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A DESCLASSIFICAÇÃO E O CONTRADITÓRIO NO PROCEDIMENTO DO JÚRI

FREDERICO AUGUSTO DE OLIVEIRA SANTOS - Promotor de Justiça (GO)


 


1- A CLASSIFICAÇÃO JURÍDICA DO FATO IMPUTADO

A Constituição da República admite outros direitos e garantias individuais não enumerados nem explícita nem implicitamente decorrente do regime e dos princípios por ela adotados, provenientes de tratados internacionais em que o Brasil seja parte (artigo 5º., parágrafo 2º., Constituição Federal).

Dessa forma, todas as garantias processuais penais da Convenção Americana integram o sistema constitucional brasileiro, tendo o mesmo nível hierárquico das disposições inscritas na carta magna. As normas contidas na Convenção Americana e na Constituição Federal interagem e se completam; e, na hipótese de uma ser mais abrangente que a outra, preponderará a que melhor assegure os direitos fundamentais(1).

1 - Ada Pellegrini Grinover, Antonio Searance Fernandes & Antonio Magalhães Gomes Filho, As nulidades no processo penal, 5ª ed., São Paulo, Malheiros, 1996, p. 71.

O Decreto 678, de 06 de novembro de 1992, determinou o integral cumprimento da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, cujo texto foi aprovado em São José da Costa Rica, em 22 de novembro de 1969 e chancelado pelo Brasil pelo Decreto Legislativo 27, de 26 de maio de 1992, que levou à sua ratificação pela Carta de Adesão de 25 de setembro de 1992.

O artigo 8º, nº 2, alínea b, da Convenção americana dispõe sobre as garantias judiciais de todo acusado, considerando como providência necessária ao exercício do direito de defesa a "comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da acusação"(2). A alínea g desse mesmo dispositivo enuncia o direito do acusado não ser obrigado a depor contra si mesmo, nem declarar-se culpado.

2 - Grifo nosso.

Os estudos ora desenvolvidos buscam alcançar a exegese da expressão pormenorizada, sobretudo se seu sentido se traduz na correta classificação jurídico penal do fato. Até que ponto a classificação errada pode trazer prejuízo à defesa, em razão do agravamento da pena pela diversificação da tipicidade? É exigível que a defesa suscite classificação penal, cujas sansões penais sejam mais severas ao próprio réu, quando sequer tal qualificação jurídica foi entrevista pela acusação e eventualmente nem será vislumbrada pelo juiz?

A Constituição ao garantir o direito ao silêncio enuncia como princípio a não auto-incriminação, inclusive esta só poderá ser admitida como prova se for corroborada com as provas do processo, verificando-se entre aquela e estas concordância e compatibilidade, a fim de alcançar a verdade material (art. 197 do Código de Processo Penal)(3).

3 - Rogério Lauria Tucci & José Rogério Cruz e Tucci, Devido processo legal e tutela jurisdicional, São Paulo, Editora Revista dos tribunais, 1993, p. 54.

O objetivo desse estudo é realçar a importância do nexo necessário entre o processo e a situação substancial deduzida in statu assertionis, de que nos fala Fazzalari. No âmbito do processo penal, a situação substancial deve ser reconhecida pela violação de um de.(4) ver imposto pelas normas penais materiais Segundo essa doutrina aplicada à seara criminal o processo é idealizado de modo que durante a sua tramitação seja possível constatar a existência ou não de tal situação, permitindo em alguns casos o juiz, em atenção ao devido processo legal, retificar a classificação dada ao fato narrado na denúncia, ou seja vestibularmente ou tão logo perceba a mudança do iter procedimental pela variação da situação substancial no decorrer da instrução, como se impõe em relação ao decote de qualificadoras na pronúncia. Antes de ser formulada a pretensão punitiva, deve o juiz dizer da admissibilidade da acusação. Para tanto, forma-se um procedimento inicial que se encerra com o judicium accusationis, a fim de que, mediante atos instrutórios, possa o juiz verificar se há probabilidade de ser exata a imputação.

4 - Segundo Elio Fazzalari Istituzioni di Diritto Processuale, 7ª ed., Milão: CEDAM, 1994, p. 251 "Riconosciuto l 'imputato autore di un reato (e cioè verificata 1 'esistenza dei/a situazione sostanziale che impone aí giudice di condannare, e che coniste, appunto, nella transgressione di un precetto penale), il giudice pena/e lo condanna ad una pena disponendo com sentenza che venga privato dei/a libertà pervonale ("ergastolo", "reclusione" o "arresto"), ovvero imponendogli di versare una determinata somma di denaro ("multa" o "ammendä"')".

Segundo Paulo M. Serrano Neves, o fato constitutivo do crime para ter existência deve estar suficientemente provado, isto é, a informação trazida pelo inquérito penal propõe que "é possível a existência do crime", a denúncia que e provável a existência do crime", a pronúncia deve dizer "é certa a existência do crime"(5)

5 - Das formas lógicas do Processo Penal; subsídios para o devido processo legal Revista do Ministério Público do Estado de Goiás, Goiânia, dez. 1996, pp. 49-56, p. 55.

