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A FUNÇÃO SOCIAL DO PROCESSO

 

Izabel Cristina Pinheiro
Advogada
 
SUMÁRIO: 1. Introdução 2. Função social do direito 3. Função social do processo: pacificação social 3.1 a educação 3.2 o bem-comum 4.Conclusão 5. Referências bibliográficas.

 

 

1. Falar da função social do processo é, sobretudo, discorrer sobre a função social da jurisdição, isto porque é aquele o meio utilizado por esta para alcançar os fins a que visa.

Muito embora a jurisdição não possua apenas escopos sociais, mas também políticos e jurídicos, é precipuamente naqueles que está baseada a legitimidade de sua atuação. O que justifica a importância deste estudo.

 2. Tendo em vista o caráter instrumental do processo em sentido positivo, isto é, que o processo é o instrumento pelo qual o direito material se efetiva, poder-se-ia pensar que o direito e o processo (leia-se jurisdição) visam ao mesmo fim. O que constitui um equívoco.

É comum dizer-se que não existe sociedade sem direito. Isto porque o direito regula as relações entre os homens de forma a criar uma harmonia entre suas atitudes, possibilitando deste modo a vida em sociedade. De maneira analógica, pode-se pensar em um átomo no qual as partículas que o compõem estivessem em movimento desordenado. Assim sendo, tais partículas começariam a se chocar umas contra as outras, e no impacto as mais fortes exterminariam as mais frágeis e assim sucessivamente, até que restasse apenas uma. No caso, o direito seria a lei da cinética que determina que cada partícula movimente-se dentro do seu orbital, possibilitando com isso a sobrevivência do todo.

Portanto, o direito visa à harmonização social como meio de possibilitar a vida em sociedade. E age por meio de normas genéricas, abstratas e coativas.

3. As normas jurídicas devem, via de regra, ser cumpridas espontaneamente pelos indivíduos. Entretanto, quando há violação a tais normas, seja por descumprimento espontâneo, seja por equívoco na interpretação, o Estado-jurisdição, utilizando-se do poder coativo de que são dotadas, e por meio do processo, age no caso concreto aplicando o direito material como forma de dirimir o conflito surgido com a violação e restabelecer a paz social.

Por isso, afirma-se que o processo tem como escopo social a pacificação dos conflitos.

Da análise até então feita podemos perceber que o direito realiza um trabalho preventivo, na medida que estabelece que determinadas condutas não devem ser realizadas sob pena de serem punidas ou desfeitas. Enquanto que o processo geralmente realiza um trabalho de profilaxia, atuando quando a violação à norma jurídica já se concretizou (excetue-se o mandado de segurança que pode ser utilizado na prevenção a uma futura e previsível violação).

Quanto à afirmação de que o processo tem por objetivo a atuação da vontade concreta da lei, deve-se salientar primeiramente que é um escopo jurídico e não social e, posteriormente que a finalidade de pacificação social já se sobrepôs a ele, como bem demonstra Cândido Rangel Dinamarco (1993) ao afirmar que "o efeito da revelia, associado à antecipação do julgamento, constitui um dos pontos de mais significativa inovação introduzidos na legislação processual civil pelo código vigente, onde o escopo jurídico de atuação da lei passa a plano secundário e mais se atende à preocupação de pacificar, tratando o litígio segundo o grau de conflituosidade revelado pelo comportamento dos sujeitos."

É mister ressaltar que a pacificação social caracteriza-se não apenas pela solução dos conflitos, mas também pela imposição de tal solução e pelo conformismo que gera entre as partes litigantes em relação à decisão imposta.

Dinamarco afirma que essa aceitação deriva de dois fatores: do desgaste provocado pelo processo que é maior que a insatisfação de uma sentença desfavorável; e da idéia que existe no subconsciente dos indivíduos de que devem respeitar as decisões judiciais pois são elas que mantém a ordem social. Já Marinoni (1993) diz que deriva "de mecanismos psicológicos que ajudam o homem a iludir-se".

3.1 O primeiro destes autores defende e o segundo acata a tese de que o processo possui também uma função educadora, na medida que conscientiza os indivíduos para o exercício de seus direitos e obrigações, ensinando-os a buscar a tutela jurisdicional.

Observamos que isto ocorre em um segundo momento, pois primeiramente a função educadora da jurisdição deve ser no sentido de servir de exemplo aos cidadãos para que estes compreendam que é mais fácil e vantajoso o cumprimento espontâneo do ordenamento jurídico, já que este será respeitado ainda que seja pela via coativa. Não havendo esta compreensão primária, terão os indivíduos consciência de que podem recorrer ao judiciário em busca da tutela de seus direitos.

Notamos, ainda, que esta é uma função derivada, pois além de não ter havido uma intenção inicial de produzi-la, só é alcançada pela atuação reiterada e eficaz do Judiciário na solução dos conflitos.

 

3.2 Há ainda autores que afirmam ser a função social da jurisdição proporcionar o bem-comum.

Entretanto, discordamos desse posicionamento, pois o bem-comum é um estado complexo que reúne todas as condições necessárias a proporcionar um bem-estar coletivo, ou seja, de toda a sociedade.

Hodiernamente, tal estado seria alcançado se todos os indivíduos possuíssem, no mínimo, educação, saúde, moradia, alimentação e segurança. Entretanto, o poder jurisdicional não dispõe de meios para obrigar as autoridades públicas a proporcionarem esses bens aos indivíduos.

Ao contrário, a jurisdição atua de modo a fazer com que os indivíduos se conformem com o que têm, e não perturbem a "paz social" (entendida esta como ausência de conflitos e não de insatisfações).

Assim sendo, concordamos com Pellegrini-Dinamarco-Cintra ao afirmarem que o bem-comum é o fim visado pelo Estado e que a pacificação social é a projeção particularizada daquele na esfera jurisdicional.

4. Em face das considerações tecidas, é nosso pensamento que a função social do direito é a harmonização social, constituindo aquele e esta elementos essenciais para a existência da vida em sociedade.

No que concerne à função social precípua do processo, esta é a pacificação social, possível graças ao caráter coativo de que as normas jurídicas são revestidas.

Como função social derivada do processo, apresenta-se a educação, que atua primeiramente conscientizando os indivíduos a respeitarem o ordenamento jurídico, e posteriormente instruindo-os a buscarem a tutela jurisdicional de seus direitos.

Por fim, entendemos que o bem-comum é objetivo do Estado e que a pacificação social é a projeção dele na esfera jurisdicional.

 

5.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

CARNEIRO, Athos Gusmão. Jurisdição e competência. 4.ed.. São Paulo: Saraiva,1991.

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândico Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini.Teoria geral do processo. 9.ed.. São Paulo,1991.

DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. 18.ed.. São Paulo: Saraiva, 1991.

DINAMARCO,Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 3.ed.. São Paulo: Malheiros, 1993.

FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito. São Paulo: Atlas, 1991.

KELSEN, Hans.Teoria pura do direito.3. ed.. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas de processo civil. São Paulo: Revista dos tribunais, 1993.

RÁO, Vicente. O direito e a vida dos direitos. 3.ed.. São Paulo: Revista dos tribunais, 1993. v.1.

SILVA, Ovídio Baptista da. Curso de processo civil. 2.ed.. Porto Alegre: Fabris, 1991.v.1.
 
 

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