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A publicidade na Advocacia1
Clito Fornaciari Jr
Clito Fornaciari Júnior é Mestre em Direito
pela PUCSP, advogado em São Paulo e autor da obra A reforma processual civil
(artigo por artigo), publicada pela Editora Saraiva.
SUMÁRIO: 1. O
questionamento acerca da propaganda na Advocacia. 2. A disciplina da
publicidade no Estatuto e no Código de Ética Profissional. 3. O anúncio
permitido. 4. O entendimento do que sejam títulos. 5. A especialidade
profissional. 6. A divulgação das associações a que pertença o advogado. 7.
Aspectos vedados à divulgação. 8. Os veículos e a forma de divulgação. 9. A
mala direta. 10. O uso da Internet. 11. O advogado na mídia. 12. A propaganda
subliminar. 13. Conclusão.
1. As
crescentes dificuldades da profissão, marcada hoje por um enorme contingente de
bacharéis apenas aprovados no chamado “exame de Ordem”, aliadas à facilidade de
propagação de atividades e produtos pelos métodos mais modernos e ágeis de
divulgação, transformaram o advogado em alguém igualmente preocupado em buscar
clientes, usando da propaganda. Ficar exposto, chamar atenção, propalar suas
qualidades, divulgar seus pensamentos e conquistas profissionais seria a forma
mais simples de fugir da natural indiferença e do anonimato em que se encontram
as pessoas, principalmente nos grandes centros. Com isso, poderia ser atingida
uma massa difusa de pessoas, com as quais, em princípio, não se tem qualquer
vínculo, mas que podem necessitar de serviços jurídicos: é a clientela em
potencial. Passou, então, o advogado a interessar-se pela publicidade,
desacreditando que, do natural anonimato de seu gabinete de trabalho, possa
galgar uma melhor posição profissional, que poderia refletir-se em um maior
ganho, logicamente.
Como
conseguir clientes? Essa questão se coloca a todos os advogados, sendo,
evidentemente, mais natural nos jovens, que, acreditando na Advocacia, não
aceitaram seguir a trilha que virou lugar comum e que convida a trocar o risco
e a liberdade do advogado pela segurança de um concurso público, qualquer que
seja ele. A resposta a essa indagação passa necessariamente pelo caminho da
propaganda, pelas ações de merchandising, como, ainda, pela tentativa de
criação de produtos diferenciados, isto porque se constata que esses
instrumentos e essa forma de atuação são capazes de transformar, em curto
espaço de tempo, no comércio novos produtos, não raramente sem qualidades
maiores, em sucesso de vendas.
A
Advocacia deve recepcionar práticas semelhantes? Alguns dizem que sim2,
invocando até mesmo o exemplo americano, cuja propaganda, que impulsiona tudo,
também se faz presente na divulgação do advogado, inclusive valendo-se de
estilos agressivos iguais àqueles que se usam para vender detergentes,
sabonetes ou hambúrgueres. Todavia, nos Estados Unidos as normas de ética
profissional são também contrárias ao uso da propaganda3, resultando
o estado atual da publicidade na Advocacia da liberdade estendida a todos,
indistintamente, por força de imperativos constitucionais que asseguram a plena
possibilidade de divulgação de atividades lícitas, em nome da liberdade da
palavra e da imprensa, consagrada na Emenda n. 1.
No Brasil,
outrora, apontava-se (e também se praticava) a discrição como um das notas
marcantes da Advocacia. Daí decorria a vedação de qualquer prática destinada a
captar causas, angariar clientela ou inculcar-se para a prestação de serviços.
Esses postulados, no entanto, não receberam dos profissionais uma interpretação
uniforme, dando ensejo a práticas que transparecem como formas de obter de modo
transverso aquilo que se proíbe. A partir dessa preocupação, com o advento do
novo Estatuto da Advocacia, veio a ser editada norma mais particularizada, de
modo a gizar, bem mais de perto, a publicidade permitida e proibida na
atividade do advogado.
2. O parágrafo
único do art. 33, do Estatuto da Advocacia delegou a regulamentação da
publicidade ao Código de Ética e Disciplina, embora contenha, no mínimo,
três princípios que se prestam mesmo como enunciados genéricos, dos quais
devem ser deduzidos, mais amiúde, os postulados disciplinadores da matéria.
Assim, segundo o Estatuto, constitui infração disciplinar “angariar ou captar
causas, com ou sem a intervenção de terceiros” (art. 34, IV); “fazer publicar
na imprensa, desnecessária e habitualmente, alegações forenses ou relativas a
causas pendentes” (art. 34, XIII); e veda-se a divulgação da Advocacia em
conjunto com outra atividade (art. 1o., § 3o.).
