® BuscaLegis.ccj.ufsc.br |
II - AÇÃO DE REPRESENTAÇÃO - APLICAÇÃO
SUBSIDIÁRIA DA LEGISLAÇÃO PROCESSUAL PERTINENTE
A ação de Representação de cunho
eminentemente público foi criada pelo legislador para a efetiva
tutela estatal da observâncias das regras específicas do próprio
Estatuto Menorista no que se refere à prática de ato infracional.
O próprio diploma legal especial, em comento, dita que
aplicar-se-ão, subsidiariamente, aos procedimentos estabelecidos
pelo ECA, as regras ditadas pela legislação processual pertinente(art.
152, ECA).
A prefalada ação foi instituída pelo Estatuto
Menorista sem o formalismo processual penal exacerbado pelo que em nosso
humilde entender a aplicação subsidiária daquele modelo
processualista não deve ser adotada para o rito processual da referida
ação, utilizando-se em consequência as regras preconizadas
no diploma processual civil.
aplicação subsidiária, que haja um ordenamento
legal a ser aplicado nas lacunas existentes na Lei nº 8.069/90, sendo
possível analisar-se com mais profundidade as questões pertinentes
ao ato infracional - conduta do adolescente / ato praticado / conduta pretérita
/ consequências - tudo para que, ao final, seja aplicada medida sócio-educativa
eficaz para a recuperação daquele ser em desenvolvimento.
Ocorre que tal entendimento não descarta a utilização
de preceitos do ordenamento processual penal e congênere, o que efetivamente
ocorre em alguns casos e principalmente quando tais preceitos não
podem ser encontrados ou adotados via do diploma processual civil.
A doutrina dita que aos "...procedimentos regulados pelo
Estatuto aplicam-se subsidiariamente as normas gerais previstas na legislação
processual civil ou penal que forem pertinentes. O Estatuto se refere em
diversas disposições não só à legislação
processual civil e penal, como também à legislação
ordinária..."(1).
III - CUMULAÇÃO DE AÇÕES DE REPRESENTAÇÃO
EM ANDAMENTO
A questão crucial a que se propõe o presente artigo
é o da possibilidade jurídica e conveniência de eventual
cumulação de ações de representação
em andamento na forma da legislação vigente.
A regra de competência advém de regras judiciárias
pertinentes para a aplicação da lei pelo Estado, visto que
a composição da lide é função pública
privativa, executada via do atributo soberano da Jurisdição.
No caso da prática de ato infracional, o legislador menorista previu
que será competente a autoridade do local da ação
ou omissão, observadas as regras de conexão, continência
e prevenção ex vi do artigo 147, §1º,
do ECA.
Entretanto, a aplicação das regras de conexão
e continência em ações de representação
em andamento não tem aplicação segundo o espírito
do Estatuto da Criança e do Adolescente. A aplicação,
vislumbrada nas lides forenses, é somente cabível na formulação
de representação pela prática de ato(s) infracional(is)
praticados pelo mesmo adolescente ou por adolescentes diversos em co-autoria
ou participação. Verifica-se, pois, que existindo mais de
uma ação de representação em andamento contra
o mesmo adolescente, por atos infracionais diversos, não se aplica
a reunião de tais processos para julgamento final unificado de tais
ações ou omissões infracionais.
É da legislação processual civil que reputam-se
conexas duas ações quando lhes for comum o objeto ou a causa
de pedir ex vi do artigo 103, do Diploma Processual Civil.
A doutrina leciona que duas são as modalidades de conexão:
pelo objeto comum e pela mesma causa de pedir, sendo que "...a primeira
forma de conexão, se dá quando nas diversas lides se disputa
o mesmo objeto... omissis ...A segunda forma de conexão é
a que se baseia na identidade de causa petendi que ocorre quando
as várias ações tenham por fundamento o mesmo fato
jurídico..." (2).
Acerca da prevenção reza a legislação
vigente que se dá quando há explícita ocorrência
de conexão ou continência entre ações que correm
em separado, considerando-se prevento o Juízo, dentre os de mesma
competência territorial, que despachou em primeiro lugar (artigo
106, C.P.C.).