Nesse sentido vale realçar a lição de Francesco Carnelutti:

"Antes de poder castigar a un hombre, es preciso condernarlo; pero antes de condenarlo, preciso es juzgar si puede ser sometido a debate; y antes de someterlo ai juicio acercade la posibilidad de someterio a debate, hay todavia un juicio anterior"(6)

6 - Cuestiones sobre el proceso penal, (Tradução: Santiago Sentis Melendo) Buenos Aires, Ediciones Jurídicas Europa-América, 1961, p. 139.

Enquanto a informação enuncia que as relações não são de fato nem obrigatórias porque apenas possíveis (proposição problemática), a mencionada situação no transcorrer do iter procedimental, apresenta-se de modo diferenciado: a denúncia na ação penal condenatória exsurge como afirmação do autor, enunciando que as relações são de fato, mas não são obrigatórias, porque apenas prováveis transforma-se, em seguida, em objeto das alegações, das provas e do debate, ou seja, do contraditório; por fim, no momento em que o juiz profere a sentença, os fatos tomados como proposição assertiva na inicial manifestam-se como situação declarada ou negada pelo órgão jurisdicional (7). A classificação penal nem sempre fica ao alvedrio do Ministério Público, a quem incumbe exclusivamente a tarefa de acusar. Releva observar que, a intervenção do juiz ocorre como corolário do devido processo legal e não como garantia do direito de defesa.

7 - Cf. José Rogério Cruz e Tucci, A causa petendi no processo civil. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1993, p. 108 e Paulo M. Serrano Neves, Das formas lógicas do Processo Penal; subsídios para o devido processo legal. Revista do Ministério Público do Estado de Goiás, Goiânia, dez. 1996, pp. 49-56.

O réu se defende de fatos e não de regra jurídica que se faz amoldar, embora não corresponda à narração na exordial acusatória. No processo penal do Júri a acusação se desenvolve de forma progressiva, trazendo como corolário, o procedimento escalonado. Há, preliminarmente, uma fase procedimental preparatória, para o julgamento da denúncia, e uma segunda fase definitiva, para o julgamento do libelo(8). Em ambos os casos a causa de pedir é a imputação, exposta seja de forma discursiva ou articulada e sobre ela recairá o "contradizer" da defesa. Não há contraditório da regra jurídica aplicanda. Assim, no último tópico deste texto abordamos a questão da inovação pela defesa de tese jurídica na tréplica. Se existisse contraditório da regra jurídica aplicanda, não se poderia autorizar a sustentação de tal tese jurídica sem antes ouvir o Ministério Público.

8 - José Frederico Marques, A instituição do júri, São Paulo, Saraiva, 1963, v. 1, p. 57.

2 - Desclassificação e Júri

A soberania do Júri autoriza absolvição consistente no absurdo de que o crime não existiu, embora a pronúncia declare provada a materialidade típica do crime e provável autoria, mostrando, assim, que há base para a acusação. Assim, ocorre com certa freqüência nos crimes de aborto, em que a causa mais comum de absolvição em plenário é a impropriedade do objeto, referente ao cometimento do crime quando o feto já estava morto.

A pronúncia não é uma álea, é apenas um mecanismo para fazer prevalecer a competência inarredável do Juiz natural em sede de crimes dolosos contra a vida. A função do juiz não é desenvolver qualquer juízo, mas apenas constatar a existência do fato típico e indícios de autoria. Tanto assim que pode ser afastado o valor que emana da sentença de pronúncia caso haja uma desproporção na fundamentação do juiz. A linguagem do juiz tem que ser comedida e cuidadosa e se adstringir aos parâmetros do artigo 408 do Código de Processo Penal. Tais considerações não são próprias do juditio accusationis, mas do juditio causae. A decisão conclui uma fase e permite o inicio de outra, as irregularidades anteriores à etapa da respectiva edição precluem, salvo citação. Os fatos devem estar provados, segundo as formas lógicas do processo, sem que necessariamente a classificação exsurja em sua forma definitiva.

O Júri poderá rever a existência do fato típico que em um primeiro momento foi entrevista pelo juiz na sentença de pronúncia. A sentença de pronúncia delimita objetiva e subjetivamente a matéria a ser apreciada em plenário, intervindo na própria atuação do Ministério Público, cujo libelo-crime acusatório estará atrelado ao âmbito da "prestação" jurisdicional nela assinalada. O âmbito de cognição do juiz na ação penal se exprime através dos fatos deduzidos pelo autor, podendo amoldá-los em esquema normativo diverso do proposto pela acusação desde que afeto a sua competência. Via de conseqüência a sentença que vier a decidir a acusação irá repercutir sobre todos os fatos narrados ainda que algum deles não tenha sido invocado na subsunção legal do crime descrito.

Na sentença de pronúncia são especificadas as circunstâncias qualificativas do crime(9), ao contrário das causas de diminuição (homicídio privilegiado) que constituem tese da defesa e não podem ser apresentadas na pronúncia. Segue-se libelo crime acusatório, o qual, alicerçado na pronúncia, não só contém a imputação, como também o pedido de condenação(10). A sentença de pronúncia traça um limite à acusação que não poderá dispor no libelo diversamente da classificação aposta na sentença de pronúncia. Diametralmente oposta, é a correlação entre a pronúncia e as causas de diminuição de pena, pois o juiz da pronúncia, ao classificar o crime consumado ou tentado, não poderá reconhecer a existência de causa especial de diminuição de pena. Como a pronúncia não impõe limites à defesa, essa regra tem por escopo evitar que o réu, "pronunciado pela prática de um delito com pena diminuída, veja negada pelo Jurí a diminuição, amargando, em conseqüência pena mais grave do que a refletida na pronuncia"(11)

9 - Artigo 416 do Código de Processo Penal Brasileiro.

