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A IMPORTÂNCIA DO ADVOGADO PARA O DIREITO, A JUSTIÇA E A SOCIEDADE



MAURICIO CAMATTA RANGEL
Juiz de Direito de Entrância Especial no Espírito Santo – Pós-Graduado em Direito do Estado pela PUC-SP e em Direito Processual Civil pela Universidade Gama Filho
 

 

Sumário:

1. Considerações gerais.
2. O princípio da imprescindibilidade.
3. A dignidade da Justiça no processo.
4. A lealdade processual.
5. A responsabilidade no processo.
6. Conclusões.
 

 

1. Considerações gerais

Desde os primórdios da humanidade a vida em comum implica no relacionamento entre os seus membros. Os homens, necessariamente, eram compelidos a se relacionarem uns com os outros, embora essa tarefa, por vezes, fosse um pouco complexa e delicada.

A partir das relações intersubjetivas, de natureza vária, nascem naturalmente normas de condutas espontâneas por parte dos membros que em sociedade convivem. Estas normas de condutas espontâneas algumas vezes são aceitas e absorvidas instantaneamente pelos seus membros como regras sociais, sendo acatadas pacificamente. Outras, no entanto, geram conflito e discordância, ante a não realização natural daquelas normas, acarretando a rotura das estruturas sociais. Desta relação íntima de sociedade e poder é que surge o direito,1   como fato eminentemente cultural, humano e social, tendente a pautar aquelas condutas dos homens.

A história nos demonstra que a vida humana e o próprio direito ao longo de todo esse período, especialmente nos últimos 500 anos, evoluíram de uma forma sem igual. Com a formação do "Estado" o direito havido desta relação de sociedade e poder é levado ao seu conhecimento, recebendo de sua parte acolhida e normatização. A finalidade do direito neste estágio, como ser normativo, é a de outorgar proteção ao homem e à sociedade.

Com a natural conseqüência da modificação do conceito de Estado estabeleceu-se o monopólio da jurisdição, e a possibilidade de ação e reação pelas próprias mãos dos titulares - a autotutela -, no sentido de que fosse observado e realizado o direito, foi eliminada. Daí a necessidade do processo judicial como meio para obtenção da tutela jurídica estatal.2

Inquestionável, neste sentido, que diante do fato concreto de ter sido a jurisdição monopolizada pelo Estado, e que é através do processo que o direito é realizado, a ação de direito material, anteriormente permitida, só poderá ser exercida por intermédio da ação de direito processual, salvo raríssimas exceções.3  O dever de prestação jurisdicional por parte do Estado,4   uma vez provocado pelo interessado na solução do conflito, existente em sua relação jurídica material com outrem, desencadeará uma relação jurídica processual, relação esta que com a obra memorável de Bülow 5 possibilitou o reconhecimento da existência de outra relação, que não só aquela entre particulares, mas uma relação jurídica de direito público, entre Estado e particulares. Daí por que falar-se no vínculo que se estabelece no processo entre as partes e o juiz.

Dessa autonomia da relação jurídica - material e processual - decorreu conseqüentemente a autonomia do direito processual civil, que a partir da já mencionada obra do grande processualista alemão BÜLLOW 6 permitiu ao direito processual civil, antes mero apêndice do direito material, ser erigido à categoria de verdadeira ciência jurídica.

Em nosso sistema, este processo - meio pelo qual poderemos ver declarado e realizado todo e qualquer direito - deverá ser dirigido e conhecido pelos órgãos estatais encarregados pela prestação jurisdicional. Coube ao Poder Judiciário, um dos três poderes que compõem o nosso Estado, superando, pois, as reservas doutrinárias de Montesquieu, que ainda tinha o juiz como um mero subordinado pronunciador das palavras da lei, 7 essa missão, ou seja, aplicar e fazer incidir a norma legal a casos particulares, missão essa por demais importante para a satisfação dos interesses do cidadão e desenvolvimento da paz social.

Desse emaranhado complexo de relações intersubjetivas, surge ainda, em papel de extrema relevância, a figura do Advogado, cujo expoente maior, em nosso País, encontra-se na impoluta figura de Rui Barbosa.

