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A IDADE E AS RAZÕES
Não ao rebaixamento da imputabilidade penal
João Batista Costa Saraiva
juiz da Infância e Juventude no Rio Grande do Sul,
professor de Direito da Criança e do Adolescente na Escola
Superior da Magistratura - RS
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1. INTRODUÇÃO
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Afinal, a solução no combate à criminalidade, em especial
nos grandes centros urbanos, passa pela redução da idade
de imputabilidade penal hoje fixada em 18 anos? Alguns setores dão
tanta ênfase a esta proposta que induzem a opinião pública
a crer que seria a solução mágica na problemática
da segurança pública, capaz de devolver a paz social tão
almejada por todos. A linha principal do argumento é de que cada
vez mais adultos se servem de adolescentes como "longa manus" de suas ações
criminosas, e que isso impede a efetiva e eficaz ação policial.
Outros retomam o argumento do discernimento, que o jovem pode votar aos
16 anos e que hoje tem acesso a um sem número de informações
que precipitam seu precoce amadurecimento etc.
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2. INIMPUTABILIDADE, NÃO IMPUNIDADE
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A primeira distinção que impõe seja feita, frente
ao torvelinho de idéias que são lançadas, é
que é preciso estabelecer a necessária distinção
entre inimputablidade penal e impunidade.
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A inimputabilidade - causa de exclusão da responsabilidade penal
- não significa, absolutamente, irresponsabilidade pessoal ou social.
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O clamor social em relação ao jovem infrator - menor de 18
anos - surge da equivocada sensação de que nada lhe acontece
quando autor de infração penal. Seguramente a noção
errônea de impunidade se tem revelado no maior obstáculo à
plena efetivação do ECA, principalmente diante da crescente
onda de violência, em níveis alarmantes. A criação
de grupos de extermínio, como pseudo-defesa da sociedade, foi gerada
no ventre nefasto daqueles que não percebem que é exatamente
na correta aplicação do ECA que está a salvaguarda
da sociedade. Todo o questionamento que é feito por estes setores
parte da superada doutrina que sustentava o velho Código de Menores,
que não reconhecia a criança e o adolescente como sujeitos,
mas mero objetos do processo. Daí crerem ser necessário reduzir
a idade de imputabilidade penal para responsabilizá-los. Engano
ou desconhecimento.
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A circunstância de o adolescente não responder por seus atos
delituosos perante a Corte Penal não o faz irresponsável.
Ao contrário do que sofismática e erroneamente se propala,
o sistema legal implantado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente
faz estes jovens, entre l2 e l8 anos, sujeitos de direitos e de responsabilidades
e, em caso de infração, prevê medidas sócio-educativas,
inclusive com privação de liberdade.
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Muitas das críticas feitas à atual legislação
da criança e do adolescente, ou os "arreganhos" dos adversários
do ECA, assim definidos pelo Ministro Sepúlveda Pertence (1), podem
ser dimensionadas nas palavras de Antônio Carlos Gomes da Costa (2):
"vomitam aquilo de que não se alimentaram".
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Diferentemente do que é bradado, a máxima "com menor (3)
não dá nada", está em desacordo com o que preceitua
nosso sistema. O Estatuto prevê e sanciona medidas sócio-educativas
(4) eficazes, reconhece a possibilidade de privação provisória
de liberdade ao infrator, não sentenciado - inclusive em parâmetros
mais abrangentes que o CPP destina aos imputáveis na prisão
preventiva - e oferece uma gama larga da alternativas de responsabilização,
cuja mais grave impõe o internamento sem atividades externas.
