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Parecer sobre os limites constitucionais e infraconstitucionais da coisa julgada tributária (contribuição social sobre o lucro)

JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES

A SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL consulta-me sobre aspectos relacionados com a coisa julgada tributária, seus efeitos e limites, abordados ao longo deste parecer.

I. Circunstâncias emergentes e demarcação do objeto da consulta

1.1 - Algumas empresas obtiveram decisões de juizes e Tribunais Regionais Federais, proclamando a inconstitucionalidade da contribuição sobre o lucro, destinada ao financiamento da seguridade social e instituída na Lei 7.689, de 15.12.88, art. 1°. Essas decisões transitaram em julgado sem apreciação do mérito pelo Supremo Tribunal Federal, que, por questões processuais, desacolheu recursos extraordinários delas interpostos. Subsequentemente a Lei Complementar 70, de 30.12.91 dispôs essa contribuição social em termos que serão adiante considerados (infra, IX).

1.2 - A Fazenda Nacional teria decaído do direito à ação rescisória desses julgados, porque não tempestivamente exercitado, devendo o fisco suportar os efeitos da coisa julgada. Esse argumento pressupõe o cabimento da rescisória mas é sem coerência consorciado à alegação de que descabe a rescisória. Se cada decisão de Tribunal inferior ficasse sujeita à rescisória diante de eventual modificação de interpretação do STF, as lides se eternizariam e indiretamente o acórdão em RE teria efeito vinculante, o que não se coaduna com a CF.

1.3 - Em desrespeito à coisa julgada - alegam as empresas - autuações procedidas pelo órgãos fiscalizadores da Secretaria da Receita Federal lhes vêm exigindo a contribuição em exercícios posteriores aos abrangidos pelos julgados.

1.4 - A pretensão fazendária funda-se sobretudo na superveniência de decisão do STF no RE 146733-SP (Pleno), rel. Min. MOREIRA ALVES, em acórdão-paradigma, proclamando unanimemente a constitucionalidade da contribuição social sobre o lucro das pessoas jurídicas:

“Contribuição Social sobre o lucro das pessoas jurídicas. Lei n° 7.689/88.

Não é inconstitucional a instituição da contribuição social sobre o lucro das pessoas jurídicas, cuja natureza é tributária. Constitucionalidade dos artigos 1°, 2° e 3° da Lei n° 7.689/88. Refutação dos diferentes argumentos com que se pretende sustentar a inconstitucionalidade desses dispositivos legais.

Ao determinar, porém, o artigo 8° da Lei n° 7.689/88 que a contribuição em causa já seria devida a partir do lucro apurado no período-base a ser encerrado em 31 de dezembro de 1988, violou ele o princípio da irretroatividade contido no artigo 150, III, a da Constituição Federal, que proíbe que a lei que institui tributo tenha, como fato gerador deste, fato ocorrido antes do início da vigência dela.

Recurso extraordinário conhecido com base na letra b do inciso III do artigo 102 da Constituição Federal, mas a que se nega provimento porque o mandado de segurança foi concedido para impedir a cobrança das parcelas da contribuição social cujo fato gerador seria o lucro apurado no período-base que se encerrou em 31 de dezembro de 1988. Declaração de inconstitucionalidade do artigo 8° da Lei n° 7.689/88”.

Orientação jurisprudencial reiterada: o STF, no RE 138.284-CD (Tribunal Pleno), rel. Min. CARLOS VELLOSO, à unanimidade, decidiu pela constitucionalidade da contribuição:
É a seguinte a ementa do respectivo acórdão:

“CONSTITUCIONAL.TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS. CONTRIBUIÇÕES INCIDENTES SOBRE O LUCRO DAS PESSOAS JURÍDICAS. Lei n. 7.689, de 15.12.88.
I. - Contribuições parafiscais: contribuições sociais, contribuições de 149. Contribuições sociais de seguridade social. C.F., arts. 149 e 195. As diversas espécies de contribuições sociais.

II. - A contribuição da Lei 7.689, de 15.12.88, é uma contribuição social instituída com base no art. 195, I, da Constituição. As contribuições do art. 195, I, II, III, da Constituição, não exigem, para a sua instituição, lei complementar. Apenas a contribuição do parág. 4 do mesmo art. 185 é que exige, para a sua instituição, lei complementar, dado que essa instituição deverá observar a técnica da competência residual da União (C.F., art. 195, parág. 4; C.F., art. 154, I). Posto estarem sujeitas a lei complementar do art. 146, III, da Constituição, porque não são impostos, não há necessidade de que a lei complementar defina o seu fato gerador, base de cálculo e contribuinte (C.F., art. 146, III, “a”).

III. - Adicional ao imposto de renda: classificação desarrazoada.

IV. - Irrelevância do fato de a receita integrar o orçamento fiscal da União. O que importa é que ela se destina ao financiamento da seguridade social (Lei 7.689/88, art. 1).

V. - Inconstitucionalidade do art. 8°, da Lei 7.689/88, por ofender o princípio da irretroatividade (C.F., art. 150, III, “a”) qualificado pela inexigibilidade da contribuição dentro no prazo de noventa dias da publicação da lei (C.F. art. 195, parag.6). Vigência e eficácia da lei: distinção.

VI. - Recurso Extraordinário conhecido, mas improvido, declarada a insconstitucionalidade apenas do artigo 8 da Lei 7.689, de 1988.”.

Esse entendimento fixou-se então no sentido da constitucionalidade da contribuição social sobre o lucro, proclamando o STF apenas a inconstitucionalidade do art. 8° da Lei 7.689/88.

1.5 - Posteriormente a Resolução do Senado n° 11/95, suspendeu a execução desse art. 8°, mantidos todos os demais, in verbis:

“Art. 1° - é suspensa a execução do disposto no art. 8° da Lei n° 7.689, de 15 de setembro de 1988”.

Essa competência do Senado é exercida com fulcro na CF, art. 52, X: compete ao Senado suspender da execução total ou parcial de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do STF.

1.6 - Em contraposição à fazenda pública, as empresas envolvidas alegam que a mudança de orientação jurisprudencial, ainda que do STF, não afeta per se a eficácia da sentença e respectiva autoridade de coisa julgada.

1.7 - Em face dessas divergências jurisprudenciais (STF versus TRFs) se interpõe a questão central a ser enfrentada neste parecer: quais são os limites constitucionais e infraconstitucionais da coisa julgada tributária e de sua revisibilidade? Noutros termos e mais especificamente: a coisa julgada tributária protegeria alguns contribuintes, excluídos em decisões conflitantes com as do STF, da exigibilidade ad futurum, isto é, posterior aos períodos de contribuição alcançados pelas decisões dos TRFs, já agora fundada, a pretensão fazendária, na jurisprudência do STF?

II - Primeiras linhas sobre o regime constitucional e infraconstitucional das contribuições

2.1 - Preliminarmente importa sindicar o regime constitucional da contribuição instituída na L. 7.689/88. Trata-se de uma contribuição social, submissa à CF, art. 149, que atribui competência à União para instituir contribuições sociais, com observância do disposto nos arts. 146, III (normas gerais de direito tributário), 150, I (legalidade) e III (limitações constitucionais à cobrança de tributos). E como, ela finalisticamente reveste a natureza de contribuição para a seguridade social, subespécie das contribuições sociais, está submissa à vacatio legis excepcional de 90 dias (CF, arts. 149, caput, in fine e 195, § 6°).

2.2 - Em decorrência dessa circunscrição apenas relativa e parcial das contribuições sociais ao regime jurídico tributário da CF, elas podem ser havidas como tributárias ou não. Aplica-se-lhes o regime constitucional tributário, mas não se lhes aplica de todo. O que pode suscitar controvérsia sobre a natureza jurídica dessas contribuições - controvérsia abastecida pelo § 6° do art. 150, acrescentado pela EC 03/93 e que aparta formalmente “tributo ou contribuição”. Se a contribuição, como o imposto e a taxa, é tributo, porque apartá-la do gênero: tributo? A contribuição é ou não tributo? A contribuição de categoria profissional é fixada pela assembléia geral (art. 8°, IV) e não pela lei. Algo incompatível com o regime tributário.

2.3 - Essa questão sobre a natureza jurídica da contribuição (se tributária ou não), pode no entanto ser desconsiderada neste parecer porque a CF determina que elas observem as normas gerais de direito tributário e portanto o art. 156 do CTN que contempla a decisão judicial passada em julgado dentre as causas de extinção do crédito tributário (item X). Para esses efeitos processuais, a disciplina infraconstitucional da coisa julgada impõe a sua circunscrição às causas de extinção do crédito tributário: efeito do julgado é a extinção do crédito da contribuição social sobre o lucro das empresas.

2.4 - Crédito tributário é contrapartida da obrigação tributária individual. Decorre do ato de lançamento (CTN, art. 142, caput). Mas o lançamento é redutível a uma individualização das normas gerais instituídas na lei tributária. Ele põe norma de caráter individual com esse conteúdo material: verificar a ocorrência concreta do fato gerador (hipótese-de-incidência legal), identificar o sujeito passivo e quantificar o débito. Pois bem: é esse crédito (inclusive da contribuição) que a decisão judicial trânsita em julgado, ao declará-lo indevido, extingue.

2.5 - A CF diz que a lei não retroagirá para alcançar a coisa julgada (art. 5°, XXXVI). Que seja a coisa julgada é no entanto algo indeterminado no texto constitucional. A determinação do conteúdo, limites objetivos e subjetivos da coisa julgada, dá-se na da legalidade integrativa da CF, inauguralmente pelo CTN, art. 156, X. A eficácia da coisa julgada é algo que cabe à lei integrativa material (CTN) e processual (CPC) fixar e delimitar. Em última análise, embora os direitos e garantias individuais tenham aplicabilidade imediata (CF, art. 5°, § 1°), a efetividade da coisa julgada não pode ser extraída só da CF: ela depende da legislação complementar e ordinária federal, porque é nesse plano infraconstitucional que se dá consistência normativa ao seu conteúdo e limites.