Na sua nobilíssima missão, nos ensina Carnelutti, é imprescindível certas qualidades e disposicões, que nem todos estão em situação de exercer. Leciona o processualista e mestre italiano que "La acción en el processo requiere por parte de quien la ejercite, ciertas cualidades y disposiciones, que no todos están en situación de poseer...Ello significa que no la puede ejercitar útilmente quien no esté dotado de una cierta cultura...El defensor debe actuar exactamente como un transformador, a través del cual la energía no se desperdicie sino en mínima parte, al adaptarse a los usos a que está destinada. No basta, por tanto, com que el defensor esté preparado técnicamente; hace falta, además, que posea idoneidad moral pra su cometido y, por outra parte, que su posición en el processo sea tal que le permita recibir y transmitir íntegramente el impulso del interés de la parte". 8
 
 

2. O princípio da imprescindibilidade

Ao falar sobre a importância do advogado no contexto ora sob enfoque, ou mesmo quando estou na minha atividade judicante, sempre tenho em mente as mensagens plasmadas na Lei n. 8.906/94 9, em seus artigos 2o e 6o 10, que traduzem o princípio da imprescindibilidade do advogado como prestador de serviço público em exercício de função social e da sua relação com magistrados e membros do Ministério Público.

A advocacia é, hoje, declaradamente "função essencial à justiça", consoante o diz a própria Lei Maior. 11 Ladeada da Magistratura e do Ministério Público, a advocacia é serviço público, indenpendentemente do ministério privado que se exerça. Também a entidade que a congrega, a Ordem dos Advogados do Brasil, constitui serviço público federal. Tais aspectos, absolutamente relevantes, devem sempre estar presentes na consciência da sociedade civil, para que a advocacia, enquanto atividade essencial ao funcionamento e distribuição da justiça, seja encarada como atividade de boa-fé. "É necessário compreendê-la em quadrante superior, trata-se de munus publicum, real, efetivo e inafastável". 12

Pelo princípio da imprescindibilidade do advogado, sua presença no processo constitui fator inequívoco de observância e respeito às liberdades públicas e aos direitos constitucionalmente assegurado às pessoas. A indispensabilidade da intervenção do advogado traduz princípio de índole constitucional, cujo valor político-jurídico, no entanto, não é absoluto em si mesmo. Esse postulado – inscrito na CF 133 – acha-se condicionado, em seu alcance e conteúdo, pelos limites impostos pela lei, consoante estabelecido pelo próprio ordenamento constitucional. A constitucionalização desse princípio não modificou sua noção, não ampliou o seu alcance e nem tornou compulsória a intervenção do Advogado em todos os processos. Legítima, pois, a outorga por lei, em hipóteses excepcionais, do jus postulandi a qualquer pessoa, v. g., nos processos de competência dos Juizados Especiais 13, na ação penal de habeas corpus, ou ao próprio condenado – sem referir outros – como se verifica na ação de revisão criminal. 14
 
 

3. A dignidade da Justiça no processo

A dignidade da Justiça é conceito amplo que merece elucidação.

A dignidade constitui conceito e realidade moral. Cuida-se de qualidade ética que infunde respeito, brio, honra, nobreza, elevação, decoro, pundonor, respeitabilidade. Pertence ao mundo da moral e da ética.

Mas a moderna ciência processual passou a transplantar para o mundo do processo civil esses conceitos morais e éticos.

É a chamada "moralização" do processo civil de que fala Cappelletti 15: o dever de lealdade, o dever de probidade, o dever de verdade e o dever de boa-fé transformaram-se em conceitos processuais civis, passando a ser acolhidos pelo direito positivo.

Ou é a chamada "regra moral no processo civil" a que alude Eduardo Couture 16: a doutrina e os projetos de legislação dos últimos tempos esforçaram-se para construir um sistema de fiscalização para garantir a efetividade de certos deveres morais, como o de verdade, o de lealdade, o de sinceridade no processo civil.

A finalidade do processo é a justa composição das lides, atuando o direito objetivo, alcançando a realização da Justiça.