IV - INVIABILIDADE DE REUNIÃO DE AÇÕES DE REPRESENTAÇÃO
EM ANDAMENTO
A consequência legal para a aceitação de
conexão ou continência entre ações diversas
em andamento, propostas em separado, é a reunião das mesmas
para que sejam decididas simultaneamente nos termos preconizados no artigo
105, do C.P.C. Cria-se, para fins de análise, a hipótese
de existir contra o adolescente CBF duas ações de representação
movidas pelo Ministério Público, sendo a primeira pela prática
do ato infracional de homicídio doloso e a segunda pela prática
de ato infracional de furto simples, verificando-se que ambas encontram-se
em andamento. Tendo em vista que, em tese, as infrações foram
praticadas na mesma data, quase que em sequência pelo mesmo infrator,
alguns defenderiam a ocorrência de continência por ter sido
praticada, em tese, em concurso material (artigo 77, inciso II, C.P.P.).
Entretanto, mesmo que fosse aceita a tese de aplicação
subsidiária do diploma processual penal in casu, verificar-se-ia
que a reunião de tais ações redundaria em ineficiência
e procrastinação jurídicas, pois não se leva
em conta no julgamento final, em ações de representação,
uma análise subjetiva dos fatos conectada diretamente com cálculo
aritmético de ‘pena’, mediante os princípios de dosimetria
de pena prevista nos diplomas penal e processual penal, assim como ocorre
na ficção jurídica do concurso formal/material e crime
continuado.
Verifica-se que não se aplicam cumulativamente medidas
sócio-educativas diversas, pois no caso indicado para o ato infracional
de homicídio doloso poder-se-ia inclusive ser aplicada ao final
a medida sócio-educativa de internação (art. 122,
I, ECA), enquanto que no furto simples, ausente a violência ou grave
ameaça, não poderia, em tese, ser aplicada a medida sócio-educativa
de internação. A autoridade judiciária, portanto,
em uma eventual reunião de ações de representação,
com exceção somente de aplicação de medida
sócio-educativa idêntica, não poderia aplicar cumulativamente
medidas diversas, o que seria naquele procedimento inviável.
Por outro turno, caso fosse possível a unificação
de ações de representação já em andamento,
verifica-se que vários atos processuais teriam que ser repetidos,
permitindo-se a ampla defesa e o contraditório, dificultando-se
de sobremaneira a conclusão e julgamento dos fatos atribuídos
ao adolescente.
V - AJUIZAMENTO DE REPRESENTAÇÃO PELA PRÁTICA
DE ATO INFRACIONAL EM CO-AUTORIA OU PARTICIPAÇÃO
Verifica-se, contudo, totalmente viável o ajuizamento
de Ações de Representação para apuração
de ato(s) infracional(is) praticados em co-autoria ou com participação
de mais de um adolescente.
Tal entendimento é fundado no fato de que havendo co-autoria
ou participação há a existência clara de conexão
pela idêntica de causa de pedir, visto que o fato jurídico
- ato infracional praticado - é o mesmo por parte dos adolescentes,
sendo que suas condutas deverão ser avaliadas ou em co-autoria ou
em cooperação, aplicando-se a cada um, ao final, as medidas
sócio-educativas adequadas individualmente.
VI - EXECUÇÃO DE MEDIDAS SÓCIO-EDUCATIVAS APLICADAS
EM AÇÕES DE REPRESENTAÇÃO DIVERSAS
Questão consecutária do raciocínio supra
desenvolvido é o de qual regra a ser aplicada no caso de aplicação
de medidas sócio-educativas diversas em procedimentos distintos.
Tomando-se, ainda, o caso do adolescente CBF caso lhe fossem aplicadas
as medidas de internação - homicídio doloso - e seis
meses de prestação de serviços à comunidade
- furto simples - indagar-se-ia como se faria a execução
de ambas.