2.6 - Conseqüência dessas ponderações: não passa de petição-de-princípio, dar como demonstrado o demonstrável, o ainda indemonstrado, ou seja, fundar exclusivamente na CF a interdição de agravo à coisa julgada. O preceito constitucional é ponto de partida, não o ponto terminal da hermenêutica jurídica. Não diz o que é coisa julgada, nem o seu regime, efeitos e limites. E essa uma função que, à falta de determinação constitucional, incumbe à legalidade integrativa. Efeito da coisa julgada é eficácia - susceptibilidade à produção dos efeitos jurídicos - prevista em lei infraconstitucional (CTN, CPC, etc). Não podem esses efeitos ser extraídos diretamente da CF.

III - Que é isso - a isonomia constitucional?

3.1 - A isonomia não corresponde a um princípio constitucional qualquer. Destacamo-lo em conferência de abertura do VIII Congresso Brasileiro de Direito Tributário, promovido pelo IDEPE, em São Paulo (A isonomia tributária na CF de 1988, RDT 64/8 a 19).
A isonomia, mais precisamente a legalidade isônoma, é o protoprincípio, o mais originário e condicionante dos princípios constitucionais, porquanto dele dependem todos os demais para sua eficácia. E que sem ele decerto a perderiam.

3.2 - Deveras: a isonomia está no preâmbulo da CF, ao lado da justiça, da qual ela é manifestação jurídico-positiva e nos objetivos fundamentais da federação brasileira (art. 3°, III). Adentra-se no elenco dos direitos e garantias individuais (art. 5°, caput e itens I e II). No interrelacionamento entre as pessoas constitucionais (União, Estados, DF e Municípios). No campo das relações tributárias (art. 150, I e II) em geral e particularmente na concessão de incentivos fiscais para promover o equilíbrio sócio-econômico inter-regional (art. 151, I, in fine, art. 165, § 7°) e, no âmbito das relações empresariais pela livre concorrência, como um princípio geral da ordem econômica (art. 170, IV). Está ainda esse superprincípio no programa nacional de redução das desigualdades regionais e sociais (art. 170, VII), etc. De sorte que poder-se-á concluir sinteticamente: a isonomia não está apenas na CF, ela é a própria CF, com a qual chega a confundir-se. A CF de 1988 é uma condensação da isonomia. Nenhum outro dos setenta e sete itens em que se desdobra o art. 5° da CF - inclusive o seu item XXXVI (coisa julgada) - prescinde da isonomia como um condicionante de conteúdo e eficácia.

3.3 - Chega a ser chocante portanto venha a ser esse princípio pretensamente reduzido a uma quinquilharia da qual é possível sem mais descartar-se o intérprete e aplicador da CF, com o invocar-se sem pertinência voto antigo do Min. CASTRO NUNES, como se ele tivesse o condão de afastar qualquer controvérsia relativa à quebra da isonomia na hipótese de ficarem as empresas-partes no julgado à margem do dever de contribuir para a seguridade social:

“Não importa que haja julgados anteriores em outras espécies sufragando entendimento diverso, aliás com o meu voto. Nem impressiona o argumento de que o caso julgado fere a regra da igualdade tributária, por isso que, em qualquer matéria, essa igualdade de tratamento, fiscal ou não, é uma consequência necessária da intervenção do Judiciário, que só age por provocação da parte e não decide senão em espécie”. (v. também a sua obra: Da Fazenda Pública em juízo, 2ª ed. p. 298, nota 12).

Muito mais rente à realidade e à lógica do razoável se mostra a ponderação de OSWALDO OTHON SARAIVA FILHO:
“Impende ponderar que decisões imutáveis distintas, para casos iguais, comprometeriam o princípio constitucional-tributário da isonomia (art. 150, inciso II), e abalariam a confiança devida ao Poder Judiciário.

De fato, para o contribuinte que paga os tributos regularmente instituídos, é difícil aceitar que o seu concorrente esteja exonerado de alguns desses gravames por força de coisa julgada material contrária ao entendimento da Suprema Corte, em matéria constitucional-tributária” (in Processo Judicial em matéria tributária, p. 116).

3.4 - E sobre mais é impertinente a invocação daquele voto porque ele não enfrentou a questão constitucional e processual que agora se interpõe: a antinomia não é entre decisões de tribunais de igual hierarquia, mas entre decisões do STF e as de TRFs. É questão a ser enfrentada e resolvida à luz de outros critérios e não de uma decisão isolada qualquer e do efeito típico desse julgado. Porque a questão é no fundamental de sintaxe normativa: relações entre decisões do STF e decisões do TRFs.

3.5 - Não há de negar que uma decisão judicial introduz eventualmente uma certa desigualdade interpessoal, tolerada pela CF, ao excluir as partes envolvidas no processo (p. ex., do dever de contribuir para a seguridade social que, nos termos da CF, art. 195, é de toda a sociedade). Por isso mesmo essa exclusão só é cabível se não se trata de pretensão formal ou materialmente (a) inconstitucional ou (b) ilegal. No efeito excludente que provoca um julgado isolado não há no entanto nenhum problema de desigualdade constitucionalmente repudiada. Nessa hipótese não se instaura a desigualdade, ao contrário do que pareça a uma análise superficial. Porque todos os contribuintes têm em princípio acesso ao judiciário para pleitear não-sujeição ao gravame (CF, art. 5°, XXXV). Desequiparação de regime jurídico existiria se nem todos os contribuintes pudessem ter acesso ao judiciário. A desigualdade decorrente de julgado isolado é constitucionalmente irrelevante. Há desequiparações constitucionalmente irrelevantes e desequiparações constitucionalmente relevantes, i. é, não toleradas: todas as que envolvam privilégios. Só essas últimas são a rigor anti-isonômicas.
Dado que a decisões pela constitucionalidade da contribuição foram proferidas pela Corte Excelsa em controle difuso, desprovidas de efeito vinculante, elas só valem entre as partes. Mas desigualdade se interpõe, relevantíssima, quando há divergência entre acórdãos do STF e decisões do TRFs porque aí então dá-se um duplo regime: inclusão para uns e exclusão para outros do dever de contribuir para a seguridade social, nos termos da CF, art. 195, caput.

3.6 - Agora, fazer prevalecer decisões hierarquicamente inferiores, excludentes do gravame, contra decisões do STF, é subversão da hierarquia, problema inconfundível com a questão de simples alteração jurisprudencial (p. ex., da jurisprudência de um mesmo Tribunal). E fazer prevalecer ad futurum a decisão judicial pela inconstitucionalidade da contribuição restrita às partes (controle difuso) é estabelecer um regime jurídico privilegiado, que não encontra, esse sim, guarida na CF, antes é constitucionalmente repudiado. Efeito de um julgado não deve, nunca, importar em rutura da CF, sobretudo do mais eminente dos seus princípios: a isonomia.

3.7 - Por esse motivo, não deve sustentar-se na hipótese que a mudança de orientação jurisprudencial, ainda que do STF, não afeta a autoridade da coisa julgada. A conclusão é perfeita, mas inaplicável à hipótese. Trata-se de identificar um limite à coisa julgada e não de uma desconsideração do seu conteúdo. É o que subsequentemente se verá.

3.8 - As decisões do STF inviabilizam na prática o ingresso ao Judiciário pelas empresas, porque qualquer decisão excludente do gravame será doravante reformável pela Corte Excelsa. Mas a igualdade empresarial é incompatível com os privilégios decorrentes da pretensa imutabilidade dos julgados dos TRFs. Desse efeito anticonstitucional CASTRO NUNES não cogitou em absoluto. Noutras palavras: estão a atribuir-lhe mais do que ele disse…


IV - Isenção indireta para as partes no litígio

4.1 - Sob esse ângulo, em geral inapercebido, se revela a incompatibilidade entre a coisa julgada e a extensão descomedida dos efeitos que as empresas lhe pretendem atribuir.
A persistir o entendimento de que, por força do julgado, certas empresas estariam exoneradas para sempre da contribuição social, ter-se-ia por portas travessas uma isenção atípica, ao arrepio do princípio da legalidade tributária (CF, arts. 5°, II e 150, I, CTN, arts. 97, VI e 175, I), i. é, por via diretamente jurisdicional. Sem lei isentante e sem ato subjetivamente administrativo de sua concessão para o caso concreto. A maioria das empresas, contribuintes; as partes no litígio, exoneradas. Efeito isencional típico.

4.2 - Isenção em caráter individual - mesmo as que não ousam dizer o seu nome, como no caso - é ato materialmente administrativo. Os pressupostos de incidência da norma geral e abstrata de isenção estão no entanto sob estrita reserva legal. Se prevalecesse a extensão desmesurada do julgado sustentada pelas empresas, estar-se-ia diante de uma isenção sem lei que a tivesse instituído: formalmente ato jurisdicional, materialmente, ato administrativo praticado pelo Judiciário. Somente a lei pode instituir as hipóteses de exclusão do crédito tributário (CTN, art. 97, VI) e, dentre elas, as de isenção. E a coisa julgada é, como visto, causa de exclusão do crédito tributário (CTN, art. 156, X). Essa norma geral é plenamente aplicável às contribuições sociais, ex vi da CF, art. 149, caput). Efeito isentante é efeito estranho às atribuições constitucionais do poder judiciário. Precisamente porque a coisa julgada só extingue o crédito tributário é que os seus efeitos são retrospectivos. Não é possível extinguir crédito tributário ainda em vias de constituição ou posteriormente constituído.

4.3 - A CF é expressa ao sujeitar a administração ao princípio da legalidade (Art. 37, caput). Nenhuma isenção senão mediante lei. Na hipótese, o ato jurisdicional seria, entretanto e quanto aos seus efeitos futuros, um ato administrativo mascarado pela forma de sentença e sem fulcro em lei.