10 - José Frederico Marques. A instituição do júri, São Paulo, Saraiva, 1963, v.I, p. 57,

11 - James Tubenchlak. Tribunal do Júri; contradições e soluções, 4º ed., São Paulo, Saraiva, 1994, p. 79.

Se a existência da materialidade típica pode ser afastada na pronúncia, então a subsunção ao tipo legal com mais razão pode ser alterado, quando desqualifica o crime avistado pelo Ministério Público. O juiz sumariante pode decotar da classificação dada ao crime narrado na denúncia qualificadora increpada ao acusado. Se houver alguma controvérsia de hermenêutica sobre a existência da qualificadora, a pronúncia não pode afastar sua apreciação pelo Júri. O juiz togado não pode substituir-se ao juiz natural no exame de excesso imputado ao acusado na peça acusatória, quando haja dissídio na doutrina e na jurisprudência sobre o correto enquadramento da qualificadora.

No entanto, é no juditio accusationis antecedente ao julgamento no plenário que a acusação é avaliada tecnicamente. A soberania do Júri não pode induzir a intocabilidade de uma acusação temerária, mormente em se tratando de apreciação de exclusão de qualificadoras por Tribunal leigo. Tem que haver uma justa causa para a qualificadora, podendo-se avaliar sua pertinência, não só quando a mesma não possuir respaldo fático nos elementos que a informam, como também quando a qualificadora não for peremptoriamente admitida pela exegese jurídica. O juiz não estará usurpando a competência do Tribunal Popular Até porque pelo argumento a fortiori não há qualquer atentado à soberania do Júri na possibilidade do juiz sumariante dar nova classificação jurídica ao fato para matéria não afeta à competência do Júri ou absolver sumariamente. Se o juiz pode dar uma nova classificação jurídica ao fato, porque não poderia excluir a qualificadora?

Não é razoável levar a Júri fato isento de antijuricidade. A soberania dos veredictos está topograficamente arrolada na alínea "c" do inciso XXXVIII do artigo 5º no capítulo 1 e titulo II sob a rubrica "Dos direitos e garantias fundamentais". A soberania dos veredictos não se compraz com o acatamento da qualificadora pela pronúncia dissociada de um julgamento técnico sobre as circunstâncias que integram o crime para se garantir" a liberdade do réu. Se a qualificadora é decotada, por carecer de suporte fático e jurídico, atentado algum se comete ao texto constitucional, pois "os veredictos do Júri são soberanos enquanto garantem o jus libenatis"(12)

12 - José Frederico Marques, A instituição do júri, São Paulo, Saraiva, 1963, v. 1, p. 54.

Outros sim, o juiz pode na própria pronúncia conceder liberdade provisória, o que imediatamente trará efeitos na classificação. O parágrafo 3º do artigo 408 admite o decote da qualificadora nos crimes dolosos contra vida ao prever o arbitramento do valor da fiança mesmo quando constar na exordial acusatória imputação de crime hediondo. O homicídio qualificado é considerado hediondo(13) e como tal insuscetivel de fiança e liberdade provisória, entretanto o mesmo não ocorre com o homicídio simples quando não for praticado como atividade de grupo de extermínio. Pelo exposto, concluímos que é licito ao juiz repudiar na pronúncia as qualificadoras aludidas na inicial.

13 - Artigo 1º~, da Lei 8.078 de 25 de julho de 1990.

Nos procedimentos do Júri, quando a decisão do juiz sumariante excluir o animus necandi, se o acusado foi denunciado por tentativa de homicídio, a decisão desclassificatória não pode antecipar-se no julgamento quando à gravidade jurídica da lesão, porque o processo prosseguirá após a desclassificação para ensejar a possibilidade de adiantamento no caso de serem trazidos novos elementos em reforço à instrução.(14)

14 - Vicente Barrôco de Vasconcellos, A desclassificação conforme o art. 410 do Código de Processo Penal, Revista da Associação dos Juizes do Rio Grande do Sul (AJURIS), Porto Alegre, pp. 125-127, v. 19, julho 1980, p. 126.

A desclassificação deve ser genérica, respondendo o réu apenas pelo delito residual, remanescendo a gravidade da lesão ao nível de nova classificação da infração a ser fixada após cumpridas as condições do artigo 410 do Código de Processo Penal. Segundo o artigo 410 do Código de Processo Penal, se houver desclassificação do delito para crime de competência do juiz singular, será reaberto ao acusado prazo para defesa e indicação de testemunhas, prosseguindo-se, depois de encerrada a inquirição, de acordo com os artigos 499 e seguintes.

A correlação da sentença em relação à denúncia concerne ao episódio com todas as suas circunstâncias retratado na petição inicial e não à classificação penal aposta aos fatos. O princípio jura novit curia guarda similitude com o princípio narra mihi factum dabo tibi Jus. (15)

15 -Narra-me o fato e eu te darei o direito.