Ora, se a finalidade dessa atividade estatal é digna, porque nada mais digno do que realizar e distribuir a Justiça, igualmente digno deverá ser o instrumento de que se serve o Estado, isto é, o processo.

Assim, a dignidade da justiça repousa na dignidade de sua finalidade e na dignidade de seu meio.

Merece ser lembrada a lição inesquecível de Hélio Tornaghi: "o primeiro fator de confiança na Justiça do Estado e, mais particularmente, no órgão específico que a distribui, é a respeitabilidade decorrente do decoro nas atitudes, da decência nas ações, da gravidade na consideração dos problemas, da serenidade". 17

Em suma, a dignidade da Justiça exige que tudo no processo se desenvolva com respeito, com educação e com boa-fé.
 
 

4. A lealdade processual

Como é sabido, a verdade judiciária não pode ser outra coisa se não a recompensa da dialética. O debate contraditório é uma garantia para o magistrado tanto quanto para as partes.

Todavia, surgem numerosas dificuldades diante do juiz. Os conflitos humanos, nascidos de relações sociais, são efetivamente o mais das vezes de uma grande complexidade e determinam situações que comportam verdadeira confusão de interesses e direitos. Os fatos desenrolam-se geralmente de tal sorte que as pretensões legítimas e as que o são menos aí se confundem, entrecruzando-se.

Nesse caso, que se exige do advogado? Qual é , em nossa organização judiciária e em nossa vida social, a missão particular que lhe pertence?

Antes de tudo, em face das querelas sobre as quais é consultado, diante da causa que lhe é confiada, o advogado não pode assumir uma atitude de magistrado. Não lhe é imposto o julgamento da pretensão de seu cliente.

O que se exige do advogado é que se situe, seja junto do acusado, seja da vítima ou de seus representantes, seja junto de um dos litigantes civis, e – de maneira precisa – para fazer conhecer tudo o que pode explicar ou escusar a ação de seu cliente, tudo o que torna frágil a acusação ou a pretensão adversa, tudo o que juridicamente ou equitativamente pode justificar a demanda. É isto realizável com sinceridade, em benefício de todo litigante.

Sendo elemento indispensável à administração da Justiça, compete ao advogado, na sua nobre missão, agir com probidade e lealdade com o mandante e, sobretudo, com o juiz, que é o sujeito imparcial da relação processual.

Além disto, a probidade intelectual e moral do advogado é mesmo um dos fatores essenciais de uma boa Justiça.

Em seu Decálogo do Advogado, Eduardo Couture enfatiza a lealdade do advogado para com os atores principais da relação processual, isto é, o cliente, o adversário e o juiz, verbis: " Sê leal para com o cliente, a quem não deves abandonar senão quando reconheceres que é indigno de ti; leal para o adversário, mesmo quando ele seja desleal contigo; leal para o juiz que, ignorando os fatos deve confiar nos que alegaste e que, quanto ao direito, deve, de quando em quando, aceitar os preceitos que invocaste".

Em excelente obra doutrinária sobre "deontologia jurídica", Waldir Vitral, magistrado de escol, leciona que "um organismo judiciário, concebido e organizado como o nosso, só pode ser e permanecer são se cada um preencher da melhor maneira a sua função. É preciso, notadamente, que a discussão dos negócios seja completa e leal. É preciso que a acusação seja sem fraqueza, mas sem paixão; que a defesa seja generosa, mas sem cumplicidade. Carece o juiz ser atencioso e paciente, porém sem complacência. Cada qual dos encargos judiciários tem seus caracteres particulares e suas exigências próprias, mas todos reclamam consciência tanto quanto ciência. Se, v. g., um advogado apresenta apenas uma justificação superficial das pretensões de seu cliente, o juiz só pode estar embaraçado tanto quanto inquieto. Elementos de verdade podem permanecer à sombra. Objeções subsistem que seriam, talvez, refutáveis. Riscos de erros sobrevivem. Para destruí-los, o magistrado fica adstrito àquilo que foi dito e pôde ser dito em favor do litigante. Ao contrário, se os advogados que se apresentam diante dele têm realmente qualidades profissionais e humanas, será isto para o juiz um motivo de segurança". 18

