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UM REMÉDIO PARA A DESINFORMAÇÃO JURÍDICA

Renato Sócrates Gomes Pinto

O autor  é Procurador de Justiça do DF,  Especialista em  Direitos Humanos pela Universidade de Leicester (Grã-Bretanha)  e em Direito e Estado pela Universidade de Brasília.

 

 

                            O Professor JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, em palestra proferida na Confederação Nacional do Comércio (1),  chamou a atenção  para a desinformação jurídica que reina em nosso país e que barra o acesso à plena cidadania.

                            Propõe o notável jurista pátrio, como solução, um programa de ação que inclua, essencialmente, a instalação de postos nas sedes da associações de moradores, em estabelecimentos de ensino, em quartéis, em fábricas, em cooperativas, nas paróquias, junto às delegacias de polícia e aos órgãos judiciais, onde quer que, na cidade ou no campo, um cidadão simples possa buscar orientação necessária à solução de seus problemas.

                            A proposta  é muito feliz, pois é inegável que o  Brasil, apesar de possuir uma Constituição  e uma legislação avançadas, em termos de direitos dos cidadãos, não atingiu um nível mínimo de eficácia social dessas normas, e a principal causa é justamente a  desinformação jurídica.

                            Os  brasileiros, na sua maioria, não sabem que têm direito a ter direitos.

                            E  além de ser desinformado, o brasileiro não acredita nas instituições, sentindo-se desencorajado para ‘procurar seus direitos’.

                            Refletindo sobre o apelo de BARBOSA MOREIRA, lembrei-me dos modelos de assessoria ao cidadão existentes em países desenvolvidos, tais como Estados Unidos e  Inglaterra.

                            Como se sabe, os países desenvolvidos tratam muito bem seus próprios cidadãos.                                                                                                                   Nos Estados Unidos existe, em nível federal, a Divisão de Direitos Civis do Departamento de Justiça, que tem prestado à cidadania daquele país um serviço altamente eficiente.

                            Contudo, em termos de atendimento ao cidadão, o modelo britânico afigura-se ainda mais aperfeiçoado, eficaz e com uma virtude que agrada nessa era da globalização e do neoliberalismo - o investimento social a custo reduzido.

                            O sistema de atendimento ao cidadão na Grã-Bretanha, que pode servir de modelo para nós, é   desenvolvido pelos CABS - Citizens Advice Bureaux (2) e  consiste no trabalho de mais de 1700 (mil e setecentos) unidades de atendimento, onde atuam voluntários, e cuja atividade é assessorar gratuitamente o cidadão, provendo orientação imparcial , confidencial e de forma independente.

                            Os CABs exercem poderosa influência na formulação de políticas públicas em nível regional e nacional, sendo organizados numa confederação denominada National Association of Citizens Advice Bureaux.

                            Os CABs atuam em várias áreas, orientando os cidadãos sobre seus direitos em geral, abrangendo os vários assuntos  que afligem sua clientela, tais como questões de saúde, educação, habitação,  previdência, problemas pessoais e de família, discriminação, questões ambientais, de consumo, acesso a emprego,  acesso a empréstimos e financiamentos para conduzir o próprio negócio, etc.

                            Cerca de 28.000 (vinte e oito mil) pessoas trabalham nos CABs, sendo mais de 90% (noventa por cento) voluntários, e mais de cinco milhões e quinhentas mil pessoas são atendidas pelos CABs por ano.

                            Os voluntários e funcionários que trabalham nos CABs são submetidos a rigoroso treinamento antes de atenderem seu primeiro cliente.

                            Muitos voluntários são especialistas, geralmente aposentados, em áreas específicas (ex-bancários, profissionais liberais, funcionários públicos, professores,  etc.) e ultimamente tem sido priorizado, no recrutamento, pessoas pertencentes a minorias étnicas e jovens.

