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A Instrumentalidade Necessária na Ação Cautelar

J.J. Calmon de Passos
Prof. Catedrático da Faculdade de Direito da UFba
 
 

HISTÓRICO
 

M. M. T. S., C. T. S. e M. T. S. ajuizaram cautelar inominada contra a COMPANHIA DE SEGUROS ALIANÇA DA BAHIA, alegando serem detentores de 10,34 de ações ordinárias e 2,79 de ações preferencias da requerida e estarem temerosos de virem a ocorrer manobras dos acionistas controladores na Assembléia Geral da empresa, convocada para o dia 30.03.95, impedindo o grupo minoritário e o grupo dos preferencialistas de elegerem um membro do Conselho Fiscal, postularam o deferimento liminar e sem audiência da parte contrária de medida cautelar inominada, no sentido de ser impedido que, nessa Assembléia, qualquer integrante do grupo controlador ou pessoa a eles ligada venha a ser considerado acionista minoritário para, nesta qualidade, votar e ser votado, bem como que pessoas físicas ou jurídicas a eles ligadas, que menciona, participem, votando ou sendo votados, de qualquer eleição em separado na condição de preferencialista e, por fim, seja a requerida obrigada à observância das formalidades do art. 134 da Lei 6.404/76, seguindo-se, a rigor, a seqüência da ordem do dia, conforme Edital de Convocação.

Foi deferida a liminar, determinando-se a realização da Assembléia "cumprindo-se rigorosamente os dispositivos legais embasadores dos pressupostos de fundo e de forma de desenvolvimento válido", bem como para assegurar aos acionistas minoritários postulantes da providência o direito de elegerem, em votação separada, um representante no Conselho Fiscal da instituição.

No dia 30.03.95, por falta de quorum, o Diretor de Relações com o Mercado consignou o fato a fls. 93 do Livro de Presenças da ALIANÇA, certificando, ainda, que nenhum dos acionistas presentes desejou nele registrar qualquer manifestação, deixando de realizar-se a AGO/AGE convocada.

Em que pese o procedimento relatado, os acionistas requerentes da medida cautelar redigiram, em folhas soltas, o que intitularam de "Ata da AGO/AGE da Companhia Seguros Aliança" na qual, declarando existir quorum para instalação da Assembléia e, constituídos os seus órgãos dirigentes, reelegeram os membros do Conselho de Administração e os membros do Conselho Fiscal mas, aberta a AGE, verificaram a inexistência de quorum para deliberação, pelo que encerraram a reunião, procedendo, posteriormente, ao arquivamento da respectiva ata na Junta Comercial, hoje desfeito em virtude de recurso da ALIANÇA devidamente provido.

A ALIANÇA DA BAHIA, em face desses acontecimentos, ajuizou medida cautelar inominada, dando conhecimento ao juízo de que convocara nova AGO/AGE para o dia 20.04.95, por entender absolutamente inválida a realizada pelos minoritários ao arrepio da lei, pedindo ao magistrado determinasse aos mesmos se abstivessem da prática de atos capazes de obstar a realização da Assembléia convocada. Mereceu esta postulação deferimento , nos termos pretendidos.

Realizada a AGO/AGE em 20.04.95, deliberou-se nela sobre o constante da ordem do dia e inclusive foram eleitos, como pretendido pelos minoritários e previsto em lei, seus representantes nos órgãos diretivos da empresa.

Os ditos minoritários ajuizaram, contudo, a ação principal, vinculada à medida cautelar que haviam requerido, pedindo o reconhecimento da validade da AGO que realizaram em 30.03.95 e respectivo arquivamento na Junta Comercial, mais a declaração da compatibilidade da cautelar com normas da lei sobre sociedades anônimas, e ainda o reconhecimento da existência de abuso de direito no comportamento adotado pelos chamados controladores, condenada a ALIANÇA a reparar os danos que lhes foram causados, a serem apurados em execução.

Houve também o ajuizamento de uma segunda ação ordinária proposta pelos minoritários, em que pedem a decretação da nulidade das deliberações tomadas na AGO/AGE de 20.04.95 no que contrariem o deliberado na Assembléia por eles realizada em 30.03.95, inclusive quanto à aprovação do Relatório da Administração, e ainda a nulidade da decisão que não acatou o pedido dos minoritários de suspensão da Assembléia de 20 de abril por 30 dais, decretando-se, igualmente, a nulidade da eleição dos novos membros do Conselho de Administração, com redução de seu número, impedindo-se os minoritários de, com seus votos múltiplos, elegerem representante e, por fim, condenação da ALIANÇA ao pagamento de perdas e danos.

Devidamente contestados os pleitos, entendeu o magistrado ser caso de julgamento antecipado da lide, desnecessária qualquer instrução em audiência, havendo sentenciado com as seguintes conclusões:

No tocante à cautelar 441.174, confirmou a liminar initio litis, julgando procedente o pedido para mantê-la em toda a sua inteireza, condenando a ALIANÇA ao pagamento de honorários à base de 15 sobre o valor da causa.

Quanto à cautelar 444.697, julgou revéis os requeridos, pelo que lhes aplicou a pena de confesso ( sic ), condenando-os a pagar as custas e honorários à base de 15 sobre valor da causa.

No pertinente à ação ordinária a que corresponde o processo 444.762, julgou-a procedente em parte, para declarar, por sentença, a validade da Assembléia Geral de 30.03.95, de iniciativa dos minoritários, devendo a ALIANÇA promover deliberação em assembléia com pauta para o restante da "ordem do dia" prevista no Edital de convocação para a data mencionada. Ficaram indeferidos "todos os demais itens da exordial não alcançados pelo dispositivo retro mencionado, maxime o pedido de indenização.