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3. PRIVAÇÃO DE LIBERDADE DO INFRATOR
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A propósito dessa medida privativa de liberdade - internação
na linguagem da lei -, o que a distingue fundamentalmente da pena imposta
ao maior de l8 anos é que, enquanto aquela é cumprida no
sistema penitenciário (5)- que todos sabem o que é, nada
mais fazendo além do encarcerar - onde se misturam criminosos de
toda espécie e graus de comprometimento - aquela há que ser
cumprida em um estabelecimento próprio para adolescentes infratores,
que se propõe a oferecer educação escolar, profissionalização,
dentro de uma proposta de atendimento pedagógico e psicoterápico,
adequados a sua condição de pessoas em desenvolvimento. Daí
não se cogitar de pena, mas sim, medida sócio-educativa,
que não pode se constituir em um simples recurso eufêmico
da legislação.
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Neste sentido fazem-se notáveis as deliberações tomadas
quando da Primeira Reunião de Cúpula do Poder Judiciário
Sobre Infância e Juventude, em Porto Alegre, no início de
1995 (6), quando, presentes os representantes de todos os Tribunais do
País, juntamente com o Ministro da Justiça Nelson Jobim (7)
e Ministros de Cortes Superiores, foi afirmada a prioridade do Judiciário
na plena efetivação do ECA, inclusive com a criação
de internatos adequados, em uma política nacional que priorize este
segmento estratégico ao desenvolvimento da Nação.
A propósito, apenas para citar dois exemplos em extremos do País,
os Estados de Roraima (8) e do Rio Grande do Sul (9) têm, aquele
já concluído, e este em fase de execução, interessantíssimos
projetos de construção de unidades para internamento de adolescentes
infratores, nos exatos termos preconizados pelo ECA.
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4. MEDIDA SÓCIOEDUCATIVA x PENA
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O argumento de que cada vez mais os adultos se servem de adolescentes para
a prática de crimes e que por isso faz-se necessária a redução
da idade de imputabilidade penal, se faz curioso. Ora, se pretende estender
ao "mandado" o mesmo sistema que não alcança o "mandante"?
Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas
(10), regra geral do concurso de agentes. Se a questão for de eficácia
de sistema; porque o mandante (de regra "pior" que o executor direto) não
é responsabilizado? Aliás, reprimido o mandante se exclui
a demanda. Na verdade o argumento dos arautos do rebaixamento se faz falacioso.
O Estatuto oferece amplos mecanismos de responsabilização
destes adolescentes infratores, e, o que se tem constatado, em não
raras oportunidades, é que, enquanto o co-autor adolescente foi
privado de liberdade, julgado e sentenciado, estando em cumprimento de
medida, seu parceiro imputável muitas vezes sequer teve seu processo
em juízo concluído, estando freqüentemente em liberdade
(11).
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5. UMA JUSTIÇA INSTANTÂNEA
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Quanto à eficácia e eficiência de ação
na área infracional não há como deixar de mencionar
os extraordinariamente positivos resultados que vem sendo obtidos no projeto
"Justiça Instantânea", implantado no Juizado da Infância
e Juventude de Porto Alegre, e em vias de ser estendido às maiores
Comarcas do Interior. Neste projeto, Polícia, Ministério
Público, Defensoria e Judiciário funcionam em unidade integrada,
no mesmo prédio, dando solução quase imediata às
situações de flagrância trazidas pela Polícia
Militar ou pela própria Polícia Civil. O adolescente é
ouvido pelo Delegado, forma-se o procedimento, submetido ao Promotor, com
assistência de advogado, e, feita a representação,
é imediatamente apresentado a Juízo, ouvindo-se vítima
e testemunhas, se for o caso. Ali, de regra, são imediatamente solucionados,
com sentença (12).
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O funcionamento adequado de um sistema de infância e juventude, preventivo
- com ação eficaz dos Conselhos Tutelares (13) - e repressivo,
há de fazer parte de uma política de ação.
O resultado que se constata em Porto Alegre é a redução
da reincidência e até mesmo uma mudança no perfil da
"clientela" do Juizado, com muitos jovens de classe média sendo
trazidos a Juízo, fato que raramente se cogitava na época
da Justiça de Menores, tachada como um Juizado para os pobres (14).
