Buscalegis.ccj.ufsc.br

 

A investigação criminal na reforma do código do processo penal: agilidade e transparência

 

Petrônio Calmon Filho

Procurador de Justiça  do Distrito  Federal e membro da Comissão de Reforma do Código  de Processo Penal

 

1            A Comissão  de Reforma do Código de Processo  Penal.No  dia 8 de fevereiro de  2.000 o Ministro da Justiça instalou a Comissão de Reforma  do  Código de Processo Penal, nomeando 10 juristas do Instituto Brasileiro  de  Direito Processual para promover estudos e elaborar uma proposta  de reforma do  sistema processual penal brasileiro. Fizeram parte  da Comissão a Professora Ada  Pelelgrini Grinover (Presidente)  e os professores Antônio Magalhães Gomes Filho,  Antônio Scarance  Fernandes, Luiz Flávio Gomes, Miguel Reale Júnior, Nilzardo  Carneiro  Leão, Petrônio Calmon Filho (Secretário), Rogério Lauria Tucci,  Sidnei  Augustinho Beneti e Rui Stoco, nomeado em abril de 2000  (René Ariel Dotti havia  participado até este mês).Os trabalhos  foram divididos em duas etapas. Na  primeira, foram elaborados  11 anteprojetos, correspondentes aos projetos que  haviam sido  elaborados em 1994 por Comissão anterior do Ministério da Justiça,  presidida pelo Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, retirados  do Congresso  Nacional a pedido do próprio governo. Profundas  modificações foram introduzidas,  apesar de 8 dos membros da  atual comissão terem participado da comissão  anterior. Ao final  desta etapa, foi promovido um amplo debate, de âmbito  nacional,  com a participação de mais de 400 pessoas, representando todos  os  seguimentos envolvidos na persecução penal. Os debates foram  realizados em  Brasília, durante as III Jornadas Brasileiras de  Direito Processual Penal, nos  dias 23 a 26 de agosto de 2000.Em  uma segunda etapa, foram examinadas todas as  críticas e sugestões  apresentadas durante o mencionado debate público, bem como  as  que foram entregues pessoalmente à Comissão ou enviadas por correio  eletrônico. Muitas sugestões foram acatadas, o que faz com que  os textos  definitivos apresentem poucas semelhanças com os originais.  Alguns anteprojetos  foram fundidos, resultando na apresentação  de sete propostas legislativas  autônomas.Após 10 meses de trabalho,  com 20 dias completos de reuniões, a Comissão Ada Pellegrini apresentou ao Ministro da Justiça sete  anteprojetos de lei, tratando  dos seguintes temas: 1 – Investigação criminal; 2  – Procedimentos,  suspensão do processo e efeitos da sentença penal condenatória;  3 – Provas; 4 - Interrogatório do acusado e defesa efetiva;  5- Prisão, medidas  cautelares e liberdade; 6– Júri; 7 –  Recursos e ações de impugnação. Este artigo  destina-se a comentar  algumas importantes inovações constantes do projeto sobre  a  investigação criminal.

2            Os  escopos do projeto de lei sobre a investigação  criminal.Os objetivos  da Comissão Pellegrini, claramente percebíveis, foram  proporcionar  uma investigação com agilidade e transparência. Enquanto as  corporações  procuravam fazer chegar à Comissão e ao Ministério da Justiça  seus  ideais de auto-fortalecimento, os autores do novo código  optaram por disciplinar  a atividade de investigação, não se  manifestando quanto aos "poderes" de cada  seguimento dos atores  da persecução penal. Esta é a razão da abolição da  expressão  "investigação policial", constante dos primeiros ensaios apresentados  ao público durante a realização das III Jornadas. Não se podia  manter a  terminologia do código atual, pois o inquérito policial  não é mais o único meio  de se proceder à investigação, desde  a adoção do termo circunstanciado pela Lei  dos Juizados Especiais.  O projeto trata da investigação criminal, aplicável a  todas  as formas pelas quais se possa proceder a essa atividade, independente,  ainda, de quem a irá desenvolver. Apesar dessa abertura, a disciplina  do projeto  é clara e objetiva, atribuindo à polícia a responsabilidade  pela  investigação.

3            O alcance  do projeto sobre a investigação  criminal.O  projeto dá nova redação  aos artigos 4o a 23, 26, 28, 30 e 46 do atual  Código de Processo Penal, ou seja, modifica todo o Título  II,  hoje intitulado "Do inquérito policial" e alguns artigos do  Título  III – "Da ação penal", ambos do Livro I do Código.  Como resultado da adoção  de duas modalidades de investigação,  o Título I foi alterado para "Da  investigação criminal".O objetivo  inicial era tratar apenas da investigação, mas  alguns dispositivos  do Título II precisaram sofrer alterações, com vistas a  guardar  coerência com as alterações do Título I e com os escopos da  reforma.  Nunca é demais lembrar que se trata de uma reforma e  não de um novo código.  Assim, as alterações devem procurar  seguir a sistemática do código em vigor,  mantendo-se, ao máximo,  a numeração atual. Por este motivo verifica-se alguns  dispositivos  esparsos tratando do mesmo assunto.

4            As  modalidades e a titularidade da investigação  criminal (art.  4o, incisos I e II)A reforma começa pelo artigo  4o e nosso comentário se inicia com a abordagem dos  seus incisos, que  não trazem qualquer alteração em relação  a atual legislação, pois apenas reúnem  em um só dispositivo  as duas modalidades de investigação criminal já previstas:  inquérito  policial (art. 5o do CPP) e termo circunstanciado (art.  69  da Lei 9.099/95).É conveniente ressaltar, desde já, que o  projeto mantém a  prescindibilidade da investigação, o que permite  o oferecimento da denúncia sem  que tenha sido instaurado qualquer  procedimento investigatório, desde que,  evidentemente, o ministério  público possua outros elementos de informação  suficientes para  agir. Acentuando este posicionamento, o projeto inova,  sobremaneira,  ao dispor no art. 26 que a autoridade administrativa deve remeter  os elementos de informação que apurar diretamente ao ministério  público, quando  se tratar de infração penal praticada contra  o sistema financeiro nacional, a  ordem tributária ou econômica  (ver comentários infra). Neste caso, o ministério  público somente  requisitará a investigação policial quando a entender  necessária.

5            A comunicação do fato criminoso e  as providências da  polícia (art. 4o,caput e §§ 1o a  3o).

6            A  nova sistematização.

O caput do artigo 4o e os §§ 1o a 3o tratam das formas pelas quais a polícia toma conhecimento da  infração penal:

a             a polícia pode  agir de ofício  (caput);

b            a polícia  deve agir quando é provocada pela  própria vítima ou seu representante legal  (caput);

c             a  polícia  deve agir por requisição do ministério público (caput);

d            tratando-se de crime de ação penal pública condicionada,  mantém-se  indispensável a manifestação de quem encontra-se  revestido deste poder  (§ 1o).

e             tratando-se de crime de ação  penal privada, a investigação somente poderá  ser iniciada após  clara manifestação do ofendido ou de seu representante legal  (§ 2o);  e

f              qualquer  pessoa pode comunicar um delito à polícia, mantendo-se,  assim, o reconhecimento  de que o esclarecimento dos fatos criminosos  é do interesse de toda a sociedade  (§ 3o).

1            A  revogação das disposições não processuais do art.  4o.O atual  art. 4o do Código de Processo Penal trata de outro  tema,  disciplinando qual autoridade exercerá o papel da polícia judiciária.  O caput atual determina que a polícia judiciária será  exercida pela  autoridade policial, mas o parágrafo observa que  esta determinação não exclui a  de outras autoridades administrativas,  a quem por lei seja cometida a mesma  função.Apesar de ter  mantido esta disposição em seu anteprojeto original, a Comissão  Pellegrini, em sua segunda etapa de trabalhos, preferiu deixar  de abordar o tema, assim agindo por dois motivos: em primeiro  lugar porque o  dispositivo é contraditório, na medida em que  define quem fará a polícia  judiciária no caput, mas  permite, em seu parágrafo, que qualquer outra  autoridade exerça  esta função (em boa técnica, uma lei não precisa autorizar que  outra lei a excepcione); em segundo lugar, a Comissão entendeu  que o Código de  Processo Penal não deve tratar das funções  e dos poderes das autoridades  administrativas, tema adequado para  cada lei orgânica, separadamente. Não se  podia aproveitar a  ocasião para resolver conflitos corporativos antigos. O  código  deve tratar da investigação criminal, não importando quem a dirigirá.  A  legislação atual é repleta de casos em que se define autoridade  administrativa  diversa da polícia para a direção da investigação  criminal, dentre elas os  presidentes dos tribunais, das casas  legislativas e os procuradores-gerais, sem  falar no inquérito  dos crimes de falência, dirigido pelo próprio juiz de  direito.As  disposições não processuais, portanto, foram deixadas de fora  do novo  código. A regra, porém, foi plenamente reforçada: a  função de investigação  criminal é eminentemente policial.  O código não a define para outras  autoridades, por outro lado  não veda. Ao regular o endereçamento oral ou escrito  das notícias  de crime, requisições e requerimentos de investigação criminal,  o  código determina que se faça, em regra, à polícia. Essa  é a sistemática mais  adequada.

2            As  principais alterações.

Conforme já se disse supra,  a sistemática de comunicação das infrações  penais à polícia  sofreu poucas alterações em sua essência. Comparando o atual  art. 5o com o art. 4o proposto, verifica-se  o seguinte:  foram mantidas a ação policial ex officio,  a requisição do ministério  público e o requerimento do ofendido  ou de quem tiver qualidade para  representá-lo, bem como foi mantida  a possibilidade de qualquer pessoa comunicar  a existência de  uma infração penal à polícia, a necessidade de representação  e  de requerimento para os casos de ação penal pública condicionada  e ação  privada.Foi abolida, somente, a referência à requisição  judicial. Coerente com  outras modificações (em especial a do  art. 28), o projeto define bem as funções  de cada um dos operadores  do direito na investigação criminal e no processo  penal. Não  faz qualquer sentido a manutenção da requisição judicial para  a  investigação criminal. O juiz, ao tomar conhecimento de uma  infração penal,  deverá comunicá-la ao ministério público,  nos termos do art. 40, não se  envolvendo com a iniciativa de  qualquer procedimento investigatório. Não se  exclui, também,  a possibilidade de o juiz prender qualquer pessoa em flagrante  delito,  hipótese em que o preso será encaminhado à polícia e lavrado  o  respectivo termo, que é, em si, o próprio inquérito policial.  Nem poderia ser  diferente.

1            A  comunicação do fato criminoso ao ministério público:  transparência  e controle constitucional (art. 4o, §§ 4o a  7o).

2            O  requerimento de investigação criminal.Oferecendo respaldo prático  ao poder concedido ao ministério público para requisitar a investigação,  o  projeto mantém a faculdade do ofendido dirigir-se diretamente  a este órgão,  podendo fazê-lo oralmente ou por escrito (§ 4o).  O art. 27 foi  mantido íntegro e, por ele, qualquer pessoa  do povo poderá provocar a  iniciativa do ministério público,  nos casos em que caiba a ação civil pública,  fornecendo-lhe,  por escrito, informações sobre o fato e a autoria e indicando  o  tempo, o lugar e os elementos de convicção. A união desses  dois dispositivos  indica que, não somente o ofendido, mas qualquer  pessoa do povo poderá  dirigir-se ao ministério público para  dar noticia de infração penal, sempre  sendo possível o oferecimento  imediato da denúncia, quando os elementos forem  suficientes,  ou a requisição de investigação criminal.O parágrafo 5o trata, ainda, do requerimento formulado pelo ofendido ou por quem  tenha  qualidade para representá-lo para que a polícia proceda  à investigação criminal.  Determina que, se a autoridade policial  indeferir o requerimento ou não  instaurar a investigação no  prazo, o ofendido ou seu representante legal poderá  recorrer  à autoridade policial superior ou representar ao ministério público  para que este a requisite. O recurso tem prazo de cinco dias,  enquanto a  representação ao ministério público poderá ser  formulada a qualquer tempo. O  projeto não impõe que primeiro  se procure a autoridade policial superior para  depois procurar  o ministério público, nem tampouco impede que, após o recurso  se  proceda à representação. Todas as garantias são asseguradas  ao ofendido para  que, diante de uma infração penal, a autoridade  pública aja de acordo com as  prescrições legais. O código  novo repele a inércia e reforça o controle da  investigação  criminal pelo ministério público.

3            Registro  imediato da ocorrência e comunicação ao  ministério público.Novidade  interessante é a  que diz respeito à clara obrigação de se  registrar imediatamente toda e qualquer  ocorrência policial,  deixando seu registro à disposição do ministério público,  que  poderá requisitá-lo a qualquer momento.O objetivo desta norma  é controlar a  atividade policial. Hoje, a própria polícia tem  apresentado, em todo o Brasil,  dados alarmantes que dão notícia  da sua inoperância. As estatísticas são  incertas e variadas,  mas sabe-se que apenas cerca de 15% das ocorrências  policiais  resultam em inquérito policial. Isso que dizer que somente em um  reduzidíssimo número de casos se cumpre a lei, desrespeitando-se  o princípio da  oficialidade do processo penal que o interesse  público na apuração dos delitos  impõe. Os inquéritos que  são instaurados são encaminhados à Justiça e ao  Ministério  Público em trinta dias, mas os 85% de casos em que não se instaura  inquérito restam totalmente desconhecidos, ficando ao exclusivo  critério da  autoridade policial pinçar os casos em que vai agir.Os  motivos desta brutal  inoperância são conhecidos. Fiquemos apenas  nas razões clássicas da inoperância  brasileira: falta de recursos.  Mesmo aceitando-se esta justificativa para que  somente 15% dos  casos sejam apurados, não se pode admitir que a escolha seja da  alçada da polícia, sem qualquer controle. Afinal, o responsável  pela ação penal  é o ministério público, que age segundo o  princípio da obrigatoriedade da ação  penal. A situação atual,  além de caótica, reveste-se em mais uma ficção  brasileira:  a ação penal é obrigatória, mas o órgão encarregado de procedê-la  não toma conhecimento da esmagadora maioria dos casos.Alguma  providência teria  que ser tomada para impor que o ministério  público tenha conhecimento de todas  as ocorrências policiais.  Pode-se afirmar que a legislação atual já confere  poderes para  que este órgão requisite todas as informações necessárias.  Todavia,  diversos conflitos têm se verificado em várias partes,  impedindo ou dificultando  o acesso do ministério público às  informações policiais. A primeira solução  aventada pela Comissão  Pellegrini foi inserir uma norma que determinasse  que todos  os registros de ocorrências fossem remetidos ao ministério público.  Algumas objeções foram feitas, especialmente por Procuradores-Gerais  de Justiça,  alegando a impossibilidade material de controlar  toda a atividade policial.  Buscou-se, então, uma fórmula que  permitisse um controle efetivo, sem  sobrecarregar, de uma só  vez, o ministério público. A fórmula encontrada, então  foi  a de disponibilizar as informações. O ministério público poderá  requisitar  um registro, especificamente ou ficar um período para  que todos os registros  efetivados em seu interregno lhe sejam  remetidos. Conforme o Ministério Público  for se aparelhando  para analisar os registros, poderão ser requisitados os  registros  por amostragem. A criatividade e o bom senso serão os melhores  conselheiros. O ministério público poderá determinar que todas  as ocorrências  cheguem ao seu conhecimento ao final de cada mês,  de cada semana ou até  diariamente. A prática poderá ser diferente  nas grandes cidades e nas pequenas.  Dentro de pouco tempo, por  certo, se poderá estabelecer um sistema mediante o  qual todas  as ocorrências policiais e as providências tomadas pela polícia  sejam  registradas em computador, com disponibilização on  line ao ministério  público.Esse dispositivo visa a atingir  um dos dois objetivos da reforma, a  transparência da investigação  policial, regulamentando, em parte, a norma  constitucional que  atribui ao ministério público a obrigação de exercer o  controle  da atividade policial.