Quanto ao processo 449.709, julgou procedentes em parte os pedidos, para o fim de decretar nulas as providências assemelhares ( sic ) que desrespeitaram a eleição anterior e ilegalmente reduziram o número de membros do Conselho de Administração, pelo que cassou o mandato dos dois membros eleitos em 20.04.95. Quanto à aprovação do Relatório da Administração e das Contas da Diretoria, decretou sua nulidade absoluta
 

CONSULTA

Pretendendo apelar dessa decisão, indaga-nos a COMPANHIA DE SEGUROS ALIANÇA DA BAHIA:

A) As cautelares formalizadas nos Processos ns. 441.174 e 444.697 comportavam a decisão que lhes foi dada ?

B) Que conseqüências podem ser retiradas do que no tocante a elas foi sentenciado ?

C) As ações ordinárias correspondentes aos Processos ns. 444.762 e 449.709 guardam algum nexo com as cautelares referidas em A ?

D) Pode subsistir o que nesses processos foi decidido em termos de mérito ?
 

PARECER

TUTELA REPARATÓRIA E TUTELA PREVENTIVA

1 - A convivência humana não é vinculada, em termos absolutos e inelutáveis, à ordem jurídica ou, em outros termos, os homens convivem e interagem comunicando conhecimentos, intenções e expressando sentimentos na busca da satisfação de seus interesses e de sua realização pessoal, atendendo a imperativos outros que não os jurídicos Se é impensável a sociedade desvinculada de uma ordem jurídica, é impensável a vida humana juridicizada em sua plenitude.

Nunca foi, portanto, objetivo do direito ou sua função disciplinar a convivência humana em sua plenitude sim e unicamente regular a solução dos conflitos que na convivência social se verifiquem e resolvê-los com impositividade, isto é, em termos de decisão revestida de autoridade e de eficácia.

Disso se infere que para viver e conviver o homem não depende de prévia regulação heterónoma de seu comportamento, mas disso necessita para ver solucionado os conflitos de que seja figurante, porquanto, a não ser assim, seriam solucionáveis apenas mediante a auto-tutela, que é geradora de instabilidade, insegurança e injustiça, tudo isso socialmente indesejável.

2 - Para dirimir conflitos, especializou-se uma das funções do Estado, o Judiciário e ele cumpre esse seu dever de dois modos diversos: soluciona o conflito já instaurado, restabelecendo, tanto quanto possível, o estado de coisas atingindo com a perturbação da paz social, ocorrendo, aqui, a chamada tutela reparatória ou jurisdição reparatória, aquela que se efetiva tendo como objetivo restaurar a ordem social perturbada com o comportamento desviante de um dos contendores, assim entendido em face do direito instituído ( enunciado ).

Aceita-se, e de há muito assim ocorre, invoque-se também preventivamente a intervenção do Estado, provocando-o a exercitar sua função jurisdicional, mesmo quando ainda não instaurado o conflito. Diz-se haver, aqui, tutela preventiva, a que corresponderia a chamada jurisdição preventiva. Para que seja invocável, entretanto, sempre se exigiu, e nisso inexiste divergência de monta, um justo receio de que um futuro conflito venha a se instaurar, entendendo-se como tal aquele suscetível de objetivação mediante provas que permitam sua segura apreensão pelo julgador como de consumação certa e que se pretende obstar..

3 - Nenhuma dúvida, portanto, de que na pretensão à tutela reparatória cabe ao autor provar o conflito já instaurado, enquanto o objeto da prova, na pretensão de natureza preventiva, é o justo receio de que o conflito venha a ser instaurado.

Pode-se igualmente concluir que, no curso do processo no qual se postula tutela preventiva, vindo a institucionalizar-se o conflito, impõe-se tornar reparatória a tutela inicialmente postulada como preventiva, sem prejuízo da sanção cominatória.
 

O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE E A TUTELA PREVENTIVA

4 - Num Estado de Direito, é princípio básico o de que ninguém está obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma cosia senão em virtude da lei, do que se deduz o principio, também de caráter geral, de que todos somos obrigados a ajustar nossa conduta, na convivência social, àquilo que a lei determina, sempre que haja interferência intersubjetiva em nosso agir. Ou seja, quando meu interesse conflita ou atrita com o de outrem, devo submeter o meu interesse ao do outro, se este é o mandamento legal e, vice-versa, repudiar a submissão de meu interesse ao de outrem , se o mandamento legal é no sentido inverso.

Todos, portanto, governantes e governados, estamos obrigados a ajustar nosso comportamento ao legalmente previsto, sendo impensável o direito de alguém violar a lei, donde ser por igual impossível pretender-se que alguém cumpra a lei quando isso se pede preventivamente. Pedir seja alguém, compelido a cumprir a lei é tão néscio quanto pedir que a pessoa aceite a morte e não pretenda a imortalidade. Aqui, há um inelutável natural. Ali, um inelutável cultural. Pode-se violar a lei e por força disso haver uma sanção que importa em implementar, no concreto histórico, o que ocorreria caso a lei houvesse sido respeitada, mas não se pode compelir alguém, previamente, a agir segundo a lei, porque isso seria impossível, por ser óbvio, ser imperativo e insuscetível de coerção, Só a imposição de uma sanção é imponível e postulável o que reclama a violação da lei consumada ou potencial.

O que é passível de coerção é a prática de determinado ato , que se tem como certo será praticado caso não obstado, disso decorrendo lesão ao direito de alguém.

5 - Destarte, na jurisdição reparatória, porque já ocorrida a violação, pede-se a sanção. Na preventiva, porque ainda não ocorrida a violação, certifica-se o dever de omissão no tocante à prática de determinado ato, prevendo-se cominação para a hipótese de descumprimento do preceito, a par da sanção reparatória, caso venha a consumar-se a violação do direito. Assim, toda tutela preventiva é cominatória, porquanto impondo determinado comportamento, que se entende como devido, de logo já prevê a conseqüência para o descumprimento do preceito, sem prejuízo da reparação devida..

Dois exemplos serão suficientes. O interdito proibitório ( tutela preventiva ) comanda para que o vencido não turbe nem esbulhe, mas se esbulho houver, tutela-se em termos reparatórios a isso se somando a exasperação da cominação Do mesmo modo, no mandado de segurança preventivo, tutela-se para que a ilegalidade não ocorra ( ato concreto ) mas se vier a ocorrer a tutela preventiva se transmuda em reparatória, sem prejuízo da cominação.