É óbvio que a medida sócio-educativa de
internação deverá ser aplicada inicialmente, segundo
suas regras e recordando-se que a mesma não comporta prazo determinado,
devendo ser revisada de seis em seis meses, e não podendo exceder
três anos (artigo 121, §§2º e 3º, ECA). Neste
sentido também entende a jurisprudência que leciona que no
que se refere à medida de internação "...há
que se ressaltar, contudo, que o art. 121, parágrafo 2º, do
Estatuto da Criança e do Adolescente, dispõe que: "A medida
não comporta prazo determinado, devendo sua manutenção
ser reavaliada, mediante decisão fundamentada, no máximo
a cada seis meses" (3).
A aplicação da medida sócio-educativa de
prestação de serviços à comunidade ficará
sobrestada até o efetivo cumprimento da medida anteriormente indicada.
Caso o adolescente CBF cumpra a medida de internação antes
de completar vinte e um anos, poderá ser imposto o cumprimento da
medida de prestação de serviços à comunidade,
desde que antes que complete a prefalada idade de vinte e um anos. Isto
porque não se aplica à prática de ato infracional
os prazos prescricionais dos delitos e contravenções penais
descritos na legislação pátria. É da jurisprudência
que não se aplicam os "prazos prescricionais estabelecidos
na Parte Geral do Código Penal"(4).
Por outro turno, verifica-se que a regra geral mais condizente
com o ordenamento menorista, concessa maxima venia, é
a de que executa-se inicialmente a medida sócio-educativa mais severa
aplicada, seguindo-se a aplicação da(s) outra(s) menos severa(s)
aplicadas ao mesmo adolescente. Entretanto, ao nosso sentir, data
maxima venia, talvez a única possibilidade jurídica
de aplicação cumulativa de medida sócio-educativa
seria no caso de serem aplicadas, em processos distintos, medidas de prestação
de serviços à comunidade, quando os períodos destas
poderiam ser unificados.
No caso do adolescente CBF, caso este tivesse recebido a imposição
de duas medidas de prestação de serviços à
comunidade com os períodos de dois e três meses respectivamente,
nota-se que aquele poderá cumprir o período de cinco meses
de prestação de serviços à comunidade perante
o Juízo competente pela prevenção na forma da lei.
VII – CONCLUSÃO
Do arrazoado supra exposto, conclui-se que existindo ações
de representação diversas movidas contra o mesmo adolescente
não há necessidade de aplicação das regras
de conexão e continência para fins de reunião dos prefalados
processos, sob pena de ineficácia e entrave processual que poderão
inclusive procrastinar uma decisão final adequada ao adolescente
mediante os atos praticados e sua conduta pretérita. É necessário,
entretanto, que a ocorrência de tais processos sejam oficialmente
comunicados em cada um dos feitos para análise final acerca das
condutas do adolescente autor de ato infracional e da medida sócio-educativa
que restar comprovada como mais eficaz para sua recuperação.
Pode-se, entretanto, ser ajuizada Ação de Representação
pela prática de ato infracional em co-autoria ou com participação
de mais de um adolescente na forma da lei. Existindo a aplicação
de medidas sócio-educativas diversas, em procedimentos autônomos,
aplicam-se as medidas denominadas mais graves em primeiro plano, seguindo-se
das menos severas, havendo unificação de períodos
somente no que se refere à medida sócio-educativa de prestação
de serviços à comunidade (artigo 117, ECA).
Ressalta-se, finalmente, que qualquer medida sócio-educativa
poderá ser imposta ou executada até que o adolescente complete
a idade de vinte e um anos quando nenhuma daquelas medidas poderão
ser impostas ou executadas na forma da lei, visando-se unicamente a recuperação
do indivíduo em desenvolvimento e sua reinserção no
seio social para alcançar-se a tão almejada paz social!!
NOTAS
1)Paulo Lúcio Nogueira, in Estatuto da Criança e do
Adolescente Comentado, Saraiva, 1991, p. 225
2)Humberto Theodoro Júnior, in Curso de Direito Processual
Civil, Volume I, 10ª ed., Forense, 1993, p. 179
3)TJ-SC - Ac. unân. da 1ª Câm. Crim., publ. em 16.11.94
- Ap. 31.569 - Rel. Genésio Nolli
4)TJ-PR, Ac. nº 7153, de 21.11.94, unân., C.M., Agr. Inst.
nº 94.0001469-4, Rel Des. Tadeu Costa
retirado de: http://www.jus.com.br/doutrina