4.4 - Qualquer isenção da contribuição sobre o lucro somente poderá ser concedida mediante lei federal específica, que a regule exclusivamente (CF, art. 150, § 6°, acrescentado pela Emenda 3/93). Esse efeito, a exoneração do pagamento do gravame, não pode consequentemente decorrer pela via indireta de ato jurisdicional algum.

4.5 - A incompatibilidade desse regime com a isonomia é assim outro obstáculo constitucional intransponível à atribuição de efeitos atípicos à coisa julgada, porque projetados em períodos de exigibilidade futuros, equiparando-se de conseguinte esses efeitos aos de uma isenção, dissimulada pela forma do ato jurisdicional. A decisão judicial assumindo um papel para o qual é destinada a legalidade.

4.6 - Não se sabe - nem é relevante saber - quantas empresas obtiveram dos juizes e TRFs decisões pela inconstitucionalidade da contribuição social sobre o lucro. Sabe-se seguramente porém que não foram todas elas. Só algumas, as empresas beneficiadas pelos julgados. Ora, se persistissem os efeitos desses julgados nos períodos de exigibilidade subsequentes aos das decisões - efeitos prospectivos e não apenas retrospectivos, esses últimos, sim, alcançados pela coisa julgada - algumas empresas não pagariam a contribuição no confronto com outras ou porque estas não provocaram o Judiciário ou porque, após as decisões do STF, acatando-as, vêem recolhendo a contribuição, posto a tivessem dantes impugnado. Essa situação é em tudo e por tudo equivalente a uma isenção: onde está o mesmo regime jurídico, está o mesmo instituto de regência. O acatamento à coisa julgada, em homenagem à segurança jurídica, há-de ser só retrospectivamente assegurado. Porque ai a desequiparação de iguais - as empresas oneradas e exoneradas - se daria como condição sine qua non para a eficácia da regra processual constitucional (art. 5°, XXXVI). E a desequiparação seria a consequência da inércia de algumas empresas que não se socorreram do judiciário. Não é assim que sucede quando as empresas se encontrassem diante de fato consumado: umas pagariam e outras não a contribuição por força diversa: a “autoridade” da coisa julgada.


4.7 - E, na medida em que somente algumas empresas seriam detentoras do estranho privilégio, ter-se-ia a subversão da ordem constitucional.
A ordem econômica é tão só um subcapítulo da ordem constitucional. Disciplinada pela CF, art. 170, em cujos termos a ordem econômica observará, dentre outros, o princípio (e não simples norma) da livre concorrência entre empresas (item IV). Como poderá dizer-se “livre” uma concorrência entre empresas se umas pagam e outras não a contribuição social? Estranha invocação da coisa julgada: o processual se contrapondo e anulando o constitucional.

4.8 - Não será cabível objeção à tipificação de um privilégio no caso. Porque, sob o pálio da intangibilidade dos julgados, estar-se-ia a indiretamente a provocar um efeito que nem a uma isenção legalmente concedida poderia ser atribuído. Porque essa “exoneração” só beneficiaria as partes no litígio, sem um critério de razoabilidade para a discriminação e contra o universo dos demais contribuintes. Esse pretenso efeito do julgado não passa de uma impertinência hermenêutica: a extensão dos limites objetivos e subjetivos da coisa julgada mascararia a instituição de um privilégio de direito público. Algo que as decisões dos TRFs decerto não objetivaram.

4.9 - Donde a inconstitucionalidade do discrime (partes ou não na relação processual) por violação da isonomia. Que não tolera a concessão de privilégios em sentido estrito: concessão de uma posição jurídica favorável, vantagem restrita a alguns sujeitos passivos da contribuição (sobre os privilégios, v. FRANCESCO FERRARA, Trattato di Diritto Civile Italiano, 1921, pp. 90 e segs.) Violação também do princípio da tripartição do poder: o Judiciário não pode, sob esse ângulo de análise, praticar atos materialmente administrativos. Veda-o a CF, art. 2°. O que constitucionalmente é defeso - e não está expresso nem implícito nos atos jurisdicionais que proclamam a inconstitucionalidade da contribuição - não pode estar permitido… a juízo do intérprete.

V - Natureza da questão constitucional e suas projeções na hipótese da consulta

5.1 - Qual a força da decisão judicial sobre inconstitucionalidade das leis? - indaga PONTES DE MIRANDA. E ele mesmo responde: “A questão sobre inconstitucionalidade das leis é quaestio iuris. As questiones iuris ou são questiones iuris praeiudicialis, se prévias em relações a outras questões, ou quaestiones iuris principales, se o sistema jurídico não veda a discussão e a resolução das questões de direito in abstrato, sem exigir que se decida algo sobre ameaça de violação, ou violação atual de direito” (Comentários à Constituição de 1946, 2ª ed., v. V, p. 293). Questões jurídicas principais de constitucionalidade/ inconstitucionalidade são hoje contempladas na CF de 1988, art. 102, I, a: ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal.

5.2 - Ao decidir a questão constitucional em controle difuso (para o caso concreto) e não concentrado (é constitucional/ inconstitucional - só - a lei), a sentença apenas fundamenta o mérito do decisum. Mas a decisão sobre inconstitucionalidade com este não se confunde. Sob um rótulo ou nomen iuris unificado (formalmente uma só sentença) abrigam-se substancialmente duas decisões: a 1ª, sobre a questão constitucional (prejudicial de mérito); a 2ª, sobre o mérito, a coisa deduzida em juízo (res in iudicio deducta): é devida ou não a contribuição sobre o lucro de alguma empresa em determinados períodos, i. é, nos limites - inclusive temporais - da exigibilidade do pedido. Só formalmente, o ato jurisdicional é, percebe-se, unificado.

5.3 - A decisão sobre a questão se é ou não constitucional a lei é decisão sobre questão prejudicial ao mérito da demanda (quaestio iuris praeiudicialis); portanto decisão logicamente antecedente ao mérito da lide. Ainda quando decide uma questão constitucional, o juiz não julga a lei, mas conforme a lei. Mais precisamente: decide sobre a relação sintática de conformidade ou não entre a CF e a lei integrativa (é constitucional? inconstitucional?). Se inconstitucional, a decisão nega aplicação da lei inconstitucional que incidiu sobre o caso concreto. É assim que se dá o controle jurisdicional difuso de constitucionalidade. Em síntese: no controle difuso, a alegação pela parte da inconstitucionalidade de lei é incidenter tantum, como típica questão prejudicial. Conseqüências? Vejamo-las no magistério autorizado de ADA PELLEGRINI GRINOVER:

“Se a declaração de inconstitucionalidade ocorre incidentemente, pela acolhida da questão prejudicial que é fundamento do pedido ou da defesa, a decisão não tem autoridade de coisa julgada, nem se projeta - mesmo inter partes - fora do processo no qual foi proferida.
A matéria submete-se ao regime das questões prejudiciais, que não tem aptidão para fazer coisa julgada material (art. 469, III, CPC)” (Ação rescisória e divergência de interpretação em matéria constitucional, in Revista Dialética de Direito Tributário, vol. 8, p. 14).

Insiste enfaticamente essa acatada processualista que a decisão sobre inconstitucionaliade, em controle difuso, não produz coisa julgada material:

“É esta a pedra do toque do sistema difuso de controle da constitucionalidade do Brasil. A decisão de inconstitucionalidade, operada incidenter tantum, não tem o condão de fazer coisa julgada material.
A lei continua eficaz, podendo qualquer juiz, e inclusive o próprio Supremo Tribunal Federal aplicá-la por entendê-la constitucional enquanto o Senado Federal, por resolução, não suspender a sua executoriedade” (rev. e vol. cits. p. 15).

5.4 - Para que essa aplicação (=eficácia) seja suspensa com efeitos erga omnes é necessário, ato do Senado Federal (supra, 1.5). Fora dessa hipótese, os efeitos do julgado não transcendem os limites da pretensão concretamente deduzida em juízo. Numa decisão jurisdicional em controle difuso não se dão efeitos erga omnes e para os casos futuros. Antes do ato do Senado, suspendendo-lhe a eficácia, a lei continua a reger indiscriminadamente as relações de vida sob seu império. Em suma: continua ela a integrar a ordem jurídica. Normas jurídicas que não mais têm eficácia são porém normas inexistentes, invalidadas pelo ato do Senado.

5.5 - Essa negativa de aplicação da lei ao caso concreto no ato judicial fornece a base decisiva para a caracterização da natureza jurídica da decisão pela inconstitucionalidade como sendo constitutiva negativa. Constituinte ou instituinte de um estado novo: erradicação da lei ou ato inconstitucionais por um critério (o ato jurisdicional +a decisão do Senado) diverso da regra: lex posterior derogat priori. A decisão judicial pela inconstitucionalidade - ensina-o PONTES DE MIRANDA - é constitutiva negativa e não declaratória, ao contrário do que pretende equivocada doutrina (p. ex., ALFREDO BUZAID, Da ação direta de inconstitucionalidade no direito brasileiro, Saraiva, SP, 1958). Demonstração sumária desse efeito do ato jurisdicional? É necessária a maioria absoluta dos seus membros para que os tribunais proclamem a inconstitucionalidade das leis (CF, art. 97). Tanto aparato para dizer que o nada, o inexistente, é… coisa nenhuma? A interpretação jurisdicional pode variar no mesmo ou em vários órgãos jurisdicionais: o que era constitucional passa a ser havido como inconstitucional e vice-versa: o dantes inconstitucional será doravante constitucional (p. ex., a contribuição sobre o lucro, inconstitucional para TRFs, constitucional, para o STF). A lei havida como inconstitucional continuará a reger as relações de vida nos casos não abrangidos pelo julgado (a res judicata só tem força de lei entre as partes em litígio). São restritos portanto os seus efeitos no controle difuso da constitucionalidade. Logo a lei inconstitucional existe, porque sujeita a desconstituição pelo procedimento judicial e congressual previsto na CF.

