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A CAUSA PETENDI E
OS LIMITES OBJETIVOS DA COISA JULGADA
Rosana Ribeiro da Silva advogada,
mestranda em Processo Civil
- 1. Introdução: Noções Indispensáveis
- A fim de melhor discutir o tema em questão,
indispensável se faz antes estabelecer algumas
definições indispensáveis ao entendimento do
assunto. Assim devemos inicialmente definir o que
a doutrina entende por Coisa Julgada e Causa
Petendi.
- Couture define Coisa Julgada como a autoridade
e eficácia de uma sentença judicial quando não
existem contra ela meios de impugnações que
permitam modificá-la. Assim sendo, dois são
os elementos componentes da Coisa Julgada que
devem ser estudados a fim de se chegar à
compreensão desta definição: autoridade e eficácia.
- Autoridade da coisa julgada é qualidade,
atributo próprio da sentença que emana de um órgão
jurisdicional quando adquiriu caráter definitivo.
- No que concerne à Coisa Julgada como medida de
eficácia, é ela estudada em seus três
atributos, que compreendem: a inimpugnabilidade,
a imutabilidade e a coercibilidade.
- A coisa julgada é inimpugnável, quando a lei
impede todo ataque ulterior tendente a obter a
revisão da mesma matéria, o que se consegue via
argüição da exceção de Coisa Julgada.
- A imodificabilidade de uma sentença consiste em
que, em nenhum caso, de ofício ou por petição
da parte, outra autoridade poderá alterar os
termos de uma sentença passada em coisa julgada.
- Quanto às espécies de imutabilidade da coisa
julgada, estas se referem a situações onde este
atributo de imutabilidade é ou não absoluto.
Vejamos. Quando uma sentença não pode mais ser
objeto de recurso algum, mas admite modificação
posterior, em nova demanda, de seu conteúdo, está-se
diante do fenômeno da coisa julgada formal.
Quando imutável via recurso, dentro do mesmo
processo, mas também imutável por qualquer
outro procedimento posterior, se diz que existe a
coisa julgada material.
- O atributo da coercibilidade consiste na
eventualidade de execução forçada. Porém,
essa conseqüência não significa que toda
sentença de condenação se execute, mas sim que
toda sentença de condenação é suscetível de
execução se o credor a pedir.
- O instituto da Coisa Julgada existe em decorrência
de uma exigência política e não propriamente
jurídica de se obter uma decisão que ponha fim
a um conflito de interesses, objetivando assim a
estabilidade das relações jurídicas no seio da
sociedade.
- Buscamos em seguida obter uma definição do que
seja Causa Petendi, conceito este não tão
pacífico na doutrina mundial como o de Coisa
Julgada.
- Duas são as teorias que buscam definir o que
seja Causa Petendi: a teoria da substanciação
e a teoria da individualização.
- A teoria da substanciação define Causa
Petendi como o fato ou complexo de fatos
aptos a suportarem a pretensão do autor, ou que
assim sejam por ele considerados. Desta forma a
mudança destes fatos, ainda que permaneçam
inalterados o petitum e o direito alegado
pelo autor, sempre importará em mudança da ação.
A sentença que é pronunciada tendo por
fundamento dados fatos torna improponível outra
ação entre as mesmas partes e fundamentada
nestes mesmos fatos. Isto ocorre
independentemente de o autor visar com esta
segunda ação obter outra conseqüência jurídica
ou nova relação jurídica ou estado de direito.
Desta forma, o nomem juris atribuído pelo
autor à demanda não tem importância, pois
vigem, ao extremo, os princípios jura novit
curia e da mihi factum , dabo tibi jus.
- Defini Causa Petendi, a teoria da
individualização, como sendo a relação ou
estado jurídico afirmado pelo autor em apoio à
sua pretensão. Sendo assim, desde que permaneça
inalterada a relação jurídica afirmada pelo
autor, a alteração dos fatos apontados como
constitutivos do direito não importa na mudança
da Causa Petendi. Desta forma, a sentença
proferida que tenha por base uma dada relação
jurídica, se estende a todos os fatos que servem
ou serviriam de fundamento à pretensão do autor.
Por esta teoria é improponível qualquer outra
demanda sobre a mesma relação jurídica, mesmo
que fundada em outros fatos, na ação anterior não
alegados.
- Nosso Direito Processual exige que da petição
inicial constem a indicação dos fatos
constitutivos do direito e os
fundamentos jurídicos do pedido, tendo adotado
uma posição equilibrada entre as correntes
acima descritas.
2. Causa Petendi e os
limites objetivos da Coisa Julgada
- Tendo discorrido brevemente sobre os dois
institutos que compõe o tema abordado, é hora
de enfrentar o desafio de correlacioná-los.
- A sentença se compõe de três partes que são
distintas entre si: relatório, fundamentação e
dispositivo. Destas três, a parte que
efetivamente transita em julgado é o dispositivo,
posto ser nele que o juiz decide o pedido do
autor, proferindo um comando que deve ser
atendido por ambas as partes. São alcançados,
desta forma, pela coisa julgada material, o
pedido formulado pelo autor na inicial e o
dispositivo da sentença proferida.