A ação penal condenatória é exercida através da formulação de uma acusação, que se compõe de imputação e do pedido. Sendo o pedido sempre genérico expressando uma pretensão condenatória, será a imputação que estabelecerá os contornos do provimento jurisdicional. O fato criminoso descrito na peça acusatória e atribuído ao réu fixará o thema decidendum, devendo a sentença conformar-se à causa de pedir da acusação.(16)

16 - Afranio Silva Jardim, Direito processual penal, 6º ed., Rio de Janeiro, Forense, 1997, p. 215.

O réu não se defende de artigos de lei, mas de fatos, podendo, inclusive, ser condenado por crime diverso do narrado na denúncia, desde que essa diferença consista na ausência de elementar descrita na inicial, não se prescindindo da oitiva da defesa, já que a inexistência de elementar não impediu o seu pleno exercício, conforme lição de Weber Martins Batista(17). Essa assertiva, porém só vale para aqueles casos em que a violação do mesmo bem jurídico importa na apreciação de idênticos elementos subjetivos, como ocorre no furto e roubo. O réu pode ser condenado pelo crime subsidiário, sempre que a ausência de elementar de um crime definir figura típica residual. A missão do magistrado, em situações tais, cinge-se a fazer refletir na classificação do delito a prova que não foi produzida ou brotou da instrução criminal.

17 - Direito Penal e Processual Penal, 2º ed., Rio de Janeiro, Forense, 1990, p. 164.

Como nesses casos se exclui a aplicação simultânea do Tipo menos grave com a figura penal que lhe contém as elementares, pois Ubi major minor cessat, então, descaracterizado o crime mais grave (plus), restará a punição do minus.

Não há contraditório da regra jurídica aplicanda no Direito Processual Penal Brasileiro, mas mero ajustamento do procedimento ao rito estabelecido pelo devido processo legal. Ao contrário do que ocorre com a petição inicial do processo civil, onde não é necessário que o autor cite as disposições da lei em que funda a sua pretensão, na denúncia deve a lei substantiva ser citada. assim, quando o Código exige, no seu artigo 41, que a denúncia contenha a classificação do crime, tal peça deve trazer a expressa menção do artigo da lei material penal em que se ache previsto o fato criminoso. Contudo, sendo meramente provisória a classificação, encontra ela azo à alteração, por ocasião da prolatação da sentença. Isso porque o réu defende-se do fato que lhe é irrogado, e não da classificação jurídico-dispositiva penal que se lhe dê. "Nessa conjuntura, se na imputação fática constitutiva do crime reside o âmago da atividade perquiritória penal, defendendo-se o acusado da imputação que se lhe faça do fato e não do artigo de lei citado, inquestionável ressai que a omissão, na denúncia, do dispositivo legal tido por violado não terá força bastante para inquiná-la". Constitui a classificação do crime na peça vestibular acusatória, portanto, requisito provisório e também acessório, sem poder, pois, para combalir o principal estampado na descrição do fato(18)

18 - Fernando de Almeida Pedroso, Processo Penal; o direito de defesa: repercussão, amplitude e limites, 2ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1994, p. 130.

A errada classificação do crime na denúncia pode acarretar nulidade ao processo sempre que o rito procedimental se estabelecer em função da capitulação legal. Porém, nesse caso, a sanção de nulidade será invocada em razão da falta de observância do devido processo legal e não em razão da amplitude do exercício do direito de defesa. O crime de peculato admite a resposta preliminar ao recebimento da denúncia, nos termos do artigo 514 do Código de Processo Penal. Se esse mesmo funcionário público pratica o delito funcional em conexão com crime de competência do Júri, não haverá nulidade na supressão dessa fase prévia. O rito do Júri é incompatível com a apresentação de resposta prévia pelo réu, que impõe um outro perfil à cláusula do devido processo legal em face da regra de prevalência da competência. Não se pode aduzir cerceamento de defesa em decorrência da classificação equivocada dada na denúncia, mas, eventualmente, nulidade por desatendimento ao devido processo legal.

Da mesma forma, ocorre em relação a desclassificação que provoca o aditamento no âmbito dos crimes da competência do Júri, que impõe mudança de rito processual. Logo, não importa seja a infração sujeita a procedimento sumário, ordinário ou especial(19)

19 - Fernando da Costa Tourinho Filho, Código de Processo Penal Comentado, São Paulo, Saraiva, 1996, v.2,p.31.