Cumprindo a
norma do Estatuto, o Código de Ética e Disciplina dedicou especificamente à
publicidade todo o seu Capítulo IV, abrangendo os arts. 28 a 34, onde
minuciosamente elenca o permitido e o proibido em termos de publicidade4.
A minúcia até abunda, mas não prejudica. Por detrás da regulamentação detalhada
está o princípio do art. 7o. do mesmo Código de Ética e Disciplina,
que prescreve ser “vedado o oferecimento de serviços profissionais que
impliquem, direta ou indiretamente, inculcação ou captação de clientela”. O
conjunto das normas induz, recomenda e mesmo impõe a discrição, o que, sem
dúvida, colide flagrantemente com a realidade que hoje se vive em outros campos
de atuação, onde a propaganda continua sendo a alma do
negócio.
Justifica-se
uma norma restritiva à publicidade na Advocacia? Evidente que sim5.
A confiança que justifica a procura de determinado profissional e dá
consistência a esse relacionamento não pode ser criada artificialmente, nem as
necessidades de ter um advogado podem ser fruto do imaginário. Esse elo é algo
que deve ser construído de modo mais concreto e estável, o que não se compraz
com as ações de marketing, que procuram criar no subconsciente a
necessidade, que não existe, ou mesmo qualidades, ainda que nem sempre verdadeiras.
3. O anúncio na
Advocacia é permitido: “o advogado pode anunciar os seus serviços
profissionais, individual ou coletivamente, com discrição e moderação6,
para finalidade exclusivamente informativa, vedada a divulgação em conjunto com
outra atividade” (art. 28 do CED).
Em seguida, a
norma explicita no que consiste a discrição e moderação, descendo
verdadeiramente a detalhes. O advogado pode divulgar seu nome, mas há de ser
completo7, sendo proibido o uso de nome fantasia em escritórios8,
pois afronta o decoro da profissão, ou mesmo o nome de profissionais já
falecidos que não tinham ligação com o escritório. Ressalvada fica, portanto, a
possibilidade de continuar usando o nome de colega falecido, mas desde que este
já emprestasse, quando vivo, o nome ao escritório. Evidente que proibido também
é elencar antecessores ou por-se como sucessor de determinadas pessoas ou
escritórios9. O vínculo da confiança e até o conhecimento da
profissão e a forma de atuar não são transmissíveis como os bens materiais. O
objetivo dessa previsão é fazer com que o cliente se sinta atraído
exclusivamente pelo próprio profissional ou pelo seu escritório.
4. É possível
ao advogado, igualmente, divulgar títulos, qualificação profissional,
especialidade e associações a que pertença. Esses aspectos devem integrar um
anúncio ou uma placa de identificação do local onde a atividade é exercida, ou
mesmo fazer parte de papéis de carta ou de petição.
Títulos são
conquistas que qualificam o profissional dentro de sua área de atuação,
podendo, nessa linha, constar da divulgação da atividade do advogado a
faculdade em que se formou, os cursos de pós-graduação que realizou e a
titulação que obteve, ainda que só ligada à vida acadêmica, mas desde que seja
afeita à área jurídica. É vedada, portanto, a divulgação de titulação em outras
campos do conhecimento, até porque a atividade do advogado não pode ser
exercida em conjunto e muito menos divulgada com outra atividade (art. 1o.,
§ 3o., do Estatuto). Assim, a menção a advogado e contador, advogado
e corretor, advogado e economista, advogado e administrador de bens10
não representa observância das regras éticas.
Títulos e
qualificações nada têm com premiação. Não se concebe possa o advogado, em
anúncios ou placas indicativas de sua atividade, fazer menção a que foi eleito
“O Advogado do ano” ou coisas do gênero. O reconhecimento da comunidade e mesmo
de seus pares não é fator idôneo a credenciá-lo perante o seu possível cliente,
até porque com isto ele se apresenta como alguém superior aos demais colegas,
embora a partir de um critério subjetivo de quem lhe conferiu o prêmio. Seria
uma forma de inculcar, ou seja, impor como vantajoso, o que é expressamente
vedado pelo Código de Ética.
Da mesma forma,
não são títulos nem qualificações as atividades anteriores exercidas pelo
advogado, ainda que dentro do mundo jurídico11. O ex
necessita ser evitado terminantemente, porque lança no subconsciente de quem
procura esse advogado a idéia de que ele poderá agir com maior facilidade e
proveito nos setores onde já atuou, embora em outra posição. Além disso,
representar propaganda enganosa, o que deslocaria a questão para fora do âmbito
ético profissional, induz a que se suponha esteja sendo oferecido algo além do
simples trabalho jurídico, o que não se coaduna com a Advocacia.