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A ação efetiva de todos os agentes envolvidos com a questão
infracional passa, necessariamente, por um comprometimento de todos os
atores deste processo, desde Polícia, em uma ponta, até o
Juiz, na outra. Para isso há de existir decisão política
e engajamento de todos os poderes, Executivo, Legislativo e Judiciário,
fazendo valer a prioridade absoluta preconizada no art. 227 da Constituição
Federal. O Estatuto é uma receita que a nós cumpre aviar
(15).
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6. O MÓDULO DE INTERNAMENTO
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Outra questão que tem sido levantada se refere ao módulo
máximo de internamento de um adolescente infrator, fixado em três
anos, com limite em 21 anos de idade para sua liberação.
A matéria, embora admita avaliação (16), merece algumas
reflexões frente ao conjunto do sistema penal do imputável,
apresentado como solução ao controle da criminalidade. Deve-se
considerar, por exemplo, que, para um adulto permanecer três anos
"fechado", sem perspectiva de alguma atividade externa, sua pena deverá
situar-se em um módulo não inferior a dezoito anos de reclusão,
eis que cumpridos 1/6 da pena (que são os mesmos três anos
(17) a que se sujeita o adolescente) terá direito a benefício
(18). Não se pode desconsiderar, no caso do adolescente, que três
anos na vida de um jovem de 16 anos representa cerca de 1/5 de sua existência,
em uma fase vital, de transformações, na complementação
da formação de sua personalidade, onde se faz possível
a fixação de limites e valores.
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Mesmo aqueles jovens de remoto prognóstico de recuperação
merecem tal oportunidade, até porque, adequadamente tratados, são
animadores os resultados obtidos. A experiência que se tem tido nestes
mais de seis anos de Estatuto da Criança e do Adolescente é
altamente satisfatória, a ponto de se poder afirmar que em um índice
de 70 a 80% dos jovens adequadamente atendidos nas medidas sócio-educativas
que lhe são impostas, obtém plenas condições
de uma completa integração social ao final.
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7. O ADOLESCENTE E O VOTO
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Outro argumento utilizado na justificação da redução
da idade diz respeito ao fato de o jovem poder votar, escolhendo desde
Presidente da República até Vereador.
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Dizer-se que se o jovem de l6 anos pode votar e por isso pode ir para a
cadeia é uma meia-verdade (ou uma inverdade completa). O voto aos
l6 anos é facultativo, enquanto a imputabilidade é compulsória.
De resto, a maioria esmagadora dos infratores nesta faixa de idade sequer
sabem de sua potencial condição de eleitores; falta-lhes
consciência e informação.
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A questão de fixação de idade determinada para o exercício
de certos atos da cidadania decorre de uma decisão política
e não guarda relações entre si, de forma que a capacidade
eleitoral do jovem aos dezesseis anos - FACULTATIVA - se faz mitigada.
Nossa legislação, a exemplo das legislações
de diversos países, fixa em 21 anos de idade a maioridade civil.
Antes disto, por exemplo, não há casamento sem autorização
dos pais (19), e sómente após se faz apto a praticar, sem
assistência, atos da vida civil.
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A propósito a legislação brasileira fixa diversos
parâmetros etários, não existindo uma única
idade em que se atingiria, no mesmo momento, a "maioridade absoluta". Um
adolescente pode trabalhar a partir dos 14 anos e, no plano eleitoral,
estabelece que o cidadão para concorrer a vereador deve ter idade
mínima de 18 anos; 21 anos para Deputado, Prefeito ou Juiz de Paz;
30 anos para Governador, e 35 anos para Presidente, Senador ou Ministro
do STF ou STJ (20). Não há critério subjetivo de capacitação
e sim decisão política. Tanto é assim que Jesus Cristo,
que morreu aos 33 anos, a par de sua indiscutível capacidade e discernimento,
no Brasil não poderia exercer a Presidência da República.