6 - Conclui-se, portanto, que, na tutela preventiva, o postulado é a abstenção, por parte do obrigado, da prática de determinado ato cuja efetivação já se tem como certa, sob pena de sofrer, além das conseqüências da violação consumada, se tanto ocorrer, a sanção pela violação do dever de abster-se.
 

AÇÕES DE CONHECIMENTO E PRETENSÃO CAUTELAR

7 - A par dessas considerações, lembraria que a pretensão colocada como objeto de uma ação de conhecimento pode ser de natureza declaratória, constitutiva ou condenatória. Autores há que vêm na pretensão declaratória e na tutela declaratória uma forma de tutela preventiva, quando se pretende a certificação da existência ou inexistência de uma relação jurídica, ou da autenticidade ou falsidade de um documento, antes da exigibilidade que nele assentaria em termos de pretensão condenatória, pelo que, ainda não configurado o litígio condenatório, ela objetivaria preveni-lo, donde seu caráter preventivo. Todos, entretanto, são unânimes em reclamar para essa ação declaratória o fundamento da incerteza objetiva e fundada, que gera o interesse processual de seu proponente. Mas a declaratória tem seu objeto restrito à certificação da existência ou inexistência de uma relação jurídica, sendo inacolhível para outra finalidade, maxime para se certificar ser devido um determinado comportamento humano ( fato ).

8 - Quanto à pretensão constitutiva, nela é impensável a tutela preventiva, visto como exercitar-se pretensão constitutiva é asseverar-se a existência de uma relação jurídica, que não está controvertida, a par da afirmativa da existência de um fato que incide sobre essa relação jurídica, modificando-a em sua existência, em sua validade ou eficácia. A par disso, pode-se pensar nas constitutivas ditas necessárias, em que a tutela é indispensável para a própria constituição do direito, Em relação a ambas, é impensável a tutela preventiva, porquanto o que se pretende é, precisamente, constituir ou extinguir um direito, ou modificá-lo como existente., jamais resguardá-lo contra futura provável lesão.

9 - O campo quase exclusivo de incidência da tutela preventiva, é, em verdade, o da pretensão condenatória. Aqui, a violação, como conduta previsível e objetivamente suscetível de ser comprovada, pode ser invocada para que se tutele o direito antes de ocorrer violação passível de ser objetivamente demonstrada como revestida de alto grau de probabilidade de ocorrer. Certifica-se o direito, ao tempo em que ele é tutelado para obviar sua futura violação.

10 - Nenhuma dúvida, portanto, de ser incompatível tutela preventiva quando se tem pretensão constitutiva e que no tocante à pretensão declaratória ou já se constitui ela manifestação de tutela preventiva, ou há incompatibilidade radical entre a declaratória não preventiva e pretensão a tutela preventiva.

Destarte, o campo em que a tutela preventiva opera é, quase que exclusivamente, o das pretensões de natureza condenatória, quando há apenas o justo receio de vir a ocorrer uma futura violação do direito, ensejadora de reparação, coexistindo, por concomitantes, a certificação do direito e sua tutela preventiva, tendo em vista o justo receio da futura violação..
 

A AUTONOMIA PRIVADA E AS DECLARAÇÕES DE VONTADE

11 - O principio básico de um Estado de Direito, já consignado acima, é o da legalidade, ou seja, todos nascemos livres e temos o direito natural de explicitar nossa liberdade, na medida em que a lei não nos inibe disso fazer e direciona cogentemente nossa vontade Daí afirmar-se que, num Estado de Direto, tudo quanto não é proibido é permitido, vale dizer, lícito e insuscetível de constrição judicial.

Fala-se, aqui, em autonomia privada, vale dizer, aquela esfera pessoal em que somos livres de analisar a conveniência e oportunidade de nosso agir e de dar o conteúdo desejado a nossas declarações de vontade. Essa autonomia privada se acentua com maior significação quando se cuida da atividade econômica, por sua natureza insuscetível de disciplina rígida, donde ser impensável uma regulação jurídica total do agir empresarial, limitando-se o legislador a intervir nos casos limites, resguardando-se sempre para solucionar os conflitos já instaurados, quando configurem violação de normas postas de modo cogente para direcionamento da atividade empresarial, ou resultem de descumprimento do contratualmente pactuado.

12 - Nem se pode esquecer que é da própria essência de toda pessoa jurídica de natureza societária a affectio societatis o que, traduzido de modo mais simples, significa ser impensável uma empresa atuando a nível de conflito, pelo que sempre se prevê ou a dissolução da sociedade ou a retirada dos que dissentem no seu seio, quando comprometida aquela exigência..

O que o direito não disciplina, nem poderia fazê-lo, por incompatibilidade irremovível, é a institucionalização dos conflitos no seio de uma sociedade, como forma normal de sua existência e compatível com seu desempenho. Mas por igual é contra todo sentido de justiça entregar-se à fúria da maioria o indefeso minoritário, donde a preocupação da lei em resguardar os interesses dos sócios minoritários, sem jamais torná-los majoritários, vale dizer, com inversão do poder de comando na empresa.

13 - Conveniente, ainda, lembrar que ninguém pode ser violentado em sua pessoa ou em seu direito de agir ou não agir, fazer ou não fazer alguma coisa, declarar ou não declarar sua vontade. O que se busca, e em nossos dias se tornou exigência prioritária, é institucionalizar meios de coerção indireta, mediante os quais se induza o comportamento de alguém que se obrigou, ou a quem a lei obriga a fazer ou não fazer alguma coisa, a adimplir, ou se substitui a satisfação do credor, que deveria se dar mediante certa atividade do devedor, pela constrição sobre um bem de seu patrimônio, em condições de atender satisfatoriamente à necessidade que levou o credor a pactuar a prestação da atividade do devedor, na terminologia legal vigente denominado de equivalente prático.