O Código de Processo Civil em vigor deu realce aos chamados princípios éticos do processo, destacando o dever de lealdade que deve imperar entre as partes. 19

Leciona Vicente Greco Filho "ser impossível a separação do processo dos princípios de conduta moral. Além da enumeração do art. 14, o Código prevê outros deveres éticos como, por exemplo, comportar-se convenientemente em audiência (art. 445, II), não atentar contra a dignidade da justiça (art. 559), bem como tratar testemunhas com urbanidade (art. 416, § 1o ) e tratar-se reciprocamente também com urbanidade (art. 446, III)". 20
 
 

5. A responsabilidade no processo

Como relação social, o processo compreende os modos de atuação não só dos órgãos estatais (juiz, funcionários da Justiça) mas também as condutas de todos aqueles que dele participam (partes, advogados, outros órgãos estatais não jurisdicionais como o Ministério Público, a Polícia Judiciária) e até mesmo terceiros desinteressados (como as testemunhas, pois, determina o art. 339, do CPC, que "ninguém se exime do dever de colaborar com o Poder Judiciário para o descobrimento da verdade").

A conduta de cada participante do processo é prevista em quadros gerais que se denomina procedimento, que é o modo pelo qual a relação entre os participantes do processo se realiza em cada causa, o que pode ser visto tanto do ponto de vista de especial seqüência dos atos (o rito de determinada ação) como do modo de realização de determinado ato (como, por exemplo, o rito das audiência).

Nesse plexo de atos processuais exsurge o problema relativo à responsabilidade das partes envolvidas, em especial do advogado, figura central desse singelo estudo, por eventuais danos causados pela sua atuação no cenário jurídico-processual.

A vigente Carta da República é enfática em exortar que: "O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei'' (art. 133).

Sobre a indispensabilidade do advogado à administração da justiça e sobre a inviolabilidade de seus atos e manifestações no exercício da profissão, assim previstas no art. 133 da CF, polemizam os juízes, advogados, professores, juristas, enfim, sobretudo em face do tópico do texto, que alude aos "limites da lei".

Trata-se de indiscutível "imunidade" no exercício da profissão, que, entretanto, não há de ser confundida com a detestável "impunidade" que permeia a atividade parlamentar no Brasil. Ao excepcionar a atuação "nos limites da lei", evidentemente positivou o legislador constituinte que não se admite a prática condenável, infelizmente assaz usual por advogados inescrupulosos, de ataques caluniosos, injuriosos ou difamantes às partes da relação processual, sob pena de responder penal e civilmente por tais atos.

Nesse sentido os seguintes julgados:

"Habeas corpus - Alegações de inépcia da denúncia e falta de justa causa para a ação penal - CP, arts. 138 e 141, II - O fato, situado no tempo, tem objeto certo - De explícito, imputou o recorrente, que é advogado, à vítima, oficial de Registro de Imóveis, a prática de crime de prevaricação - Não cabe a alegação de surpresa para o réu ou de limitação à sua defesa - O livre exercício da profissão, pelo advogado, estabelecido, antes de tudo, para a plena defesa dos direitos ou interesses que lhe forem confiados, não lhe garante imunidade, em termos a poder assacar eventuais ofensas à honra da parte adversária ou de seu patrono, bem assim de servidor da Justiça - Se é certo que o advogado, no desempenho de seu nobre ofício, não há de deter-se por temor de desagradar ao juiz ou a qualquer autoridade, exato está, outrossim, que, daí, não lhe resulta situação de imunidade se caluniar ou injuriar terceiros - Recurso desprovido" (RHC 63.525-0-MS, rel. Min. Néri da Silveira, 1ª T., j. 19.12.85, publ. DJU 07.03.86, Ementário STF 1.410/2)".

"Advogado - Calúnia irrogada em juízo - Imunidade judiciária - CP, art. 142, I (inaplicação) - Ao crime de calúnia não se estende a excludente do art. 142, I, do CP, referente a ofensas irrogadas em juízo, configurativas, em princípio, de injúria ou difamação - Recurso denegado" (RHC 57.398-3-SP, rel. Min. Rafael Mayer, 1ª T., j. 16.10.79, publ. DJU 09.11.79, RTJ 92/1.117).