5.6 - Se assim o é, com maiores razões a lei constitucional continuará a reger as relações de vida nos casos não abrangidos pela decretação de inconstitucionalidade em decisão trânsita em julgado (limites objetivos e subjetivos da coisa julgada). Mas será que a eficácia da coisa julgada resguarda prospectivamente as partes no litígio em que decidiu um órgão hierarquicamente inferior (o TRF), pela inconstitucionalidade, diante da decisão superveniente pela constitucionalidade, proferida por órgão superior (o STF)? Veremos que não.

5.7 - A solução da questão constitucional não é o objeto do litígio, por isso mesmo que o controle judicial é na hipótese difuso. É tão só um dos fundamentos da decisão sobre o mérito da pretensão concretamente deduzida em juízo. A decisão do mérito, em tal hipótese, faz coisa julgada tão somente e como visto quanto ao caso concreto, o objeto da relação processual litigiosa. A coisa julgada não se dilarga para além do período de exigibilidade a que a decisão se reporta. A questão prejudicial da inconstitucionalidade não tem nada a ver com os limites objetivos e subjetivos da coisa julgada - porque essa decisão não transita em julgado ou, com a licença da linguagem metafórica, não adquire “força” de coisa julgada. A lei continua em vigor porque o judiciário negou-lhe tão só aplicação no caso concreto. Do contrário, essa decisão projetaria no futuro os seus efeitos, liberando definitivamente só alguns contribuintes (as partes em litígio) do dever de pagar a contribuição. A proclamação da inconstitucionalidade não vai portanto além dos limites da lide em que ela foram proferida.

5.8 - Essas considerações valem para as hipóteses de controle difuso da constitucionalidade. E no controle concentrado, onde se postula a proclamação de constitucionalidade ou inconstitucionalidade da lei em ação direta? Como se apartam esses regimes processuais? Responde-o sucintamente ALBERTO XAVIER:

“Para que a questão prejudicial integre o dispositivo da sentença e produza efeitos de caso julgado é necessário que ela não seja decidida incidenter tantum, mas principaliter em ação declaratória incidental, nos termos do art. 470 do Código de Processo Civil” (Do lançamento, 2ª ed., 1987, p. 385).

No controle difuso, a proclamação da inconstitucionalidade, exceto na declaratória, é incidenter tantum, motivo ou pressuposto para a anulação do lançamento da exação; no concentrado é o objeto de cognição direta do Judiciário, principaliter.
A conclusão será esse discrime mesmo quem no-la oferta:

“Assim, sentenças proferidas em ‘processos sobre atos’ não são idôneas a revestir a autoridade de caso julgado em processos futuros, tendo por objeto a mesma relação tributária subjacente, mas quanto à qual se formula um pedido diverso, seja um pedido de anulação de novo ato administrativo seja um pedido meramente declaratório em ação própria e sucessiva” (ALBERTO XAVIER, op. cit., p. 385).


E a razão porque não integra, a solução da questão constitucional, a coisa julgada, é que ela constitui apenas a motivação ou fundamentação da decisão sobre a relação jurídica litigiosa concreta. A motivação ou fundamentação está excluída da coisa julgada, tal como decidiu o STF na ação rescisória n° 1239-MG, Pleno, unânime, rel. Min. CARLOS MADEIRA:

Ação Rescisória. Eficácia da coisa julgada. Alegação de violação dos artigos 546 e 468 do Código de Processo Civil, 322 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, e ofensa ao parágrafo 4° do artigo 153 da Constituição. Súmula 239 da Corte. O que é consagrado no enunciado da Súmula 239 é a orientação restritiva da coisa julgada em matéria tributária, de modo a excluir os motivos e fundamentos da sentença.
Ação julgada improcedente”.

Do voto do relator, extrai-se o seguinte tópico:
“O art. 469, I, do atual Código de Processo Civil, acolheu esse ponto de vista doutrinário, defendido entre nós desde Paula Batista, que dizia ser a autoridade da coisa julgada ‘restrita à parte dispositiva da sentença, e aos pontos aí decididos e fielmente compreendidos em relação aos seus motivos objetivos” (Teoria e Prática, 1910, pág. 175)”.

No mesmo sentido, assim se expressou o Min. MOREIRA ALVES:
“A meu ver, não cabe ação declaratória para o efeito de que a declaração transite em julgado para os fatos geradores futuros, pois ação dessa natureza se destina à declaração da existência, ou não, de relação jurídica que se pretende já existente. A declaração da impossibilidade do surgimento de relação jurídica no futuro porque não é esta admitida pela Lei ou pela Constituição, se possível de ser obtida por ação declaratória, transformaria tal ação em representação de interpretação ou de inconstitucionalidade em abstrato, o que não é admissível em nosso ordenamento jurídico.
Assim, e considerando que não há coisa julgada nesses casos que alcance relações que possam vir a surgir no futuro, acompanho o voto do eminente relator, e julgo improcedente a ação”.

VI - A antinomia entre as decisões dos TRFs e as do STF

6.1 - Antinomia, como a sua origem etimológica indica (do grego anti - contra + nomos - lei), é o governo simultâneo dos contrários: as decisões do STF pela constitucionalidade da contribuição social sobre o lucro das empresas em contraposição, sucessiva no tempo, a decisões de TRFs, pela sua inconstitucionalidade.
Não se trata de um singelo problema sintático de relacionamento normativo entre iguais na escala hierárquica. Conflito entre decisões de órgãos da mesma hierarquia no escalonamento da ordem jurídica. Não levar em conta a particular feição do STF no federalismo brasileiro é porém fonte dos equívocos generalizados no particular.

6.2 - O texto constitucional, no seu art. 102, caput, atribui ao STF precipuamente a guarda da Constituição. Que nomeia a CF com essa cláusula tão solene? Que procura ela sintetizar? Qual o sentido dessa guarda, que é como uma guarda pastoral?
O STF tem a seu cargo a custódia da CF. De sorte que a CF é, no sentido pragmático que lhe emprestam os juristas americanos, o que o STF diz que ela é. Nesse insigne mistér, o STF é o construtor do federalismo brasileiro. De maneira que, as decisões do STF, mesmo cronologicamente posteriores às dos Tribunais inferiores, lhes confirmam ou infirmam a validade. Decisão em contrário às normas postas pelo STF é decisão de validade limitada. Assim como o das normas gerais, o fundamento de validade das normas individuais não é extraído de critérios cronológicos, mas hierárquicos.

6.3 - A “guarda da Constituição” é uma cláusula-síntese. Seu campo material de validade abarca, na sua universalidade de significação, a competência toda do STF. Disso resulta que as normas constitucionais específicas sobre essa competência (art. 102, itens I a III) já estão de certa forma compreendidas nessa cláusula, como espécies de um gênero. Se não desdobrada a sua competência em autônomos tópicos normativos, ainda assim o STF estaria legitimado para custodiar a CF: compete-lhe a guarda da Constituição - e isso basta, porque essa cláusula diz tudo.

6.4 - Não há como afastar-se a posição de proeminência das decisões do STF no contraste com as de quaisquer outros tribunais do País, mesmo sob a invocação da proteção à coisa julgada. Esse efeito a coisa julgada não tem, porque ele equivaleria a uma derrogação parcial da cláusula-síntese, na medida em que prevalecessem as decisões jurisdicionais em contrário, sob invocação da coisa julgada que desconsiderasse esses limites constitucionais. Como diria o saudoso GERALDO ATALIBA, a CF não dá com u’a mão ao STF - a guarda da Constituição, art. 102, caput - e tira com a outra - a proteção da coisa julgada - art. 5°, XXXVI. Esses dois dispositivos devem portanto ser harmonizados. Mas há entre eles diferença capital: a competência do STF tem eficácia plena: a proteção constitucional da coisa julgada, limitada. Porque é à lei integrativa (CPC, p. ex.) que incumbe a estruturação da coisa julgada. É como se o texto constitucional afirmasse: (I) lei processual disporá sobre os efeitos da coisa julgada (âmbito constitucionalmente indeterminado) e (II) a coisa julgada não pode ser alcançada por leis e decisões judiciais retroativas (âmbito constitucionalmente determinado). Sob formulação unitária, dois preceitos distintos. Essa fórmula aliás está implícita no texto constitucional e, assim sendo, pode ser enunciada na linguagem que o descreve.

6.5 - A CF protege a coisa julgada, sem no entanto determinar-lhe os limites objetivos e subjetivos. Como estão no campo da indeterminação constitucional, esses limites são infraordenados com relação aos limites constitucionais - quaisquer deles. Logo a cláusula-síntese da competência do STF é, sob esse aspecto, sobreordenada. O que lhe revela a eminência, antes uma proeminência: a coisa julgada não pode ter o efeito de derrogar (= revogar parcialmente), a cláusula-síntese: o STF é o guardião da CF. É este um limite constitucional à eficácia da coisa julgada. Derrogação consumada porém se os efeitos do julgado, coexistissem com decisão do STF em sentido contrário. Constitucional para o STF, inconstitucional para as TRFs. Que é que isso tem a ver com a coisa julgada? Apenas com os seus limites. A invocação da coisa julgada na hipótese de débitos posteriores ao julgado é simplesmente impertinente. Viola regra da dialética processual: a da pertinência. Violação oculta pela caracterização exclusiva da coisa julgada como um instituto de direito processual. E estudada, como se não tivesse nenhuma implicação com a ordem constitucional. Estando os seus limites fixados na ordem infraconstitucional, a coisa julgada, não pode prevalecer contra a CF.

6.6 - Uma ressalva: essa questão constitucional não deve ser “degradada” ao nível de um simples incidente de uniformização de jurisprudência, diversamente do que já se pretendeu.
Nem se trata de projetar o efeito vinculante da ação direta de inconstitucionalidade (CF, art. 102, § 2°) no controle difuso. Até porque a jurisprudência do STF pode mudar. O que se rejeita é manipulação da coisa julgada como pretexto e obstáculo processual à apreciação da matéria em processo subsequente ao período de exigibilidade discutido no controle difuso. Se houver alteração da jurisprudência do STF, a solução dos pressupostos processuais (questões prejudiciais sobre constitucionalidade) se altera ipso facto. Mas a reapreciação da matéria em períodos subsequentes não estará em hipótese alguma vedada, quer pela CF, quer pelo CPC.