Evidente, portanto, não ser possível postular-se preventivamente que a vontade de alguém seja declarada neste ou naquele sentido, salvo norma cogente que a tanto obrigue e haja um justo receio de vir a ocorrer um comportamento em sentido contrário ( atividade ) ou em virtude de ter havido um pacto preliminar cujo objeto é, precisamente, a declaração de vontade que se quer ver manifestada. Destarte, inibe-se, preventivamente, a prática de um ato que seria violador do direito de outrem, não se pode inibir declaração de vontade que, se manifestada, seria inválida, porquanto a invalidade é um a posteriori.

14- Induvidoso, consequentemente, seja de postulação impossível, em termos jurisdicionais, uma pretensão no sentido de que outrem ajuste seu comportamento à lei ( dever irrenunciável e impostergável de todos ) ou declare sua vontade com determinado conteúdo, se a tanto não se obrigou, antes, contratualmente ( por força da liberdade natural reconhecida a toda criatura humana ) ou a tanto não está obrigado por norma cogente, havendo justo receio de que se consume o comportamento desviante, indispensável a cominação, para o caso de resistência, e a reparação com perdas e danos ou o equivalente prático, se a violação se consumar
 

A PRETENSÃO CAUTELAR.

15 - Observação final que desejaríamos fazer diz respeito à tutela cautelar. Acautelar é prevenir, resguardar, evitar, ou seja, acautelar envolve sempre o cuidado de preservar algo ou alguém de um mal futuro, indesejável. No campo do direito, o vocábulo não se reveste de conotação diferente. A única exigência que se impõe é distinguir o que, na esfera do jurídico, se pode querer preservar, prevenir, resguardar.

Pode-se pretender resguardar algo que já se tem condições de afirmar seja direito nosso, como posso querer resguardar a eficácia da futura certificação de um direito de que me afirmo titular. Daí caber a distinção entre uma pretensão à cautela no campo do direito material, se desejo resguardar meu direito ( já certificado ) da pretensão à cautela no campo do direito processual, quando em jogo uma pretensão ainda não certificada como direito.

16 - Se pretendo resguardar um direito, por sem dúvida que a tutela por mim postulada é satisfativa e definitiva, visto como desejo apenas manter o gozo de uma vantagem que já me estava assegurada. Mas se a tutela pretendida é no campo do direito processual, ela é instrumental, simplesmente uma forma de assegurar a efetividade da futura tutela, só podendo revestir-se do caráter de satisfatividade ( provisória ) se não houver outra maneira de acautelar senão satisfazendo. O imperativo maior da cautela afasta o veto à satisfatividade, ainda quando haja na lei o contrapeso da contracautela, justamente adequada para essas situações limite.

Há, portanto, exigência indeclinável, em termos de cautela processual, da propositura de uma chamada lide principal, a par da conexão entre a medida requerida e a eficácia da tutela de obtenção provável na lide principal. Sem isso toda cautela é insuscetível de ser postulada e mais ainda de ser deferida.

17 - Considero primorosa a regulação que foi dada, pelo nosso Código de Processo Civil, à tutela cautelar. Daí minha profunda revolta quando vejo serem lançadas pérolas aos porcos. Regulação excelente tornada na prática um leilão de mercadorias contrabandeadas., transformadas as medidas cautelares a sua expressão mais degradante pelo desregramento a que se entregaram muitos profissionais do direito, traduzido ora na compulsão sem freio da postulação dos advogados, ora no deferimento, sem reflexão, dos magistrados. No futuro ainda se analisarão os tristes tempos de hoje, para se aquilatar com justeza o que levou nosso país aos desregramentos que ameaçam o seu amanhã E talvez o destempero de hoje sirva no porvir, pedagogicamente, para recuperarmos a correta utilização da tutela cautelar, tão relevante em seus objetivos e tão delicada em sua concessão.

18 - Conclui-se, portanto, que toda pretensão acautelatória ( pretensão à segurança ) que não tem como suposto um direito já certificado é pretensão vinculada instrumentalmente a uma pretensão à certificação de um direito, posta como objeto de um processo dito principal

Em face dessa instrumentalidade, é nenhuma a cautelar que deixa de guardar algum nexo com o denominado processo principal

Somente é dispensável o processo principal e se reveste do caráter de definitiva e satisfativa a tutela acautelatória quando se dá no campo do direito substancial, por já existir direito certificado, cujo gozo foi perturbado.
 

A HIPÓTESE DA CONSULTA

19 - Colocadas essas premissas, vejamos que pretensões foram postas como objeto das várias demandas em curso e originadas dos confrontos em que se empenharam a consulente e seus adversários.

A primeira, uma ação cautelar inominada, que se formalizou no Processo 441.174. Nesta foram formulados os seguintes pedidos:

a) que, na AGO/AGE convocada para o dia 30.03.95, a ALIANÇA não cooneste nem permita qualquer manobra ou artifício por parte do grupo de acionistas controladores, mais precisamente, que se abstenha de computar os votos dos controladores nominados no item 3 da inicial, bem como

b) impeça a requerida que qualquer integrante do grupo controlador, especialmente os referenciados no item 3, ou pessoas naturais ou jurídicas a eles ligadas, venha a ser considerado como acionista minoritário para, nesta qualidade, votar ou ser votado, criando-se uma pseudo dissidência, visando a eleição de representante dos minoritários no Conselho Fiscal não representativo dos minoritários;

c) nem permita aos acionistas controladores nem a pessoas a eles ligadas, como seja, ADRECOR LTDA ADMINISTRAÇÃO, REPRESENTAÇÕES E CORRETAGENS, exemplificando, participarem, votando ou sendo votado, de qualquer eleição em separado na condição de preferencialista, tal como expresso no Parecer de Orientação n. 19, da CVM, órgão disciplinador das companhias abertas e do mercado acionário

d) devendo observar as formalidades legais contidas no art. 134 da Lei 6.404/76, seguindo-se com rigor a seqüência da ordem do dia, conforme Edital de Convocação.