4            A  falta de elementos para a instauração  da investigação criminal.Conforme ser verá adiante, o  art.  6o proposto determina expressamente que não sendo  a infração  penal de menor potencial ofensivo, ao tomar conhecimento  da prática da infração,  a autoridade policial instaurará inquérito.  O sistema, então, está bem  definido. O ministério público  em acesso a todas as ocorrências e a polícia é  obrigada a lavrar  termo circunstanciado ou instaurar inquérito em todas as  ocorrências.  Evidentemente, haverá casos em que não haverá elementos para  que se  inicie qualquer diligência de investigação. Isso é  natural e decorre da  realidade. São inúmeras as ocorrências  de pequenas infrações sem que haja  qualquer indicação de autoria  ou até mesmo prova da materialidade. Nestes casos  não haverá  nada o que fazer. A proposta não desconhece essa realidade. Todavia,  propõe a transparência, a fundamentação e o controle. Se não  houver elementos  para proceder, a autoridade policial certificará  e o ministério público saberá  concordar, ratificando a conduta  policial. Confrontando, porém, essa prática com  o disposto no  art. 28 proposto, conclui-se que a não instauração da investigação  há de ser comparada com o seu arquivamento, para que tenham idêntica  conseqüência, qual seja, a revisão obrigatória por um órgão  superior do  Ministério Público. Esse cuidado é importante,  para que, ao final, a sociedade  exerça um controle efetivo sobre  seus mandatários, que agem em seu nome com o  dever de não desistir  da persecução penal sempre que houver elementos para  agir.

5            Infração penal atribuída à policial.

6            Por  fim,  estabelece o § 7o do artigo 4o que,  atribuída a autoria do  delito a qualquer policial, a ocorrência  será comunicada ao ministério público  imediatamente, atendendo  ao objetivo, já anunciado, de conferir maior  transparência à  atividade investigatória. Esta norma é específica e se sobrepõe  a outras, visando a maior transparência possível. Trata-se de  uma comunicação  especial e não da disponibilização de que  trata o parágrafo anterior. A  abrangência da norma é a mais  ampla possível, envolvendo policiais civis  estaduais e federais  e policiais militares. A investigação, reforça-se, estará à  cargo da própria polícia, que, segundo o código, em regra,  é encarregada de  todas as investigações criminais. Não há,  hoje, qualquer lei, que trate de  excepcionar esta regra quando  a autoria é atribuída a policial e não seria o  código a fazê-lo,  pois, como já se disse supra, a designação do responsável pela  investigação criminal foi propositadamente evitada. Ao buscar  o debate com as  corporações, verificou-se que não há consenso  sobre uma regra de investigação  criminal pelo ministério público,  concluindo-se ser melhor deixar o tema para um  debate específico.Não  sendo conveniente discutir a matéria em sede de reforma do  CPP,  a Comissão Pellegrini procurou encontrar uma fórmula que  proporcionasse o cumprimento de seus objetivos: agilidade e transparência.  A  polícia faz a investigação, mas, tratando-se de autoria atribuída  a policial,  comunica ao ministério público imediatamente.A atribuição  da autoria à policial  não depende de ato formal de indiciamento.  Bata a simples notícia, que poderá  ser proveniente de qualquer  das formas previstas no art. 4o. Ao  receber o requerimento  de investigação, a comunicação de qualquer do povo, a  representação  ou mesmo agindo de ofício, sendo atribuída a autoria a policial,  se cumprirá ao disposto no § 7o do art. 4o.  Da mesma forma  se procederá quando se tratar de flagrante (embora  haja regra específica) e do  tradicional "auto de apresentação  espontânea".O ministério público recebe a  comunicação com  o objetivo de tomar as providências cabíveis. A princípio poderá  requisitar o início da investigação, se já não estiver em  curso ou ficar  diligências específicas. Poderá, ainda, disponibilizar-se  para acompanhar os  atos investigatórios e deverá, dentre outras  providências, zelar pelo  cumprimento dos prazos.

7            O  termo circunstanciado (art. 5o). O artigo  5o trata  do termo circunstanciado, regulando-o de forma a suprir a  omissão  do art. 69 da Lei dos Juizados Especiais (Lei 9.099, de 26 de setembro  de 1995). De acordo com o projeto, do termo circunstanciado deverão  constar a narração suscinta do fato e de suas circunstâncias,com  a indicação do autor,  do ofendido e das testemunhas; o nome,  qualificação e endereço das testemunhas;  a ordem de requisição  de exames periciais, quando necessários; a determinação da  sua  imediata remessa ao órgão do Ministério Público oficiante no  juizado  criminal competente, com as informações colhidas, comunicando-as  ao juiz e a  certificação da intimação do autuado e do ofendido,  para comparecimento em juízo  nos dia e hora designados.Desta  forma a lei uniformiza os termos  circunstanciados e faz com que  não guardem qualquer lacuna. O termo continua  sendo aplicado  quando se tratar de infração penal de menor potencial ofensivo.

8            A obrigatoriedade do inquérito  policial (art.  6o, caput).No item 6.3  acima tratou-se  do disposto no caput do art. 6o,  que frisa a obrigatoriedade  da investigação, determinando à  autoridade policial que, ao tomar  conhecimento da prática  da infração penal, instaure o inquérito policial. Se  for  caso de infração penal de menor potencial ofensivo, lavrará termo  circunstanciado, conforme dispõe o artigo precedente. A importância  desta norma  é fixar expressamente a obrigatoriedade da investigação  criminal. Nenhuma  ocorrência poderá ser desprezada, devendo  ser alvo da ação policial. Conforme já  se disse, evidentemente,  se não houver elementos suficientes para começar a  agir, não  se exigirá da polícia o impossível. Todavia, duas regras devem  ser  obedecidas: fundamentação e transparência. Não havendo  qualquer possibilidade de  ação, a autoridade policial declinará  exaustivamente os motivos e remeterá o  registro da ocorrência,  comunicação, documentos, objetos e sua fundamentação  para  o ministério público, que poderá especificar diligências que  poderão  elucidar o caso ou concordar com a polícia, promovendo  o arquivamento das  informações, agindo, no entanto, de acordo  com o art. 28 proposto, adiante  comentado.

9            As  diligências básicas do inquérito policial (art.  6o,  incisos).O art. 6o atual  estabelece quais são as diligências  iniciais do inquérito policial. O projeto  estabelece nova redação  para os incisos I, IV, V, VI e VII. Ao modificar esses  incisos,  está, em realidade, revogando algumas disposições atuais e apenas  alterando a numeração de outras.O inciso I trata da preservação  do local. O  código em vigor estabelece que a autoridade policial  deverá dirigir-se ao local  da infração, preservando o local  até a chegada dos peritos criminais. A proposta  amplia a responsabilidade  da polícia, determinando que o local seja preservado durante  o tempo necessário à realização dos exames periciais. Essa  simples alteração visa a evitar que os peritos permaneçam sozinhos  no local, sem  qualquer proteção policial. Não faz qualquer  sentido que o local somente seja  preservado até a chegada dos  peritos. Impõe-se que a preservação se estenda até  o final  das diligências periciais. Todo cuidado é pouco quando se trata  da  preservação dos instrumentos, armas, local e objetos que  tiverem relação com o  fato criminoso. A disposição completamente  revogada é a que determina a oitiva  do ofendido (atual inciso  IV). Assim, o que consta do atual inciso V passa a  constar, com  alterações, do inciso IV. Ao tomar conhecimento da infração  penal,  não há, ainda, em regra, qualquer indiciado. Por esta  razão o código proposto  prefere o termo investigado,  aplicável a todas as situações, pois o  indiciado é investigado,  mas a recíproca pode não ocorrer. Além da alteração  terminológica,  o projeto é mais simples, dispensando-se a exigência de duas  testemunhas  e eliminando a referência desnecessária ao capítulo III do Título  VII.Os atuais incisos VI e VII permanecem, mas são renumerados  para V e VI,  respectivamente. O novo inciso V trás uma pequena  alteração, eliminando-se a  referência à acareação. O inciso  VI do projeto repete o atual inciso VII, apenas  acrescentando  a remissão ao art. 159, que foi reformado em outro projeto  elaborado  pela Comissão Pellegrini, que trata das perícias, do perito  oficial, do perito ad hoc, e do assistente técnico.Os  atuais incisos VIII  e IX foram revogados, mas as situações por  eles tratadas estão disciplinadas nos  §§ 2o e 3o do art. 8o, adiante comentados.O  inciso VII da proposta  repete as disposições do atual art. 7o, apenas  simplificando  sua redação. A reprodução simulada dos fatos somente deverá  acontecer quando for estritamente necessária e desde que não  contrarie a  moralidade ou a ordem pública, evitando-se, assim,  o constrangimento causado  pelos abusos, sobretudo quando se está  sob os holofotes da mídia.

10        O contraditório  pleno nas perícias realizadas durante  o inquérito policial.O § 1o do art.  6o do novo código estabelece importante regra  de obediência à  garantia constitucional do contraditório, ao  assegurar a participação do  ministério público, do ofendido  e do investigado nas perícias. Sabe-se que o  ordenamento atual,  não prevendo essa possibilidade, vem provocando inúmeras  repetições  de procedimentos periciais, muito especialmente, a exumação  cadavérica,  que trás mais constrangimento e sofrimento às famílias que muito    sofrem com o fato criminoso. O denominado "contraditório  diferido" é um  paleativo que não representa concretamente a  garantia constitucional e deve ser  evitado, sempre que possível,  para que prevaleça o "verdadeiro contraditório",  existente apenas  quando às partes é dada a oportunidade de participação antes,  durante e após a prática de cada ato. O § 1o do  art. 6o constante do projeto final foi alterado na  fase final dos trabalhos da comissão.  A alteração é de apenas  uma letra, mas trás enormes conseqüências. A princípio o  texto  tratava dos incisos V a VII. Atualmente, o projeto trata  dos  incisos V e VII, ou seja, excluiu o inciso VI da incidência  da norma  prevista no § 1o, que determina que as diligências  referidas deverão ser realizadas com prévia ciência do ministério  público e intimação  do ofendido e do investigado. Em conclusão,  este dispositivo determina  expressamente que, de todas as diligências  previstas no art. 6o,  somente as que constam dos incisos  V e VII serão precedidas da  comunicação ao ministério  público e ao investigado. As diligências dos incisos V  e VII  são reconhecimento de pessoas e coisas e reprodução simulada  dos fatos. As  diligências que foram excluídas da disciplina  do § 1o são o exame de  corpo de delito e todas as  demais perícias.A comunicação às partes, prevista  neste dispositivo,  lhes proporcionará oportunidade real para valerem-se do  disposto  no art. 159, § 3o do código reformado, conforme previsão  do  projeto sobre Provas, que faz parte do conjunto de 7 projetos  elaborados pela  Comissão Ada Pellegrini. Segundo este dispositivo,  serão facultadas ao  ministério público e seu assistente, ao  querelante, ao ofendido, ao investigado  e ao acusado a formulação  de quesitos e indicação de assistente técnico.A  faculdade prevista  neste art. 159 é inerente ao princípio do contraditório, que  impõe a participação efetiva das partes nos atos processuais.  O art. 159 se  refere a todas as perícias e sua redação é semelhante  à do inciso VI excluído do  § 1o do art. 6o ("exame de corpo de delito e outras  perícias"). Nossa  conclusão é que, embora o § 1o do art.  6o não se refira ao inciso VI, para que as partes possam valer-se  do  direito conferido pelo art. 159 do novo Código, torna-se imprescindível  que  sejam previamente cientificados da realização da perícia.  A ausência de  intimação, quando possível, implicará na nulidade  da prova pericial, podendo  causar impunidade.Não se deve admitir  o argumento de praxe que aponta para as  dificuldades operacionais,  como se este fato pudesse se sobrepor às garantias  fundamentais  emanadas da Constituição Federal. O próprio projeto estabelece,  a  seguir, normas de simplificação e desburocratização das  comunicações e demais  atos da investigação criminal e do processo,  o que muito facilitará a ciência  que se deve dar ao ministério  público e a intimação do ofendido e  investigado.

11        A  investigação ágil, desburocratizada e transparente  (art. 6o,  §§ 3o e 4o)Disposições importantes são  reveladas pelos parágrafos 3o e 4o do novo  artigo  6o. Tratam de definir a filosofia dos trabalhos  de investigação  policial, deixando muito claro, finalmente,  que os fins, de modo absoluto, não  justificam os meios. Ao contrário,  o justo processo é uma garantia do  investigado, do indiciado  e do acusado, que somente poderão ser privados de seus  bens e  de sua liberdade se os meios empregados forem lícitos, legítimos,  morais  e justos, o que somente se configura mediante o atendimento  a todas as garantias  constitucionais que formam o arcabouço do  devido processo legal. Nesse diapasão,  não se deve proceder  a atos desnecessários, que somente servem para atender à  cultura  cartorial burocrática característica de nossa herança romano-lusitana.  O  povo brasileiro há muito quer livrar-se deste fardo pesado,  preferindo que sejam  utilizadas as ferramentas da moderna tecnologia,  abandonando-se as velhas  táticas da pressão, dos longos depoimentos  e, sobretudo, do desrespeito aos  direitos humanos.

12        Investigação  célere com depoimentos informais  (§ 3o).Neste  novo inquérito, as informações serão colhidas de forma singela  e,  sempre que possível, celeremente, podendo os depoimentos ser  tomados em qualquer  local, oral, informal e resumidamente. Isso  significa, por exemplo, que não se  deve mais perturbar uma testemunha  com as tradicionais e agressivas intimações,  para que ela compareça  na delegacia, no dia e hora que lhe for determinado, sob  pena  de estar cometendo crime de desobediência. As testemunhas, sempre  que  possível, poderão ser ouvidas em sua própria casa, em seu  local de trabalho e  até mesmo na rua, no local e hora do fato.  Essas disposições seriam um  retrocesso caso estivessem desacompanhadas  do elemento que lhes segue, pois os  depoimentos tomados fora da  delegacia serão singelos, resumidos e informais,  dispensando-se  transcrição escrita, termos e conseqüentemente, assinatura. Basta  lembrar que os depoimentos testemunhais colhidos durante a investigação  criminal  não podem ser utilizados como provas (art. 7o,  parágrafo único do  projeto), pois não foram observadas as regras  do contraditório, garantia  inerente ao devido processo legal.  Sendo assim, trata-se somente de submissão à  cultura medieval,  exigir o comparecimento da testemunha à delegacia de polícia,  para prestar um longo depoimento, a ser transcrito, frase por  frase, a um  escrivão. Toma-se o tempo do cidadão, que normalmente  se inibe e tenta fugir à  esta responsabilidade, sequer apresentando-se  espontaneamente, bem como toma-se  grande tempo do delegado de  polícia, do escrivão e de outros servidores,  ocupando-se dependências  e equipamentos públicos que bem poderiam estar servindo  às atividades  essenciais da investigação.Um exemplo deve ser dado, quando  trata-se  de testemunha policial militar. Normalmente, diante da escassez  de  verbas, viaturas e pessoal, uma equipe da polícia militar  é responsável pela  vigilância de uma enorme área urbana. Caso  esses policiais sejam testemunhas de  algum delito (por exemplo,  o porte de substância entorpecente), em seguida,  deslocam-se  para a delegacia de polícia, onde aguardam por várias horas enquanto  outros "casos" estão recebendo o tratamento cartorial e, em seguida,  ainda  permanecem por longo tempo, para que lhe sejam tomados os  depoimentos. Enquanto  a única viatura policial fica parada em  uma delegacia atendendo às regras  burocráticas, a população  permanece em completo abandono. Essa situação precisa  acabar.Segundo  a proposta, os policiais somente resumiriam os fatos, oralmente,  para que um servidor da polícia tome pequenas notas. Melhor será  se os policiais  militares deixarem uma cópia do relatório de  suas atividades, servindo esse  documento como base para a prisão  em flagrante, suficiente, também, para o  oferecimento da denúncia.  O depoimento testemunhal propriamente dito somente  será prestado  uma vez, perante a autoridade judiciária, em frente ao acusado  e  seu defensor, atendidas todas as garantias.O mesmo se aplica,  ainda por exemplo,  no caso de um acidente de trânsito com vítima.  Hoje, quando o agente de polícia  se desloca ao local do fato  (o que normalmente ocorre quando se verifica um  óbito instantâneo),  ele próprio colhe o depoimento verbal e informal das pessoas  que  presenciaram o fato, anotando seu nome e qualificação, bem como  um resumo de  suas declarações. Ele precisa saber se a testemunha  presenciou, realmente, toda  a dinâmica do acidente ou se apenas  presenciou um dos condutores empreender  fuga, ou se presenciou  um dos condutores alterar os vestígios dos fatos, etc.  Ocorre  que, em nosso atual sistema burocratizante, essa testemunha é obrigada  a  comparecer, dias após, a uma delegacia para formalizar todo  o depoimento que  prestara com muito mais fidelidade no momento  e no local dos fatos. Pelo  projeto, bastará que o agente "passe  à limpo" suas anotações, declarando, ele  próprio, tudo o que  ouviu das testemunhas, seu nome completo, qualificação e  endereço.  Isso bastará para o ministério público oferecer a denúncia e  requerer  o depoimento formal, que acontecerá somente em juízo.