6.7 - O entendimento datas adotado, está aliás em harmonia com a jurisprudência do STF que vê na ofensa a coisa julgada apenas violação indireta à CF:
“EMENTA: - DIREITO CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. COISA JULGADA. (ART. 5°, INC. XXXVI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
1. O tema relativo à coisa julgada foi examinado pelo Superior Tribunal de Justiça, estritamente sob o aspecto processual civil, concluindo aquela Corte pelo não conhecimento do Recurso Especial.
2. Ora, é pacífico o entendimento do S.T.F., no sentido de não admitir, em R.E., alegação de ofensa indireta à Constituição Federal, por má interpretação e/ou aplicação de normas infraconstitucionais, como são as de Direito Processual Civil sobre coisa julgada.” (AGRAG - 1722101 RJ - AG. REG. EM AG. DE INST. OU DE PETIÇÃO, 1ª turma, unânime, rel. Min. SYDNEY SANCHES, in DJ 19-09-97, pp. 45532).

“EMENTA: Agravo Regimental.
- Em se tratando de recurso extraordinário contra decisão prolatada em ação rescisória, deve ele dirigir-se aos pressupostos dela e não aos fundamentos do acórdão rescindendo.
- Quando à alegação de ofensa à coisa julgada, a questão dos limites objetivos dela é matéria que se resolve no terreno infraconstitucional, não havendo, assim ofensa direta à Constituição.
Agravo a que se nega provimento” (AGRAG - 152725/DF, AG. REG. EM AG. DE INST. OU DE PETIÇÃO, 1ª Turma, unânime, rel. Min. MOREIRA ALVES, in DJ de 04.04.97, pp. 10525).

Não será por outro motivo que o STF negou-se a apreciar REs interpostos com fundamento em contrariedade à coisa julgada:

“EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AFRONTA AO ARTIGO 5° - XXXVI DA CARTA. SÚMULA 288.
Não é possível, no Recurso Extraordinário, o exame, in concreto, dos limites objetivos da coisa julgada” (AGRAG - 137811/SP, AG. REG. EM AG. DE INST. OU DE PETIÇÃO, 2ª Turma, unânime, rel. Min. FRANCISCO REZEK, in DJ 25.04.97, pp. 15205).

“EMENTA: Não é admissível recurso extraordinário, com suposto fundamento em contrariedade ao disposto no inciso XXXVI do art. 5° da Constituição, para reabrir controvérsia acerca dos limites objetivos da coisa julgada” (AGRAG - 16754/SP - AG. REG. EM AG. DE INST. OU DE PETIÇÃO, 1ª Turma, unânime, rel. Min. OTÁVIO GALLOTTI, in DJ de 27.09.96, pp. 36155).

6.8 - O CTN diz porém e como visto que a coisa julgada simplesmente extingue o crédito tributário. Está, no particular, em plena sintonia com o texto constitucional. Os limites da coisa julgada estabelecidos na lei processual civil, não podem contrapor-se à ordem constitucional, atribuindo-se efeitos ao julgado que a CF não admite. Por isso é um equívoco fundamental centrar a análise da coisa julgada exclusivamente na legislação processual civil, sem correlacionar os seus efeitos com a ordem constitucional.

6.9 - À vista de decisões posteriores do STF em controle difuso ou concentrado proclamando a inconstitucionalidade ou constitucionalidade coloca-se o problema da admissibilidade de ação rescisória de antecedentes decisões de instâncias inferiores, p. ex., juizes e tribunais federais, trânsitas em julgado.
Esse problema - o do juízo de admissibilidade da rescisória - é decorrente sobretudo da Súmula 343 do STF:
“Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei quando a decisão rescindenta se tenha baseado em texto legal da interpretação controvertida nos tribunais”.

6.10 - Para abrandar os rigores dessa Súmula, sustenta-se a sua inaplicabilidade nas hipóteses em que a controvérsia judiciária se tenha estabelecido na interpretação de norma constitucional, porque ao STF cabe a guarda da CF e pois incumbe-lhe a última palavra em matéria constitucional - a suprema preclusão no direito brasileiro.

6.11 - Em estudo inserto na coletânea Processo judicial em matéria tributária, HUGO DE BRITO MACHADO objeta que, ao afastar-se em matéria constitucional a Súmula 343, dar-se-ia retroeficácia às decisões do STF, mesmo no controle difuso, sobrepondo-se até às leis - que não retroagem para atingir a coisa julgada (Aspectos da ação rescisória em matéria tributária, op. cit., 1995, p. 65).
E no entanto a alegada retroeficácia assenta numa petição de princípio, porque resta indemonstrado que a decisão do STF teria, em hipóteses que tais, efeito retroativo. Seguramente ela não o tem, porque não desconstitui a decisão do TRF. Ela apenas se aplica a períodos de exigibilidade não compreendidos nos julgados das instâncias inferiores.

6.12 - Com a sua sagacidade, esse autor reconhece no entanto que, tratando-se de relações jurídicas continuativas, como acontece a miude em matéria tributária, a aplicação da Súmula 343 pode implicar grave lesão ao princípio da isonomia, com alguns contribuintes pagando o tributo e outros, não (art. e op. cits., p. 66).

6.13 - Para afastar esses inconvenientes, o autor corretamente propõe uma solução salomômica: preservar a coisa julgada no concernente aos fatos passados e admitida a rescisória somente no tocante aos casos futuros:
“Já no concernente aos fatos futuros a rescisória há de ser julgada procedente, pois a decisão do Supremo Tribunal Federal, no exercício do controle de constitucionalidade, é uma inovação da ordem jurídica, que atinge, tal como uma lei nova, aquela relação jurídica continuativa” (art. e op. cit. pp. 69-70).

Porém, se a rescisória descabe com relação a fatos passados (o que se concede) e se os fatos futuros não estão abrangidos pelos efeitos dos julgados dos TRFs, a invocação da rescisória não terá nenhum cabimento na hipótese em apreço. Pois a Receita Federal não está a exigir a contribuição com referência a períodos anteriores aos julgados dos TRFs. Logo não se trata de eternização de lides, porque são lides diversas. E nada tem a ver a hipótese com o efeito vinculante típico (CF, art. 102, §2°) das decisões do STF em controle concentrado. Trata-se de diversa vinculação (sintática, hierárquica). Como custodiar a CF desconsiderando essa diversa forma de vinculação?

VII - Diversidade efectual entre as decisões sobre inconstitucionalidade no controle concentrado e no controle difuso

7.1 - A coisa julgada vem sendo abordada como instituto exclusivo do direito processual, a origem de deficiências na sua caracterização jurídica. E no entanto ela é estudada, pela Teoria Geral do Direito, como categoria formal, independente portanto de quaisquer conteúdos materiais (v. HANS KELSEN Teoria General del derecho y del Estado, 1949, pp. 161-162 e 165-6). Essa caracterização formal da coisa julgada prescinde de sua configuração pelo direito positivo, que introduz no formal da TGD (coisa julgada - só) determinados conteúdos (coisa julgada, tributária, penal, civil, trabalhista, etc).

7.2 - É sobretudo a teoria geral do processo, uma especificação da TGD, que irá - essa sim - iluminar o questionamento desse tema. Em virtude de consideração de capital importância: no seu âmbito, poder-se-ia indiferentemente sustentar que a coisa julgada abrange ou não os motivos da conclusão. Ensina-o excelentemente HUGO MACHADO:
“No plano de uma teoria do processo, desvinculada de um determinado ordenamento jurídico tanto se pode sustentar que a coisa julgada abrange as premissas lógicas da decisão, como a tese contrária” (Temas de Direito Tributário, II, 1994, p. 217).

Mas o problema que nos interessa não é tanto o da caracterização da coisa julgada, quando o da aclaração dos seus limites objetivos e subjetivos no direito positivo brasileiro. Limites que decorrem do conteúdo do julgado. Algo que só a dogmática jurídica constitucional e processual pode ofertar. Nesse plano, interpõe-se uma alternativa excludente: ou a coisa julgada abrange ou não abrange os fundamentos do decisório.

7.3 - A coisa julgada tributária é categoria de direito positivo e há impossibilidade de norma de direito positivo com âmbito de validade ilimitado. Ora, a decisão judicial é um ato ponente de norma individual. Tem âmbitos de validade material, pessoal, temporal e espacial limitados. Decisão de TRF pela inconstitucionalidade da contribuição social estabelece então uma norma individual, a vincular as partes envolvidas na relação jurídica processual - e só elas (âmbito pessoal), a determinar a matéria por ela abrangida - e só ela (âmbito material). E vale apenas para os fatos deduzidos em juízo até a época do ajuizamento - é só eles (âmbito temporal). Significa afirmar que, fora desse suporte factico do ato normativo, a decisão não projeta efeito algum. Noutras palavras: acaba por ser impertinente a discussão sobre a coisa julgada, precisamente porque a transcende. Se estão respeitados esses pressupostos de fato, não há pertinencialidade dialética da discussão sobre a res iudicata. Ora, âmbito material é, na teoria geral das normas, um outro nome para o que a doutrina processual nomeia: “limites objetivos da coisa julgada”. E que particularmente interessa a este parecer.

7.4 - Por contraste, a diversidade dos regimes jurídicos de controle concentrado e difuso pelo STF esclarece esses pontos tão baralhados pelo uso superficial e até o mau uso na doutrina tradicional da res iudicata e seus limites objetivos.
Como ocorre o controle concentrado da constitucionalidade no direito brasileiro? A CF dá a resposta: compete ao STF processar e julgar originariamente a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal (CF, art. 102, I, a, na redação da EC 3/93).