Essa medida cautelar conectou-se com a ação principal em que os mesmos autores pedem ( Processo .444.762 ) a declaração, por sentença

a) da validade da Assembléia Geral realizada por eles, minoritários, em 30.03.95 e seu registro na Junta Comercial;

b) da compatibilidade do pedido cautelar com normas da Lei de Sociedades Anônimas;

c) de que a tentativa da ré, pelo seu grupo de controle, de alijar os minoritários de participarem do Conselho de Administração e do Conselho Fiscal configura abuso de direito, coibido pelo art. 115 da Lei das S/A;

d) determinar, por fim, que a ALIANÇA aprecie a matéria não apreciada na Assembléia de 30.03.95, dos minoritários, por falta de quorum

e) e a condenação da ré a indenizar os danos sofridos pelos autores em virtude do abuso de direito.

A esta ação ordinária seguiu-se uma outra em que os minoritários pedem

a) decretação da nulidade das deliberações tomadas na Assembléia realizada em 28.04.95, convocada pela ALIANÇA, no que contrariem o deliberado na Assembléia de 30.03.95, dos minoritários, inclusive quanto à aprovação do Relatório da administração pelo respectivo Conselho,

b) decretação da nulidade da decisão que não acatou pedido dos autores para a suspensão da Assembléia por 30 dais, consoante protesto regularmente formulado;

c) decretação da nulidade da eleição dos novos membros do Conselho de Administração, com a redução do número, impedindo os minoritários de, com voto múltiplo, elegerem representante

d) condenação da ALIANÇA ao ressarcimento dos danos sofridos pelos minoritários com a seqüência dos atos abusivos por ela praticados

No intervalo entre a primeira e a segunda convocação, a ALIANÇA também ajuizou uma cautelar inominada, pretendendo determinação do juiz no sentido de se absterem os minoritários de praticar atos impeditivos da realização da Assembléia convocada para 28.04.95, entendendo nulas as deliberações tomadas na que efetivaram em 30.03.95, obtendo liminar.

20 - Reunidos esses processos, neles foi proferida decisão formalmente única em que o magistrado do primeiro grau concluiu :

a) quanto à cautelar 441.174, confirmando a liminar concedida, para mantê-la em toda a sua inteireza, julgando procedente o pedido.

b) no particular da cautelar ajuizada pela ALIANÇA ( proc. 444.697 ) teve os requeridos como revéis, aplicando-lhes a pena de confesso, julgando procedente o pedido;

c) no pertinente ao Proc. 444.762, rejeitou sua incompetência, julgou procedentes, em parte, os pedidos, declarando a validade da Assembléia dos minoritários, realizada em 30.03.95, impondo à ALIANÇA a obrigação de promover deliberação em Assembléia com pauta para o restante da "ordem do dia" prevista para a convocação da data originária; rejeitando os demais pedidos;.

d) no tocante ao Processo 449.709, julgou também procedentes em parte os pedidos, decretando a nulidade das providências assemelhares ( sic ) que desrespeitam a eleição anterior e ilegalmente reduzem o numero de membros do Conselho de Administração, tomadas na AGO/AGE de 20.04.95, cassando o mandato de dois membros eleitos para o Conselho, decretando, ainda, a nulidade absoluta da aprovação do Relatório da Administração e das Contas da Diretoria.

Sintetizando quanto decidido temos:

a) as deliberações tomadas pelos minoritários na Assembléia que realizaram no dia 30.03.95 são válidas e obrigam à maioria;

b) por força disso, quanto foi deliberado pela maioria na Assembléia de 28.04.95 que conflite com o decidido pela minoria é inválido;

c) pelo que foi cassado o mandato dos eleitos pela maioria, bem como decretada a nulidade de sua deliberação pela aprovação do Relatório e Contas da Diretoria e

d) finalmente, ficou a ALIANÇA obrigada a promover nova Assembléia a fim de que sejam apreciadas as matérias constantes da ordem do dia da convocação para o dia 30.03.95 que deixaram de ser examinadas pela minoria na Assembléia que realizaram.
 

O NEXO ENTRE AS CAUTELARES E OS PROCESSOS

PRINCIPAIS

21 - Parece não haver dúvida, e para deixar isso bem claro tivemos o cuidado de tecer as considerações que tecemos no intróito deste nosso pronunciamento, parece não haver dúvida que se impõe a existência do nexo de instrumentalidade entre a cautelar e a ação principal que lhe diz respeito, presente sempre sua função de assegurar a efetividade da tutela nesta última pretendida, ressalvada as hipóteses de segurança de natureza substancial..

Ora, no Proc. 444.762, o que se pediu foi a declaração ( sic ) da validade da Assembléia Geral de 30.03.95, realizada pelos minoritários, também da compatibilidade do pedido cautelar com normas da Lei das S/A, bem como o reconhecimento de ter havido abuso de direito cometido pela ALIANÇA, com sua conseqüente condenação em perdas e danos e ainda a determinação no sentido de que aprecie a matéria não examinada na Assembléia de 30.03.95, dos minoritários..

Com exceção do pedido de perdas e danos, em razão do abuso de direito, todos os demais pedidos foram acolhidos, como salientado acima.

Assim postas as coisas, que nexo é possível identificar-se entre a cautelar formalizada no Proc. 441.174 e este processo principal ? Mais ainda, tendo o magistrado concluído pela procedência da cautelar, confirmando a liminar em sua inteireza, segundo seus termos, que se retirar dessa decisão com eficácia no processo principal?. É possível alguma compatibilidade entre a cautelar e o decidido no Processo 444.762 ? É possível alguma eficácia do decidido na cautelar no tocante à tutela pretendida no processo principal?