O atual EOAB, instituído pela Lei 8.906, de 04 de julho de 1994, em seu art. 7º, § 2º, contém o seguinte preceito: "O advogado tem imunidade profissional, não constituindo injúria, difamação ou desacato puníveis qualquer manifestação de sua parte, no exercício de sua atividade, em juízo ou fora dele, sem prejuízo das sanções disciplinares perante a OAB, pelos excessos que cometer''.

Verifica-se pelo confronto dos textos legislativos citados que o advogado tinha imunidade judiciária diante do vigente CP.

Com o surgimento da Carta Política Federal de 1988, que o consagrou como indispensável à administração da justiça, a matéria sobre sua imunidade profissional ficou subordinada à edição de uma lei infraconstitucional.

Ab initio, como leciona Heráclito Antônio Mossin "há de se considerar, no que tange ao advogado, que a nova norma estatutária revogou tacitamente o inciso I do art. 142 do CP". 21

A doutrina mais autorizada sobre o assunto sobreleva os pontos mais importantes que revestem o instituto da imunidade do advogado.

Heleno Cláudio Fragoso, ao fazer menção à imunidade judiciária, exalça que: "Não constitui crime a injúria ou a difamação irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou seu procurador. Trata-se da chamada imunidade judiciária, que já era acolhida pelo direito romano. (Codex, II, 6, 6, 1). O que ocorre em tal caso é o animus defendendi, que exclui a vontade de ofender. Não se indaga, no entanto, da concorrência do propósito de ofender, motivo pelo qual, a existir tal propósito, haverá exclusão da antijuridicidade. A injúria ou difamação feitas na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador, são levadas à conta da normal e razoável exaltação de ânimos dos litigantes na defesa de seus direitos. Como afirma Couture ("Los mandamientos del abogado'', 1966, 11), a advocacia é uma luta de paixões. "Não é certamente um caminho glorioso; está feito, como todas as coisas humanas, de penas e de exaltações, de amarguras e de esperanças, de desfalecimentos e de renovadas ilusões''. Caracteriza-se nossa ação e nossa militância, pela mentalidade predominantemente crítica e combativa, que a domina (Calamandrei, "Demasiados Abogados'' 1960, 48). Moli"Rac ("Initation au Burreau'' 1947, 110) dizia mesmo que fazem parte de nosso ministério "a noble véhémence e a saint hardiesse. Edmond Picard ("Paradoxe sur l'Avocat'', 1880, 360), assinala com propriedade: "Sans le don de s'echauffer au profit d'une cause, il n'est plus ce paladin de la parole qui saura, dans le duel de la barre, être acharné dans l'attaque et adroit à parer les coups; il n'est plus qu'un homme d'affaires. Il faut qu'il ait la bosse de la combativité. Les idées de calme et d'imparcialité inalterables soint ici hors de saison. Ce sont les eunuques de la profission qui ont por fois tenté de les mettre à la mode'' . 22

Ainda, no particular enfocado, merece consideração o magistério provindo de Júlio Fabrini Mirabete, no seguinte diapasão: "O primeiro caso de exclusão da antijuridicidade é o da chamada imunidade judiciária, que se refere à "ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador'' (inciso I). No intuito de assegurar às partes a maior liberdade na defesa judicial de seus interesses, concede-lhes a lei a imunidade, extensiva aos seus procuradores. Além disso, ao interesse particular sobreleva a necessidade, muitas vezes imperiosa e inadiável, de travar-se o debate até mesmo com acrimônia ou deselegância, no afã de desvendar-se a verdade e ensejar julgamentos tanto quanto possíveis justos (RT 530/340). Justifica-se, ainda, a exceção no interesse de se assegurar que os direitos que se procura garantir no debate perante o juízo não tenham sua defesa inibida pelo temor de represálias no campo penal''. 23