13        Registro em audiovisual (§ 4o).

14        Estabelece  o  § 4o que os depoimentos, além de informais, poderão  ser registrados  em áudio ou em audiovisual. Imaginem como não  será muito mais fiel à verdade  ouvir um depoimento informal  prestado pela testemunha no local e na hora do  fato, ou logo após,  colhido com a utilização de um simples gravador de som com  fita  cassete ou de uma câmera de vídeo! A fita jamais será transcrita,  sendo  encaminhada ao ministério público junto com os demais  elementos da investigação.  O representante do Ministério Público  assistirá à fita e nela fundamentará sua  denúncia.Essa abertura  para a tecnologia não se limitará aos depoimentos  informais,  mas será aplicada a todos os depoimentos de testemunhas, do  investigado,  do indiciado e do ofendido. Conforme salientado acima, jamais  haverá  necessidade de transcrição dos registros de áudio. Antes que  se pense que  esses recursos tecnológicos não são acessíveis  ao Brasil de verbas curtas,  lembremos que esses equipamentos,  hoje, custam muito pouco e a economia de tempo  e de uso dos equipamentos  de registro escrito será muito grande, podendo-se até  prever  que haverá substancial diminuição de custos na investigação.

15        O objetivo da investigação criminal  e a fundamentação  da decisão judicial (art. 7o).

O caput do art.  7o estabelece, com a necessária  clareza, quais são os únicos  objetivos da investigação criminal:

a             formar o  convencimento do ministério público ou do querelante  sobre a viabilidade da  acusação.

b            colher  elementos  necessários à efetivação das medidas cautelares, pessoais ou  reais, a  serem autorizadas pelo juiz.

Observação importante,  decorrente  da garantia constitucional do contraditório, encontra-se no parágrafo  único deste artigo 7o: os elementos informativos da  investigação  criminal não poderão constituir fundamento  da sentença, ressalvadas as  provas irrepetíveis e cautelares,  que serão submetidas ao contraditório  diferido.Este dispositivo  guarda coerência com o art. 155 do novo CPP, de acordo  com a  redação que lhe dá o projeto sobe Provas, integrante do conjunto  de  projetos elaborados pela Comissão Ada Pellegrini. Estabelece  este artigo que o juiz formará sua convicção pela livre  apreciação da prova produzida em  contraditório judicial, não  podendo fundamentar sua decisão nos elementos  informativos colhidos  na investigação, ressalvadas as provas cautelares,  irrepetíveis  e antecipadas. A proposta original da comissão da Comissão  Pellegrini, fazia referência ao art. 399. Todavia, a redação  deste artigo,  que faz parte do projeto sobre procedimentos, foi  radicalmente alterada durante  a segunda etapa de trabalhos da  comissão, impondo-se, assim, a retirada da  remissão. O original  art. 399 tratava do desentranhamento dos autos da  investigação  criminal após o recebimento da denúncia e determinava que o juiz  que a recebia não poderia ser o mesmo que fosse presidir a instrução  e prolatar  a denúncia. A proposta se mostrou inovadora em excesso  e, infelizmente, não foi  bem aceita pela comunidade jurídica.  O que se pretendia era a total observância  ao princípio do contraditório,  impedindo que o juiz sentenciante tomasse  qualquer contato com  os elementos do inquérito, especialmente os depoimentos do  indiciado,  ofendido e testemunhas, pois estes depoimentos devem ser prestados  em  juízo e somente o que é declarado nesta ocasião pode ser  considerado como  prova.Não prosperando a proposta original, a  Comissão preferiu adotar no art.  155 do projeto sobre provas  e no parágrafo único do art. 7o do  projeto sobre  a investigação criminal uma determinação expressa de que os  elementos do inquérito não poderão constituir fundamento da  sentença.A ressalva  das provas produzidas cautelarmente ou irrepetíveis  e antecipadas se faz  necessária. As provas produzidas cautelarmente  são aquelas que perecerão se não  foram realizadas em momento  específico. Qualquer medida cautelar somente é  deferida quando  absolutamente necessária e imprescindível, inclusive a produção  de provas. Trata-se da proporcionalidade de valores, que permite  abrir mão do  contraditório em nome de outro princípio constitucional  de igual relevância.  Embora seja aceitável uma prova produzida  cautelarmente, mesmo que as partes de  sua produção não tenham  participado, o projeto estabelece várias regras que  impõe a  esta participação, sempre que possível, em todas as medidas cautelares,  desde que, evidentemente, a ciência não prejudique a eficácia  da colheita dos  elementos.Provas irrepetíveis são aquelas que,  por qualquer motivo fático, não  podem ser repetidas no processo,  com a observância do contraditório. Por  exemplo, o depoimento  testemunhal de uma pessoa que não é localizada para  prestar  depoimento em juízo ou que já tenha falecido. Todavia, impõe-se  que o  juiz considere esta prova com muito cuidado, consciente  de que não foi produzida  com a participação das partes. Terá,  sem dúvida, um peso menor. Não é porque a  "prova" é irrepetível  que será considerada plenamente. Em todo caso, será  observado  o denominado "contraditório diferido".As provas antecipadas, que  constam somente da redação do art. 155 do projeto sobre provas,  são aquelas que  foram submetidas ao contraditório pleno, mas  cuja produção ocorreu antes do  início do processo penal.

1            O respeito ao investigado e seu indiciamento  (art.  8o).

2            Situação  jurídica de indiciado..O projeto mantém a figura do  indiciamento.  A princípio, o anteprojeto elaborado durante a primeira fase dos  trabalhos da Comissão previa a abolição deste termo, substituindo-o  por  "suspeito". As reações foram inúmeras, resolvendo a Comissão  não insistir em uma  modificação meramente terminológica, que  não fazia parte dos seus escopos.O  investigado é aquele sobre  quem recai alguma informação que indique ter tido  alguma participação  no fato ilícito. Caso a investigação leve a polícia a reunir  elementos que indiquem a autoria de forma precisa, aquele que  está sendo  simplesmente investigado passa à condição de suspeito  e, na dicção do código,  indiciado.O código fala em atribuir  ao investigado, fudamentadamente, a condição  de indiciado, qualificando-a  de condição jurídica. Hoje em dia o indiciamento se  tornou  um ato de verdadeira imputação. É até comum a polícia iniciar  a  investigação informalmente e somente instaurar o inquérito  quando entender que  existem fundamentos para indiciar alguém.  Além de irregular, pois deixa de  atender ao comando legal para  instauração imediata do inquérito, essa praxe tem  significado  verdadeiro terror para o "indiciado", sobretudo porque vem sendo  divulgada pela mídia como o ato que identifica o investigado  como aquele que  está sendo apontado pelo Estado como o autor  do delito. Jamais concordei com  essa circunstância e creio que  a modificação introduzida pela Comissão é tímida  o suficiente  para deixar as coisas exatamente como estão hoje.A figura do  indiciamento  deveria ter sido banida, mantendo-se apenas a do investigado. Quem  indica o culpado por uma infração penal é o ministério público  ou querelante,  mediante a denúncia ou queixa. Não faz qualquer  sentido, ao concluir suas  investigações, a polícia indicar  o culpado mediante um ato formal de  indiciamento, situação que  se agrava com o texto proposto, quando qualifica o  indiciamento  como uma situação jurídica.Na proposta original da Comissão,  o  termo suspeito estava melhor colocado. A comunicação  ao suspeito seria  como o aviso de garantia italiano, destinando-se,  exclusivamente, a  dar-lhe conhecimento de que investigações  estão se processando. O indiciamento  proposto exige fundamentação.  Para que a fundamentação seja suficiente para  atribuir a alguém  a situação jurídica de indiciado, por certo  todas  as investigações necessárias já terão sido realizadas. Neste  caso, o ato  de indiciamento continuará a ser um dos últimos  atos da investigação, restando  apenas ouvir o próprio indiciado,  se ainda não o foi, conhecer sua vida  pregressa, se já não  se conhece e proceder à sua identificação criminal, quando  for  o caso.A uma primeira vista, o termo fundamentadamente  a impressão  de que se concede maior garantia ao investigado,  pois evita que lhe seja  atribuída, levianamente, uma condição  jurídica gravosa. Todavia, me parece que  em diversas situações  e para funcionar como um verdadeiro aviso de  garantia,  o investigado deve ser cientificado o mais cedo possível, ainda  que não haja qualquer elemento de fundamentação. Cito como  exemplo o supra  citado direito de ser cientificado previamente  da realização de perícias (art.  6o, incisos V a  VII e § 1o), para formulação de quesitos e  nomeação  de assistente técnico. O direito constituído por estes dispositivos  são  inerentes, não somente ao indiciado, mas igualmente, ao  investigado. Sendo  assim, ainda que a nova lei não preveja, a  polícia deverá cientificar o  investigado da realização da  perícia. Isso sim é um aviso de garantia, sendo  perfeitamente  dispensável a formalização da condição jurídica de indiciado,  bem  como qualquer fundamentação.

3            O  respeito ao indiciado.Regulamentando o direito  constitucional  ao silêncio, o § 1o do art. 8o se utiliza  do gerúndio para afirmar que, o indiciado, comparecendo,  será  interrogado com expressa observância das garantias constitucionais  e legais. Isso quer dizer, à evidência, que o indiciado  não é obrigado a comparecer para  depor. Há muito já se concluiu  que o direito ao silêncio significa que o  indiciado não precisa  sequer comparecer para depor. Se não está obrigado a falar  nem  a responder perguntas, não faz sentido obrigá-lo a comparecer.  Dúvidas  doutrinárias e jurisprudenciais persistem em relação  ao indiciado (e ao acusado,  quando for o caso) preso, entendendo  alguns que, igualmente, poderá manifestar  seu interesse em não  comparecer e outros que, por estar preso, com sua liberdade  cerceada,  poderá ser conduzido coercitivamente. Mesmo assim, jamais será  constrangido a falar ou a responder a qualquer pergunta.

4            A identificação criminalO § 2o aponta  para a lei específica quando fala de identificação criminal,  declarando  simplesmente que o indiciado será identificado datiloscopicamente  nas hipóteses  previstas em lei. A simples menção a outra lei  significa que a Comissão resolveu  não tratar do assunto (já  havia um projeto perto de ser aprovado, que resultou  na Lei 10.054,  de 7 de dezembro de 2000). A importância do dispositivo do código  novo reside apenas em precisar o momento adequado para a identificação,  bem como  deixar claro que somente o indiciado pode ser identificado,  nunca o investigado.  Este dispositivo revoga o inciso VIII do  atual art. 6o.

5            A verificação  da personalidade do indiciado e  comunicação de endereço.

6            Em  seguida, o  § 3o do art. 8o estabelece  que deve ser investigada a vida  pregressa do indiciado, ocasião  em que serão verificadas as oportunidades  sociais que lhe foram  oferecidas. Devem ser obtidas informações do ponto de  vista  individual, familiar e social, sua condição econômica, e outros  dados que  contribuam para a verificação de sua personalidade.O  § 4o estabelece que o indiciado deve ser instruído  quanto à importância de comunicar  e atualizar seu endereço.  Algumas interessantes sugestões foram apresentadas à  Comissão,  mas não puderam ser atendidas diante da ausência de maiores estudos  que pudessem sustentá-las, tanto do ponto de vista técnico-científico,  como em  relação à sua constitucionalidade e praticidade. Uma  das sugestões criava uma  regra mediante a qual a intimação  de que lhe fora atribuída a situação jurídica  de indiciado,  com a advertência do que consta deste § 4o, serviria  de  citação prévia da ação penal, caso o então acusado não  fosse encontrado no  endereço fornecido, fortalecendo-se, assim,  seu dever de comunicar qualquer  alteração. Do ponto de vista  prático, a idéia é ótima, pois evitaria a situação  prevista  no art. 366 e que foi objeto de alteração em projeto próprio  elaborado  pela própria Comissão Pellegrini. Todavia,  é difícil sustentar a tese de  que a intimação pessoal de que  está sendo indiciado supra a futura citação do  processo penal.