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Assim, mesmo sendo discutível a decisão constituinte de outorgar
o voto facultativo aos 16 anos, o fato de per se não leva à
conclusão que o adolescente nesta idade deva ser submetido a outro
tratamento que não aquele que o Estatuto lhe reserva em caso de
crime - mesmo eleitoral.
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8. A REDUÇÃO DE IDADE PARA CONCESSÃO DA CARTEIRA
NACIONAL DE HABILITAÇÃO
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Quanto à Carteira de Motorista, tão reclamada pelos jovens
filhos da burguesia, o que há a ser dito é que as medidas
sócio-educativas do ECA são tão ou mais eficazes e
rigorosas que as penas que o atual sistema penal reserva aos autores de
crimes culposos no trânsito maiores de l8 anos (21). Não há
necessidade de redução da imputabilidade penal para responsabilizá-los,
como sustentam alguns, que postulam, como condição à
redução de idade para concessão da CNH, o rebaixamento
de idade de imputabilidade penal.
-
Na forma em que vem sendo conduzida esta questão, inclusive pelo
teor de veto lançado pelo ex-presidente Itamar Franco a projeto
aprovado no Congresso relativamente ao rebaixamento de idade para obtenção
da Carteira de Motorista, neste País onde se afirma mata-se cerca
de 50 mil pessoas ao ano em acidentes de trânsito, a idéia
é de poder entregá-la para os filhos dos ricos - afinal,
no Brasil automóvel ainda é privilégio -, para poder
lançar os filhos dos pobres na cadeia.
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9. O DISCERNIMENTO
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Outro ponto objeto da argumentação pelo rebaixamento diz
respeito ao discernimento. De que o jovem de hoje, mais informado, amadurece
mais cedo.
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Ninguém discute a maior gama de informações ao alcance
dos jovens. A televisão hoje invade todos os lares com suas informações
e desinformações, trazendo formação e deformação.
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Considerando o desenvolvimento intelectual e o acesso médio à
informação, é evidente que qualquer jovem, aos 16,
l4 ou 12 anos de idade é capaz de compreender a natureza ilícita
de determinados atos. Aliás, até mesmo crianças pequenas
sabem que não se pode matar, que machucar o outro é "feio"
ou que não é permitido tomar para si o objeto do outro. O
velho Catecismo Romano já considerava os sete anos como a "idade
da razão", a partir da qual é possível "cometer
um pecado mortal". Esse raciocínio sobre o discernimento, levado
às últimas conseqüências, pode chegar à
conclusão de que uma criança, independentemente da idade
que possua, deva ser submetida ao processo penal e, eventualmente, recolhida
a um presídio, desde que seja capaz de distinguir o "bem" do "mal".
-
O que cabe aqui examinar é a modificabilidade do comportamento do
adolescente, e sua potencialidade para beneficiar-se dos processos pedagógicos,
dada sua condição de pessoa em desenvolvimento.
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A experiência dos Juizados da Infância e da Juventude no Rio
Grande do Sul tem demonstrado que, aplicadas com seriedade as medidas constantes
do Estatuto, diversos adolescentes, internados por infrações
gravíssimas, como homicídio e latrocínio, têm
logrado efetiva recuperação, após um período
de internação. Progressivamente, esses jovens têm passado
da privação total de liberdade à semi-liberdade e
à liberdade assistida. Muitos passam algum tempo prestando serviços
à comunidade, numa forma de demonstrar a si próprios e à
sociedade que são capazes de atos construtivos e reparadores.
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O Brasil já mandou para o sistema criminal adolescentes. Maria Auxiliadora
Minahim (22), em seu interessantíssimo "Direito Penal da Emoção"
(23), onde destaca que a inimputabilidade dos menores de 18 anos é
uma conquista que cumpre ser defendida, citando Bento Faria, ao comentar
o Código Penal pátrio de 1890, em seu art. 30 (onde se fixa
a inimputabilidade dos jovens até 14 anos) traz o relato de uma
série de decisões dos tribunais, de mandar soltar meninos
recolhidos em prisões de adultos por falta de instituições
adequadas.