5. Admite-se a
divulgação da especialidade do profissional. Voltando-se no tempo,
encontrar-se-iam quiçá três especialidades: Civil, Penal e Trabalhista. Hoje,
todavia, a complexidade do mundo jurídico é capaz de visualizar um número infinitamente
maior do que aquelas de outrora, basta atentar-se para os recentes, ao menos
entre nós, Direito Ambiental, do Consumidor, do Menor, do Esporte etc. que são
encarados como disciplinas autônomas, uma vez que marcadas por regras e
princípios específicos que transbordam do geral do Direito.
Todavia, não é
especialidade tipos de demandas, nem réus determinados, nem ataque a certos
acontecimentos sazonais. Soa absurdo apresentar-se como especialista em
recuperação de impostos, de empréstimos compulsórios12, liberação de
cruzados novos13, ações contra o Estado, ações contra bancos14,
dívidas em moeda estrangeira, pagamentos de tributo com títulos públicos. Essas
verdadeiras práticas, que surgem ao sabor das ocorrências do dia-a-dia, não
representam ramos do Direito, capazes de definir um especialista, até porque
são marcadas pela transitoriedade e sem fugir a sua solução das regras comuns a
outros verdadeiros campos da Ciência Jurídica.
Da mesma forma
já se considerou que acidente de trânsito não constitui especialidade15,
assim como também inventários, separações16, investimentos externos
e cidadania17. Da mesma forma, o oferecimento de serviços para
“registro em cartório de imóveis”18. Mais grave, ainda, é o advogado
divulgar como especialidade a “avaliação de obras de arte e antigüidade” e a
“venda de espólio”19.
Não caracteriza
falta ética apresentar-se o profissional como especialista em vários ramos do
Direito, embora afronte o conceito de especialista, até porque os dicionaristas
dizem especialista “aquele que se dedica a uma especialidade”.
Por fim, a
especialidade também não se caracteriza pela Justiça em que se atua, não
podendo alguém rotular-se como especialista em Juizados Especiais de Pequenas
Causas20.
6.
Aceita-se venha o profissional a divulgar as associações a que pertença, o que
não parece ter sido a melhor orientação, mas a norma aí está posta, merecendo,
porém, uma interpretação bastante restritiva, evitando-se que o oportunista
venha a abusar indevidamente da permissão ética em questão.
Em
primeiro lugar, são associações jurídicas que se caracterizam como centros de
debates, estudos e preocupações com o Direito. Seria imoderado o anúncio que
fizesse menção à ligação do advogado como clubes de serviços, entidades
recreativas, partidos políticos, clubes esportivos21 etc. Estaria aí
caracterizada uma tentativa de angariar clientes dentro desses segmentos, o que
não é permitido.
Igualmente se
passa quanto a empregos ou cargos exercidos pelo advogado, que não pode
divulgar-se como advogado de determinado sindicato ou funcionário de certa
autarquia ou procurador de algum órgão, somente podendo apresentar-se assim nos
casos em que esteja atuando para essas entidades, logicamente. Da mesma forma,
é proibida a divulgação de clientes22 e causas que possua23:
o advogado é ele e não o advogado de A ou B nem da causa X
ou Y. Não se verifica, porém, falta ética quando o advogado assim se
apresenta para esclarecer assuntos do interesse de seu cliente, inclusive na
imprensa, em que, então, a referência ao cliente ou à causa até pode ser
necessária.
Evidente que
não transparece como possível a menção a pertencer o advogado a entidades às
quais todos se encontram necessariamente ligados. Dizer um advogado que é da
Ordem dos Advogados do Brasil, embora risível a muitos, pois se não fosse da
Ordem não poderia dizer-se advogado, a outros poderá parecer um profissional
com maior qualificação. Assim, a previsão em tela permitiria a divulgação de
entidades às quais está ligado, na medida em que essa ligação represente, por
exemplo, um preocupação com o aprimoramento profissional, sem se incluir
aquelas de vinculação obrigatória.
Além de ser
vedado, é de se repudiar a divulgação em anúncios, placas, cartões, papéis de
correspondência ou de petições pessoais ligados ao exercício da Advocacia, de
cargos ocupados pelo advogado em entidades de classe, visto que a partir daí se
poderia infundir na mente das pessoas a sensação de um poder superior desse
advogado em relação aos demais. A divulgação desses verdadeiros encargos há de
ficar restrita às atividades próprias das entidades e nunca transladar-se para
a vida profissional e, principalmente, para a divulgação desta, uma vez que o
profissional se estaria servindo do cargo.