7            O prazo para  a investigação  (art. 9o,caput, § 2oincisos III e IV e art.  10o).A fixação de prazo peremptório  para o desenvolvimento das atividades  investigatórias é um dos  pontos polêmicos do projeto, porque alguns pessimistas  entendem  impossível agilizar a investigação criminal. No entanto, as novidades  apresentadas pelo projeto a respeito da desburocratização da  investigação e das  comunicações entre polícia e ministério  público, sem qualquer dúvida,  proporcionarão o exato cumprimento  dos prazos por ele fixados. Um avanço prático  e substancial  é revelado, logo no caput do art. 9o, que fixa  como termo a quo o momento em que a autoridade policial  toma conhecimento  da infração penal (ocorrência policial),  enquanto que, no atual sistema, o prazo  conferido ao dirigente  da investigação começa no dia que ele próprio determina  (a  instauração do inquérito).Assim, a autoridade policial fica obrigado  a lavrar  o termo circunstanciado ou instaurar o inquérito policial  no prazo de 10  dias, contado do dia em que a comunicação  da infração é realizada, ou seja,  quando a polícia recebe  o requerimento do ofendido ou de quem tenha capacidade  para representá-lo,  a requisição do ministério público, a representação, a  requisição  do Ministro da Justiça, o requerimento de quem tenha qualidade  para  oferecer queixa-crime ou a simples comunicação por qualquer  do povo.Após a  instauração do inquérito, a autoridade que  o presidir dispõe de 20 dias para realizar todas as diligências  necessárias. Imprimindo a nova filosofia de  investigação ágil  e transparente, esse tempo será mais do que suficiente. Se o  indiciado  estiver preso, a investigação criminal deve terminar aqui. Caso  esteja  solto, decorridos os 20 dias, o inquérito será enviado  ao ministério público,  mas a polícia poderá prosseguir nas  diligências que vem realizando e realizar  novas, sem necessidade  de qualquer pedido de baixa ou de autorização. Deverá,  tão  somente, especifica essas diligências, para que delas o ministério  público  tenha conhecimento.As opções de conduta do ministério  público serão analisadas  no tópico seguinte. Ainda sobre o  prazo do inquérito, importa apenas saber se o  ministério público  entendeu oferecer a denúncia de imediato. Caso positivo, a  investigação  se encerra nesse ponto. Em caso negativo, pode aguardar 30 dias para que novas diligências sejam realizadas ou sejam completadas  as que já  haviam se iniciado. Decorridos 30 dias, com a realização  de todas as diligências  necessárias, o ministério público  deverá proceder à sua decisão final: promove o  arquivamento  ou oferece a denúncia. Em conclusão, temos 3 lapsos sucessivos  de  tempo: a contar do conhecimento do fato, a polícia disporá  de 10 dias para  instaurar o inquérito; em seguida, em 20 dias  deverá concluir as investigações e  encaminhar os autos do inquérito  ao ministério público; em um terceiro estágio,  caso seja necessário  e se trate de indiciado solto, a polícia dispõe de 30 dias  para  concluir todas as diligências necessárias para deslindar os fatos  e a  investigação criminal estará concluída. O art. 10 do novo  código resume  objetivamente tudo o que foi exposto: o inquérito  policial, em qualquer caso,  deverá ser concluído no prazo de  sessenta dias, contados do conhecimento da  infração penal pela  autoridade policial, salvo se o indiciado estiver preso,  quando  o prazo será de vinte dias.O prazo total de 20 dias para o  réu preso  significa que, neste caso, todas as diligências devem  ser concluídas nesse  período e, recebendo os autos, o ministério  público deverá oferecer logo a  denúncia ou promover o arquivamento.  Restará sempre a possibilidade de as  diligências já concluídas  não serem suficientes para o ministério público formar  sua  convicção sobre a viabilidade da ação penal, mesmo tratando-se  de indiciado  preso. Neste caso, segundo a técnica, o ministério  público poderá requisitar  novas diligências, que deverão ser  concluídas no prazo de 30 dias, mas, por  certo o indiciado deverá  ser posto em liberdade, pois terá sido extrapolado o  prazo para  as investigações. Em sentido contrário posicionam-se aqueles  que  entendem que o correto é somar todos os prazos, para que  somente seja  considerado excesso se houver decorrido o tempo previsto  para toda a atividade  persecutória, desde a prisão, até a sentença.  Essa tem sido a posição  majoritária da jurisprudência em face  do código em vigor. Entendemos, no  entanto, que não é essa  a intenção do projeto, que, mesmo diante desta realidade  jurisprudencial,  insiste em fixar prazos para cada ato, isoladamente. Por certo,  a intenção dos autores do projeto é que cada prazo seja realmente  cumprido e,  para tanto, as conseqüências devem ser isoladas.  Não se pode permitir o excesso  abusivo de prazo para a investigação  criminal quando nem sequer há indícios  suficientes para o oferecimento  da denúncia. A prisão cautelar é uma exceção, a  regra é  a liberdade.Importante indagação se faz a respeito da possibilidade  de  não ser suficiente o prazo total de 60 dias, rigorosamente  fixado pelo projeto.  Há, no entanto, algumas observações que  devem ser promovidas, sobretudo no  sentido de determinar a observância  das demais disposições fixadas neste mesmo  projeto. Quando se  proclama por maior prazo para o inquérito, logo se vêem em  mente  os casos de crimes financeiros, que demandam longas perícias contábeis.  Para isso, no entanto, o projeto prevê, em seu art. 26, adiante  comentado, que a  autoridade administrativa deverá remeter as  peças de informação diretamente ao  ministério público. Nesses  casos, a apuração será toda ela realizada pela  própria administração,  prescindindo-se, em regra, do inquérito policial.Conforme    se disse supra, o projeto impõe uma disciplina investigatória  moderna,  despreendida dos ranços burocráticos atuais. Os depoimentos  testemunhais serão  singelos, orais, resumidos e sem necessidade  de transcrição escrita, mas, no  máximo, gravados em vídeo  ou audiovisual. Por outro lado, outro projeto do mesmo  conjunto  de propostas elaborado pela Comissão Pellegrini prevê que o juiz,  antes  do recebimento da denúncia, poderá realizar diligências  instrutórias, o que  significa que eventual omissão da investigação  criminal será suprida nesta  ocasião.Qualquer lei nova somente  será útil se acompanhada de mudança de conduta  e de mentalidade  por parte de seus operadores. Analisar a aplicabilidade dos  novos  prazos para o inquérito somente será uma tarefa construtiva se  os olhos se  voltarem para o futuro e se os responsáveis pela  administração pública  (Executivo, Ministério Público e Judiciário)  se derem conta de que possuem uma  importante tarefa a cumprir.

8            A definição dos papéis na persecução  penal.A polêmica tese sobre  a transferência da responsabilidade  pela investigação criminal para o Ministério  Público não  foi absorvida pela Comissão. O projeto define, precisamente, os  papéis concernentes à persecução penal. Simplificando a linguagem,  a polícia  investiga, o promotor acusa e o juiz julga. Por outro  lado, seguindo a técnica  de freios e contrapesos, foi  estabelecido um certo equilíbrio, com vistas  a valorizar as atividades  de controle (transparência) e, acima de tudo,  proporcionar agilidade  à investigação.Em decorrência dessa orientação, à polícia  foi atribuído somente o papel de investigar, mas foi mantido  o canal de  comunicação direta com o juiz (com o objetivo de  não prejudicar o escopo da  agilidade); ao ministério público  foi atribuído o papel de acusar, decidindo  sobre o arquivamento,  sem qualquer participação do juiz (conforme se verá  adiante  nos comentários ao art. 28) e de controlar a atividade policial  (em  obediência ao art. 129, inciso VII da Constituição Federal),  mas não lhe foi  estabelecido o papel de investigador. O ministério  público possui ampla  liberdade (conforme já acontece com o código  atual) de requisitar qualquer  diligência que entenda necessária,  mas o código não lhe confere a função de, ele  próprio, proceder  à investigação; ao juiz foi atribuído o papel de decidir  quanto  ao recebimento da acusação, ao pedido de medida cautelar e, como  é  natural, o papel de julgar o acusado, jamais interferindo diretamente  na  investigação, nem tampouco, no exame da viabilidade de ser  proposta a ação  penal. De acordo com o novo texto, o arquivamento  não será mais apreciado pelo  juiz. Atualmente os autos do inquérito  policial são remetidos ao juiz e a ele é  dirigido o requerimento  da polícia para a realização de qualquer diligência.  Trata-se  de séria distorção da função jurisdicional, que somente deve  atuar  quando se tratar de restrição ao direito aos bens e liberdade  das pessoas,  consoante disposto no art. 5o, incisos  XXXV e LIV. A jurisdição  somente é obrigatória quando a atividade  administrativa pretende atingir bens ou  liberdade e o atingido  poderá recorrer ao judiciário sempre que houver lesão ou  ameaça  aos seus direitos. Fora desses casos, pode e deve atuar livremente  qualquer autoridade pública, desde que, evidentemente, aja nas  hipóteses e forma  prescritas em lei.Não é, pois, necessária  autorização judicial para se  desenvolver a investigação criminal.  Esta autorização somente se fará necessária  quando, para a  investigação bem sucedida, for imprescindível invadir a esfera  de  direitos fundamentais de alguém. Nestes casos, já diz o código  (art.  10, § 2o do projeto ora comentado e todas  as disposições do projeto  sobre medidas cautelares) que somente  se pode agir por ordem judicial. Em geral,  no entanto, procede-se  a investigação sem qualquer interferência judicial. No  mesmo  sentido, entende-se que as disposições do código de 1941 referentes  ao  controle do inquérito policial pelo juiz, sobretudo as que  se referem à remessa  dos autos e ao pedido de autorização para  a realização de diligências (exceto as  que atingem bens e direitos  de qualquer pessoa) não foram recepcionadas pela  Constituição  Federal de 1988.

9            A remessa dos  autos ao Ministério Público e a  continuidade da investigação  sem entraves burocráticos (art.9o,  § 1o).A princípio  pode-se pensar que o projeto não está apresentando nenhuma  inovação,  pois o sistema vigente já prevê as hipóteses arroladas no §  2o do art. 9o (denúncia, arquivamento ou  novas  diligências). Todavia, sutis diferenças, apresentadas  no § 1o,  certamente proporcionarão uma enorme transformação  na atividade de persecução  penal. Os autos da investigação  serão remetidos diretamente ao ministério  público e não mais  por intermédio do juiz, como ocorre hoje. É certo que em  alguns  estados isso já acontece, mas trata-se de acordos isolados, que  passam ao  largo das disposições legais. Com a vigência do novo  código, a prática que hoje  depende da boa vontade de corregedores  passará a se constituir na regra geral.A  remessa do inquérito  à Justiça, onde são, simplesmente, registrados e  encaminhados  ao ministério público, tem sido motivo de enorme retardamento  da  investigação criminal. A proposta, mais uma vez, deixa para  trás a mentalidade  burocratizante. Afinal, a investigação destina-se  a oferecer subsídios para o  órgão acusador e não há qualquer  justificativa de ordem prática ou teórica para  determinar a  participação do juiz, que, em realidade, nada faz, senão somente  servir de intermediário e cartorário.Outro fator de retardamento  da  investigação, o que geralmente ocasiona sérias lesões à  sua qualidade, tem sido  o "sobe e desce" físico dos autos. A  polícia envia os autos ao juiz, que  simplesmente os registra  e os remete ao ministério público. Este, por sua vez,  apõe  a sua tradicional cota "pela baixa" e devolve os autos à  Justiça,  que os devolve à autoridade policial. O resultado é  que, geralmente, demora-se  mais com a subida e descida dos autos  do que com a realização das diligências  solicitadas.O projeto  corta esse mal pela raiz. Não há mais pedido de baixa. Ao  remeter  os autos da investigação criminal especificando diligências que  ainda  precisam ser realizadas ou completadas, a autoridade policial  não deve cessar as  atividades que já vem realizando e pode,  independentemente de qualquer  autorização, realizar as novas  diligências especificadas. À medida que a polícia  realiza ou  completa cada diligência, deve transmitir seus resultados,  imediatamente,  ao ministério público. Por outro lado, se o ministério público  entender desnecessárias tais diligências, oferecendo, desde  logo, a denúncia ou  arquivando a investigação, está obrigado  a comunicar essa sua opção,  imediatamente, à autoridade policial,  de forma a evitar que sejam procedidas  novas diligências desnecessariamente.Para  a realização de novas diligências ou  complementação das que  já vem sendo realizadas, a autoridade que preside a  investigação  não necessita dos autos correspondentes. Eles permanecem com o  ministério público, não retornando à origem. Pode-se reproduzir  as peças  necessárias antes da remessa da investigação ao ministério  público. Isso evitará  o tempo perdido com o mencionado "sobe  e desce" dos autos. Na era da  informática, tudo é registrado  no computador da polícia e vão ao ministério  público apenas  as "impressões". Dentro em breve isso sequer será necessário  e o  ministério público terá acesso direto ao "sistema" policial.  Essa evolução é  simples e barata, já sendo realidade em vários  lugares do Brasil.Esse novo  sistema impõe uma radical mudança  de mentalidade em todos seus operadores.  Evidentemente, a lei  não pode fazer tudo. Ela cria mecanismos e retira  exigências  burocráticas, liberando os atores do processo para valerem-se de  sua  inteligência, bom senso e criatividade. A operação do sistema  é que dirá sobre o  acerto das novas idéias.

10        As opções de conduta do  ministério  público quando recebe os autos da investigação criminal (art.  9o, § 2o).

O parágrafo  2o do  artigo 9o do projeto prevê as quatro  condutas possíveis ao ministério  público, quando este recebe  o inquérito policial:

a             oferecer a  denúncia;

b            promover o arquivamento da investigação, consoante  o art.  28;

c             aguardar por até trinta dias  as diligências especificadas pela  autoridade que presidiu a investigação;

d            requisitar, fundamentadamente, a realização de diligências  complementares, indispensáveis ao oferecimento da denúncia,  que deverão ser  realizadas em, no máximo, trinta dias.

1            O oferecimento  da denúncia.A primeira opção é a mais  simples, porém,  levadas em consideração as novas disposições a respeito do  recebimento  fundamentado da denúncia (contidas no projeto sobre Procedimentos),  por certo o ministério público terá que reavaliar sua atual  estratégia, tanto  quanto em relação a redação da denúncia,  quanto a tradicional cota promovida, hoje, somente com  o objetivo de anunciar a juntada da peça inicial.  De acordo com  o projeto de procedimentos, o juiz deverá citar o acusado antes  de  receber a denúncia, concedendo-lhe oportunidade para realizar  uma verdadeira  defesa prévia. Após receber esta defesa o juiz  poderá realizar uma  mini-instrução, se for necessária, podendo  ouvir o acusado e testemunhas. Em  seguida, fundamentadamente,  receberá ou rejeitará a denúncia.Sempre que uma lei  determina  que o juiz fundamente sua decisão, as partes interessadas devem,  ao  menos por estratégia, apresentar seus argumentos da forma  mais clara e ampla  possível, com vistas a convencer o juiz e  fornecer-lhe os subsídios necessários  à sua fundamentação.  Pelo projeto, a decisão do ministério público em oferecer a  denúncia  se pautará pelo equilíbrio entre a necessidade de fundamentação  da  decisão de receber a denúncia e a possibilidade de realização  da mini-instrução,  conforme supra discorrido.

2            O  arquivamento da investigação criminal.A segunda alternativa  para  o ministério público é promover o arquivamento da investigação,  o que fará  sempre que convencer-se da inexistência de base razoável  para o oferecimento da  denúncia e, conseqüentemente, para seu  recebimento fundamentado pelo juiz. O  inciso II do § 2o do art. 9o do novo texto apresenta  referência expressa  ao art. 28, dispositivo radicalmente alterado pela Comissão  Pellegrini. Este tema, então, será mais amplamente comentado  infra, quando se tratar do artigo referido.A priori, no  entanto, deve-se  esclarecer que, em consonância com o novo art.  28, que esgota no Ministério  Público a análise da viabilidade  da acusação, o dispositivo ora comentado  vale-se da expressão promover o arquivamento e não requerer o  arquivamento,  como está contido no código vigente. A simples utilização do  vocábulo "promover" indica que o ato do arquivamento deixa  de ser  complexo e passa a ser de atribuição exclusiva da instituição  do Ministério  Público.

3            Novas  diligências.Os incisos III e IV do §  2o do  art. 9o do projeto dizem respeito à terceira e  quarta  opções para o ministério público, possuindo um traço em comum.  Se  persistirem dúvidas e os elementos da investigação não  forem suficientes para  sustentar a denúncia, nem houver inequívoco  fundamento para o arquivamento, os  fatos podem ser melhor esclarecidos  com a realização de novas diligências.De  acordo com o inciso  III, o ministério público poderá aguardar as diligências  especificadas  pela autoridade que presidiu a investigação. Já o inciso IV se  refere às diligências requisitadas pelo órgão de acusação.  Em ambos os casos, o  prazo para a realização das diligências  é de 30 dias.