- Isto ocorre pois, decidindo a demanda, a sentença
acolhe ou rejeita o pedido do autor, que é o
objeto da ação, delimitando ele a resposta
jurisdicional. Assim, o pedido delimita a
resposta contida na sentença, e sobre ele recai
a coisa julgada.
- Da fundamentação da sentença constam os
motivos de fato e de direito que fundamentam a
pretensão do autor, tendo o juiz de analisá-los
e decidir-lhes a veracidade a fim de concluir no
dispositivo acerca do pedido do autor
- Estes fundamentos de fato e de direito contidos
na petição inicial compõem a Causa Petendi,
e a ela corresponde na sentença a fundamentação.
Tanto a fundamentação da sentença, que embasa
o dispositivo dela, quanto a Causa Petendi
constante da inicial, não transitam em julgado,
de forma que não são atingidos pela coisa
julgada material.
- Porém, a Causa Petendi, apesar de não
fazer coisa julgada, é um dos elementos
identificadores da ação, de forma que, em sendo
uma segunda ação proposta, e tendo ela
elementos constitutivos iguais a uma
anteriormente decidida, não poderá ela tornar a
ser novamente decidida por força da autoridade
da coisa julgada.
- A Causa Petendi não se encontra dentro
dos limites objetivos da coisa julgada, mas serve
de elemento identificador da repetição de
demandas. Isto porque uma demanda será idêntica
a outra quando, além das mesmas partes e mesmo
pedido, contiver por fundamento a mesma causa de
pedir.
- Os fundamentos fáticos, que decorrem da Causa
Petendi contida na inicial, são utilizados
amplamente para aclarar passagens do dispositivo
da sentença, posto comporem um antecedente lógico
da decisão contida nela. Isto porém não quer
dizer que também eles transitem em julgado.
- Pode-se exemplificar o acima alegado pelo
seguinte caso: A propõe contra B uma ação que
objetiva cobrar-lhe determinado valor em dinheiro,
em decorrência de uma obrigação cambial.
Dentre os muitos argumentos constantes tanto da
inicial quanto da defesa, decide o juiz pela
improcedência do pedido do autor, por entender
serem todas as obrigações cambiarias subscritas
pelo demandado oriundas de causas ilícitas. A
premissa de que todas as obrigações cambiarias
do demandado são de origem ilícita não faz
coisa julgada frente a outra demanda, que o mesmo
credor possa interpor contra o mesmo devedor para
cobrança de outra obrigação cambiaria,
distinta da que foi objeto do processo anterior.
- Outro exemplo seria o pedido de divórcio cuja Causa
Petendi seja a ocorrência de adultério.
Sendo julgado improcedente o pedido do autor pela
não ocorrência do alegado adultério, nada
impede que seja proposta nova ação com as
mesmas partes e o mesmo pedido (divórcio), mas
cuja Causa Petendi seja diversa, p. ex.,
por abandono do lar conjugal.
- Sob o mesmo objeto e sob o mesmo nomem juris
podem existir mais de um direito a ser exercitado,
tornando-se, por vezes, necessário levantar
quais os elementos que distinguem um direito do
outro.
- Esta questão se faz relevante na medida em que a
alteração, no curso da demanda, da causa
petendi, ou seja, da fundamentação fática
da ação, pode levar a alteração do próprio
direito subjetivo afirmado pela parte no início
da demanda. Sendo a causa petendi distinta
para direitos distintos que se encontrem sob o
mesmo nomem juirs, então a sua mudança
no curso do processo pode implicar na alteração
do próprio objeto da demanda, deixando a ação
proposta inicialmente de ser aquela afinal
decidida pelo juiz na sentença.
- É sabido que se a alteração dos fundamentos da
ação implicar na alteração da própria
identidade dela, faz-se necessária a anuência
da parte contrária para que ocorra. E mais, tal
alteração apenas poderá ocorrer antes do
saneamento do processo, mas nunca após ele. Isto
ocorre porque após o saneamento o juiz fica
adstrito ao dever de decidir a lide nos termos em
que foi proposta.
- Concluindo, a causa petendi não integra
os limites objetivos da coisa julgada, porém,
sendo um elemento identificador da ação, é
importante para se determinar até que ponto o
dispositivo da sentença, este sim abrangido pelo
fenômeno da coisa julgada, está de acordo com o
direito substantivo visado pelo autor no início
da demanda. Sua alteração após o saneamento do
processo implicará em nulidade da sentença que
decidir o feito sob fundamento diverso do
inicialmente alegado, posto estar o juiz, após o
saneamento, adstrito aos termos em que foi a ação
inicialmente proposta.
BIBLIOGRAFIA
- COUTURE, Eduardo J. Fundamentos del Derecho
Procesal Civil. B. Aires, Depalma, 1973
- MESQUITA, José I. B. O Conteúdo da "Causa
Petendi". RT 564/41.
- MESQUITA, José I. B. A "Causa Petendi"
nas ações reivindicatórias in Revista
de Direito Processual Civil, São Paulo, Vol
VI, p. 183.
- TUCCI, José R. C. A "Causa Petendi"
no Processo Civil. São Paulo, Revista dos
Tribunais, 1993, ps 9 a 20; 178 a 180; 182 a 198.
Retirado de:http://www.jus.com.br/doutrina/cpetendi.html