                            Além de oferecer valiosa contribuição aos Poderes Públicos, identificando as necessidades comunitárias e mantendo um canal de efetiva articulação com o Estado, os CABs atuam como conciliadores e seus atendentes podem representar os cidadãos em Juízo.

                            O modelo inglês vem de uma democracia que, historicamente,  sempre esteve na vanguarda, de modo que não seria exagero afirmar que o sistema de atendimento dos CABs é uma síntese dessa evolução da cidadania do país da Carta Magna.

                            Pensei, então, na possibilidade de se introduzir aqui um sistema semelhante, com a implantação experimental de Centros de Assessoria ao Cidadão (CACs) como uma facilidade disponibilizada à comunidade, localizados em pontos estratégicos do espaço urbano (terminais rodoviários, praças, CDS, núcleos rurais, shopping centers, edifícios públicos com grande circulação de pessoas, etc.), onde trabalhariam servidores públicos e voluntários bem treinados para a função de assessorar o cidadão (3).

                            Nos CACs, o cidadão seria atendido adequadamente, e, depois de discutido e diagnosticado o seu problema, seria orientado e encaminhado para o lugar certo e  para a solução efetiva da queixa.

                            E a assistência não pararia aí.

                            O CAC manteria contato com quem o procurasse para assegurar-se de sua satisfação.                                                      

                            A eficiência do sistema estaria, até certo ponto garantida, pois envolveria o monitoramento de cada caso, que seria lançado num programa de computador e verificado periodicamente.

                            A seleção rigorosa e o treinamento, com excelência, dos servidores e voluntários, seriam essenciais  para a qualidade desse  atendimento e o sucesso do sistema.

                            Entre as vantagens dessa alternativa posso mencionar: (a)  o custo reduzido do investimento; (b) o envolvimento da comunidade, fortalecendo a democracia; (c) - a instituição de uma verdadeira escola de cidadania, aberta ã formação prática para estagiários dos cursos de Direito, Ciências Sociais e outros;  e (d) o estímulo a uma autêntica cultura da solidadariedade, sem o vício do assistencialismo paternalista, pois o sistema de atendimento proposto seria de caráter permanente, o que seria diferente de campanhas episódicas de promoção da cidadania, promovidas em fins de semana.

                            Os CACs poderiam se transformar em centros de referência para os cidadãos, onde receberiam orientação  inicial e acompanhamento para a solução de seus problemas.

                            Trata-se de uma solução descomplicada que facilitaria o exercício da cidadania plena, principalmente para os excluídos e para o homem marginalizado e invisível de nossa sociedade.

                            E caso venha a ter sucesso a iniciativa, é possível que o exemplo seja adotado como modelo no país.

                            Talvez  assim é que se caminha rumo à real construção uma sociedade livre, justa e solidária, como quer nossa Constituição.                               

                            A idéia pode parecer utópica e obviamente o contexto de um país em desenvolvimento, como o nosso, é diferente daquele existente num país desenvolvido como a Grã-Bretanha.

                            Mas se feitas as devidas adaptações, a implantação de um sistema de atendimento ao cidadão nos moldes do sistema britânico não é de todo afastável, pelo que afigura-se salutar  se conhecer melhor a receita inglesa para um projeto piloto - uma experiência.

                            Um remédio pode até não curar a doença, mas pode melhorar, apesar de possíveis efeitos colaterais e de poder causar dependência.

 

NOTAS

 

(1) O teor da palestra  foi  publicado na revista Carta Mensal, da Confederação Nacional do Comércio,vol. 39, n. 467, de fevereiro de 1994.

(2) As informações aqui postas são extraídas da Revista da National Association of Citizens Advice Bureaux , que publicou o Relatório Anual 1998, gentilmente oferecida pela Embaixada Britânica em Brasília.

(3)  A Lei do Serviço Civil Voluntário é um dos instrumentos que pode ser utilizado.

 

 

 

e-mail do autor: rsgp@persocom.com.br

Texto retirado de http://www.datavenia.inf.br/frame-artig.html