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A INTERCEPTAÇÃO DE COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS

Lean Antônio Ferreira de Araújo*

O legislador constituinte de 1988 tornou inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.

Essa inviolabilidade também estava contida no texto constitucional anterior, porém com uma redação mais sintética, assim expressa: "é inviolável o sigilo de correspondência e das comunicações telegráficas e telefônicas".

Apesar da forma taxativa prescrita no ordenamento constitucional anterior, inúmeras exceções foram ditadas, mormente quando a finalidade era permitir maior eficácia e presteza na apuração de condutas delitivas, sob o fundamento da prevalença do interesse social em relação ao interesse individual.

O texto atual institui de forma absoluta a inviolabilidade de sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas e de dados, ressalvando, contudo, a possibilidade de transferência do sigilo de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para os organismos comprometidos com a apuração de fatos criminosos, sempre que necessário a produção de prova em investigação criminal e em instrução processual penal.

O não-exercício absoluto desse direito de inviolabilidade do sigilo de comunicações telefônicas, pelo indivíduo, dada a própria ressalva constitucional, estava a exigir a edição de lei que regulamentasse a matéria. Quase oito (08) anos após a promulgação da Constituição, o Presidente da República sancionou a Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996, que regulamenta o inciso XII, parte final, do art. 5º da Carta da República.

É evidente que a introdução desta nova Lei, no Ordenamento Jurídico Pátrio, faz surgir a existência de uma nova medida cautelar, em matéria criminal, pois permite a transferência do sigilo das comunicações telefônicas à Polícia Judiciária, à Autoridade Judicante e ao Ministério Público, cuja finalidade será sempre a produção de prova, podendo esta ocorrer na fase pré-processual e na fase processual. Pela oportunidade da produção da prova é de se reconhecer, de logo, a existência da medida cautelar na sua forma preparatória e incidental.

O art. 1º ,da Lei em comento, estabelece que a interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, dependerá de ordem judicial, devendo, inclusive, ser processada sob o segredo de justiça. Isto significa que a melhor terminologia, quando do acesso às informações obtidas pela interceptação de comunicações telefônicas, é a de transferência do sigilo para as autoridades com atribuições para elucidação dos fatos criminosos, não devendo se cogitar em quebra do sigilo, pois o sigilo permanece mantido, apenas ampliado o número de pessoas que passam efetivamente a ter conhecimento de seu conteúdo, porquanto existem aquelas pessoas que têm conhecimento em função de ofício relacionado com as comunicações telefônicas.

Neste mesmo dispositivo, o legislador, com estreita observância dos limites estabelecidos no ordenamento constitucional, consignou que a finalidade do acesso ao conteúdo das informações objeto das comunicações telefônicas é para a produção de prova em investigação criminal e em instrução processual penal.

Por força dos constantes avanços tecnológicos, o legislador, no parágrafo único, do art. 1º, tratou de consignar que, havendo o fluxo de comunicações telefônicas, através dos sistemas de informática e telemática, também se admite sua interceptação, para os fins definidos no caput do mencionado artigo.

Em seguida, o legislador tratou de introduzir no diploma legal em apreço, precisamente em seu art. 2º, as hipóteses de inadmissibilidade da medida cautelar excepcional (interceptação de comunicações telefônicas), traduzindo-as da seguinte forma: a) não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal; b) a prova puder ser feita por outros meios disponíveis; c) o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo , com pena detenção.

A primeira hipótese de inadmissibilidade faz surgir a primeira condição para sua admissão, qual seja, a demonstração de indícios suficientes da autoria delitiva ou de ter dela participado. Esta condicionante tem por finalidade evitar o abuso das autoridades legitimadas na adoção da providência excepcional, porquanto está a exigir, no mínimo, elementos primeiros que possam ensejar a indicação da autoria ou participação.

Com acerto agiu o legislador, pois limitou a interceptação de comunicações telefônicas a figura do autor ou do partícipe, evitando com isto o erro contido no art. 1º, inciso I, da Lei nº 7.960, de 21 de dezembro de 1989, que chega a permitir, por incrível que pareça, a prisão temporária de uma testemunha.

A segunda hipótese de inadmissibilidade consigna a excepcionalidade do meio para obtenção de prova, pois, sendo possível a produção de prova através dos meios tradicionalmente utilizados, que elucidem autoria e materialidade da conduta delitiva, não é de se permitir a transferência do sigilo das comunicações telefônicas. Depreende-se, portanto, que o pedido deverá ser formulado com a demonstração da necessidade de utilização do meio excepcional para obtenção de prova na investigação criminal ou na instrução processual penal.