7.5 - A ação direta de inconstitucionalidade somente pode ser proposta pelas pessoas e órgãos mencionados na CF, art. 103, I a IX. Mas, no tocante à sua aplicação, a decisão do STF alcança uma universalidade de pessoas como seus destinatários. Seu campo-de-incidência e aplicabilidade é portanto indeterminado: qualquer um pode invocá-la a seu prol. No controle difuso, só as partes no litígio em que essa decisão em preliminar de mérito se deu é que o podem. Trata-se portanto, sob esse aspecto - o âmbito pessoal de validade - de um número maior ou menor de pessoas alcançadas pelos efeitos do decisório num tipo de controle (concentrado) ou noutro (difuso). O sistema jurídico opera desenvoltamente com esses critérios relativamente indeterminados: quantas pessoas na ação direta? E no controle difuso? Impossível responder. Mas seria juridicamente irrelevante a resposta.

7.6 - Essa eficácia generalizada do julgado pelo STF é mais evidente nas ações diretas de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, porque elas produzirão eficácia vinculante relativamente aos demais órgãos do poder judiciário e do poder executivo (CF, art. 102, § 2°).

7.7 - Mas, como demonstrado, a inconstitucionalidade é, no controle difuso, ao contrário do controle concentrado, tão só a questão prejudicial, decidida incidenter tantum no julgamento da causa - não porém o objeto do litígio, a relação deduzida em juízo. Conclusão fundamental: a coisa julgada em controle jurisdicional difuso limita-se às obrigações relativas aos períodos de apuração do quantum debeatur até a data do trânsito em julgado da sentença. O objeto da demanda é exonerar determinado(s) contribuinte(s) da obrigação de pagar a contribuição sobre o lucro; a inconstitucionalidade da lei de regência constitui apenas um pressuposto, questão prejudicial, motivo determinante: não integra ao âmbito de validade da decisão, isto é, não é alcançada pela res iudicata. Em suma: a coisa julgada não abrange os motivos e, dentre esses, a fundamentação constitucional do decisório. Noutros termos: a questão constitucional, exclusa da coisa julgada, é um limite desta, como que um limite interno do julgado. Não uma limitação à apreciação da matéria noutra instância jurisdicional.

7.8 - A preservação dos períodos anteriores ao julgado não decorre a rigor da coisa julgada, mas sim da proibição constitucional de retroatividade (CF, art. 5°, XXXV). No plano das normas gerais de direito tributário aplicáveis à contribuição, a situação subjacente à consulta se resolve numa proibição de retroatividade de modificações introduzidas em decorrência da decisão do STF, tal como dispõe o CTN, art. 146, relativamente ao ato administrativo de lançamento:


“A modificação introduzida de ofício ou em conseqüência de decisão administrativa ou judicial nos critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa no exercício do lançamento somente pode ser efetivada, em relação a um mesmo sujeito passivo, quanto ao fato gerador ocorrido posteriormente à sua introdução”.

Se simples atos de lançamento podem ser administrativamente revistos até pela mesma autoridade, com relação a fatos subsequentes à modificação de critérios jurídicos por decisão administrativa, com maiores razões, decisões de tribunais inferiores pela exclusão do dever de contribuir para certas empresas, devem ser substituídas, relativamente a “fatos geradores” subsequentes a decisões do STF pela constitucionalidade da pretensão à contribuição. Isso não implica retroatividade a que pode ser reconduzida a proibição da CF, art. 5°, XXXVI.

VIII - A doutrina processual da coisa julgada: caminhos e descaminhos, marchas e contra-marchas

8.1 - A doutrina processual, estuda a coisa julgada à luz de duas categorias fundamentais, sintetizadas por PONTES DE MIRANDA:
“A coisa julgada é formal quando não mais se pode discutir no processo o que se decidiu. A coisa julgada material é a que impede discutir-se, noutro processo, o que se decidiu” (Comentários cit. vol. 4°, pp. 138-9).

Como no entanto se dá a integração da coisa julgada no âmbito da legislação processual civil? Noutras palavras: qual o seu regime processual?

8.2 - O DL 4.657, de 04.09.42 (“Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro”), a define genericamente, no seu art. 6°, § 3°:

“Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso”.

O dualismo porém volta a introduzir-se com o vigente CPC, cujo art. 467 prescreve:
“Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário”.

Uma análise mais refinada apartará nesse dispositivo elementos materiais (imutabilidade, indiscutibilidade) e formais (insusceptibilidade a recursos). Ou seja: um dualismo oculto.

8.3 - O mesmo dualismo retorna ainda em PONTES DE MIRANDA, Comentários ao CPC, 2ª ed., t. IV, p. 48:
“A fôrça, que tem a sentença, quanto à solução da questão pleiteada, para o caso de se querer pleiteá-la de nôvo, é a coisa julgada material. À imutabilidade da sentença, por parte do juiz ou tribunal que a emitiu, ou por via de recurso, dá-se o nome de coisa julgada formal” (grifos desse autor).

Todavia o egrégio jurisconsulto é expresso em excluir do âmbito da coisa julgada os motivos do decisório:
“Os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance do que decide a sentença (‘parte dispositiva da sentença’), não fazem coisa julgada material. No processo não mais se podem discutir e julgar porque o processo se extinguiu. Fora do processo, o que pode ter eficácia de coisa julgada (material) é o enunciado sentencial. O que pode acontecer e por vezes acontece é que se têm de apreciar para se saber qual o verdadeiro alcance da decisão ou das decisões. Porém, mesmo em tais circunstâncias, não fazem coisa julgada, nem têm eficácia de coisa julgada material (art. 469, I verbis: ‘ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença’). Está-se apenas no plano da interpretação dos enunciados da sentença, em pesquisa lógica. Fez bem o art. 469, I, em repelir o que alguns juristas queriam conferir aos motivos” (Comentários ao CPC, 1974, t. v., pp. 178-179).

8.4 - Diante do CPC, art. 469, I e III, a jurisprudência se inclina no sentido de que a coisa julgada é restrita ao dispositivo da sentença, excluída em consequência a questão prejudicial:
“A coisa julgada incide apenas sobre o dispositivo propriamente dito da sentença, não sobre os seus motivos ou a questão prejudicial - CPC, art. 469, I e III, salvante, não alusivo a esta última hipótese, se proposta ação declaratória incidental” (STJ - 4ª turma, Resp 444 - RJ - E Del. Rel. Min. ATHOS CARNEIRO, j. 19.3.91, DJU 22.4.91, p. 4.788, 2° vol. em.).

“Coisa julgada. Não abrange a fundamentação assim como não compreende, em seus limites objetivos, a decisão sobre a questão prejudicial, salvo se pedida a declaração incidental” (STJ - 3ª Turma, Ag. 53.230 - 5 - RJ - AqRg, rel. Min. EDUARDO RIBEIRO, j. 26.9.94, DJU 24.10.94, p. 28.758, 2ª col. Em).

8.5 - Historicamente superada a opinião de que a coisa julgada alcançaria os motivos da decisão e dentre esses as questões prejudiciais e pois a questão constitucional que seriam conhecidas e julgadas pelo órgão jurisdicional. Nem pode ser mais havida como preliminar do mérito, com o advento do novo CPC, a questão constitucional. O que a respeito se sustentou à luz do direito antigo obscurece a compreensão das inovações introduzidas no regime da coisa julgada pelo vigente CPC. E nada há que estranhar pois a coisa julgada à categoria de direito processual positivo.
Consequentemente, só na vigência do CPC revogado uma conclusão como essa seria cabível:
“Se por ocasião da cobrança, em dado exercício, o contribuinte se defendeu com a exceção de inconstitucionalidade do imposto e obteve ganho de causa, não será possível exigir, sob o pretexto de tratar-se de outro exercício ou de novo lançamento o mesmo imposto já julgado inconstitucional”(CASTRO NUNES e local cit., p. 296).

Trata-se de mera arqueologia jurídica, um resíduo histórico: o vigente CPC não mais autoriza essa conclusão.

8.6 - No inventário da teoria processual da coisa julgada é preciso não esquecer que essa doutrina foi de início construída sob a vigência do CPC anterior, cujo art. 287, § único, expressamente prescrevia:
“Considerar-se-ão decididas todas as questões que constituam premissa necessária da conclusão”.

O que viabilizou, o entendimento de RUBENS GOMES DE SOUSA, sobre a coisa julgada tributária:
“A solução exata estaria em distinguir, em cada caso julgado, entre as decisões que se tenham pronunciado sobre os elementos permanentes e imutáveis da relação jurídica, como a constitucionalidade ou inconstitucionalidade do tributo, a sua incidência ou não-incidência na hipótese materialmente considerada, a existência ou inexistência de isenção legal ou contratual e o seu alcance, a vigência da lei tributária substantiva ou sua revogação, etc - e as que se tenham pronunciado sobre elementos temporários ou mutáveis da relação jurídica, como a avaliação de bens, as condições personalíssimas do contribuinte em seus reflexos tributários e outras, da mesma natureza; à coisa julgada das decisões do primeiro tipo há que atribuir uma eficácia permanente; à das segundas, uma eficácia circunscrita ao caso específico em que foram proferidas” (verbete: Coisa Julgada (Direito Fiscal, in Repertório Enciclopédico do Direito Brasileiro, vol. 9°, p. 298 - destaques deste autor).

E acrescentou GOMES DE SOUSA, com a habitual acuidade teórica:
“quando a sentença, cuja coisa julgada se invoque, tenha decidido sobre os elementos permanentes, constantes e permanentes da própria relação jurídica debatida tais elementos não serão meras questões prejudiciais, ou simples antecedentes lógicos da decisão, mas constituirão a própria tese jurídica decidida, ou seja, representarão o próprio objeto da decisão” (op. e p. cits.)

Entendimento dantes correto, hoje ultrapassado. Duas palavras do legislador e esboroa-se uma biblioteca inteira… A lição de GOMES DE SOUSA perdeu a aplicabilidade ao direito posto, com o advento do CPC de 1973.