22 - A cautelar postulava impedir que, na Assembléia convocada para 30.03.95 fossem praticados certos atos pelos chamados acionistas controladores, tidos pelos requerentes como violadores de seus direitos, caso viessem a se consumar, bem como se impusesse aos requeridos o dever de respeitarem as normas do art. 134 da Lei das S/A

Ora, essa Assembléia do dia 30.03,95, de iniciativa dos chamados controladores, não se realizou. Como ser possível deferir-se cautelar cujo objeto é, precisamente, impedir a prática de atos numa assembléia que deixou de ocorrer ? Assusta descompasso dessa gravidade, ou seja, imaginar-se o julgador com poderes divinatórios de recuperar o tempo passado, fazendo a história voltar atrás ( indo além do que conseguiu Josué, parando o Sol ) e, ainda mais espetacularmente, lançar para o futuro o dia 30.03.95, que já é passado, e tornar fato realizado ( ocorrido ) o que jamais se concretizou como fato ( a assembléia convocado pelos chamados majoritários) só existindo como fato a assembléia efetivada pelos minoritários.

Parece de entendimento primário que deferir uma medida cautelar é impor ato material capaz de assegurar ao requerente a segurança pretendida. Que execução é possível desta cautelar deferida pelo magistrado ? Nenhuma. Quanto postulado dizia respeito ao passado, bem como a fato que não se realizou. Daí o teratológico da decisão, mais que nula, mais que ineficaz, inexistente e irrita de modo irremediável em face de sua incidência sobre o nada ou coisa nenhuma.

23 - A tutela que se pretendia acautelar, em verdade, jamais existiu nem se fez possível. Nenhuma ação principal haveria se o determinado na cautelar fosse atendido. Caso a Assembléia de 30.03.95 tivesse ocorrido de duas uma : ou nela se atenderia ao disposto na cautelar, e nenhuma ação principal seria possível, ou desrespeitado quanto decidido, haveria uma ação ordinária justamente para invalidar o que fora decidido ao arrepio do sentenciado na liminar, ou seja, jamais teria sido a cautelar para assegurar a futura tutela no processo principal, sim para constituir direitos dos minoritários, previamente e de modo obstativo das deliberações da maioria na Assembléia de 30.03.95.

É aterrador que se tenha chegado a tais extremos e que tanto ocorra num dito Estado de Direito Democrático, em que há, como garantia individual, a imposição do respeito às garantias do devido processo legal e se prescreve, sob pena de nulidade, fundamentem os jugladores quanto decidam interferindo na liberdade e no patrimônio dos sujeitos de direito.

Em que pese tudo isso, em que pese o principio da legalidade, em que pese o dever de todos de respeito à lei, maxime de quem tem a função constitucional de lhe assegurar a efetividade, em que pese tudo isso, temos, no caso da consulta, o escândalo de haver uma cautelar que não era cautelar , sim processo com pretensão satisfativa, e o que é mais grave, a satisfação pretendida era determinar, a priori, o conteúdo de futura decisão da maioria, numa Assembléia Geral de uma sociedade anônima. Já não se corrige a violação da lei, já se predetermina, agora, o que se vai entender como adequação da conduta de alguém à lei, mais que a interpretação em abstrato, vetada aos magistrados, agir a priori para direcional manifestação de vontade ainda a se concretizar e aqui se legitima espuriamente o Judiciário a predeterminar declarações de vontade, à base de suposições formalizadas por uma das partes interessadas, e tudo isso acontece sem que seja ouvida a parte adversa. Pobre tempos! pobres tempos! pobres tempos!

24 - Há, entretanto, uma outra contradição imperdoável na espécie sob análise. É que o magistrado convalidou quanto os minoritários decidiram na Assembléia de 30.03.95 ( justamente a que promoveram, porque a outra, em relação à qual fora requerida a cautelar, não se efetivou ) e só essas decisões e as que foram posteriormente tomadas na Assembléia de 24.04.95 existem. Assim, o próprio magistrado se incumbiu de tornar coisa nenhuma, no mundo do direito e dos fatos, sua decisão na cautelar n. 441.174. Afirmando válidas as deliberações dos minoritários na Assembléia que realizaram em 30.03.95, e não tendo havido, nesse dia, a reunião que motivara a cautelar, de iniciativa da ALIANÇA, fez-se processo inexistente a cautelar, por absoluta falta de objeto e de objetivo, e de execução impossível.

Cautelar incidindo sobre coisa nenhuma e com decisão inexeqüível, por objetivar fatos não ocorridos num tempo não recuperável, a decisão nela proferida é juridicamente inexistente.

25 - Ajuizaram os minoritários, entretanto, um segundo processo ordinário, o de n. 449.709. Nele pediram a invalidação de quanto deliberado na Assembléia de 20.04.95 em conflito com o decidido por eles na que realizaram em 30.03.95, tendo o juiz acatado esses pedidos.

Haverá algum nexo entre a cautelar 441.174 e este novo feito? A resposta é negativa. Também em relação a este a cautelar referida é coisa nenhuma, ato juridicamente inexistente, visto que, no processo 449.709, como no anterior, o que se objetiva é a invalidação ( pretensão constitutiva ) de atos já consumados no passado e é de todo impossível se acautelar o que já se consumou, suscetível apenas de reparação, nem se pode considerar o que se pediu como cautela tendo em vista a Assembléia de 30.03.95, que não se realizou, como instrumentalmente vinculada à pretensão de invalidar o que se consumou na Assembléia de 20.04.95.

26- Também a cautelar n.444.697, deferida pelo magistrado, é processo inexistente, por falta de objeto, a esta altura. Com ela se pretendeu, em verdade, não resguardar a eficácia de futura tutela, mas se impor determinado comportamento aos minoritários, na Assembléia convocada para 20.04.95, capazes de obstá-la. Tendo ela se realizado, não há o que se retirar, em termos de eficácia, dessa cautelar, até porque os minoritários ajuizaram, também, processo ordinário em que postulam a invalidade justamente de quanto decidido no dia 20 .04.95, pelo majoritários.