Apesar de não constar do texto do artigo 410 é evidente que, ocorrendo desclassificação, necessário se faz o aditamento em vista da regra ne procedat judex ex officio(20). A sentença não pode extrapolar os lindes da acusação, o juiz só pode condenar o réu pelo fato a ele imputado na denúncia(21). Quando o Juiz Sumariante desclassifica o crime para lesão corporal, o animus é diverso do dolo dos crimes contra a vida afetos à competência do Júri. Como o dolo compõe a estrutura do fato típico, é necessário o aditamento pelo órgão acusatório, contrariamente ao que ocorre nas hipóteses em que a ausência de uma elementar não acarreta variação 40 elemento subjetivo do agente como no furto e roubo. A intervenção do Ministério Público através do aditamento é atividade posterior da ingerência nos termos do processo(22) . Embora se dispense nova citação, pela singela circunstância do réu já fazer parte do processo, se faz mister a reabertura do prazo para a defesa, com arrolamento e oitiva de testemunhas, prosseguindo-se de acordo com os cânones do artigo 499 Código de Processo Penal. Nesse rito não se permite a oitiva das testemunhas já inquiridas ao contrário do artigo 384 do Código de Processo Penal que não ressalva o depoimento de tais testemunhas da faculdade de se produzir prova. Este modelo do devido processo legal se justifica pelo fato da desclassificação importar num delito residual que de certa forma já foi destrinchado pelo depoimento das testemunhas arroladas nas peças preambulares da acusação e da defesa.

20 - Antônio Gomes Duarte, Temas de processo penal, Belém, Ministério Público do Pará; CEJUP 1995, p. 123.

21- Weber Martins Batista, Direito Penal e processual penal, 2ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1990, p. 168.

22 - Walter P. Acosta, O Processo Penal, 2ª ed., Coleção jurídica da editora do autor, 1995, p. 168.

Quando o Código de Processo Penal veda no artigo 410, in fine, o arrolamento das testemunhas já anteriormente ouvidas, prevendo a remessa dos autos de processo criminal para o juiz competente está admitindo a prova emprestada. Por outro lado, testemunha depõe sobre fatos e sobre eles as testemunhas foram inquiridas durante a instrução do juditio accusationis. A diversificação do dolo em razão da desclassificação não altera a feição do fato como tal e, portanto, não inquina de inconstitucionalidade a proibição legal. Testemunha não pode formular conclusões sobre os fatos vistos, porque seu depoimento não encerra juízo de probabilidade, mas juízo de certeza. Cabe precípua e exclusivamente com caráter imperativo ao autor do provimento final fazer ilações sobre o elemento subjetivo, aduzindo aos fatos versados na instrução, podendo, entretanto, em atenção ao princípio da verdade material, ouvir de oficio as testemunhas já inquiridas. Assim não há qualquer cerceamento de defesa pela limitação dos meios probatórios, que já foram dispostos anteriormente à fase de alegações do artigo 406 do Código de Processo Penal.

3- DESCLASSIFICAÇÃO E SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO

O instituto da Suspensão Condicional do Processo, introduzido pelo artigo 89 da lei 9.099, de 26 de setembro de 1995 e aplicável como forma de despenalização aos crimes, cujas penas mínimas não são superiores a um ano, permite atribuir nova conotação às decisões desclassificatórias. Se ao final da instrução o juiz verificar que o enquadramento legal do fato não corresponde à capitulação na denúncia, então poderá deixar de condenar, oportunizando ao Ministério Público a apresentação da proposta. Desse poder de emenda tio libelli previsto no artigo 383 do Código de Processo Penal, deriva a possibilidade de desclassificação.

Se a Suspensão Condicional do Processo é ato bilateral, sem discussão da imputação e sem reconhecimento de culpa, deve-se propiciar a benesse ao acusado contemporaneamente à propositura da ação. A inércia do juiz importaria em error in procedendo, pois se se autoriza no encerramento do processo a imposição de definição jurídica diversa da contida na denúncia, com mais razão é recomendável a retificação da classificação legal do fato imputado na exordial acusatória.

O procedimento requer uma série de atos e de normas que os disciplinam, sendo atividade preparatória de um provimento como último ato de sua estrutura. A sua validade depende da observância de um modelo normativo próprio, em que se estabelece especial forma de conexão e coordenação da seqüência de atos e normas previstos para a emanação do provimento p. 109. (23)

23 -"il "procedimento" si coglie quando ci si trova di fronte ad una serie di norme, ciascuna delle quali regola una determinata condotta (qualificandola come lecita o doverosa), na enuncia come pressupposto della propria incidenza il compimento di un "attività regolata da altra norma della serie, e cosi' via fino alla norma regolatrice di un "atto finale" Elio Fazzalari, Istituzioni di Diritto Processuale, 7ª ed., Milão, CEDAM, 1994, p. 60.

O pressuposto de incidência de uma norma é condição de validade para a realização do ato subsequente previsto na série do complexo normativo até que o procedimento se esgote atingindo seu ato final. De tal sorte que "o ato praticado fora dessa estrutura, sem observância de seu pressuposto, não pode ser por ela acolhido validamente, porque não pode ser nela inserido"(24)

24 - Moldo Plínio Gonçalves, Técnica Processual e teoria do processo, Rio de Janeiro, Aide, 1992, p. 111

Portanto, interpondo-se como ato imediatamente precedente ao provimento final, a suspensão condicional do processo se insere no procedimento como ato estrutural. Se restar clara a discrepância da classificação jurídica em conforto com a narrativa na denúncia, no contexto de proposição assertiva que ela exprime, desde que não seja caso de aplicação do artigo 28 do Código de Processo Penal em razão de arquivamento implícito, cabe ao juiz retificar a classificação para propiciar o desenvolvimento do processo como corolário da preparação do ato final, para cujo advento todos os outros atos do procedimento se predispõem.