De forma assaz elucidativa a autorizada doutrina de Damásio E. de Jesus, in integrum: "A CF de 1988, em seu art. 133, tornou o advogado `inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei'. Concedeu-lhe imunidade penal judiciária (material), semelhante à dos parlamentares (CF, art. 53, caput). Trata-se de causa de isenção profissional da pena, com efeito extensivo de punibilidade (da pretensão punitiva). Significa que não responde por eventuais delitos contidos em seus atos e manifestações orais e por escrito (petições, razões, debates, etc.), como a calúnia, a difamação, a injúria e o desacato. Impede o inquérito policial e a ação penal. Exige-se a estreita relação entre a eventual ofensa e o exercício da profissão (defesa de um direito)...'' 24

A imunidade profissional do advogado estabelecida pelo Estatuto se eleva à categoria de privilégios diante do Direito Penal, onde o causídico não pode ser punido pelas suas manifestações, palavras ou atos considerados ofensivos relativamente a quaisquer pessoas ou autoridades constituídas. A isenção sublinhada decorre da libertatas convinciandi ou do animus defendendi que informa o exercício da advocacia. Trata-se, no âmbito penal, de causa excludente da antijuridicidade, defluente do exercício regular de um direito. Assim, embora o ato praticado pelo advogado no exercício de sua profissão seja típico, esteja objetivamente descrito no tipo penal relativo aos crimes de injúria (art. 140, CP), difamação (art. 139, CP) e desacato (art. 331, CP), o jus puniendi estatal não pode ser aplicado.

Com efeito, como anota Heráclito Antônio Mossin, o advogado que no exercício de sua profissão, quer em juízo, quer fora dele, ofender alguém, atua segundo lhe permite a lei, age dentro do exercício regular de um direito. Portanto, se sua conduta se amolda ao direito, à lei, não se pode falar, ex abundantia, que ela é contra legem, mas sim juridicamente lícita. Assim, quem obra segundo o direito não pode ser punido por este mesmo direito. Logo, se, in casu, inexiste a relação contraditória entre o fato típico e a norma, também deixará de existir a antijuridicidade, a ilicitude de comportamento. 25
 
 

6. Conclusões

A advocacia, essa árdua fadiga posta ao serviço da Justiça, na preciosa definição de Eduardo Couture, é ação, concretizada no desempenho de uma representação pública e no exercício de uma função social, "exigindo dos que a exercem, uma conduta moral condicionada não só aos preceitos do Código de Ética Profissional, como aos que decorrem da moral individual e da moral social". 26

Seu exercício é uma luta permanente: luta pela liberdade, na defesa de uma pessoa, luta para ver triunfar um direito, luta para fazer respeitar um princípio, luta para obstar um arbítrio, luta para desmascarar uma falácia, luta, por vezes, para atacar um potentado que abusa do seu poderio. Nestes combates o advogado pode viver todos os estados passionais emergentes da alma: o entusiasmo, a indignação, a cólera, o desprezo. Sem embargo, está obrigado à moderação, e o respeito por este sentimento assegura-lhe tanto maior autoridade quanto maior calma mostrar perante a contínua atribulação em que labora.

Desse modo, em razão de labor tão relevante, a vida mesma impõe ao advogado uma permanente sintonia com as justas aspirações da sociedade de que participa.

Em suma, é manifesta a relevância da missão confiada ao advogado, no contexto da vida nacional, em estrita e inafastável obediência aos mandamentos que asseguram os direitos e as garantias individuais do cidadão e dos grupos sociais.

Atento a esses princípios, indissoluvelmente ligados ao nobre ofício que lhe é confiado, configuram-se plenamente necessárias as garantias constitucionais (CF art. 133 – "O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei") e Estatutárias, preceituando estas, com justeza, que: "O advogado, no seu ministério privado, presta serviço público relevante, constituindo elemento indispensável à administração da Justiça".

E, ainda, também com inteira propriedade, que: "Entre os juízes de qualquer grau de jurisdição, membros do Ministério Público e advogados não há hierarquia nem subordinação, devendo-se todos consideração e respeito recíproco".
 

NOTAS DE FIM

1 Em verdade, o direito já é algo que faz parte da própria substância e essência das pessoas , enchendo parte da nossa vida pessoal, e que existe sempre envolvido com coisas concretas e com a vida , como muito bem ensina o filósofo gaúcho Carlos N. Galves, in Manual de Filosofia do Direito, Rio de Janeiro, Forense, 1995, pp. 16 e 17.