7. Acaba,
portanto, sendo vedada qualquer divulgação ou anúncio que vá além dos limites
antes postos, principalmente aqueles nos quais se lançam as qualidades do
profissional, as suas conquistas anteriores em processos ou acordos
extrajudiciais, a sua clientela, o luxo de suas instalações24, os
merecimentos dos sócios do escritório, a nacionalidade dos profissionais que o
integram. Da mesma forma, não pode ser divulgado, até porque se cuida de
propaganda enganosa, retratando uma suposta oferta para tráfico de influência,
o suposto bom conceito que o escritório ou o advogado gozariam perante a
Magistratura ou Ministério Público25. Apesar dessas proibições, não
é incomum anunciar ampliações de escritórios ou mudança de endereço, divulgando
qualidades ou atributos pessoais de sócios que ingressam, a sua atividade
passada, inclusive em outros segmentos da Justiça, ou o perfil da clientela ou
das causas que patrocina. Evidente que, assim procedendo, o advogado deverá
receber a devida reprimenda de seu órgão de classe.
Também existe
proibição de se divulgar preços dos serviços26, gratuidade de
consultas27, forma de pagamento ou outros fatores que possam tornar
o advogado mais interessante que outros profissionais, a partir de critérios
não compatíveis com aqueles que justificariam o estabelecimento de vínculo
entre cliente e profissional. O oferecimento de maiores facilidades econômicas
é um modo de o advogado tornar-se mais interessante para o cliente, de forma a
decorrer de semelhante postura a inculcação para a prestação de serviços. Essa
prática além de ofender a dignidade profissional e poder implicar aviltamento
de honorários ou desrespeito às tabelas, induz a que o possível cliente venha a
escolher o profissional não pela confiança que lhe possa incutir, mas sim em
vista das melhores condições econômicas que ele lhe oferece para assumir o
patrocínio de seus interesses.
8. Há uma
preocupação ética com o veículo, a forma e o local onde venha a se dar a
divulgação do advogado e do exercício de sua atividade. Há proibição expressa
da veiculação de anúncios pelo rádio28 e televisão (art. 29 do CED),
bem como se faz restrição ao conteúdo de boletins e malas diretas (art. 29, §
3.º, do CED). Igualmente, não é local apropriado para a divulgação da atividade
a porta de veículo29, as placas em praças de esporte30, a camisa de
jogadores, os boletins escolares31 ou mesmo os cercados de árvores.
O modo
mais comum de divulgação do advogado é a placa em seu local de trabalho e, em
bem menor escala, em sua residência, sendo incompatível em outros locais32.
Exige a ética que esses anúncios sejam discretos quanto à forma e dimensão, e,
evidentemente, seu conteúdo não poderá extravasar dos limites antes analisados,
até porque é uma das modalidades de se anunciar os serviços profissionais.
Chega mesmo a norma a proibir os luminosos, que não parece justificar-se, por
si só, contanto que persista a se observar a necessária discrição. Nessa linha,
obviamente, veda-se o uso de outdoor ou equivalentes (art. 30 do CED).
Talvez mais simples fosse vedar simplesmente a placa, de qualquer dimensão, em
outro local que não aquele em que o profissional exerce sua atividade.
Impede o Código
o uso de “fotografias, ilustrações, cores, figuras, desenhos, logotipos, marcas
ou símbolos incompatíveis com a sobriedade da advocacia, sendo proibido o uso
de símbolos oficiais e dos que sejam utilizados pela Ordem dos Advogados do
Brasil” (art. 31). Busca-se com a norma em tela a sempre necessária discrição,
o decoro, como também impedir uma usurpada aparência de oficialidade, como se
verificaria com o uso do brasão da República. Aliás, em algumas cidades do
interior, nas salas dos advogados existentes nos fóruns, eram mantidos papéis
com o nome da Ordem e com o brasão da República dos quais alguns advogados se
serviam não só para elaborar petições urgentes, mas também para apresentar
petição inicial33. Não foram poucas as pessoas que, quando citadas,
interpretaram o escrito não como um pedido do autor em face dela, mas sim já
como uma determinação judicial que devesse ser cumprida.
Essas mesmas
restrições se apresentam para o anúncio em jornais e revistas, sendo de se
destacar, além disso, que o local de inserção da publicidade também pode
denotar imoderação. Já houve quem se oferecesse, indevidamente, para recuperar
compulsório pago na compra de veículo em caderno de jornal que estampa anúncios
de compra e venda de carros.