Outra razão para que se proceda imediatamente à suspensão condicional do proces50, quer na denúncia ou mesmo antes da pronúncia, sopesando-se os atos instrutórios realizados na fase anterior à sua edição é o principio da indisponiblidade da ação penal e a questão da prescrição.

A prescrição é interrompida com o recebimento da denúncia, suspendendo-se seu fluxo com o despacho de paralisação do proces50 em razão da desclassificação ulterior de fato imputado na denúncia. Se for revogada a suspensão, o tempo decorrido anteriormente será contado quando o processo retomar seu curso, aproveitando-se no cômputo do prazo prescricional o lapso entre o recebimento da denúncia e o despacho de suspensão condicional do processo.

O direito de punir que pende com a consumação do prazo prescricional não é disponível pelo juiz, nem muito menos pelo Ministério Público que, embora dominus litis está sujeito ao controle interno dos órgãos superiores da instituição, desde que seja vislumbrada a existência de crime a ser punido. Se o magistrado, a quem o Código de Processo Penal investiu de função anômala ao incumbi-lo de enviar ao Procurador Geral de Justiça os pedidos de arquivamento sempre que não estivessem suficientemente fundamentados, exerce controle de oficio a respeito da indisponibilidade da ação penal, então, tão logo perceba a inadequação da classificação na denúncia ou a inexistência de uma elementar, pode se antecipar ao esgotamento das fases do iter procedimental e desclassificar o crime. Nada impede que o Ministério Público tenha igual iniciativa, propondo sem qualquer provocação do Judiciário, a suspensão condicional do processo como forma de se forrar a ação penal já instaurada do atributo da indisponibilidade. Como foi dito, a demora na concessão da suspensão condicional do processo poderá prejudicar os atos posteriores do processo pelo amesquinhamento do prazo prescricional extintivo da punibilidade face ao abatimento do tempo pelo interregno já transcorrido entre o recebimento da denúncia e o despacho suspensivo.

No plenário a suspensão condicional do processo dependerá da forma e do crime para o qual a conduta versada no libelo foi desclassificada. Se for desclassificada a infração para outra atribuída à competência do juiz singular, ocorrerá uma modificação da competência interna, não se tratando de competência funcional do Juiz Presidente em razão da matéria. No mesmo processo opera-se um julgamento escalonado, dentro da distribuição interna, no Tribunal do Júri. Há em um primeiro momento julgamento prévio do Conselho de Sentença sobre um segmento da imputação, que impõe limites, quando não especifica o nomen juris da qualificação jurídica dos fatos delituosos articulados no libelo ou condiciona a esfera de competência do Presidente do Júri à definição fixada pelos jurados.

Nos casos em que a decisão do Conselho de Sentença declina de sua competência por entender que o crime em julgamento não é daqueles dolosos contra a vida, sem pré-determinar o conteúdo do provimento jurisdicional, indicando a figura penal em cujas sanções o réu incorreu, haverá desclassificação própria. Nos outros casos, em que o Conselho de Sentença entende-se por competente para apreciar o feito e decide por capitulação e condenação diversa, haverá desclassificação imprópria. Através da negação parcial dos fatos imputados e qualificação indireta desses fatos, o Conselho de Sentença declina de sua competência que se desloca para que o juiz presidente profira em seguida sentença, passando a ser matéria preclusa a classificação originária constante da pronúncia, então não mais restaurável.

4- DEVIDO PROCESSO LEGAL E ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO

A classificação jurídica do crime de forma mais gravosa do que aquela constante na narração do fato constitutivo do crime, bem como a classificação aquém daquela contida na imputação da denúncia pode induzir à suspeita do membro do Ministério Público quanto a imparcialidade deste em razão da exacerbação da acusação ou benevolência e piedade para com o réu.

Segundo Italo Antolina e Giuseppe vignera (25), a imparcialidade do juiz é caracterizada pela presença concomitante de requisitos como ordinariedade, pré-constituição, independência, imparcialidade e idoneidade.

25 - II modelo constituzionale dei processo civile italiano, Torino, G. Giappichelli editore, 1990, p. 5-7.

Inspirados na lição dos autores italianos sobreditos podemos detectar a presença dos mesmos requisitos concernentes à regra da imparcialidade do membro do Ministério Público. A independência exige a ausência de vínculo de subordinação, instrumentalizando-se na carreira e na inamovibilidade. Caso o Promotor de Justiça, ou Procurador, pudesse ser afastado do processo por decisão que não se originasse de seus pares, estaria o cidadão sujeito a órgão acusador não independente, quase num regresso à justiça privada, como argumenta Luiz Fernando Cabral Barreto Júnior (26) ao sustentar a revogação do artigo 104 do Código de Processo Penal. A ordinariedade refere-se à inserção do órgão de forma estável e permanente no aparato burocrático do Estado, instrumentalizando-se na criação de Promotorias a serem providas. O membro do Ministério Público deve atuar processualmente apenas quando lotado em órgão de execução, cuja atribuição esteja prevista na lei de forma isonômica e genérica(27) . A imparcialidade consiste no alheamento quanto aos interesses das partes. A idoneidade resolve-se como preparação profissional consentânea ao tipo de função a ele confiada, instrumentalizando-se na habilitação por concurso público. A pré-constituição refere-se à individualização do membro do Ministério Público para oficiar em determinado caso segundo critérios pré-existentes de caráter geral e abstrato, instrumentalizando-se pela previsão constitucional de um Juiz natural e implicitamente de um correlato Promotor Natural. Essa categoria consiste em um Promotor pré-constituído ao fato, cujo provimento no exercício da sua função não ocorra de forma especial quando para determinado caso já exista atuando outro órgão do Ministério Público28.

