Janeiro.
Retirado de: http://www.amperj.org.br/associados/dalla/artigo55.htm