9. É muito
comum o uso da mala-direta, dirigindo-se a um grupo de pessoas correspondência
em caráter geral. Essa prática também guarda restrições34. Assim,
inicialmente, não pode afrontar o conteúdo demarcado para qualquer forma de
divulgação da atividade profissional. Admite-se somente esse meio para a
comunicação de mudança de endereço, constituição ou alteração da composição de
escritório (art. 29, § 3.º, do CED), não mais que isto.
Essa modalidade
de divulgação talvez seja mesmo uma das mais usadas pelos advogados que,
todavia, não respeitam os limites éticos da publicidade, até talvez acreditando
que entre os destinatários não encontrará nenhum advogado preocupado com a
faceta ética da correspondência. Já houve quem remetesse correspondência a
viúva, apresentando condolências pelo passamento do marido, mas a alertando de
que a vida continua e de que é preciso preocupar-se com os aspectos práticos
dela, entre os quais ganharia importância, naquele momento, a realização do
inventário35. Outro, em correspondência sistemática, pretendia
comentar acontecimentos do dia-a-dia, planos econômicos etc. e engrandecia os
problemas jurídicos que deles decorrem, alertando para a necessidade de ter um
advogado para resolver essas querelas36. Fere a ética também o envio
de carta sobre a distribuição de processo contra o destinatário na Justiça37,
evidenciando, ainda que não o diga expressamente, a intenção de patrocinar os
interesses do réu naquele processo; como também correspondência a expropriados,
esclarecendo-os sobre seus direitos e os riscos a que estão sujeitos38.
A questão não
muda de figura em vista do grupo a que é dirigida a mala-direta. Ainda que
discreta, não pode por meio dela o advogado pretender alcançar pessoas que
potencialmente poderiam interessar-se pelos seus serviços, mas que não o
conhecem e só passariam a conhecê-lo a partir da correspondência. Isso se dá
inclusive se a mala-direta for destinada a um grupo de que faça parte também o
advogado, como os moradores de seu prédio, os sócios de seu clube.
Admite-se o
oferecimento de serviços, por meio de mala-direta, a advogados, objetivando o
acompanhamento de processos e cumprimento de cartas precatórias em outras
comarcas ou estados39. Tal se verifica porque a correspondência é
dirigida não a leigo, mas a quem tem discernimento para não se subjugar
inconscientemente ao seu conteúdo, como também não precisa, em princípio, dos
serviços de advogado até por também o ser.
A mala-direta
na forma de carta não é diferente da edição de boletins com conteúdo
semelhante, sendo permitidos estes últimos, ainda quando editados por advogados
e escritórios, apenas para divulgação de informações gerais, comentar decisões
dos tribunais, dar a conhecer legislação, sem, em momento algum, referir-se à
necessidade de tomar alguma providência judicial ou de outra natureza, para a
qual o advogado estaria prontamente à disposição. Procedimentos dessa ordem são
recriminados, por serem afrontosos às normas éticas. Ademais, os boletins não
devem dar destaque ao nome do advogado ou de escritório40, para não
configurar a captação de clientela.
Já se entendeu,
acertadamente, contrariar as normas éticas a divulgação de “textos legais e
orientação jurídica em quadros ou painéis, periodicamente alteráveis ou
renovados, para afixação em locais públicos, com indicação do nome do advogado
e seu endereço profissional41”.
10. Atualmente
repercute também na Advocacia o uso da Internet, e, pois, ganha corpo a idéia
de divulgação do profissional por esse veículo. Alguns até já mantêm site
ou home page próprias. A questão não enseja análise diferenciada,
comparativamente a outros modos de divulgação42. Evidente que tudo
quanto não está autorizado a se fazer por carta, anúncio ou outro meio, também
não se poderá fazer pela Internet. As restrições são quanto ao conteúdo e não
relativamente ao meio utilizado43.
Assim, a
manutenção de uma página que divulgue notícias de interesse, como problemas
econômicos, novas medidas, leis recentes, decisões judiciais etc., não pode
servir para, por meio dela, o profissional se apresentar a fim de captar
clientes naquelas hipóteses por ele analisadas como meras notícias gerais.
Da mesma forma,
o advogado não poderá divulgar sua fotografia, lista de clientes ou causas, seu
currículo, o resultado de seus processos, os preços que cobra, as suas
petições, enfim incidir por esse veículo nas restrições postas para os demais
meios que eram os conhecidos e usuais por ocasião do advento da disciplina
ética ainda em vigor.