4            Diligências especificadas  pela autoridade que preside  a investigação.A especificação  de diligências pela autoridade dirigente da investigação  foi  bem descrita no item anterior, mas alguns esclarecimentos devem  ser  acrescentados.Após remeter os autos da investigação criminal  ao ministério  público, a autoridade policial tanto poderá prosseguir  nas diligências em  andamento, como poderá iniciar outras que  entender necessárias. Pode acontecer,  ainda, que alguma diligência  implique na necessidade da realização de outra.  Exemplo: a diligência  de busca e apreensão de documentos proporcionará a  necessidade  de perícia nesses documentos. Isso quer dizer que o dinamismo  indispensável  à uma boa investigação foi incentivado pelo projeto. Impõe-se  a  agilidade e não se impede a livre atividade policial em nome  da economia de  tempo.De acordo com a sistemática atual, após  os 30 dias iniciais do inquérito,  a policia está obrigada a  requer ao juiz a realização de qualquer diligência e o  juiz  somente se pronuncia após a manifestação do ministério público.  O projeto,  no entanto, valoriza, sobremaneira, o trabalho da polícia,  que poderá realizar  qualquer diligência sem qualquer autorização  do juiz ou do ministério público  (exceto as medidas cautelares,  que exigem a autorização judicial). Os autos da  investigação  são remetidos ao ministério público, mas a polícia, ato contínuo,  prossegue com as diligências que entender necessárias.

5            A  requisição fundamentada de novas diligências pelo  ministério  público.

Da mesma forma que é  possível  à autoridade policial especificar diligência, mas o ministério  público  pode considerá-las desnecessárias, oferecendo logo  a denúncia ou promovendo o  arquivamento (ver comentários no  próximo item), o contrário, também, pode  acontecer, ou seja,  a polícia pode dar por concluída uma investigação e o  ministério  público entender que ainda é necessária alguma diligência  complementar,  para dar suporte à denuncia ou ao arquivamento. Neste caso,  requisitará,  fundamentadamente, a diligência, mas os autos da investigação  não  retornarão à origem. Bastará uma simples comunicação  à polícia, requisitando as  diligências.A fundamentação exigida  pelo dispositivo, evidentemente, não é  dirigida ao presidente  do inquérito, pois este não pode recusar-se a atender à  requisição  do ministério público. Na realidade, não há como forçar o ministério  público a optar, desde já, pelo arquivamento ou oferecimento  da denúncia. Se  este órgão ainda não se convenceu da existência  de base para o oferecimento da  denúncia ou arquivamento, resta  atender à sua requisição. Para tanto, a  requisição será  especificada, vedando-se ao ministério público simplesmente  requisitar  "novas diligências", genericamente mencionadas. Há que detalhar  a sua  requisição. Se a polícia deu por encerrados seus trabalhos  e o ministério  público não sabe qual diligência seria necessária  para sustentar a peça  acusatória, então deverá promover ao  arquivamento da investigação criminal. A  fundamentação está  prevista, neste dispositivo, como reafirmação da legitimidade  do ministério público, pois toda a sua atuação deve ser fundamentada,  sendo-lhe  vedado agir por seu livre arbítrio. O ministério público  tem o dever de buscar a  punição devida aos que são apontados  com autores dos diversos delitos. Sempre  que deixar de agir nessa  direção deve estar pautado por uma sólida razão. Sua  fundamentação  é dirigida à sociedade, como uma satisfação pelo não oferecimento  imediato da denúncia. Da mesma forma que ocorre quando a própria  polícia  especifica novas diligências e, ao final, remete seu  conteúdo em autos  suplementares, quando o ministério público  requisita o prosseguimento das  investigações, os autos não  retornam à polícia e o resultado das diligências  requisitadas  serão encaminhadas em autos suplementares, aplicando-se o §  4o às situações previstas nos incisos III e IV.

1            Oferecimento  de denúncia não obstante aa requisição de  diligências (art. 9o, § 3o). O projeto diz que a  requisição de novas diligênciasnão obsta ao oferecimento da  denúncia. Esta é a hipótese  em que, passados os 20 dias iniciais de  investigação, a polícia  encaminha os autos correspondentes ao ministério  público, especificando  diligências que está, ainda, realizando, ou que irá  proceder,  tudo na conformidade do inciso III do § 2o do art.  9o. Observa-se, pois, no § 3o, uma incoerência  na  linguagem. O § 3o usa a expressão "requisição de  diligências, na forma prevista no parágrafo anterior",  mas está se referindo  apenas às diligências mencionadas no  inciso III deste parágrafo anterior e este  dispositivo trata  das diligências especificadas pela autoridade que  presidiu  a investigação e não de diligências requisitadas.A autoridade  policial não requisita novas diligências. De acordo com o projeto,  essa prática,  prevista no código em vigor, será totalmente  abolida. Esta autoridade, se  entender que deve prosseguir nas  diligências, prossegue, normalmente suas  atividades e apenas  envia comunicação ao ministério público, especificando as  diligências que ainda não concluiu e aquelas que sequer começou  a  praticar. Neste caso, diz o § 3o do art. 9o,  o ministério  público não estará obrigado a aguardar a realização  de tais diligências, pois  ele é quem, por incumbência constitucional  e legal, saberá se os elementos de  informação que dispõe já  são suficientes para sustentar a peça acusatória. Se  assim  for o ministério público oferecerá, desde logo, a denúncia,  comunicando o  fato à autoridade que presidiu a investigação  criminal, que cessará suas  atividades imediatamente.

2            Autos  suplementares (art.  9o, § 4o).Encerrada  a investigação,  com a realização das diligências a que se  referem os incisos III e IV supra  comentados, a autoridade policial  fará novo relatório, remetendo-o ao ministério  público, juntamente  com as peças elaboradas, documentos juntados e fitas que,  porventura,  tenham sido gravadas. Os autos suplementares a que alude o  § 4o,  bem como os autos originais da investigação criminal não serão  como os atuais, repletos de papel. O conceito de documento já  foi alterado pela  sociedade moderna e o projeto do novo código  procura ser contemporâneo.  Oferecimento de denúncia não obstante  aa requisição de diligências  (§ 3o).

3            Condutas  possíveis ao ministério público após a  realização das diligências  complementares (art,  9o, § 5o).Com  o novo código, não  haverá qualquer possibilidade de se proceder  ao ping-pong praticado  atualmente, com a subida e descida dos autos do inquérito por vezes  infinitas. Vamos, primeiro,  recapitular as fase e os prazos, conforme comentário  ao art.  10 supra (item 14): o registro da ocorrência ocorre imediatamente  após a  comunicação do fato; o inquérito é instaurado até  10 dias após o registro da  ocorrência; em 20 dias, a investigação  é remetida ao ministério público; se  novas diligências forem  necessárias e o iniciado solto, aguarda-se mais 30 dias,  no máximo.  Depois, então, desses 60 dias, a investigação tem que estar concluída  e o ministério público, conforme disciplina o § 5o ora comentado,  recebendo os autos suplementares da investigação,  após efetivamente realizadas  as diligências especificadas ou  requisitadas, somente poderá oferecer  denúncia ou promover  o arquivamento. O projeto não menciona qualquer  possibilidade  de retorno à polícia ou requisição de novas diligências.É  muito  importante retornar à atenta leitura das disposições  deste projeto, juntamente  com os outros seis que foram elaborados  pela Comissão Pellegrini, para  que se compreenda a factibilidade  das últimas duas disposições comentadas: prazo  total de 60  dias e impossibilidade de novas diligências.Em primeiro lugar,  deve-se retornar aos dispositivos sobre a desburocratização  e agilização da  investigação criminal. Com a nova lei, os  depoimentos poderão ser informais. Não  será mais necessário  retornar os autos do inquérito à polícia para o depoimento  formal  de uma testemunha que já foi entrevistada informalmente pelo agente  de  polícia. Essa entrevista informal será o depoimento único  que esta testemunha  prestará na fase policial. Com a aplicação  adequada dessa nova orientação, o  tempo da investigação será  reduzido drasticamente.Ainda que seja necessário  colher um depoimento  formal e pormenorizado, o projeto estabelece que este  depoimento  não será transcrito, como ocorre hoje. No lugar de ditar todas  as  respostas a um escrivão, que datilografa ou digita o depoimento,  este será  gravado em áudio ou audiovisual e a respectiva fita  será enviada, na íntegra ao  ministério público, proporcionando,  além da fidelidade da informação, grande  fator de agilização.As  investigações prosseguem mesmo com a subida dos autos  para o  ministério público, sem provocar solução de continuidade e,  conseqüentemente, os autos da investigação não retornam à  polícia para a  realização de novas diligências. A inexistência  de interrupção implicará na  maior agilização.Estas e outras  inovações do projeto proporcionarão uma rápida  investigação,  aumentando a qualidade de seu resultado. O tempo menor significa  a  probabilidade maior de todas as diligências necessárias serem  efetivadas dentro  do prazo total de 60 dias. A melhor qualidade  significa a probabilidade de não  ser necessário requisitar novas  diligências.Adiantando os olhos ao disposto no  art. 26 reformado,  que determina à autoridade administrativa a remessa dos  processos  administrativos diretamente ao ministério público, quando se tratar  de  crime contra o sistema financeiro nacional, a ordem econômica  ou tributária.  Esses costumam ser os casos em que é necessária  uma longa investigação,  sobretudo pela necessidade de perícias  complexas, mas a nova disposição exclui  qualquer atividade policial  na apuração, considerada, hoje, desnecessária. A  remessa direta  ao ministério público significa, porém, que todas as diligências  devem estar concluídas, pois, caso contrário, se o ministério  público requisitar  qualquer complementação, o prazo de 30 dias,  previsto no art. 9o, §  2o, inciso IV, deve  ser rigorosamente cumprido.

4            As  alternativas do ofendido diante da inércia da  polícia e do ministério  público (art. 10, § 1o e art. 14).O caput do  art.  10o do projeto trata do prazo total para o inquérito,  fixando-o em 60  dias quando se tratar de indiciado solto e em  20 dias quando preso. Antes, em  diversas disposições, trata-se  dos prazos intermediários, que somados, resultam  no prazo fixado  no art. 10 (ver comentários supra, itens 14 e 17). Esses prazos  são dirigidos, especialmente, à autoridade que preside o inquérito.Em  todos os  casos, no entanto, a polícia judiciária é chamada  a atuar, com prescrições e  prazos determinados. Configura-se  abuso qualquer descumprimento injustificado  dos prazos. Diante  dessa possibilidade, o novo código prevê a possibilidade de  opção  por parte do prejudicado, podendo ele dirigir-se à autoridade policial  superior ou ao ministério público. Poderá, também, evidentemente,  primeiro  dirigir-se à autoridade policial superior, para depois,  caso não seja atendido,  representar ao ministério público.O  projeto não apresenta nenhuma novidade neste  sentido. O recurso  à autoridade policial superior é decorrência do sistema  administrativo.  Em qualquer repartição, não sendo devidamente atendido, o  cidadão  que se sentir prejudicado pode e deve recorrer ao superior hierárquico.  Também não é novidade que qualquer pessoa pode dirigir-se ao  ministério público  requerendo sua interferência no inquérito  policial, visando ao êxito das  investigações e a responsabilização  dos que estão descumprindo as regras  vigentes, inclusive a que  concerne aos prazos. O ministério público possui  atribuição  para agir em face de qualquer serviço público, quando constata  que os  direitos do cidadão não estão sendo respeitados. Para  tanto, a Lei Complementar  75, de 1993, criou o cargo de Procurador  Federal dos Direitos do Cidadão. A  atuação do ministério público  de controle sobre o inquérito policial é  decorrência das regras  gerais sobre as atribuições deste órgão, bem como da  disposição  constitucional específica constante do art. 129, inciso VII.A norma  do § 1o do art. 10 é ampla, pois abrange qualquer  dos prazos  assinados à polícia judiciária. Enquanto este  dispositivo cuida de fazer  valer os prazos, o art. 14 dispõe  sobre o direito do ofendido, investigado e  indiciado requererem  à polícia ou ao ministério público a realização de qualquer  diligência.Note-se, então, que não somente o ofendido pode  requer diligências,  mas, igualmente, o investigado e o indiciado.  Isso quer dizer que o serviço  público da polícia judiciária  visa a obtenção da verdade e a defesa dos valores  sociais protegidos  pela Constituição Federal e pelas leis do país. Não importa  se a diligência requerida será de valia à acusação ou à  defesa, a investigação  será realizada.O parágrafo único do  art. 14 estabelece disposição semelhante à  do art. 10o,  § 1o, pois faculta ao prejudicado, quando seu  pedido  de diligência for indeferido, recorrer à autoridade policial superior  e/ou representar ao ministério público. Em outras palavras,  não somente quando o  prazo for descumprido, mas quando for indeferido  algum requerimento de  diligência, aquele que se vê prejudicado  pode valer-se do recurso administrativo  ou da representação  ao ministério público, podendo, igualmente, apresentar  primeiro  o recurso e, caso não atendido, representar ao ministério público.O  ministério público pode requisitar qualquer diligência e sua  requisição jamais  poderá deixar de ser atendida, pois, sendo  o autor da ação penal, é de sua  responsabilidade obter as provas  necessárias ao recebimento da denúncia e, mais  tarde, à procedência  de seu pedido de condenação. Podendo requisitar diligências ex  officio, evidentemente, pode, também, o ministério público  requisitá-la em decorrência de uma representação que lhe é  dirigida pelo  interessado.

5            Diligências  que dependem de autorização judicial (art.  10o, § 2o e art. 13, inciso IV).Trata-se de disposição que  tomou  dias de discussão no seio da Comissão de Reforma do Código de  Processo  Penal. O art. 129, inciso I, da Constituição Federal  é claro ao dispor que é  função institucional do ministério  público promover, privativamente, a ação  penal pública,  na forma da lei. Tão logo foi promulgada a Constituição,  o  Colégio de Procuradores de Justiça do Brasil proclamou o fim  do processo penal  de iniciativa do juiz e do delegado de polícia,  prevista pelo ordenamento  vigente. Não houve resistência, nem  questionamentos. Os juizes e delegados,  desde 5 de outubro de  1988, não baixaram qualquer portaria iniciando algum  processo  penal.Todavia, um resquício do sistema anterior continua se operando  na  prática e o projeto, data venia, não logrou suprimi-lo  definitivamente.  Trata-se do pedido de prisão e outras medidas  cautelares promovido diretamente  pelo delegado de polícia. Ação  cautelar é ação penal e qualquer iniciativa para  provocar a  jurisdicão, seja ela de conhecimento, cautelar ou de execução,  nos  termos do inciso I do art. 129 da Constituição Federal,  é privativa do  Ministério Público.A Comissão Pellegrini desenvolveu um projeto tratando  exclusivamente da prisão, medidas  cautelares e liberdade. O art. 282, §  2o deste projeto  estabelece que as medidas cautelares serão  decretadas de ofício,  a requerimento das partes ou, quando cabível, por  representação  da autoridade policial. Coerentemente, o § 2o do  art. 10, ora comentado, dispõe de forma semelhante.Diz esse dispositivo  que as diligências que dependerem de autorização judicial  serão requeridas ao  juiz competente pelo ministério público,  autoridade policial, ofendido,  investigado ou indiciado. A  regra é clara e dispensa maiores comentários:  qualquer desses  nominados é parte legítima para propor ação cautelar visando  a  autorização das diligências que somente podem se realizar  por ordem  judicial.Segundo nossa crítica, somente o investigado,  indiciado e o ministério  público são constitucionalmente legitimados  para tal medida. O ministério  público porque é titular exclusivo  da ação penal, seja ela de que natureza for.  O investigado e  o indiciado porque são parte passiva da ação penal e como se  sabe, tanto autor quanto réu da ação principal são legitimados  para propor a  ação cautelar.O ofendido, atuando como assistente  da acusação, igualmente assume  o pólo ativo da relação processual,  estando, pois, legitimado para a ação  cautelar.Dos que estão  relacionados no § 2o do art. 10 ora comentado,  somente  a polícia não tem legitimação para a ação penal. Não poderia,  então, ser  legitimada para a ação cautelar. Todavia, não foi  essa a orientação que dominou  na Comissão e o texto proposto  é claro ao dizer que as diligências que  dependerem de autorização  judicial serão requeridas ao juiz competente pelo  ministério  público, autoridade policial, ofendido, investigado ou  indiciado.