8.7 - A diversidade de regime processual da coisa julgada - o motivo ora a integra, como na legislação processual civil anterior, ora não, como no vigente CPC, art. 468, não é questão que possa ser resolvida por mera lógica jurídica. É opção que incumbe ao direito positivo exercer. E o CPC em vigor optou pela exclusão dos motivos do âmbito material da coisa julgada. Tollitur quaestio!
É o que claramente deflui de BARBOSA MOREIRA, precisamente no tocante ao ponto fulcral da controvérsia - a questão da constitucionalidade:

“O contribuinte x propõe contra o Fisco ação declaratória negativa de dívida tributária, em relação a determinado exercício, argüindo a inconstitucionalidade da lei que instituíra o tributo. O juiz acolhe o pedido, por entender que tal lei era realmente inconstitucional. A solução dessa questão de direito constitui motivo da decisão: sobre ela não se forma a coisa julgada. Com relação a outro exercício - e portanto a outra dívida - é lícito ao órgão judicial reapreciar a questão, eventualmente para considerar constitucional a mesma lei e julgar, por isso, que o tributo é devido por x” (Os limites da coisa julgada no sistema do novo CPC, Revista Forense, t. 246, p. 31).

8.8 - Por outro lado, a orientação doutrinária antecedente ao CPC de 1973 sequer adianta alguma consideração, quanto ao problema diverso da confrontação entre decisões do STF, trânsitas em julgado, pela constitucionalidade da contribuição e dos TRFs, pela sua inconstitucionalidade, também trânsitas em julgado. É coisa julgada versus coisa julgada. Tema inexplorado pela doutrina processualística - tributária ou não.

8.9 - A doutrina estrangeira não admite hesitações quanto à delimitação dos efeitos da coisa julgada tributária. Veja-se p. ex. ENRICO ALLORIO:
“os limites da coisa julgada tributária (e de resto da eficácia constitutiva da decisão tributária) são os mesmos da lide tributária: portanto, proferida decisão munida de autoridade de julgado, positiva ou negativa, sobre o direito de anulação de um determinado lançamento, tal decisão não tem mais eficácia em relação a outros lançamentos, mesmo similares, concernentes a períodos de impostos sucessivos, nem mesmo se, com respeito à legalidade desses últimos atos, existem relevantes questões idênticas às que foram já judicialmente resolvidas” (Diritto Processuale Tributario, 4ª ed., p. 188).

Mas certa doutrina, no âmbito do direito brasileiro, já se antecipava ao vigente CPC:
“é só o comando pronunciado pelo juiz que se torna imutável, não a atividade lógica exercida pelo juiz para preparar e justificar a decisão”. (ENRICO TULLIO LIEBMAN, Eficácia e autoridade da sentença, Forense, Rio, 1945, p. 51 - o destaque é desse autor).


No mesmo sentido e com notável clareza ensina autor moderno:
“É evidente que a res, o bem da vida, disputado, é apenas o crédito tributário que o contribuinte pretende desconstituir, tanto nos embargos como na anulatória de lançamento tributário. Se o contribuinte pagou, porque vencido nos embargos, ou na anulatória, o efeito da coisa julgada obviamente impede que se rediscuta a questão de saber se aquele crédito era realmente devido, questão que foi resolvida pela sentença proferida nos embargos, ou na anulatória. Não alcança, todavia, os motivos ou premissas lógicas dessa decisão. Não abrange a questão de saber se o tributo, relativamente a outros períodos, é devido” (HUGO MACHADO, Temas de Direito Tributário, II, cit., pp 218-219).

8.10 - Na vigência do novo CPC, MOACYR AMARAL DOS SANTOS sustentou que, tendo a sentença força de lei nos limites da lide e das questões decididas, deverá ater-se a esses limites. Mas as questões prejudiciais suscitadas pelas partes não fazem coisa julgada (Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, vol. 3°, 12ª ed., SP, págs. 62-63). O emérito processualista incorpora-se à doutrina que, ex vi do CPC, art. 469, circunscreve a coisa julgada ao dispositivo da sentença.

8.11 - Como visto à luz da Teoria Geral do Processo Civil, o dantes incluso na res iudicata, pelo CPC de 1939, é hoje dela excluso, pelo CPC de 1973. Assim será melhor compreendida a lição de MOACYR AMARAL DOS SANTOS:

“A matéria comportava controvérsia e profundas indagações no regime do Código de 1939, à vista de que dispunha o parágrafo único do art. 287: ‘Considerar-se-ão decididas todas as questões que constituam premissa necessária da conclusão’. Queria dizer que se considerava com efeito de coisa julgada as decisões, no desenvolvimento da análise das questões suscitadas, e que se pressupunham necessariamente na conclusão. E acrescentava-se que, nesse regime, tão só se haviam por decididas as premissas necessárias à conclusão não as consequências delas, embora necessárias. Aliás esse era o nosso parecer.
O Código vigente cortou definitivamente a controvérsia excluindo a eficácia da coisa julgada as questões resolvidas na fundamentação, até mesmo as questões prejudiciais (art. 469)” (Comentários ao CPC, 1976, vol. IV, p. 476).

8.12 - As questões prejudiciais em que, conforme a solução que lhes for dada, estará prejulgada a lide? A decisão dessas questões não faz coisa julgada, senão em ação autônoma. Nunca incidentemente no processo (CPC, art. 469, III).
Numa hipótese excepcional, faz coisa julgada a decisão da questão prejudicial, se a parte o requerer (CPC, arts. 5°, 325 e 470, combinados), o juiz for competente em razão da matéria e constituir pressuposto necessário para o julgamento da lide. É a declaratória incidental.

IX - Modificações no estado de direito em decorrência das decisões do STF

9.1 - Decerto a LC 90/91 introduziu modificação na L. 7.689/88, simplesmente com o substituir uma disciplina de lei ordinária por outra de lei complementar. Modificação de regime jurídico formal ou procedimental (CF, art. 69) e material.
E o seu art. 11, caput, majorou a alíquota da contribuição nos termos que se seguem:
“Fica elevada em oito pontos percentuais a alíquota referida no § 1° do art. 23 da Lei n° 8.212, de 24 de julho de 1991, relativa à contribuição social sobre o lucro das instituições a que se refere o § 1° do artigo 22 da mesma lei, mantidas as demais normas da Lei n. 7.689, de 15 de dezembro de 1988, com as alterações posteriormente introduzidas”.

De sorte que, à vista dessa superveniente disciplina legal, deu-se alteração no estado de direito antecedente, restrita embora às alíquotas da contribuição e às pessoas que o § 1° do art. 22 adnumera; alteração relativa ao âmbito pessoal, que o CTN, art. 97, IV coloca sob reserva da lei. Modificação portanto no estado de direito.

9.2 - Soa como trivial, mas necessária, a afirmação de que a coisa julgada não impede venha a lei nova a reger diferentemente os fatos ocorridos a partir de sua vigência. É uma decorrência da CF, art. 2°: tripartição do poder.
Se os períodos de contribuição a ele subsequentes, fossem abrangidos pelo julgado, a matéria subsumir-se-ia ao CPC, art. 471, I. E caberia então demonstrar que houve modificação no estado de fato e/ou de direito pressupostos para a exigibilidade da contribuição.
Não será portanto tão trivial a consideração de que: “Não modifica a causa de pedir mudança de dispositivo legal em que fundamenta a pretensão”, mas “a coisa julgada não abrangerá aquilo que não foi e não poderia ter sido objeto de apreciação na anterior demanda (RTFR, 136/77)”.
É precisamente o que ocorre com a superveniência da jurisprudência do STF. As modificações por ela introduzidas não poderiam jamais ser objeto de apreciação nas decisões dos TRFs. Seria um exercício de futurologia…

9.3 - Constitui no entanto problema diverso saber se essas modificações devem ser de qualquer sorte “quantificadas”, a fim de que sejam apartadas as alterações relevantes dos que não o são para efeito de exclusão do decisum do âmbito da coisa julgada. E mais: da possibilidade de sua revisão nos termos da lei processual civil em vigor.

9.4 - Todavia essas questões podem ser desconsideradas, para economia do argumentação, em decorrência das decisões do STF que proclamaram a constitucionalidade da contribuição social sobre o lucro.
O STF não é órgão consultivo ou opinativo. É órgão de produção do direito: a sua decisão introduz norma individual, se de controle difuso se trata, como na hipótese. Houve portanto, no plano dessas normas individuais, nítida alteração no antecedente estado de direito. É o quanto será necessário para consistentemente invocar o CPC, art. 471, em cujos termos:
“Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas, relativas à mesma lide, salvo:
I - se, tratando-se de relação jurídica continuativa, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito, caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença”.

A referência processual é ali à “mesma lide”, à identidade do processo, pressuposto para a revisão da sentença. De sorte que, ou (a) se considera que a coisa julgada só se refere aos exercícios anteriores, na esteira do STF, Súmula 239 e nesse caso não haverá modificação no conteúdo da decisão pela cobrança da contribuição noutros períodos de exigibilidade, ou (b) se considera ao contrário e sem razão que os períodos futuros também estariam abrangidos pelo julgado.

9.5 - Em tais condições, é inafastável o dilema: ou a parte, no caso a Fazenda Pública, poderia pedir a revisão do julgado, se de coisa julgada estivéssemos a tratar, ou os limites da coisa julgada impõem a sua circunscrição temporal aos períodos antecedentes ao julgado - nunca aos subsequentes. E sequer a revisão do julgado será necessária, para que se abra ao fisco a via para o exercício da pretensão à contribuição social. E muito menos será exigível ação rescisória como a única via de acesso à pretensão fiscal.

9.6 - Houve, com a LC 70/91, modificação do preexistente estado de direito: modificação no plano das normas gerais. O STF, ao considerar constitucional a contribuição introduziu, também ele, modificação no estado de direito: modificação no plano das normas individuais. Que é um acórdão do STF senão um ato instituinte de normas individuais no controle difuso da constitucionalidade? Portanto modificativo do estado-de-direito antecedente e decorrente, também ele, de normas individuais postas pelos TRFs.
Tanto procedem essas considerações (e implicitamente as próprias empresas o reconhecem) que argumento esgrimido nas demandas judiciais era o da necessidade de lei complementar para reger a matéria. Argumento porém expressamente rechaçado pelo STF (supra, 1.4).