27 - Como frisado em nossas considerações iniciais, só duas formas de cautela ( pretensão à segurança ) são imagináveis - aquela em que se deseja assegurar direito já reconhecido por certificação judicial ( sentença ) ou pelo sujeito que se vincula à relação jurídica em causa, dada a inexistência de controvérsia a respeito; aqui, estamos no campo da tutela substancial, idêntica à que se postula formulando pedido em qualquer processo de cognição, apenas se parte de direito certo, pelo que a pretensão não é à certificação mas à execução, prática de atos materiais asseguradores do direito certificado, porque não litigioso, apenas ameaçado em seu gozo e fruição; a par disso, aquela em que se postula a segurança da efetividade de futura tutela, postulada ou a ser postulada num processo dito principal..

Não é da primeira espécie a hipótese da consulta. Os minoritários carecem da titularidade de qualquer situação jurídica firme, capaz de configurar direito já certificado. Salvo a condição de acionistas ( que não lhes é contestada ) e da qual decorrem os direitos e deveres que são a esse estado inerentes, salvo isso, inexiste direito deles a isto ou a aquilo.

A par disso, nenhuma violação de direito que se atribuem apontarem eles como existente. Falaram de justo receio de virem a ter seus direitos violados, consequentemente, e fora de toda dúvida, apontaram como lide principal uma ação objetivando tutela preventiva, não reparatória, e tutela de pretensão ainda não certificada como direito.

28 - Não sendo de natureza substancial, a cautela requerida é de natureza processual, reclamando nexo com um processo principal, em que se persiga tutela cuja eficácia está posta em risco.

A medida cautelar de natureza processual é preventiva, no sentido de que impede a consumação da ineficácia da futura tutela perseguida com o processo principal. Ora, se a tutela objetivada no processo principal é preventiva, descabe de todo medida cautelar a ele vinculada, impossível que é prevenir a prevenção.

Não sendo a cautelar 441.174 de natureza substancial, impunha-se aos seus requerentes indicar a lide a ser posta como objeto do processo principal. Nada se disse a respeito, nem poderia ser dito, porquanto, na espécie, jamais poderia haver processo principal.

Se o interesse dos requerentes da cautelar era não ter seus direitos desrespeitados na Assembléia convocada para o dia 30.03.95, este pleito era de todo insuscetível de aforamento, porquanto de objeto impossível juridicamente falando, dado que, deferida a cautelar, o atendimento do nela decidido obstaria a consumação de qualquer lesão a direito da minoria, inexistindo o que postular no processo principal. Assim, os próprios requerentes da medida deixaram evidenciada a inépcia de seu pedido e sua total incapacidade de subsistir a cautelar para qualquer efeito futuro.

Nem seria outra a conseqüência, caso desrespeitado o decidido na liminar. Aqui, o processo principal objetivaria invalidar ( pretensão constitutiva ) ato já consumado, sendo impensável cautelar conexa a pretensão dessa natureza.

29 - As partes têm pretensão a que o Judiciário declare a existência ou inexistência de uma relação jurídica. Não era o caso, por inexistir conflito em torno da única relação jurídica configurável, a de acionistas da ALIANÇA, jamais contestada aos minoritários. Nem há outra qualquer relação jurídica configurada e em risco de ser ignorada na AG convocada.

A par disso, há pretensões constitutivas. Aqui, as partes têm interesse em, comprovando a existência ou inexistência de determinado fato dele retirarem conseqüências jurídicas que se traduzem na constituição, modificação ou extinção de uma relação ou situação jurídica. Também não era este o caso, porque, ao tempo do ajuizamento da cautelar, inexistia qualquer pretensão a invalidação de ato já consumado. A par disso. é bem difícil construir a pertinência de cautelar conexa a pretensões de natureza constitutiva.

Por fim, tem-se pretensão condenatória, quando já ocorreu violação de direito e se postula a reparação devida. Também não é o caso da consulta, a toda evidência.

Destarte, deste ou daquele ângulo precedentemente examinado, conclui-se pela absoluta inviabilidade da cautelar 441.174, que deveria ter sido indeferida liminarmente e porque não o foi é hoje insuscetível de consideração em seu mérito, porque nem só inviável originariamente, como inviável por força das circunstancias anteriormente apontadas, ou seja, da inexistência, como fato da vida, da AGO/AGE do dia 30.03.95 convocada por iniciativa da ALIANÇA, apenas existindo a que foi promovida pelos minoritários, constituindo-se evidente absurdo lógico e juridico ter-se uma cautelar requerida pela parte contra si mesma. e em descompasso com seus interesses.

Tumultuou-se a vida de uma empresa em nome de uma ordem jurídica que privilegia, em termos constitucionais, a livre iniciativa, e se faz isso de forma inepta, sem o mais leve vislumbre de juridicidade. O que mais confrange, entretanto, é saber que tudo isso ocorre impunemente e sem que haja remédio legal tanto preventivo quanto sancionador para tais desregramentos.

Por mais incrível que pareça, foi aforada, processada e decidia medida cautelar em que se pede, em última análise, que os requeridos cumpram a lei. Assim, corremos o risco, a partir de agora, de vermos postulações colocadas como objeto de um processo o receio de que alguém, no futuro, não venha a ajustar sua conduta ao que a lei prescreve. Breve, muito breve, nos depararemos com liminares para que o pai não negue, no futuro alimentos, ou o locatário não deixe de pagar, no futuro, alugueis, ou o contribuinte não sonegue, no futuro, os tributos devidos e assim numa cadeia escatológica de fim de mundo.
 

OS PROCESSOS PRINCIPAIS

30 - Tentemos, agora, já afastadas as cautelares, sem existência jurídica, mero episódio formal inconseqüente, entender, no tocante aos processos principais, em que termos se decidiu e qual o alcance do decidido.

Nas duas ações ordinárias propostas e conexas sentenciou-se

a) reconhecendo-se a validade das deliberações tomadas na Assembléia dos minoritários, ocorrida em 30.03.95, ou seja, teve-se como legalmente constituido o Conselho de Administração e o Conselho Fiscal por deliberação dos participantes dessa Assembléia.

b) determinando que a ALIANÇA promova nova Assembléia para apreciar o restante da "ordem do dia" constante da convocação feita para o dia 30.03.95, que os minoritários deixaram de apreciar, por entenderem inexistir condições para deliberação

c) anulando-se a eleição dos membros do Conselho de Administração e Conselho Fiscal realizada na Assembléia de 24.04.95, prevalecendo o decidido na Assembléia de 30.03.95

d) anulando-se a aprovação do Relatório da Administração e das Contas da Diretoria.