Finalizando as hipóteses de inadmissibilidade, o legislador proibiu a concessão da medida quando o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção. Com esta colocação, não se permite a concessão da medida, também, quando o fato delitivo for apenado com prisão simples e multa, ficando a medida condicionada a existência de fato criminoso punido com pena de reclusão.

Bem se vê que a medida excepcional traz como parâmetro para sua concessão o grau de lesividade da conduta delitiva, pois, na verdade, o direito é de se assegurar sempre a manutenção do sigilo das comunicações telefônicas, não podendo este direito ser excepcionado quando a ação delitiva possuir um grau mínimo ou médio de lesividade.

Exige o parágrafo único do artigo sub examine que o pedido descreva com clareza a situação objeto da investigação, inclusive com a indicação e qualificação dos investigados, salvo impossibilidade manifesta, devidamente justificada. A ressalva aqui instituída deve ser analisada, sem prejuízo, do atendimento no mínimo da condição de admissibilidade implícita contida no inciso I, do mesmo artigo, que está a exigir indícios razoáveis de autoria ou participação em infração penal.

Os legitimados e a oportunidade de concessão da medida foram definidos no art. 3º da Lei nº 9.296/96. Conferiu o legislador legitimidade à autoridade judiciária, para agir de ofício, levando em consideração, sem dúvida nenhuma, o poder de produção de prova de que é detentor em matéria processual penal, sempre na busca da verdade real, bem assim a autoridade policial, na fase pré-processual, e ao Ministério Público na investigação criminal e na instrução processual penal.

Resulta de logo evidenciada a impossibilidade de formulação da medida cautelar de interceptação de comunicações telefônicas pelo querelante e pelo assistente. Assim, na ação de iniciativa privada, surgindo no curso da relação processual essa necessidade, somente o Ministério Público, na condição de custos legis, poderá peticionar, salvo, evidentemente, a determinação de ofício pela autoridade judiciária.

Quanto ao assistente, sujeito secundário na ação penal pública, vedou o legislador a formulação do pedido. Com isto, não pode invocar o assistente as disposições do art. 271, primeira parte, - "Ao assistente será permitido propor meios de prova", - como fundamento para interposição do pedido.

Dessume-se da leitura do art. 4º e do § 1º da Lei em análise que o pedido deverá ser sempre formulado por escrito, com o detalhamento das condições exigidas para sua concessão, inclusive com a indicação dos meios que serão empregados na interceptação das comunicações telefônicas, porém poderá o mesmo ser apresentado verbalmente, mas a sua concessão será condicionada a redução a termo. Isto significa que a autoridade, ao decidir, deverá analisar a pretensão formulada, devendo fundamentar a sua concessão, consoante exigência contida na primeira parte do art. 5º.

Dada a finalidade e urgência da medida, a lei fixou o prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas para o Juiz decidir sobre o pedido.

Dispõe o artigo 5º que a decisão deverá ser fundamentada, sob pena de nulidade, e que o prazo de realização da diligência para colheita da prova não excederá a 15 (quinze) dias, devendo a autoridade judiciária indicar a forma de execução. Admitiu, ainda, a prorrogação por igual prazo desde que demonstrada a indispensabilidade do meio de prova; isto significa que a parte requerente deverá expor à autoridade judiciária a necessidade de manutenção da diligência, para a produção da prova, a fim de que seja concedida renovação por igual prazo e determine o prosseguimento desta.

Após a concessão do pedido, quando for este formulado pela autoridade policial, esta conduzirá os procedimentos de interceptação, dando a devida ciência ao Ministério Público, que poderá acompanhar a sua realização. Esta disposição prevista no art. 6º dispensa a prévia ouvida no Ministério Público sobre o pedido, porém obriga a autoridade policial a comunicar a concessão da medida, bem assim faculta ao Órgão Ministerial o acompanhamento das diligências.

Os parágrafos primeiro, segundo e terceiro, bem assim o art. 7º da lei em apreço, definiram o procedimento a ser adotado na execução da diligência. Havendo a gravação da comunicação interceptada, será esta transcrita, isto é, a autoridade providenciará a conversão dos dados constantes da fita para o uso da linguagem como comunicação escrita, por meio de letras, sem alterar seu conteúdo original.