9.7 - Não se trata in casu de questionar o acerto ou desacerto dos julgados pela inconstitucionalidade da contribuição. Até porque às decisões judiciais, atos ponentes de normas para o caso concreto, não pertinem os atributos de verdade ou falsidade, mas de validade ou invalidade. A coisa julgada permanece então inalterada e intangível. O que se discute são os seus limites objetivos.
Descabe pois sustentar-se que, diante das modificações introduzidas pela jurisprudência do STF permaneceu inalterado o estado-de-direito anterior. É o suficiente para afastar do âmbito material da coisa julgada os períodos de contribuição. Exigindo-se a contribuição em períodos posteriores, não se toca nos julgados dos TRFs. A “autoridade” da coisa julgada está respeitada na hipótese.

X - A exigibilidade da contribuição decorre de uma relação jurídica continuativa

10.1 - A relação entre a administração federal e o contribuinte não é instantânea, mas continuativa, ex vi da L. 7.689/88, art. 5°, § 1°, em cujos termos ela é exigível:

“A contribuição será paga em 6 (seis) prestações mensais iguais e consecutivas, expressas em número de OTN, vencíveis no último dia útil de abril a setembro de cada exercício financeiro”.

A cada mês portanto se renova a exigibilidade da prestação.

“A relação jurídica tributária continuativa é peculiar aos tributos relacionados a ocorrências que se repetem, formando uma atividade mais ou menos duradoura. Por isto mesmo os contribuintes, sujeitos passivos dessa relação, inscrevem-se em cadastro específico, que se faz necessário precisamente em virtude da continuidade dos acontecimentos relevantes do ponto de vista tributário” (HUGO MACHADO, op. cit. p. 221).

10.2 - Poder-se-á no entanto sustentar que, tratando-se de ação declaratória, a declaração da inexistência de relação jurídica é fim em sim mesma, enquanto que nas ações condenatórias ou constitutivas, a declaração é apenas uma premissa lógica da decisão. Assim sendo, nessa hipótese específica, a de declaratividade judicial, o preceituado na sentença valeria ad futurum.
Essa é com efeito a observação arguta de HUGO MACHADO e note-se que o tópico acima exclui da eficácia futura a alteração no estado de direito - precisamente que ocorre na hipótese:

“Na sentença que declara a inexistência de relação jurídica tributária, porque reconhece haver imunidade, ou isenção, ou não incidência pura e simples do imposto, transita em julgado a declaração. Assim, em se tratando de relação jurídica tributária continuativa, o preceito valerá para o futuro, salvo, é claro, alteração que poderá ocorrer nos elementos de fato ou de direito, formadores dessa relação.” (op. cit., p. 229).

10.3 - Mesmo que as decisões dos TRFs tivessem efeitos futuros, poderiam esses efeitos ser subtraídos da res iudicata. Se a decisão sobre a inconstitucionalidade, em juízo de declaração, transitar em julgado, não constituirá óbice à reapreciação jurisdicional da matéria em decorrência da modificação que apanha uma situação jurídica continuativa.

10.4 - Não se deve consequentemente erguer, contra a exigibilidade da contribuição em períodos posteriores aos abrangidos pelas sentenças trânsitas em julgado, o argumento de que permaneceram inalterados os seus pressupostos normativos de incidência com a superveniência da jurisprudência do STF. Qualquer óbice à reapreciação judicial da matéria - e à exigência da contribuição nesses períodos supervenientes - estaria ainda assim afastado pelo CPC, art. 471, I.

10.5 - A relação jurídica que se instaura na cobrança da contribuição é continuativa: a exigência do gravame se renova e alterna em períodos sucessivos ao longo do tempo de abril a setembro.
Finalmente, o pressuposto do art. 471, I é alternativo: modificação do estado de fato ou de direito. Dito noutros termos: o CPC não exige a modificação cumulativa do estado de fato e do estado de direito.

10.6 - Insista-se na demonstração desse ponto de certa forma óbvio: dado que as decisões do STF sobre a constitucionalidade da contribuição modificam o estado-de-direito preexistente, abrem-se duas alternativas exegéticas na hipótese: ou bem curva-se o hermenêuta ao CPC, art. 469, I e III e nesse caso inexiste coisa julgada tout court, ou bem se há coisa julgada, ela não constitui obstáculo à revisão do ato sentencial.
Revisão de sentença não é instrumento só de atualização de prestações alimentícias, reajustamento de aluguéis, pensões, etc. Ela pode perfeitamente ser concedida para a hipótese sob consulta, observado o devido processo legal. Tratar-se-ia de ação revisional do julgado que proclamou a inconstitucionalidade da contribuição. Nem tampouco se confunde com os pressupostos processuais para o cabimento da ação rescisória (CPC, arts. 485 e segs.).

10.7 - A relação jurídica continuativa já foi reconhecida pelo STF, em ação declaratória, como obstáculo à extensão dos efeitos do julgado para além dos eventos passados:
“A declaração de intributabilidade, no pertinente a relações jurídicas originadas de fatos geradores que se sucedem no tempo, não pode ter o caráter de imutabilidade e de normatividade a abranger eventos futuros” (RE 99.435-1, rel. Min. LUIS RAFAEL MAYER, in RTJ, 106/ 1.189, RTJ 132, p. 1114).

E igualmente o STF assim o decidiu no Agravo de Instrumento n° 91060 (Ag RQ) - AM (2ª turma), unânime. Rel. Min. DÉCIO MIRANDA:

Processual Civil. Mandado de segurança. Não se presta à obtenção de sentença preventiva genérica, aplicável a todos os casos futuros da mesma espécie” (in RTJ, 105, p. 635).

10.8 - Viável é portanto a renovação da cobrança da contribuição em cada período superveniente ao dos limites objetivos do julgado. A coisa julgada não prevalece nas relações continuativas, relações fácticas e jurídicas de trato sucessivo.

É reiterado o posicionamento jurisdicional a respeito. Veja-se por todos o STJ:
“Processual e tributário. embargos de divergência. ICM. Executivo Fiscal, Limites da coisa julgada. Súmula STF - 239.
1. Decisão que declara indevida a cobrança do tributo em determinado exercício não faz coisa julgada em relação aos exercícios posteriores.
2. Desassemelhando-se as situações enfrentadas nos acórdãos embargados e paradigma, não se há de prover os embargos de divergência.
3. Embargos não conhecidos.”
(EResp n° 36.807 - SP, 1ª sessão, embargos de divergência no recurso especial, julgado em 12.12.1995, rel. Min. Peçanha Martins, in DJU de 01.04.1996, p. 9859).

10.9 - Noutras oportunidades, o próprio STF pronunciou-se no mesmo sentido:

Coisa Julgada. Matéria Tributária.
Sentença proferida em mandado de segurança não faz coisa julgada quanto à ilegitimidade, em tese, da cobrança de certo tributo, visto que a concessão do writ diz respeito estrito à cobrança tópica do tributo em exercício determinado.” (RE n° 100.125 - PR, 2ª T., Rel. Min. Francisco Rezek, in RTJ 108/ 404).

ICM. Coisa julgada. Não faz a decisão que julga indevidos o lançamento e a cobrança do tributo em determinados exercícios, não pode, portanto, ser invocada contra lançamentos e cobranças relativos a exercícios posteriores. Súmula 239.
Recurso extraordinário conhecido e provido.” (RE n° 100.126 - PR, 2ª T., Rel. Min. Moreira Alves, in RTJ 108/ 406).

Coisa julgada em matéria fiscal. Súmula 239. Diferimento. Crédito.
A coisa julgada, em matéria de cobrança de ICM, tem por delimitação a relação jurídico-tributária emergente da operação, ou operações, que foi controvertida e julgada no caso concreto, a teor da Súmula 239.
Recurso extraordinário não conhecido.” (RE n° 109.073 - SP, 1ª T., Rel. Min. Rafael Mayer, in RTJ 118/831).

Ainda nesse sentido, o Ministro Moreira Alves, ao proferir seu voto no julgamento dos Embargos de Divergência em Recurso Extraordinário n° 100.888 - MG (in RTJ 111/ 1306), reiterou:

“Há pouco examinei mandado de segurança preventivo, em que salientava, a meu ver acertadamente - já levantei este mesmo problema a que V. Exa. Está aludindo agora, na Segunda Turma, que mandados de segurança preventivos, em casos dessa natureza, só podem ser admitidos quanto à relação jurídica concreta e imediata, com referência à qual há ameaça de aplicação do dispositivo. A não ser assim ter-se-á representação de interpretação de lei em tese para determinada pessoa, o que não se pode obter sequer do Supremo Tribunal Federal, porque na representação de interpretação de lei em tese esta Corte interpreta com a eficácia erga omnes, e não exclusivamente para alguém, sem referência a um caso concreto.”

10.10 - De notar que a obrigação de pagar a contribuição social em tela se renova mês a mês, eis que a legislação em vigor a submete ao sistema de “bases correntes” de apuração (L. 7.689/88, art. 5°, § 1°). A apuração é mensal porque, em cada mês, se realizam os fatos-pressupostos-de-incidência da contribuição. Essa continuidade de relações que se sucedem ao longo do tempo pode alternativamente ser havida como obstáculo a eficácia da coisa julgada no futuro e não apenas como um critério de demarcação dos seus efeitos processuais e substanciais. De qualquer sorte, a pretensão à contribuição nos períodos subsequentes ao abrangido pelo julgado será legítima.
De toda a antecedente exposição, decorre uma conclusão fundamental: a coisa julgada não constitui obstáculo ao exercício da pretensão à contribuição social sobre o lucro em períodos subsequentes àqueles que foram abrangidos pelas decisões respectivas.