31 - Se no tocante à cautelar ocorreu toda a grave incongruência que foi acima evidenciada, não menos gerador de estupefação é o decidido nos processos principais.

Lição primária a de que o autor, postulando determinada tutela ( pedido ) tem que oferecer para ele fundamento adequado. Sem coerência entre o pedido e a causa de pedir inexiste a possibilidade da tutela.

O primeiro reparo é o de que se faz impossível a declaração da validade de um ato juridico. Pede-se a declaração da inexistência ou existência de uma relação jurídica, não a declaração de sua validade. A validade existe e opera enquanto não impugnado o ato. Assim, inepto e impossível o pedido de declaração de validade das deliberações tomadas pela minoria na Assembléia que promoveram em 30.03.95

O segundo pedido nem mesmo pedido é, no sentido processual, mas um delírio redacional, pois se pede a declaração da compatibilidade entre medidas cautelares com normas da Lei das Sociedades Anônimas, vale dizer, fez-se objeto de postulação ao Judiciário seu pronunciamento sobre problema estreitamente dogmático.

O terceiro pedido é também inepto, qual o de se declarar que determinado comportamento traduz abuso de direito, quando o fato que se tem como abusivo ainda não se consumou. Aqui, o ilogicismo de se abusar do direito via pensamento, algo que nenhum jurista ousou abordar..

Já corretamente pediram no segundo processo a decretação da invalidade de quanto deliberado na Assembléia de 28.04.95 em desacordo com o que haviam deliberado antes, porque válido. Em verdade só os pedidos deste segundo processo são suscetíveis de exame e decisão, porquanto o pretendido no Processo 449.709 é justamente a invalidação de atos que os autores imputam de viciados.

Ocorre que, em relação aos pedidos formulados neste segundo processo, se inexiste inépcia, há evidente falta de interesse processual.

No tocante ao pedido de invalidação da eleição dos membros do Conselho de Administração e do Conselho Fiscal porque, como comprovado pela ré, na Assembléia do dia 28.04.95 participaram os minoritários do processo eleitoral e votaram em seus representantes tanto no Conselho de Administração quanto no Conselho Fiscal, inclusive os preferencialistas. Estaríamos invalidando um ato por mero capricho e o que é curioso invalidando um ato com apoio em ato, este sim, de todo inválido, como o foi a Assembléia dos minoritários, consumada sem o menor respaldo legal, segundo demonstrado em pronunciamento de um mestre no assunto, BULHÕES PEDREIRA.

Ainda mais desprovido do respaldo do interesse processual ( condição da ação ) é o segundo pedido deferido, qual seja a invalidade da aprovação do Relatório e das Contas da Diretoria. Pede-se a invalidação sem que se diga o vicio de que se revestem esses Relatório e Prestação de Contas e isso é pedido sem qualquer conseqüência prática, porquanto, em nova Assembléia, a maioria ratificará sua aprovação e a minoria terá que se submeter ao decidido, salvo se comprovar dolo ou fraude dos Diretores, acobertado pela maioria na deliberação tomada, o que não argüíram nem provaram nos processos sentenciados..

Levianamente, aqui, se invalida uma deliberação que envolve não erro de procedimento, sim merecimento do ato, sem que nem mesmo de leve se tenha cuidado desse mérito ou levantado, ainda que levianamente, alguma dúvida sobre a lisura do Relatório e da Prestação de Contas.

Mais risível, para não dizer lamentável, é o deferimento do pedido de que se delibere sobre o restante da ordem do dia posta na convocação para a assembléia do dia 30.03.95. O que é de livre deliberação da Assembléia, inclusive com poder de deliberar sobre inversão da ordem do dia, de suprimir dela matéria que deveria ser objeto de exame ou incluir o que se tornar necessário, desde que sem prejuízo de terceiros, quem pode tudo isso é ridiculamente compelido a decidir sobre uma ordem do dia que nem mesmo se aponta no que é fundamental para o interesse dos minoritários. Transforma-se ordem do dia, que é prévia publicidade da pauta de deliberações, em ato vinculante da sociedade em futuras Assembléias que venha a convocar. Se é pensável impor-se a deliberação sobre determinado assunto, provado o interesse juridicamente protegido de algum acionista, é impensável determinar-se, em abstrato, vinculação a determinada pauta de assuntos, que nem mesmo foram levemente apontados como constitutivos de direitos dos acionistas ou com repercussão sobre seus interesses.
 

CONCLUSÃO

Considerando todo o exposto, respondemos às perguntas que nos foram formuladas;

A) As cautelares 441.174 e 444.697 não comportavam a decisão que nelas foi proferida, visto como já sem objeto, o que torna o nelas sentenciado juridicamente inexistente e privado de qualquer eficácia.

B) Nenhuma conseqüência pode ser retirada das cautelares referidas acima e do que nelas foi decidido, visto como incidem sobre fatos que deixaram de se materializar, bem como nenhum nexo guardam com o decidido nos Processos principais, ns. 444.762 e 449.709.

C) Mesmo quando não fossem juridicamente inexistentes, as cautelares referidas em A nenhum nexo guardam com os processos principais, referidos em B, pelo que também insubsistiram, nessa perspectiva.

D) Impõe-se a reforma da decisão do primeiro grau pelas razões oferecidas no presente Parecer, que sintetizamos:

1 - inexistência jurídica das cautelares;

2 - inexistência de instrumentalidade entre as cautelares e os processos principais;

3 - por inépcia dos pedidos formulados no Processo 444.762;

4 - por carecerem os autores de ação ( falta de interesse processual ) no tocante aos pedidos formulados no Processo 449.709.

Salvador, 11 de dezembro de 1995
 


 

Retirado de: http://www.teiajuridica.com