A utilização de
e-mail para comunicação também é permitida, mas não para dirigir-se a
pessoas desconhecidas, tocando com aspectos que possam ensejar a captação de
clientes ou causas. Enfim, servem para essa forma de comunicação todas as
restrições postas para as simples cartas.
11. A matéria
jurídica inegavelmente acaba por interessar às pessoas, de um modo geral; de
outro lado, certos acontecimentos que envolvem demandas ganham projeção na
mídia; sem contar, ainda, que um grande número de pessoas não tem acesso a
serviços jurídicos e acabam por buscá-los em programas de emissoras de rádio e
televisão. Isso tudo leva a que o profissional, muitas vezes, seja convidado a
participar dessas atividades, o que é visto por muitos como uma forma de
inculcar-se para a prestação dos serviços.
Desde logo é de
se deixar à margem dessa consideração a publicação de artigos jurídicos, mesmo
analisando casos, decisões de tribunais ou legislação nova, quando veiculados
em revistas, jornais e boletins jurídicos e, ainda, em colunas jurídicas de
jornais leigos. Evidente que, por meio dessa atividade, o profissional não se
está apresentando para captar clientes, tendo em vista que o leitor das
publicações é, fundamentalmente, também operador do Direito que, via de regra,
portanto, não precisa dos serviços jurídicos de outro profissional. Ademais,
nesse âmbito, a divulgação acaba tendo caráter científico, sendo versada em linguagem
técnica, que, não raro, aparece aos olhos do não iniciado como grego.
Nessa mesma linha, não se pode também visualizar captação de clientela na
divulgação de evento cultural, destinado a quem atua na área jurídica44.
Afastada a
questão antes, não se pode olvidar que o advogado presta serviço público e
exerce função social (art. 2o., § 1.º, da Lei n. 8.906/94), o que
pode ser visto como verdadeiro dever seu prestar informações à comunidade e,
ainda, esclarecer sobre seus próprios casos, na medida em que ganhem
repercussão popular e para tanto ele seja procurado.
Relativamente
aos próprios casos, o advogado não pode procurar a imprensa para divulgá-los
nem sequer insinuá-los45. Diversamente, deve mesmo guardar segredo
acerca das pendências que patrocina, jamais expondo seu cliente na mídia, ainda
que obtenha um resultado final favorável. Se o seu cliente precisar divulgar o
resultado do processo para afastar conclusões enganosas acerca da sua pessoa,
interesses ou bens, reparando ofensa à sua imagem, ele deve reclamar essa
divulgação no processo, como conseqüência da procedência da ação, fazendo,
então, a publicação da sentença, se autorizado pelo juiz, abstendo-se, mesmo
assim, de colocar seu nome, por qualquer modo, na veiculação.
Se o caso que o
advogado patrocina vier a ter repercussão na imprensa, ele poderá procurá-la
para esclarecer fatos que possam prejudicar o seu cliente ou o resultado do
processo por ele patrocinado. Poderá, também, ainda que não haja o risco
anterior, se convidado, esclarecer alguns pontos da causa46,
evitando a polêmica, a acusação à parte contrária, ao juiz, aos demais colegas
que atuam no feito, bem como, ainda, a divulgação de estratégias que adotará
futuramente, de modo a não transformar a mídia no tribunal. Ademais, deve estar
extremamente atento para não divulgar qualquer fato que possa representar
sigilo profissional. Os limites dessa atuação decorrem, pois, inversamente, da
definição como falta ética do comportamento consistente em “fazer publicar na
imprensa, desnecessária e habitualmente, alegações forenses ou relativas a
causas pendentes” (art. 34, XIII, do Estatuto).
A participação
do advogado em programas para responder consultas formuladas por ouvintes,
telespectadores e leitores de jornais é prática totalmente condenada47.
Nesse caso, o advogado não responde sobre teses, mas sobre ocorrências
concretas, não raras vezes submetidas a outros profissionais e à própria
Justiça. Tal atuação longe está de servir como prestação de serviços e atuação
de cunho social, sendo caso específico de captação de clientela, haja vista que
o consulente, quase sempre, já precisa de um profissional e tende a contratar
aquele que lhe dá uma opinião mais conforme aos seus interesses. De outro lado,
sua conduta afronta o dever de lealdade para com os demais colegas, diante da
possibilidade de sua opinião colidir com aquela que vem sendo defendida por
outro profissional que efetivamente patrocina os interesses do consulente48.