2 Para Cândido Rangel Dinamarco, processo é o método ou sistema de atuar a tutela jurisdicional, cf. nota 1 a Liebman, in Manual de Direito Processual Civil, Rio de Janeiro, Forense, 1984, vol. I, p. 3.

3 É o caso, verbi gratia, da regra constante do art. 502 do nosso Código Civil, que permite ao possuidor turbado ou esbulhado na sua posse manter-se ou restituir-se por sua própria força. Do mesmo modo a regra inserta no art. 776 do Código Civil, ao permitir que o hospedeiro ou estalageiro, e bem assim os fornecedores de pousada ou alimento, titulares de penhor legal, retenham as bagagens, móveis, jóias ou dinheiro que os fregueses ou consumidores tiverem consigo, bem como ao locador sobre os móveis do locatário.

4 A jurisdição, como sabido, é uma das expressões da soberania, e o processo instrumento dessa jurisdição, instrumento político de efetivação das garantias asseguradas constitucionalmente até mesmo de manifestação político-cultural, espelho cultural da época, na dicção de Franz Klein, consoante bem pinçado por Mauro Cappelletti, in Problemas de Reforma do Processo Civil nas Sociedades Contemporâneas, Revista de Processo, vol. 65, p. 127.

5 BÜLOW Oscar Von, in Excepciones procesales y presupuestos procesales, 1868, tradução espanhola de 1964, Buenos Aires.

6 Idem, pp. 1 e ss.

7 Sobre a doutrina racionalista da consagração dogmática da separação estrita dos poderes, após a Revolução Francesa, ver o interessante estudo de John Henry Merryman, in La Tradicion Jurídica Romana-Canonica, pp. 72 a 79, 2ª Edição, México, Breviários del Fondo de Cultura Económica, 1994.

8 CARNELUTTI Francisco, Sistema de Derecho Procesal Civil, trad. Espanhola de Niceto Alcalá-Zamora y Castillo y Santiago Sentís Melendo, ed. Uteha, 1944, vol. II, p. 145.

9 Dispõe sobre o estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB.

10 "Art. 2o . O advogado é indispensável à administração da justiça".
"Art. 6o . Não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, devendo todos tratar-se com consideração e respeito recíprocos".

11 CF art. 133.

12 Barbuio José Carlos, O papel do advogado na democracia, in "O Estado de São Paulo", Justiça, 16.02.93, p. 4.

13 A Lei no 9.099/95 permite que, nas causas de valor até 20 salários mínimos, as partes compareçam pessoalmente ou por preposto, "podendo ser assistidas por advogado".

14 STF, RC 4886, rel. Min. Celso de Mello, citado na Pet 756, rel. Min. Ilmar Galvão, j. 31.8.1993, DJU 8.9.1993, p. 18086.

15 El proceso civil en el derecho comparado, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 79-80.

16 Oralidade e regra moral no processo civil, RF 77/31.

17 Comentários ao CPC, 2a ed. SP, Revista dos Tribunais, 1978, v. 1, p. 382.

18 Cf. Waldir Vitral, Deontologia do magistrado do promotor de justiça e do advogado, Forense, 1992, p. 283.

19 Nos termos do art. 14 do CPC, compete às partes e aos seus procuradores: expor os fatos em juízo conforme a verdade; proceder com lealdade e boa-fé; não formular pretensões nem alegar defesa, cientes de que são destituídas de fundamento; não produzir provas sem praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou defesa do direito.

20 Direito Processual Civil Brasileiro, Saraiva, 1996, vol. I, p. 107.

21 RJ 209/42

22 Lições de direito penal. 7ª ed., Rio de Janeiro:Forense, 1983. Parte Especial, p. 198-199.

23 Manual de direito penal. 5ª ed., São Paulo:Atlas, 1991. v. II, p. 151.

24 Código de processo penal anotado. São Paulo, Saraiva, 1989. p. 383.

25 Cf. Heráclito Antônio Mossin, ob. cit., p. 44

26 ob. cit., p. 43.