26 - Argüição de suspeição contra membro do Ministério Público; a revogação do artigo 104 do Código de Processo Penal, Revista do Ministério Público de Goiás, Goiânia, set. 1997, nº 2, p. 25.

27- Afranio Silva Jardim, Direito processual penal, 6ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1997, p. 331.

28 - Luiz Fernando Cabral Barreto Júnior, Argüição de suspeição contra membro do Ministério Público; a revogação do artigo 104 do Código de Processo Penal, Revista do Ministério Público de Goiás, Goiânia, set. 1997,nº2,p.24.

A dupla atividade do Estado como parte, através do Ministério Público e como autor do provimento final de caráter imperativo emanado do órgão jurisdicional, não prejudica o processo se nele há garantia do contraditório29. A essência do contraditório exige a participação de pelo menos dois sujeitos um interessado e outro contra interessado(30). O autor do ato final pode ser um dos contraditores, mas que o distingue, como autor do fato e como contraditor, é a sua posição nessa qualidade, de simétrica paridade em relação ao outro contraditor, um dos quais receberá os efeitos desfavoráveis e o outro os efeitos favoráveis do ato final(31)

29 -Moldo Plínio Gonçalves, Técnica Processual e teoria do processo, Rio de Janeiro, Aide, 1992, p. 130

30 - "L'essenza stessa dei contraddittorio esige che vi partecipino almeno due soggetti, un "interessato" e un "controinteressato": sull 'uno dei quali l'atto finale à destinato a svolgere effetti favorevoli e suli 'altro effetti pregiudizievoli" Elio Fazzalari, Istituzioni di Diritto Processuale, 7ª ed., Milão, CEDAM, 1994, p. 85.

31 - Moldo Plínio Gonçalves, Técnica Processual e teoria do processo, Rio de Janeiro, Aide, 1992, p. 130 (Cf. Elio Fazzalari, Istituzioni di Diritto Processuale, 7ª. ed., Milão, CEDAM, 1994, p. 86: "laposizione deli 'autore deli 'ato finale e queila dell'interessato posto in contraddittorio continuano a distinguersi quand'anche pertengano alia stessa persona: la struttura processuale resta contrassegnata daíla posizione diparitá degli interessati nel contraddittorio, distinta daliaposizionepoziore in cui si colioca I" organo pubblico nelia fase in cui - tenuto conto dei risultati dei contraddittorio - ponde in essere i'attofinale".

5- AUTODEFESA, DEFESA TÉCNICA E CONTRADITÓRIO NO PROCESSO PENAL

Defesa e contraditório estão atrelados, porquanto é do contraditório(32) que resulta o exercício da defesa; mas é essa como poder correlato ao de ação que garante o contraditório, mas também por este se manifesta e é garantida(33). Essa íntima relação e interação da defesa e do contraditório é verdadeira no processo penal, em que não apenas a informação é necessária, como também a reação enquanto manifestação e não mera possibilidade de manifestação.

32 Visto em seu primeiro momento, da informação.

33 - Ada Grinover, Antonio Scarance Fernandes & Antonio Magalhães Gomes Filho, As nulidades no processo penal 5ª. ed., São Paulo, Malheiros, 1996, p. 67.

A indispensabilidade da defesa no processo penal contrapõe-se à eventualidade desta no processo civil, que se contenta com a verdade formal, de sorte que o réu não poderá conformar-se à acusação deixando de responder, pois sofre o que se convencionou chamar de ônus do contraditório indisponível denominação empregada por Laura Tucci (34). A dúvida sobre os fatos da acusação leva à improcedência da pretensão punitiva independentemente da atitude processual do réu35.

34 - Rogério Lauria Tucci & José Rogério Cruz e Tucci, Devido processo legal e tutela jurisdicional, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1993, p. 53.

35 - Artigo 386, inciso VI, do Código de Processo Penal. Afranio Silva Jardim, Direito processual penal, 6º ed., Rio de Janeiro, Forense, 1997, p. 218.

No processo penal a defesa é bifronte, desdobrando-se em duas facetas, quais sejam a defesa técnica e a autodefesa36. A autodefesa é uma eventualidade, ao contrário da defesa técnica que não é apenas formal, mas também eficiente e irrenunciável. Deve-se ter o cuidado para não se confundir simétrica paridade e contraditório, podendo aquela se constituir em um dos momentos do contraditório, como seu conteúdo possível. A defesa, no processo civil, e a autodefesa, no processo penal, constituem uma eventualidade do contraditório. Além do momento da ciência ou da informação, existe um segundo momento que não é da essência, mas é da natureza do contraditório. A parte pode se abster de repelir a pretensão contra si formulada. Nem por isso o contraditório ficou prejudicado, pois a defesa teve oportunidade para ser exercida. Portanto, contraditório deve ser entendido como igualdade de oportunidade e não propriamente como o exercício efetivo da defesa que se performa eventualmente em um segundo momento, pois o contraditório é uma garantia, concretizando-se como potência, conforme lição do Professor Doutor Aroldo Plinio Gonçalves em suas aulas no curso de Pós-Graduação da UFMG.