Assim, cumprida a diligência com a produção da prova necessária a investigação criminal ou a instrução processual penal, a autoridade policial encaminhará o resultado da intercepção ao Juiz, acompanhado de auto circunstanciado, que deverá conter o resumo das operações realizadas. É de se destacar, por força das prescrições do art. 9º, que, além da transcrição, a autoridade policial deverá remeter a fita com o conteúdo da gravação para a autoridade judiciária, pois poderá conter dados que não interessem à prova, o que ensejará o incidente de inutilização, devendo a autoridade judiciária decidir, mediante requerimento do Ministério Público ou da parte interessada.

Recebidos os autos da interceptação, com relatório circunstanciado da autoridade, o Juiz determinará o apensamento aos autos do inquérito ou do processo criminal, dependendo da fase em que foi realizada a diligência, com a devida ciência ao Ministério Público, preservando-se, sempre, o sigilo das diligências, gravações e transcrições respectivas, consoante prescrevem o § 3º e art. 8º, da Lei nº 9.296/96. A inobservância desse segredo de justiça constitui o tipo penal previsto no art. 10, da Lei em exame, cuja pena é de reclusão de dois a quatro anos e multa.

Indispensável a providência referida no art. 7º, que possibilita à autoridade policial a requisição de serviços e técnicos especializados às concessionárias de serviço público, dada a especialidade necessária para execução da diligência. Desnecessária a referência ao Ministério Público, quando for este o requerente da medida, pois o Poder requisitório já se encontra amplamente definido no art. 26, I, "a", da Lei nº 8.625/93, que confere o poder de requisitar informações, exames periciais e documentos de autoridades federais, estaduais e municipais, bem como dos órgãos e entidades da administração direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Como se vê, a apensação ocorrerá por determinação judicial ao inquérito ou ao processo, após o relatório da autoridade incumbida da realização; contudo, presentes as hipóteses definidas no art. 10, § 1º, 407, 502 ou 538 do Código de Processo Penal, admitiu o art. 9º da Lei em apreço a apensação imediata, antes mesmo da apresentação do relatório.

Esta permissibilidade ocorre no primeiro momento (art. 10, § 1º, CPP) por força da finalização das atividades da autoridade policial que presidiu o inquérito, devendo este enviar os autos da investigação preliminar ao juiz competente.

Na segunda hipótese prevista (art. 407, CPP), os autos do processo já se encontram conclusos à autoridade judiciária para prolação da decisão que encerra a primeira fase de julgamento dos crimes dolosos contra a vida, e, supondo-se que a diligência tenha resultado em elemento de prova, nada mais lógico que sua apensação ocorra de imediato.

A terceira hipótese (art. 502,CPP) representa a fase de julgamento dos crimes de competência do juízo singular, e, finalmente, a quarta hipótese representa o momento do saneamento do processo sumário, a fim de permitir a feitura da audiência de instrução e julgamento para um dos 08 (oito) dias subsequentes, cientificados o Ministério Público, o réu e seu defensor.

Definitivamente, a Lei nº 9.296/96 instituiu a legitimidade da prova colhida por meio de intercepção de comunicações telefônicas, desde que observados todos os atos procedimentais elencados em seus 09 (nove) artigos, mas este instrumento de regulamentação do art. 5º, XII, da Carta da República, deverá ser utilizado de forma excepcional, razão pela qual compete ao Ministério Público, em especial, zelar pelo não-uso abusivo deste meio, dada a importância do sigilo das comunicações telefônicas, pois, sem dúvida alguma, a transferência dessas informações representa uma invasão à própria intimidade do indivíduo.

Antes mesmo do advento desta lei, o Supremo Tribunal Federal, com o advento da Constituição de 1988, já havia alterado o seu entendimento de ilicitude do meio de prova colhido através de interceptação de comunicações telefônicas, desde que houvesse autorização judicial.

Este breve comentário acerca dos dispositivos da presente lei tem a finalidade de ampliar a discussão sobre essa excepcionalidade ao direito de intimidade do ser humano, no âmbito do Ministério Público do Estado de Alagoas, o que decerto ensejará colocações mais eficazes sobre o tema em comento.

* É presidente da Associação do Ministério Público de Alagoas, secretário da Corregedoria Geral do Ministério Público e professor de Direito Processual Penal e Eleitoral da FADIMA.

Artigo retirado do endereço: http://www,members.tripod.com/~ampal/lean.html