6            Providências cartoriais (arts. 11 e  12).Os artigos 11 e 12 do  projeto referem-se a algumas providências  que devem ser tomadas pelo cartório ou  secretaria do juízo.  O art. 11 do projeto praticamente repete o atual, apenas  substituindo  a expressão "instrumentos do crime" por "instrumentos da infração  penal". A modificação, apenas terminológica, utiliza-se do  termo mais apropriado  tecnicamente.Os instrumentos a que se refere  este dispositivo são aqueles que  foram utilizados na prática  da infração e que, naturalmente, já passaram pelo  exame pericial.  Por outro lado, a expressão "objetos que interessarem à prova"  refere-se aos objetos que, em si, já se constituem em prova.  Todos esses objetos  e instrumentos devem ser remetidos ao ministério  público, para onde são  encaminhados os autos da investigação  e devem, obrigatoriamente, acompanhá-los,  quando do oferecimento  da denúncia, permanecendo em poder da Justiça até o  trânsito  em julgado da decisão.O art. 12 do projeto determina que os  autos da  investigação instruirão a denúncia ou a queixa, sempre  que lhe servirem de  base. A alteração promovida, igualmente,  é apenas terminológica. Em primeiro  lugar substituiu-se a expressão  "inquérito policial" por "autos da  investigação".  Essa alteração destina-se a compatibilizar o novo código com  a novidade introduzida pela Lei 9.099, de 1995, que instituiu  os juizados  especiais e determinou que a atividade policial para  as infrações penais de  menor potencial ofensivo se processe  mediante termo circunstanciado.  Havendo, hoje, duas espécies,  a lei deve referir-se ao gênero quando se referir  às duas.A  segunda alteração apenas substitui a expressão " uma ou outra"  pelo pronome "lhe", visando a aperfeiçoar a linguagem.Importante  observação se faz necessário, sobretudo para aqueles que acompanharam,  desde o  início, os trabalhos da reforma. A primeira proposta  da Comissão  Pellegrini em relação ao projeto sobre Procedimentos  incluía um comando para  o desentranhamento do inquérito policial  após o recebimento da denúncia, para  que não "contaminasse"  o juiz sentenciante, que seria diverso daquele que  admitira a  acusação. Ambas as novidades foram afastadas e o atual projeto  não  determina o desentranhamento do inquérito nem a substituição  de juiz. Tivessem  sido mantidas estas alterações, o inquérito  policial somente acompanharia a  denúncia até o momento em que  esta fosse recebida, retornando, depois, ao  ministério público.  Todavia não se obteve a necessária compreensão da comunidade  jurídica para esta importante proposta, de cunho fortemente garantista.

7            A nomeação de curador para menor (art.  15)Muitos têm sido os  problemas causados pela nomeação  de curador aos indiciados menores de 21 anos. A  lei, hoje, não  faz qualquer restrição a respeito da pessoa que atuará com esse  múnus e tem sido costume a nomeação de servidor da própria  polícia.  Efetivamente, o escrivão de polícia ou outro servidor  deste órgão não tem  condições de agir com a independência  necessária, não possuindo, ainda,  capacidade postulatória para  atuar em favor do menor.O projeto, então, procura  disciplinar  o que já vem sendo aconselhado pela doutrina, trazendo, neste  aspecto,  algumas inovações. O projeto indica que deve ser nomeado,  preferencialmente,  um advogado, vedando a nomeação de pessoa analfabeta e de  servidor  da polícia, do Ministério Público e do Poder Judiciário. A nomeação  de  advogado já vem sendo a orientação da doutrina e jurisprudência,  que, não  considerando nula a nomeação de curador leigo, observa  que melhor seria a  nomeação de um profissional que possua capacidade  postulatória plena. Não  poderia, no entanto, o projeto, impor  a nomeação de advogado, pois, como se  sabe, são inúmeras as  circunscrições policiais onde não há advogado residente.  Espera-se  que a norma do art. 15, embora tenha uma redação programática,  seja  bem interpretada pelas autoridades policiais, a ponto de  somente nomearem  curador leigo quando for realmente impossível  encontrar um advogado na  localidade.O projeto diz, ainda, que  não poderá ser curador pessoa analfabeta.  Esse dispositivo,  aparentemente, seria dispensável, mas nem sempre o bom senso  tem  vigorado na hora da escolha do curador e, por incrível que pareça,  pessoas  analfabetas têm sido nomeadas para assistir menores,  inclusive na ocasião em que  prestam suas declarações. Considerando  que as declarações do indiciado, hoje,  são sempre transcritas,  colhendo-se sua assinatura, é inadmissível que pessoa  analfabeta  atue na qualidade de curador, pois está impossibilitado de conferir  a  transcrição. O projeto, então, estabelece esta vedação  com o objetivo de regular  uma prática que já tem sido adotada  na maioria esmagadora dos casos, mas não em  todos, infelizmente.O  projeto, veda, igualmente, que seja nomeado curador  qualquer servidor  da polícia, do Ministério Público e da Justiça. Ao tratar dos  problemas que atualmente ocorrem com a nomeação de servidor  da própria polícia,  a Comissão não poderia estabelecer uma  vedação que atingisse somente os  servidores de um órgão. Por  esta razão, ampliou a disciplina da matéria, para  que fossem  atingidos todos os servidores dos três órgãos que participam  do  processo penal. A vedação atinge não somente os servidores  "do quadro", mas  todos aqueles que prestam serviços, ainda que  contratados através de empresas de  mão de obra. Essa observação  é importante, pois tem sido comum a administração  pública  contratar empresas para prestar serviço de limpeza, vigilância  e copa.  Não seria correto que o Delegado de Polícia deixasse  de nomear seu escrivão para  atuar como curador do menor, para  que a escolha recaia sobre a "moça do  cafezinho". Ambos são  servidores da polícia, um servidor estatutário, outro  contratado  indiretamente. Ambos não possuem independência em relação à  autoridade que dirige o inquérito.

8            A  garantia constitucional da fundamentação (art.  16)O  projeto  estabelece, em seu art. 16, sobre a necessidade de fundamentação  para  todos os atos oriundos da polícia e do ministério público.  Trata-se do  desdobramento da garantia constitucional dos atos  judiciais. O art. 93 inciso IV  da Constituição Federal determina  que todas as decisões judiciais serão públicas  e fundamentadas.  Sem a fundamentação o ato é nulo. Grande polêmica, porém, foi  estabelecida a respeito do ato judicial que recebe a denúncia.  Segundo a melhor  orientação doutrinária, a denúncia é recebida  mediante decisão e, por  conseqüência, deve ser fundamentada.  O código proposto elimina qualquer dúvida,  ao estabelecer para  o novo art. 396, no projeto sobre procedimentos, que o juiz, fundamentadamente, decidirá sobre a admissibilidade da acusação,  recebendo ou rejeitando a denúncia ou queixa. Este tema relaciona-se,  plenamente, com o artigo ora comentado. O art. 16 do projeto sobre  a  investigação criminal impõe à autoridade que preside a investigação  e ao  ministério público que indiquem os fatos que os determinarem  e fundamentem todos  os atos por eles praticados. Sabe-se que todos  os atos praticados durante a  investigação visam tão somente  a definição da viabilidade do recebimento da  denúncia. Sendo  o recebimento da denúncia uma decisão fundamentada, não serviria  como fundamentação judicial qualquer referência do juiz aos  atos praticados na  investigação se estes atos, por sua vez,  não tivessem sido cometidos depois de  acurada fundamentação.  Trata-se de uma decorrência lógica. Os atos judiciais  devem  ser fundamentados, portanto os atos que sustentam as decisões judiciais,  igualmente, assim devem ser.A autoridade que preside a investigação  deve  fundamentar, por exemplo, o ato que especifica diligências  que ainda devem ser  praticadas na investigação. Ao fazê-lo,  está se dirigindo ao ministério público,  pois somente a este  compete decidir se as diligências são ou não necessárias  para  o exercício da ação penal. Mesmo assim, a fundamentação para  a  especificação de novas diligências se constitui em um ato  autônomo e destina-se,  também, a legitimar o trabalho da autoridade  que dirige a investigação. A  fundamentação é uma satisfação  que se dá aos superiores hierárquicos, ao  destinatário da investigação  (ministério público ou querelante), ao juiz e, o  que é mais  importante, à sociedade, que espera que seus servidores somente  pratiquem atos necessários e úteis.O mesmo ocorre com o ministério  público.  Embora seja ele quem decida sobre a viabilidade da propositura  da ação penal,  buscando obter, antes, todos os elementos necessários,  deve, sempre, fundamentar  seus atos, sobretudo quando se dirige  à autoridade policial para requisitar  alguma diligência. Não  que esta autoridade tenha o poder de avaliar a  fundamentação,  pois está sempre obrigada a atender à requisição. Mas é que  as  diligências policiais, como visto acima, por vezes são providências  drásticas e  não podem ser praticadas sem justificativa plausível.  O ministério público,  quando fundamenta suas requisições,  está obrigado a demonstrar, antes, sua  utilidade e necessidade.  Dirige-se, o ministério público, ao delegado de  polícia, mas,  igualmente, aos órgãos superiores de sua instituição, ao juiz  e,  repetindo, à toda sociedade.A fundamentação dos atos da  autoridade policial e do  ministério público consiste, em primeiro  lugar, na indicação dos fatos que os  determinaram. Esses fatos  devem ser descritos pormenorizadamente. Infelizmente,  tem sido  comum, por exemplo, que os pedidos de busca e apreensão em  domicílio sejam acompanhados de "fundamentação" nos seguintes termos:  "agentes  de polícia desta especializada efetuaram campana diante da casa  de  fulano de tal e perceberam movimentação característica do  tráfico de drogas".  Ora, isso não é fundamentação. Se o juiz  acatar esses pobres argumentos estará  transferindo para estes  agentes de polícia o poder de decidir sobre uma medida  cautelar  importantíssima. Os agentes devem descrever pormenorizadamente  os  fatos. O delegado deve até abster-se de utilizar expressões  conclusivas (como  "movimentação característica do tráfico  de drogas), para descrever,  pormenorizadamente, os fatos que justificam  suas conclusões. Quem detém o poder  de avaliar se a movimentação  tal é característica do tráfico de drogas é o juiz  de direito  e não agente de polícia, delegado ou promotor de justiça. A estes  cabe, ao requer a decisão indicar os fatos que determinam o pedido,  deixando sua  qualificação para a autoridade judicial. Como dito  supra, trata-se de um  encadeamento lógico, onde somente a fundamentação  do ato antecedente pode  justificar o ato conseqüente, quando  este é baseado somente naquele.

9            O  arquivamento dos autos e a retomada das  investigações. (arts.  17 e 18)O art. 17 do projeto promove  alterações terminológicas,  sobretudo para alcançar as duas modalidades de  investigação,  valendo-se do termo genérico "investigação criminal", que está  sendo adotado pela Comissão Pellegrini em todo o seu trabalho.  A  investigação criminal se faz mediante inquérito policial ou termo  circunstanciado. Nenhum dos dois poderá ser  arquivado pela polícia, pela  simples razão de que o titular  da ação penal é o ministério público, que age com  exclusividade,  decidindo oferecer a denúncia ou arquivar a investigação.A  proposta  para o novo artigo 18 trás, também, algumas alterações meramente  terminológicas, mas apresenta inovações substanciais. Em primeiro  lugar, pode-se  assinalar que, conforme o novo art. 28, adiante  comentado, o próprio ministério  público promoverá o arquivamento  da investigação, que não será, como hoje, um  ato decorrente  de ordem judicial. Assim substitui-se a frase "depois de  ordenado  o arquivamento do inquérito pela autoridade judiciária" pela  frase  "arquivados os autos da investigação".Em segundo  lugar, observa-se a  substituição do verbo "poderá" pelo "deverá",  ou seja, se a autoridade policial  tiver notícia de outras provas,  está obrigado a proceder a novas diligências. Na  dicção do  código atual, a autoridade policial "poderá proceder a  novas  pesquisas", redação vaga e indefinida. Com a redação  proposta, fixa-se uma  condição precisa: "havendo notícia de  outras provas". Neste caso, então,  autoridade deverá agir,  reiniciando a investigação criminal e a contagem  de novo prazo  para a conclusão.Essa disposição é coerente com a que consta  do  art. 4o proposto, pois todos os comandos do novo  código dirigidos à  polícia partem do ato pelo qual a autoridade  policial toma conhecimento dos  fatos, que estará obrigado a agir  (e com agilidade) desde esse momento. Assim,  fica evidente que,  quando a polícia tiver notícias de novas provas, deverá  iniciar  a nova investigação em, no máximo, 10 dias, encaminhando os autos  ao  ministério público em outros 20, coerente com a disposição  sobre prazos  constantes dos artigos 9o e 10 supra comentados.  Ainda coerente com  as demais disposições do projeto, estabelece-se,  no artigo comentado, que as  novas diligências poderão ser realizadas  de ofício ou mediante requisição do  ministério público. Esta  redação não tem o condão, no entanto, de excluir a  obrigatoriedade  de nova investigação por requerimento do ofendido ou comunicação  de qualquer do povo, consoante dispõe o art. 4o. Como  o art. 18  proposto insere o comando "deverá", sempre que "houver  notícias de novas  provas", caso a noticia seja dada pelo ofendido  ou por qualquer outra pessoa,  fica constatada a obrigação de  agir.Não foi adotada a tese, embora bastante  discutida pela Comissão,  de se adotar a possibilidade do arquivamento definitivo  da investigação.  Tratar-se-ia de um dispositivo que facultaria ao órgão superior  do Ministério Público determinar, nos casos que entendesse conveniente,  o  arquivamento definitivo dos autos da investigação, o que impediria  que se  procedesse a novas diligências, ainda que surgissem novas  provas. A denúncia por  aquele fato jamais poderia ser oferecida.  Essa proposta, como se vê,  apresenta-se como uma medida muito  radical, mas longe de ser despropositada,  está carecendo apenas  de maiores debates, para que não só a comunidade jurídica,  mas  toda a sociedade possa conhecer os argumentos existentes para sua  adoção. Há  casos que indicam a necessidade de se pôr, logo,  uma pá de cal, evitando-se o  desgaste de uma investigação eternizada.  Todavia, entendendo prematura a adoção  do instituto do arquivamento  definitivo, a Comissão Pellegrini entendeu  não introduzi-lo  em sua proposta.

10        A remessa dos  autos à Justiça nos casos de ação penal  privada. (art. 19).Tratando-se  de crime que se  procede mediante ação penal privada, os autos  da investigação, ao invés de  seguirem diretamente para o Ministério  Público, como ocorre quando se trata de  ação penal pública,  seguirão para a Justiça, onde aguardarão providências  daquele  que tem qualidade para promover a ação. É possível, ainda, que  os autos  sejam entregues ao interessado. Essas disposições não  são inovadoras e já  constam do atual art. 19 do Código de Processo  Penal. Altera-se, mais uma vez,  apenas a redação.