Não há
impedimento, porém, ao advogado que comparece na mídia para discutir teses
jurídicas, concedendo entrevista ou participando de debates acerca de novas
leis, problemas gerais etc., o que caracterizaria uma prestação de serviços à
comunidade e um trabalho de atuação em prol da melhoria dos institutos
jurídicos. Não se compreende nessa atuação, a manifestação sobre caso concreto
específico49. Nesse sentido, é de lembrar que não são raros,
infelizmente, os crimes que acabam sendo julgados antecipadamente pela mídia e
com a assistência de alguns colegas, que se prontificam a tipificar a conduta
do acusado, dando todos os ingredientes para o seu julgamento.
O profissional
que costuma ser convidado para participar de programas ou opinar sobre assuntos
gerais na mídia não pode aceitar ser transformado em um habitué, passando
a ser figura rotineira a manifestar-se sobre todo e qualquer assunto50,
mesmo porque não existe um universo de problemas jurídicos novos e somente em
tese a desafiar o constante pronunciamento a bem do interesse social.
Semelhante prática, caracterizadora do excesso, merece a reprimenda, visto que
deixa de existir a moderação, evidenciando intenção de apresentar-se para obter
proveito profissional, angariando causas, uma vez que o lugar do advogado é em
seu escritório ou nos tribunais e não na imprensa.
Por fim, a
exposição do advogado na mídia, mesmo nos casos em que isso se faz permitido,
não pode importar na divulgação de façanhas profissionais, nome de clientes51
etc., o que tornaria o comportamento viciado do ponto de vista ético, se não
pela entrevista, pelos outros motivos que afrontam as normas permissíveis da
publicidade na Advocacia.
12. A
propaganda guarda também uma outra roupagem, apresentando-se de modo
subliminar. Assim, não é incomum produtos, bens e serviços serem apresentados
não diretamente como uma ação comercial, oferecendo-o de forma clara e
transparente, mas sim por meio sub-reptício, buscando identificá-lo a uma
atividade ou a uma pessoa, de modo a também criar no consumidor o desejo de ter
aquele bem ou produto ou desfrutar daquele serviço.
A Advocacia
também parece não estar alheia a essa forma de divulgação. Nesse sentido, o
Tribunal de Ética Profissional da OAB de São Paulo detectou essa prática,
entendendo-a condenável em reportagem veiculada por jornal paulista, na qual, a
par de se ressaltar as dificuldades então atuais, chamava-se atenção para o que
os escritórios de advocacia de dimensões empresariais, que ali eram citados,
estavam fazendo para atender aos seus clientes e evitar que eles padecessem ou
tivessem prejuízo com aqueles problemas. A reportagem enaltecia a qualidade dos
profissionais, declinava o número de clientes que tinham, as consultas que
davam, o tamanho do escritório, chegando mesmo a apontar para certo escritório
que havia contratado um profissional, com passado de desembargador e de
determinada origem racial, apenas para melhor servir seus clientes de igual
nacionalidade52.
Evidente que a
propaganda fora dos contornos da ética deve ser combatida não só quando feita
diretamente, aliás o combate a esta é bem mais fácil, mas também quando feita
não às claras, mas com igual potencialidade de dano não só aos consumidores
dessa atividade, o que por ora não interessa, mas a toda a classe dos
advogados. No caso, a matéria jornalística tinha claro intuito promocional,
afrontando a discrição, que deve ser a nota típica da Advocacia, para lhe
conferir caráter nitidamente mercadológico e, pois, comprometido, em vista de
se prestar para o aliciamento e captação de clientes.
Diferente não
foi o que se viu em reportagem da revista Veja, de 1o. de
dezembro de 1993. Naquela matéria, intitulada “O Romário dos Tribunais”,
comparou-se conhecido advogado com o ágil e esperto jogador de futebol, na
época no melhor de sua carreira. A matéria, que, segundo o Tribunal de Ética da
Ordem de São Paulo53, só pode ter recebido o aval do advogado,
encara a Advocacia como um negócio e ressalta como de importância facetas nada
recomendáveis, por exemplo a esperteza, relacionamentos etc. Ademais,
revelam-se nela preços, número de causas, nome de clientes, tudo a evidenciar
total desprezo para com a ética. Perfeita, para definir o grotesco do caso, foi
a conclusão de Elias Farah, naquele aprovado parecer: “um procedimento ético é
um procedimento limpo, em que transpareça magnanimidade, discrição, sobriedade,
altivez, aplaudíveis pela decência de propósito e pela inatacável
credibilidade. A reportagem mais parece dirigida a um ‘mágico’ da Advocacia,
que, na tribuna forense a todos deslumbra, tirando coelho da cartola ou sacando
argumentos, surpresa que só gênios logram discernir nas entrelinhas dos códigos
e das constituições, com poderes mirabolantes de persuasão!”
