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A obrigatoriedade das súmulas e da jurisprudência dominante em face do art. 557 do CPC e seu significado
Juary C. Silva
Juiz de Direito aposentado e autor
da obra Elementos de direito penal tributário, pela Saraiva.
O art. 38 da Lei
n. 8.038/90, instituidora de normas procedimentais perante o STJ e o STF,
conferiu ao relator poderes decisórios para negar seguimento a recurso
manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou contrário à súmula do
respectivo Tribunal.
A Lei n. 9.756,
de 17.12.98, que deu nova redação ao art. 557 do CPC, ampliou o alcance deste
dispositivo codificado e do referido art. 38 da Lei n. 8.038/90, para
acrescentar aos permissivos outorgados ao relator o de trancamento do recurso
em virtude de “contrariedade à jurisprudência dominante do respectivo tribunal,
do STF ou de Tribunal Superior”. Com isso, o atrito com jurisprudência não
sumulada passou a ensejar também o trancamento do recurso.
A cláusula sob
enfoque, conquanto aparentemente secundária, na verdade incorpora ao Direito
brasileiro um princípio revolucionário, cuja dimensão, decerto, ainda não se
apreendeu plenamente. Enquanto se discutia a conveniência e a juridicidade da
adoção das súmulas vinculantes, o legislador processual não apenas instituiu o
caráter vinculante das súmulas, senão também emprestou idêntico efeito à
jurisprudência não sumulada. Embora introduzida de forma indireta, isto é,
através do controle do trâmite do recurso, nem por isso a inovação perde em
importância, como fácil comprovar.
Com efeito,
negar trâmite ao recurso que contraria súmula ou jurisprudência predominante
vale o mesmo que emprestar força vinculatória à jurisprudência no âmbito de
cada Tribunal, inclusive os estaduais (de Justiça ou de Alçada). Logicamente, o
princípio em foco produz o mesmo efeito que a normação da espécie por via
direta, ou seja, determinando que as súmulas e a jurisprudência dominante são
de observância obrigatória pelos julgadores nos Tribunais.
Tecnicamente, o
que o legislador da Lei n. 9.756/98 fez foi criar um pressuposto objetivo para
os recursos, centrado na inexistência de discrepância com a súmula ou com a
jurisprudência dominante. Sem dúvida, a fórmula escolhida é mais delicada do
que o estabelecimento da obrigatoriedade das súmulas e da jurisprudência, porém
nem por isso é menos cogente.
O citado
dispositivo da Lei n. 9.756/98 se completa com o § 1.º-A do mesmo artigo,
conforme o qual, se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula
ou com jurisprudência dominante do STF ou de Tribunal Superior, o relator
poderá dar provimento ao recurso. Aqui, à diferença do trancamento do recurso,
que é obrigatório (“negará seguimento”), a regra é meramente dispositiva, ao
que se vê da linguagem utilizada, que fala que o relator “poderá” dar
provimento ao recurso.
O teor do art.
557 do CPC, em sua redação atual, é muito lato, conferindo ao relator do
recurso poderes amplos, quer para negar-lhe seguimento, quer para julgá-lo. São
poderes ingentes, que tornam o ofício do relator sobremodo árduo, mas
dúvida não resta de que, ao exercitá-los, o relator age em lugar do Tribunal,
ou de órgão fracionário deste. À evidência, o escopo da norma é agilizar o
julgamento dos recursos, transferindo para o relator monocrático a decisão de
tópicos que, de regra, seriam objeto de apreciação como preliminares, na sessão
de julgamento. Agindo isoladamente, o relator poupa o trabalho do Colegiado, em
prol de mais rápida – e, segundo cremos, melhor – administração da justiça.
A decisão do
relator, quer trancando o recurso, quer julgando-o, desafia agravo, dirigido ao
órgão competente para o julgamento do recurso, na forma regimental da Corte, de
que se cuide, podendo ocorrer retratação do relator; em não havendo retratação,
este apresentará o feito em mesa, proferindo voto; quando o agravo for
manifestamente inadmissível ou infundado, o Tribunal condenará o agravante a
pagar ao agravado multa entre um e dez por cento do valor corrigido da causa,
ficando a interposição de qualquer outro recurso condicionada ao depósito do
respectivo valor (CPC, art. 557, §§ 1.º- A e 2.º).
A previsão em
lei desse agravo espanca qualquer eventual dúvida quanto à constitucionalidade
dos dispositivos codificados supra-referidos, por isso que a adequada
interposição do agravo devolve a questão ao Tribunal, ou ao órgão fracionário
competente, que irão decidi-la, tal como se o recurso tivesse tido trâmite
normal.
Em suma, as
disposições sob comento merecem encômios, dada a sua prestabilidade para
agilizar a tramitação dos recursos. Sua motivação radica em que a saturação das
pautas dos Tribunais ensejou uma situação angustiante, a qual, se não é
factível eliminar, cumpre ao menos reduzir a proporções mais modestas. Além
disso, parece claro que o legislador buscou atender ao fenômeno teratológico da
massificação dos litígios, em decorrência do qual julga-se muito, porém
hipóteses repetitivas, ou, de um plano mais filosófico, julga-se
substancialmente a mesma hipótese, centenas ou milhares de vezes. Não se atina
com quê esse labor sisifista (ou de enxugar gelo, para repetir a
linguagem do povo) contribui para a melhoria da praxe processual ou da Ciência
do Processo.
Por último,
impende salientar que o papel recém-conferido à jurisprudência de fonte do
Direito não deve ser tratado apenas como fenômeno do processo civil, que neste
esgota sua eficácia e importância. Trata-se, realisticamente, de princípio mais
amplo, afeto à Teoria Geral do Direito, e que terá fundas repercussões na
doutrina e no Direito Positivo. O princípio abre um leque de possibilidades,
cujas conseqüências não se pode prever desde logo em detalhes, mas que, sem
dúvida, não podem ser senão significativas.
Retirado de: www.saraivajur.com.br