11        O  sigilo das investigações e a preservação da  intimidade do  investigado (art 20)O sigilo das investigações  já consta do  código atual. Todavia, a nova redação, especialmente com o  acréscimo  do parágrafo primeiro, imprime à investigação criminal a roupagem  da  Constituição Federal de 1988. Em primeiro lugar, o projeto  esclarece a que  autoridade se refere o caput do artigo.  Enquanto que a lei em vigor fala  em "autoridade", o projeto esclarece  melhor: "a autoridade policial, o  Ministério Público e o  juiz", deixando claro que o comando "assegurarão,  na investigação,  o sigilo necessário ao esclarecimento dos fatos" é a todos  eles dirigido. A quebra do sigilo pode constituir-se em fator  determinante do  fracasso da investigação e aquele que lhe der  causa deverá ser chamado à  responsabilidade. Nem juiz, nem ministério  público nem delegado podem revelar as  informações constantes  da investigação.O parágrafo único atual foi deslocado  para  § 2o, sendo introduzido um novo dispositivo, numerado  como  § 1o, cujo escopo é assegurar a proteção  da intimidade e privacidade,  direitos que não são vedados àqueles  que estão sendo investigados pela prática  de qualquer delito.  O parágrafo primeiro possui uma linguagem bastante ampla,  com  vistas a não deixar qualquer dúvida a respeito de seu objetivo.  Devem ser  preservadas a intimidade, a vida privada, a honra e  a imagem, tanto do  investigado como do indiciado, ofendido e testemunhas.  São responsáveis por  tomar providências para garantir esses  direitos tanto o delegado, quanto o  promotor e o juiz. Não podem,  portanto, estes mesmos, agir em sentido  contrário.A veda qualquer  forma de exposição do investigado, indiciado, ofendido  e testemunhas  aos meios de comunicação. Evidentemente o trabalho da impressa  não  é atingido por este dispositivo, mas a liberdade assegurada  aos meios de  comunicação não pode impor a colaboração dos  servidores e agentes públicos. A  imprensa agirá por seu próprio  esforço, atendendo, igualmente, às normas que lhe  são próprias.  As autoridades públicas são proibidas de expor as pessoas que  fazem parte da investigação criminal, tanto o investigado, quanto  o indiciado,  ofendido e testemunhas, sob pena de responsabilidade.

12        A incomunicabilidade do preso (art.  21).Foi decretado o fim da  incomunicabilidade do preso, resquício  dos regimes autoritários. A Constituição  Federal assegura ao  preso a assistência necessária (art. 5o, LXII e  LXIII)  e até mesmo durante o Estado de Defesa as normas constitucionais  vedam,  totalmente, a incomunicabilidade do preso (CF, art. 136, § 3o,  IV). A  redação atual do código, disciplinando a incomunicabilidade  do preso e seus  limites foi radicalmente substituída pela frase  "É vedada a  incomunicabilidade do preso". Fim de uma página  negra da história do  Brasil.

13        A  desconsideração das barreiras territoriais (art.  22).O  código  atual permite que a autoridade policial ordene diligências em  circunscrição  de outra. Todavia, limita esta permissão ao território da comarca,  ou seja, a polícia somente pode agir em outra circunscrição  que esteja incluída  no território da mesma comarca. O projeto  estende as fronteiras, pois considera  que o limite da comarca  não guarda nenhuma relação com a atividade policial. A  polícia  é estadual ou federal. A polícia federal pode agir em qualquer  parte do  território nacional. A polícia estadual pode agir em  toda a área do estado  correspondente, sem que a lei federal (Código  de Processo Penal) possa impor  qualquer limite. Trata-se das regras  próprias do pacto federativo, insertas na  Constituição Federal  e que não poderiam ser modificadas por uma lei federal  processual.A  redação do projeto é no sentido de retirar o território da  comarca como barreira. Não estabelecendo outros limites,  o que não lhe  competiria fazer, permanecem, como dito, as normas  constitucionais.  Evidentemente que a atribuição constitucional  relativa à segurança pública,  estabelecendo que compete às  polícias civis as funções de polícia judiciária e  de apuração  das infrações penais (art. 144, § 4o), não permite  que a  polícia civil de um estado aja em território de outro.  Mas não havia qualquer  motivo para manter a disposição do código  atual, que limita a polícia ao  território da comarca, que é  uma divisão judicial e não administrativa. A  polícia não está  sob o comando do Judiciário, podendo agir livremente,  independentemente  da jurisdição.

14        As estatísticas  criminais (art. 23).As disposições do atual art.  23 são pormenorizadas  e referem-se ao sistema de remessa dos autos do inquérito  ao  juízo competente. De acordo com os artigos do projeto supra comentados,  deve-se preferir o gênero investigação criminal e os autos  não irão mais ao juiz  e sim, diretamente, ao ministério público.  Só por estas razões, a redação do  art. 23 deveria ser alterada.  Todavia, a Comissão procurou uma redação enxuta,  preferindo  referir-se a órgão competente no lugar de Instituto  de  Identificação e Estatística. Afinal os órgãos públicos  estão sempre mudando  de nome e os governos tem tido o hábito  de reformular continuamente a estrutura  da administração pública,  situação que sugere ao legislador utilizar expressões  genéricas,  como a que está sendo adotada pelo projeto.O Brasil é um país  onde  faltam estatísticas e pesquisas. A norma constante do art.  23 do Código de  Processo Penal demonstra que o legislador sempre  esteve atendo à necessidade de  subsidiar o planejamento da atividade  de persecução penal e da administração  carcerária. Falta,  tão somente, que os dados sejam, realmente, encaminhados,  atualizados  e processados, fornecendo subsídios para o planejamento das ações  administrativas, do Ministério Público e da Justiça, sem falar  na necessidade de  oferecer ao magistrado elementos concretos e  verdadeiros sobre cada acusado,  para que ele possa cumprir as  disposições sobre a individualização da  pena.

15        A  prescindibilidade da investigação policial quando se  tratar  de crimes do colarinho branco. (art. 26).A Comissão Pellegrini inovou, sobremaneira, ao apresentar a redação do art. 26. Trata-se  de disposição  inovadora, em nada correspondendo ao atual artigo,  aproveitando-se, apenas, a  numeração. Fica, então, revogado  o atual art. 26, que não foi recepcionado pela  Constituição  Federal de 1988 e, desde então, não vem sendo aplicado.A cada  dia  que passa percebe-se que a sociedade exige que o foco da persecução  penal seja  alterado, para alcançar a punição daqueles que cometem  crimes mais graves,  sobretudo os que decorrem da criminalidade  organizada e os que atingem a  economia pública e popular. Não  é mais possível limitar a punição aos que  cometem crimes de  furto e roubo pequenos. A Comissão de Reforma do Código de  Processo  Penal, então, oferece sua contribuição para a agilização na  apuração  dos crimes contra o sistema financeiro nacional, a  ordem tributária e a ordem  econômica, determinando que, nesses  casos, os elementos de informação sejam  remetidos pela autoridade  administrativa diretamente ao ministério público.Essa  disposição  já vem sendo reclamada pelos operadores do direito, pois,  normalmente,  nos crimes desta natureza não há qualquer serviço de apuração  praticado por meio de diligências eminentemente policiais. Ou  a administração  pública encaminha os elementos de informação  de forma completa ou, lhe é  solicitada qualquer complementação.  A apuração, em realidade, se faz pela  própria administração.  De acordo com a proposta, o Ministério Público assume uma  posição  de controle efetivo e direto sobre as diligências, recebendo diretamente  os autos do inquérito ou processo administrativo, para desde  logo oferecer a  denúncia, promover o arquivamento ou requisitar  novas diligências. Se for o caso  de serem necessárias diligências  de natureza policial, dirigirá sua requisição à  polícia e  se as diligências que faltarem forem de natureza administrativa,  o  ministério público requisitará da própria administração,  diretamente, as  providências cabíveis. Agira sempre, fundamentadamente  e cumprindo os prazos que  lhe são estabelecidos, mas suas requisições  são de cumprimento obrigatório, não  cabendo à autoridade administrativa  ou policial avaliar a procedência da  fundamentação.Essas disposições  são decorrentes, como já se disse, de amplo  anseio de diversos  operadores do direito, tendo sido recentemente referidas pelo  Ministro  José Arnaldo da Fonseca, do Superior Tribunal de Justiça.

16        O arquivamento da investigação criminal  (art  28).

17        O sistema atual.O arquivamento  dos autos do  inquérito policial, hoje, é coerente com outras  disposições do código de 41, que  não adota o sistema acusatório  puro, concedendo ao juiz diversas atribuições  própria de órgão  acusatório. Atualmente, o juiz controla a investigação, sendo  a  ele dirigidos os autos do inquérito, autorizando ele a realização  de novas  diligências. O art. 26, não recepcionado pela Constituição  Federal de 1988, dava  ao juiz, inclusive, o poder de iniciar a  ação penal.Conforme já de disse supra,  a Constituição Federal  de 1988 não recepcionou algumas disposições do Código de  Processo  Penal de 1941, dentre elas as que tratam da remessa dos autos do  inquérito ao juiz, da necessidade de sua autorização para a  realização de  diligências normais (exceto as que decorrem de  medida cautelar) e a norma que  determina a participação do juiz  na decisão de se promover o arquivamento dos  autos da investigação  criminal.O dispositivo do código de 41 sempre apresentou  certa  perplexidade, pois não se compreende a necessidade de submeter  ao juiz de  direito a promoção do arquivamento, sobretudo considerando  que o próprio código  dispõe que quando o Procurador-Geral insiste  no "pedido" o juiz está "obrigado a  atender". A anomalia técnica  e política desse velho sistema, bem como sua  inconstitucionalidade,  estão para acabar.

18        As novas regras  para o arquivamento.

O  novo código estabelece  algumas regras básicas para o arquivamento:

a             O arquivamento  é  um ato exclusivo da instituição do Ministério Público,  não havendo qualquer  interferência ou atuação judicial.

b            Todas as  promoções de arquivamento estarão sujeitas  à revisão por um órgão superior do  Ministério Público.

c             O  ofendido, ou quem tenha qualidade para representá-lo  e o investigado ou  indiciado serão intimados a tempo de influir  na decisão final do órgão superior  do Ministério Público.

Trata-se,  pois, de normas  que corrigem a distorção hoje existente, definem  o trabalho do Ministério  Público como responsável pela política  criminal e valorizam o papel da vitima no  processo penal e a garantia  do contraditório (com a faculdade de participação do  investigado  ou indiciado).

1            A promoção  fundamentada de arquivamento (art. 28, caput).

O caput do art. 28  estabelece que o ministério  público, após a realização de todas as  diligências cabíveis,  convencer-se da inexistência de base razoável para o  oferecimento  da denúncia, promoverá, fundamentadamente, o arquivamento dos  atos  da investigação ou das peças de informação. Eis  as principais disposições  apresentadas:

a             são duas as  condições para a promoção de arquivamento: a realização  de todas as diligências  cabíveis e a inexistência, ainda assim,  de base para a denúncia.

b            é  atribuição exclusiva  do órgão do Ministério Público, que, para o arquivamento,  deve  "convencer-se" do preenchimento das duas condições supra.

c             a  manifestação do ministério público promovendo o arquivamento  deve ser fundamentada.

A fundamentação exigida se  referirá ao preenchimento das duas condições apresentadas pelo  dispositivo ora  comentado, constantes da alínea "a" supra. O  ministério público tem para com a  sociedade o dever de buscar  a punição do culpado pela prática de todas as  infrações penais  e o sistema ora em vigor estabelece, como regra, a  obrigatoriedade  da ação penal (exceção feita apenas quando se tratar de infração  penal de menor potencial ofensivo). Compete, pois, a este órgão,  demonstrar, por  escrito, as razões de sua conclusão, tanto quando  oferece a denúncia quanto  promove o arquivamento.Como em todos  os casos de fundamentação, não bastará  fazer-se referência  vaga à inexistência de base razoável para o oferecimento da  denúncia.  Valer-se dessa expressão como única fórmula de "fundamentação"  é  desatender desrespeitosamente ao comando que exige fundamentação  verdadeira.  Fundamentar é indicar os fatos e formular argumentos  lógicos.

1            A revisão obrigatória  pelo órgão superior.A comissão retirou do  juiz qualquer  participação na decisão de promover a denúncia ou arquivar os  autos da investigação. O Ministério Público, como instituição,  é encarregado,  com exclusividade, desta decisão. Não, porém,  o órgão que atua na causa, em  atuação monocrática. Se este  se convencer da inexistência de base para o  oferecimento da denúncia  deverá enviar copias da promoção de arquivamento e das  principais  peças dos autos ao órgão superior do Ministério Público a que  a lei  atribuir essa função, que confirmará ou não a promoção  de arquivamento.A Comissão Pellegrini tomou o cuidado  de evitar o descontrole, que poderia  ser causado com o simples  fim do tradicional controle judicial. A solução  adotada é perfeitamente  técnica e guarda consonância com a tendência moderna de  conferir  maior controle sobre aqueles que detém qualquer parcela de poder.  O  ministério público age em defesa da sociedade e a ação penal,  repita-se, é  obrigatória. Todo o cuidado é necessário para  evitar que se deixe de promovê-la  quando houver elementos suficientes.  Como órgão administrativo, o Ministério  Público é organizado  e estruturado de forma a permitir que se faça um controle  rigoroso  e ágil.Ressalte-se a experiência das Câmaras de Coordenação  e Revisão  do Ministério Público da União, mencionadas na exposição  de motivos. Trata-se de  órgãos criados pela Lei Complementar  75, de 1993, (Lei Orgânica do Ministério  Público da União).  As Câmaras são compostas de ocupantes do último nível da  carreira  (nos estados seriam os Procuradores de Justiça) cujos membros são  eleitos pelo Conselho Superior, deste, portanto, distinguindo-se.O  Conselho  Superior é o órgão político que efetua a direção  superior do Ministério Público.  Atualmente é ele encarregado  de apreciar o arquivamento dos autos do inquérito  civil público.  Diante dessa atribuição, muitos têm feito uma leitura equivocada  do disposto no § 1o do art. 28 da projeto, concluindo,  precipitadamente, que a expressão "órgão superior" alude  ao Conselho  Superior. O projeto, por outro lado, inspirou-se nas  mencionadas câmaras  superiores, em funcionamento há 7 anos,  demonstrando ser positiva a experiência.  Cada estado instituirá,  por lei, tantas câmaras quantas forem necessárias,  permitindo,  inclusive, a regionalização e a especialização. Assim, poderiam  ser  criadas, por exemplo, uma câmara de crimes contra o sistema  financeiro, a ordem  econômica e tributária; outra para crimes  de entorpecentes e drogas afins; outra  para crimes contra a vida  e outra residual, que atenderia a todos os demais  delitos. Conforme  se encontra mencionado na exposição de motivos, a participação  dos procuradores de justiça seria muito valiosa, pois participariam  das câmaras  emprestando sua experiência para a definição da  política criminal.Enquanto não  forem criadas as câmaras de  coordenação e revisão em cada estado, as funções  determinadas  por este artigo serão desempenhadas pelo Conselho Superior, que  poderá, por ato administrativo, convocar procuradores de justiça  ou promotores  para assessorá-los. De forma alguma se pensou em  sobrecarregar o Conselho  Superior com novas atribuições. Bastará  a criatividade para fazer valer a lei  desde seu primeiro momento  de vigência até que novos órgãos sejam criados, com o  aumento  do quadro de promotores de justiça e procuradores, que, por certo,  advirá.