13. A
propaganda evoluiu, mas na Advocacia essa evolução não encontrou, não encontra
e tomara que não venha a encontrar eco. Disso, porém, não se pode concluir que
a Advocacia não tenha evoluído, porque para alcançar melhores dias ela precisa
que os advogados igualmente consigam esses melhores dias e a tanto o
profissional não chegará criando clientela no artificialismo da publicidade, na
inconstância e no momento, tomando o cliente tão-só pela aparência, às vezes
fabricada por um bom marqueteiro. Esse cliente é efêmero, tendo em vista que a
qualquer outro apelo de melhor aparência ele também se renderá e mudará de
advogado, logicamente.
Consoante Louis
Cremeieu citado em precioso voto de Daniel Schwenck, no Tribunal de Ética da
Ordem de São Paulo, “o advogado deve esperar pacientemente que a clientela
venha a ele. É pelo trabalho e pelo bom renome que ele logrará inspirar nos
contendores a sua confiança. Ele não se deve comprometer na procura de causas54”.
A melhor
propaganda que o advogado pode fazer está na realização do seu trabalho,
contínuo e dedicado, na repercussão que suas demandas têm, não na mídia, mas,
em primeiro lugar, no íntimo de seu próprio cliente, que se sentirá satisfeito
e não titubeará em indicar o seu advogado para o seu amigo, parente ou voltar
ele próprio a procurá-lo quando nova questão jurídica o atormentar. Essa é a
única forma de propaganda capaz de valorizar o advogado.
1.
Confira a propósito a posição de Marcelo Raposo Cherto, A ética do
advogado e a publicidade, O Estado de S. Paulo, 22 nov. 1986.
3. O
conteúdo dos artigos em questão corresponde ao teor da Resolução n. 2/92 do
Tribunal de Ética e Disciplina da OAB de São Paulo, aprovada em 2 de novembro
de 1992, sob a presidência de Modesto Carvalhosa, e tendo como relator Elias
Farah.
22. Cf.
decisão do Tribunal de Ética da OAB de São Paulo, processo n. 1.778/98, relator
José Roberto Bottino, ementa publicada no jornal Tribuna do Direito,
mar. 1999, p. 34.
41. Aliás, o advento do telex, da
televisão também, certamente, desafiaram debates acerca da matéria, sendo
interessante destacar-se a constância de uma posição voltada à discrição, que
se vê desde parecer de Gabriel de Rezende, quando do Tribunal de Ética da OAB
de São Paulo (processo n. 002, parecer emitido em 12 de junho de 1940, citado
em Julgados, cit., v. 2, p. 405). 42. Cf. Walter Ceneviva, na
palestra antes já citada. 43. Cf. Tribunal de Ética da OAB de
São Paulo, processo n. 930, rel. Antonio Fittipaldi, Julgados, cit., v.
2, p. 371. 44. Cf. Tribunal de Ética da OAB de
São Paulo, processo n. 1.030, rel. Antonio Fittipaldi, Julgados, cit.,
v. 2, p. 372.
46. Cf.
Tribunal de Ética da OAB de São Paulo, processo n. 872, rel. Daniel Schwenck, Julgados,
cit., v. 2, p. 350; processo n. 839, rel. Joviano Mendes da Silva Julgados,
cit., v. 2, p. 351. 47. No
Tribunal de Ética da OAB de São Paulo, no processo n. 839, votamos vencido, não
pretendendo restringir a possibilidade da resposta de modo absoluto, mas
colocamos tantas restrições a essa atuação, que tornaria difícil algum advogado
conseguir, no caso concreto, responder a perguntas em programas de rádio ou
televisão e não incidir em falta ética (Julgados cit., v. 2, p. 351). 48. Até
porque, ao ver de Paulo Luiz Netto Lôbo (Comentários, cit., p. 144), tal
procedimento gera impedimento ético para o advogado patrocinar novas causas
relacionadas ao tema. 49. Paulo
Luiz Netto Lôbo (Comentários, cit., pág. 144) reputa, com toda a
correção, “absolutamente condenável a publicidade freqüente de opinião sobre
matérias jurídicas” na mídia. 50.
Tribunal de Ética da OAB de São Paulo, processo n. 914, rel. Robison Baroni, Julgados, cit., v. 2, p. 403. 51. Cf.
Tribunal de Ética da OAB de São Paulo, processo n. 898, rel. Clito Fornaciari
Júnior, Julgados, cit., v. 2, p. 97.
53. Cf. Traité
de la profession d’avocat, Paris, 1939, n. 277, p. 276, apud Julgados,
cit., v. 1, p. 69. Retirado de: www.saraivajur.com.br