36 - Artigo 577 do Código de Processo Penal.

A acusação inconsistente pode ensejar a destituição da defesa técnica sempre que houver contrariedade entre àquela e a autodefesa. Assim, no caso de confissão qualificada, em que o réu reconhece o fato típico, porém afasta a ilicitude, não se recomenda como tese de defesa a negação da autoria ora reconhecida.

Nesse caso, o juiz presidente, considerando o réu indefeso, dissolverá o Conselho de Sentença. A defesa deficiente, fraca ou sem o menor lastro de argumentação é em tudo igual a defesa inexistente. No processo penal avulta a indispensabilidade do advogado pela circunstância de que a defesa técnica é da essência do contraditório em matéria criminal, "onde não pode haver imposição da pena sem processo, nem processo sem efetiva defesa técm.ca"(37)

37 - Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes & Antonio Magalhães Gomes Filho, Recursos no Processo Penal, 2ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1997, p. 94.

6- CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA NO PLENÁRIO DO JÚRI

Segundo Joaquim Cabral Netto38, a defesa pode adotar teses distintas, porém não poderá variar seu argumento em momento processual em que não será mais possível a outra parte refutá-lo, caso contrário haverá deslealdade processual em razão da surpresa e sacrifício da acusação. Quando do julgamento pelo Júri, o juiz de fato é o Conselho de Sentença, e com o oferecimento de nova tese de defesa na tréplica não haverá aquela pluralidade de opiniões antes do provimento(39)

38 - Instituições de Processo Penat Belo Horizonte, Dei Rey, 1997, p. 228.

39 - Forense, 1997, p. 220-221.

Alguns autores sustentam que sendo o tipo penal indício de antijuridicidade, a dúvida sobre a existência de causas legais de justificação não favoreceria ao réu. Mas essa tese conduziria a presunção da ilicitude da conduta, transferindo ao réu ônus de fazer prova plena em contrário e negando aplicação ao princípio in dubio pro reo(40)

40 - Afrânio Silva Jardim, Direito processual penal, 6~ ed., Rio de Janeiro, Forense, 1997, p. 213.

Todavia, os jurados decidem o fato imputado e também o direito no qual se enquadra aquele. Não há separação entre juiz de fato e de direito, pois este último está implicado naquele(41)

41- José Frederico Marques, A instituição do júri, São Paulo, Saraiva, 1963, v. 1, p. 11,35.

O réu não precisa argüir sua tese de defesa na contrariedade ao libelo, cuja formulação cresce de qualquer exigência técnica ou estrutural(42) logo poderá manifestá-la ulteriormente. Se porventura o réu antecipar sua tese de defesa nesta oportunidade, poderá não obstante, substitui-la no Plenário do Júri em consideração "à plenitude de defesa constitucional que mitiga em proveito do réu o princípio da lealdade processual(43)

42 - James Tubenchlak, Tribunal do Júri, contradições e soluções, 4~ ed., São Paulo, Saraiva, 1994, p. 93.

43 - James Tubenchlak, Tribunal do Júri, contradições e soluções, 4~ ed., São Paulo, Saraiva, 1994, p. 94.

O principio do contraditório não é vulnerado pela introdução de tese defensiva nova na tréplica a quem cabe manifestar por último(44). O réu pode ser surpreendido por tese inesperada, não a acusação incumbida de fazer prova do crime(45). O réu no sistema acusatório não assume a carga de provar os fatos afirmados, se a alegação apenas nega os termos da imputação cujo ônus recai sobre o Ministério Público(46). Ademais, o artigo 411 do Código de Processo Penal ao permitir a absolvição sumária do réu sempre que se reconheça a presença de circunstância que exclua o crime, ou insente de pena deixa evidente a necessidade de acusação abranger todos os elementos do delito, inclusive a culpabilidade, posto que "a missão da acusação não é de modo algum a de destruir os argumentos defensivos, senão a de provar os fatos que articulou(47)

44 - Segundo Italo Andolina e Giuseppe Vignera (11 modelio constituzionale del processo civile italiano, Torino, G. Giappichelli editore, 1990, p. 156-157 "si asserva che l'istanza di participazione può essere compiutamente realiziata nel processo solo com attribuzione alle parti delpotere di interloquire preventivamente su qualsiasi profilo (fattuale o giurídico) della regiudicanda e si ravvisa conseguentemente in tale potere 1" essenza stessa del fenomeno partecipativo, ponendosi in questa maniera una terza equazione: paflecipazione = audizione preventiva su qualsiasi elemento rilevante per 'a decisione'.

45 - James Tubenchlak. Tribunal do Júri; contradições e soluções, 4~ ed, São Paulo, Saraiva, 1994, p. 114.

46 - Afranio Silva Jardim, Direito processual penal, 6~ ed, Rio de Janeiro, Forense, 1997, p. 219.

47 - Rui Cascaldi, O conceito de delito e o direito processual penal, Justiça penal
 

 

BIBLIOGRAFIA


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