2            Arquivamento promovido pelo  procurador-geral.

Importantíssima alteração  constante do projeto encontra-se no fato de que o novo art. 28  tem como  destinatário todos os membros do Ministério Público,  inclusive o  Procurador-Geral de Justiça, Procurador-Geral Militar  e o Procurador-Geral da  República. Sempre que o titular da ação  penal for o próprio Procurador-Geral e  este se convencer de inexistência  de base para o oferecimento da denúncia,  promoverá o arquivamento  e, cumprindo o disposto no § 1o do art. 28  do novo  código, extrairá cópias e as enviará ao órgão superior para  a revisão  obrigatória da promoção de arquivamento. Neste caso,  será melhor que a lei  federal que trata do Ministério Público  da União e as leis estaduais determinem  que a revisão obrigatória  seja procedida pelo próprio Conselho Superior, que é o  órgão  que pode rever os atos do Procurador-Geral.Não é novidade que  os órgãos  superiores do Ministério Público (à semelhança  dos tribunais) possam rever os  atos do Procurador-Geral, portanto,  tratas-se, apenas, da extensão dessa  atribuição às promoções  de arquivamento. Com essa disposição importante lacuna  estará  sendo preenchida pois, atualmente, o decisão de arquivamento do  Procurador-Geral, nos casos em que lhe compete oferecer a denúncia  originariamente, é desprovida de qualquer controle e a crônica  está repleta de  casos em que a sociedade se viu desamparada com  descabidas promoções de  arquivamento sem qualquer possibilidade  legal de evitá-las. A regra do  § 1o do art. 28 vale,  portanto, para os casos em que compete ao  Procurador-Geral, originariamente,  oferecer a denúncia e este, convencendo-se da  inexistência de  base razoável para a acusação, opta por promover o arquivamento  dos autos da investigação criminal. Esta decisão será revista  pelo Conselho  Superior.

1            A  revisão da promoção de arquivamento.

2            O  procedimento administrativo de revisão.Ao promover  o  arquivamento, o membro do Ministério Público que estiver atuando  no caso  extrairá cópias das principais peças dos autos e as  remeterá, em 3 dias, ao  órgão superior do Ministério Público  e intimará o investigado ou indicado e o  ofendido ou quem tenha  qualidade para representá-lo.O novo código cria certa  facilidade  ao não exigir que sejam remetidos os próprios autos da investigação,  permitindo que se extraiam cópias para remessa ao órgão superior.  Isso não  impede, porém, que os próprios autos sejam encaminhados  ao órgão superior, se  assim estabelecer a norma local.O próprio  membro do Ministério Público que atua  no caso deverá expedir  carta registrada com aviso de recebimento ao investigado  ou indiciado  e ao ofendido ou seu representante. Essa providência significa  a  obediência à garantia constitucional do contraditório, pois  o arquivamento da  investigação ou a propositura da denúncia  provoca conseqüências importantes,  tanto para aquele contra  quem se propõe ou se proporia a ação como para a vítima  ou  seu representante.Dando seqüência à valorização do princípio  do  contraditório, o § 2o do art. 28 estabelece que,  se o membro do  Ministério Público não encaminhar a promoção  de arquivamento para a revisão  obrigatória pelo órgão superior  no prazo estabelecido, o investigado, indiciado  e o ofendido podem  dirigir-se ao órgão superior requerendo sua requisição. Sem  falar na correição que se faz periodicamente, que, por certo,  apurará a falta  funcional e determinará a responsabilidade do  membro do Ministério Público que  promover o arquivamento dos  autos da investigação criminal ou de quaisquer  outras peças  de informação, sem submeter sua conduta à revisão obrigatória  do  órgão superior.

3            A valorização  da vítima e da garantia do  contraditório.São interessados no arquivamento,  na dicção de todo o art. 28, o  investigado ou indiciado, o ofendido  ou quem tenha qualidade para representá-lo.  Indiciado é aquele  que assim foi cientificado pela autoridade que preside a  investigação,  após ter constatado que há elementos informativos suficientes  para  tanto. Investigado é aquele sobre quem recai alguma informação  que indique ter  tido alguma participação no fato ilícito. Dependendo  do estado em que se  encontra a investigação, o arquivamento  ocorre quando há apenas um investigado  ou quando já há alguém  indiciado.O interesse do investigado ou indicado será,  naturalmente,  que se ratifique o arquivamento, mas nada obsta que postule ser  levado a julgamento, visando sua absolvição, um desfecho definitivo  para o  caso.Por outro lado, refere-se, claramente, este dispositivo,  ao direito do  ofendido. Quando for incapaz, atuará o seu representante.  Quando tiver falecido  ou for declarado ausente, atuará o seu  cônjuge, descendente, ascendente ou  irmão. A lei, retirando  do ofendido a titularidade para promover a ação penal,  deve-lhe  conferir todos os meios possíveis para, ao menos, acompanhá-la  e exigir  sua propositura. Atualmente, o ofendido ou seu representante  somente pode atuar  quando é admitido como assistente de acusação,  após a denúncia e a citação. Com  o projeto, fica valorizada  sua participação, admitindo-se sua real influência na  revisão  obrigatória da promoção de arquivamento.Nos termos acima descritos,  os  interessados serão intimados da decisão de promover o arquivamento  e de que esta  decisão será revista pelo órgão superior. Esta  intimação deve conter todos os  elementos necessários para que  se possa tomar qualquer atitude. Deve vir  acompanhada das peças  importantes, do endereço da promotoria ou procuradoria  onde se  encontram os autos da investigação e o endereço do órgão superior  para  onde devem ser remetidas suas razões.Caso não sejam intimados  da decisão de  promover o arquivamento, o interessado pode dirigir-se  diretamente ao órgão  superior, alertando-o para a gravíssima  falta funcional do membro do Ministério  Público e requerendo  seja requisitada a promoção de arquivamento, para que se  proceda  à revisão obrigatória a que alude o art. 28.Cientes da data em  que será  apreciada a promoção de arquivamento pelo órgão  superior, os interessados  poderão apresentar razões escritas.  Considerando que a lei estabelece o direito  dos interessados de  apresentar razões escritas, não há direito estabelecido no  Código  de Processo Penal à sustentação oral. Todavia, seguindo a tradição  das  deliberações administrativas tomadas por colegiado, nada  obsta que a lei  estadual estabeleça esta possibilidade. A forma  da deliberação será estabelecida  pelo regimento.

4            As  opções do órgão superior.

Diz o § 4o do art. 28 que a promoção de arquivamento, com  ou sem as  razões dos interessados, será submetida a exame e deliberação  do órgão  superior do Ministério Público, na forma estabelecida  em seu Regimento.As  opções que estão postas para o órgão  superior estão estabelecidas nos parágrafos  5o, 6o e 7o:

a             O § 5o estabelece  que o relator poderá, quando o entender necessário, requisitar  os  autos originais, bem como a realização de quaisquer diligências  reputadas  indispensáveis.

b            O  § 6o disciplina  a hipótese de ser ratificada a promoção de  arquivamento.

c             O  §  7o determina as providências que devem ser tomadas  quando o órgão  superior não concordar com a promoção de arquivamento.

A  redação do § 5o demonstra a preocupação da Comissão  em evitar eventual precipitação. Embora  tenha promovido modificações  visando conferir agilidade à investigação criminal,  não poderia  impedir que todas as diligências cabíveis sejam realizadas antes  de  qualquer decisão de arquivamento. Neste sentido, é clara  a redação do caput do art. 28, condicionando o arquivamento  à realização de todas  as diligências cabíveis. O § 6o disciplina a hipótese natural de  ser ratificada a promoção  de arquivamento, ao mesmo tempo em que estabelece as  providências  que devem ser tomadas. Este dispositivo é de vital importância,  deixando claro a posição equilibrada da Comissão Pellegrini,  promovendo  um entrelaçamento entre as diversas funções.O novo  código estabelece que a  decisão sobre o arquivamento da investigação  criminal é exclusiva do Ministério  Público, criando a revisão  obrigatória interna. Por outro lado, o  § 6o do art. 28  estabelece que, ao final, os autos serão fisicamente  arquivados  no juízo competente. Esta regra se justifica por dois motivos:  em  primeiro lugar para que se valha da estrutura do Poder Judiciário,  já existente,  de manter os autos em arquivos organizados, com  possibilidade de prestar  informações aos interessados na forma  da Constituição Federal e das leis. Em  segundo lugar porque  o juiz deve controlar as medidas cautelares eventualmente  concedidas.O  § 6o é claro, fixando duas finalidades para a remessa  dos autos ao juízo competente:

a             para o  arquivamento,  e

b            para a  declaração da cessação da eficácia das medidas  cautelares eventualmente  concedidas.

Se os autos da investigação  não forem remetidos ao juízo quando da  promoção do arquivamento,  se estaria limitando o controle judicial das medidas  cautelares  em investigações que resultarem em denúncia. As medidas cautelares  concedidas em investigações arquivadas estariam fora de qualquer  controle pelo  juiz. Recebidos os autos da investigação o juiz  verificará, em primeiro lugar,  se foi procedida à revisão obrigatória,  de forma que jamais aceitará que lhe  sejam remetidos os autos  pelo próprio membro do Ministério Público que atue  perante  seu juízo. Em seguida, o juiz verificará se foi concedida alguma  medida  cautelar e se foi efetivamente aplicada. Caso positivo,  considerando que o  arquivamento tornaria prejudicada, desnecessária  e abusiva a manutenção de  qualquer medida cautelar, o juiz declarará  a cessação das medidas cautelares  eventualmente concedidas.O  § 7o disciplina a hipótese de o órgão  superior  discordar da promoção de arquivamento, concluindo pela viabilidade  da  ação penal. Neste caso, designará outro representante  do Ministério Público  para oferecer a denúncia.

1            A  legitimidade dos entes coletivos na ação penal  privada (art.  30).Outra importante inovação do projeto sobre a investigação  criminal é a  atribuição de legitimação para a ação penal  privada às entidades reconhecidas  por lei para a defesa de direitos  difusos ou coletivos.O art. 30 do novo código  mantém a legitimidade  da ação penal privada para o ofendido ou quem tenha  qualidade  para representá-lo. Quando for incapaz, será representado. Quando  tiver falecido ou for declarado ausente, o direito de queixa será  exercido pelo  seu cônjuge, descendente, ascendente ou irmão  (art. 31).A inovação, então, fica  por conta da segunda parte  do artigo proposto. As entidades legitimadas por lei  à defesa  de direitos difusos ou coletivos, quando se trate de ação penal  que os  envolva, possui, também, o direito de apresentar queixa-crime  nos casos de crime  que se procede mediante ação penal privada.

2            Os prazos para o ministério público  e suas  conseqüências. (art. 46).Ao lado de uma importante  inovação,  o artigo 46 do novo código trás, também, algumas alterações  terminológicas. A inovação diz respeito ao prazo concedido  ao ministério público  para a promoção de arquivamento, inexistente  no ordenamento em vigor. Recebendo  os autos da investigação  criminal pela primeira vez, ou recebendo sua  complementação,  de acordo com o art. 10, o representante do Ministério Público  dispõe de único prazo para decidir oferecer a denúncia ou promover  o  arquivamento.O prazo é mantido em cinco dias se o indiciado  estiver preso e de  quinze dias se estiver solto. Substitui-se  o termo "réu", equivocadamente  utilizado, por "indiciado". Não  se permite a prisão de uma pessoa que seja  meramente investigado.  Se há elementos para a prisão, mais elementos  ainda haverá  para que o investigado seja cientificado de que há indícios  de sua participação, passando, então, à condição jurídica  de indiciado  importante a fixação de prazo para a  promoção do arquivamento. O que se espera é  que os autos não  permaneçam indefinidamente com o ministério público. O  descumprimento  deste prazo ensejará não só a apuração da responsabilidade  disciplinar do representante do Ministério Público, como, igualmente,  a  representação do interessado ao órgão superior, na forma  do art. 28, que poderá  designar outro membro da instituição  para oferecer a denúncia ou manifestar-se  pelo arquivamento.O  prazo para o oferecimento da denúncia, como se sabe, vem  sendo  interpretado pela jurisprudência como irrelevante para eventual  soltura do  indiciado preso. A prática brasileira, que considero  lamentável, é a da soma dos  prazos e, de acordo com o entendimento  de vários tribunais, sequer precisa ser  seguida, mantendo-se  alguns preso provisórios indefinidamente. Espera-se, com o  novo  código, que se fixem conseqüências sérias para o caso de não  ser oferecida  a denúncia dentro dos cinco dias legais, quando  se trata de indiciado preso. A  Comissão, no entanto, preferiu  não abordar esse tema, deixando-o para ser  disciplinado pela  jurisprudência.

3            A vacatio legis.  (art. 2 do projeto).O art. 2o de  todos os sete projetos  elaborados pela Comissão Pellegrini estabelece uma vacatio  legis de sessenta dias, considerado suficiente para a adaptação  e  preparação de todos os órgãos e pessoas envolvidas.O mais  difícil será a  adaptação do Ministério Público, que deverá  instalar, sem muita demora, as  câmaras de coordenação e revisão,  para proceder à revisão obrigatória de todas  as promoções  de arquivamento. Enquanto não forem instaladas, atuará o Conselho  Superior, não sendo vedado a este órgão convocar outros procuradores  e  promotores para assessorá-lo.As regras são todas eminentemente  processuais, sem  qualquer reflexo penal, o que significa estar  afastada qualquer polêmica sobre  sua retroatividade. A partir  da vigência da nova lei, os delegados deverão, em  10 dias, instaurar  inquérito policial de todas as ocorrências de infração penal  que tiver conhecimento. Todas as ocorrências deverão, desde  então, ficar à  disposição do ministério público.As normas  estabelecidas são de vigência  imediata (após os sessenta dias)  e devem ser aplicadas a todos os casos em  andamento, mas os atos  praticados não precisarão ser repetidos e devem ser  respeitadas  as fases já concluídas. Assim, por exemplo, os arquivamentos já  operados por ordem judicial não precisarão ser revistos pelo  órgão superior do  Ministério Público.

4            Conclusão.

Participar  da Comissão de  Reforma do Código de Processo Penal foi, para  mim, uma grande honra. Desejo  manifestar meu reconhecimento pela  brilhante presidência desenvolvida pela  Professora Ada Pellegrini  Grinover, que soube, com sabedoria ímpar,  imprimir o equilíbrio  entre as diversas posições que foram manifestadas durante  o  transcurso de 10 meses de trabalho, não somente as que foram apresentadas  pelos integrantes da Comissão,como pelas inúmeras pessoas e  instituições que  apresentaram contundentes críticas e sugestões.  Todas as manifestações foram bem  recebidas. Evidentemente não  se atendeu a todos, mas o resultado final é,  inequivocamente,  fruto do equilíbrio, que somente foi possível atingir mediante  o pulso firme, o conhecimento e a doçura da Presidente da Comissão.Não  se pode  deixar de reconhecer e de exaltar a iniciativa corajosa  do Ministro José Carlos  Dias, que, de sua curta passagem pelo  Ministério da Justiça, deixou, ao menos,  duas obras importantíssimas:  a reforma da parte geral do Código Penal e a  Reforma do Código  de Processo Penal. Por fim, reconhece-se o brilho do atual  Ministro  da Justiça, José Gregori, que deu continuidade aos trabalhos iniciados  na gestão anterior e deixando de lado a vaidade que faz com que  alguns homens  públicos queiram sempre começar tudo de novo,  receberá a glória de concluir um  trabalho tão importante.Espero,  então, que o Congresso Nacional mantenha íntegro  o projeto original  sem se deixar influencia por lobyes corporativos e que  a  nova lei sirva para diminuir a impunidade no país

 

retirado de:www.geraldoprado.com/investigacao.htm