-
O jovem de 1890 teria maior ou menor discernimento que hoje? Se a matéria
evoluiu para uma atenção diferenciada, em um País
em que as diferenças sociais são abissais, isso revela uma
evolução de política criminal, conceito dissociado
da idéia de discernimento (24).
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A opção por um tratamento diferenciado ao jovem infrator
- conceituado como "delinqüente" na linguagem dos opositores do ECA
- resulta de uma disposição política do Estado, na
busca de uma cidadania que se perdeu - ou jamais foi conquistada.
-
Revela a história que a preocupação oficial sobre
a questão do jovem, como sujeito de um direito diferenciado, encontra
precedente histórico apenas em 1896, em Nova Iorque, quando foi
registrado o primeiro processo judicial efetivo tendo como causa maus-tratos
causados a uma menina de nove anos de idade pelos seus próprios
pais. A parte que propôs a ação foi a Sociedade Para
a Proteção de Animais, de Nova Iorque. Dessa sociedade é
que surgirá a primeira liga de proteção à infância
(25).
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10. CONSIDERAÇÕES FINAIS
-
Em suma. O "arsenal" de recursos postos à disposição
da sociedade pelo Estatuto da Criança e do adolescente prescinde
da anacrônica proposta de redução da idade de imputabilidade
penal para o enfrentamento da questão atinente à criminalidade
juvenil.
-
Para tanto o que necessitamos é de compromisso com a efetivação
plena do Estatuto da Criança e do Adolescente em todos os níveis
- sociedade e Estado (26) - fazendo valer este que é um instrumento
de cidadania e responsabilização - de adultos e jovens.
-
A opção por um tratamento diferenciado ao jovem infrator
- "delinqüente" na linguagem dos opositores do ECA - resulta de uma
disposição política do Estado, na busca de uma cidadania
que se perdeu - ou jamais foi conquistada.
-
Penso restar demonstrado que inimputabilidade penal não é
sinônimo de impunidade ou irresponsabilidade. O Estatuto da Criança
e do Adolescente oferece uma resposta aos justos anseios da sociedade por
segurança e, ao mesmo tempo, busca devolver a esta mesma sociedade
pessoas capazes de exercer adequadamente seus direitos e deveres de cidadania.
-
Como já foi possível expressar em outra oportunidade: Reformar
a Constituição Federal para reduzir a idade de imputabilidade
penal, hoje fixada em 18 anos, significa um retrocesso, um desserviço,
um verdadeiro atentado. A criminalidade juvenil crescente há de
ser combatida em sua origem - a miséria e a deseducação
. Não será jogando jovens de 16 anos no falido sistema penitenciário
que se poderá recuperá-los. Mesmo aqueles de difícil
prognóstico recuperatório a sociedade tem o dever de investir,
máxime porque a porcentagem daqueles que se emendam - dentro de
uma correta execução da medida que foi aplicada - faz-se
muito maior e justifica plenamente o esforço. Não for pensado
assim, amanhã estar-se-á questionando a redução
da idade de imputabilidade penal para doze anos, e depois para menos, quem
sabe, até que qualquer dia não faltará quem justifique
a punição de nascituros, preferencialmente se pobres... (27)
NOTAS
-
Discurso proferido por ocasião da lançamento do CD-ROM Direitos
da Criança e Do Adolescente, em Brasília, em iniciativa conjunta
da UNICEF, Fundação Banco do Brasil e AJURIS
-
Pedagogo, Consultor da UNICEF, ex-presidente da CBIA
-
Em uma viagem, por acaso, caiu em minhas mãos um jornal de grande
circulação do Estado do Paraná. Naquela interminável
jornada, na busca de passar o tempo, não só li aquilo que
normalmente me interessa em um jornal, como acabei me deparando com a indefectível
página policial dos periódicos, local antigamente destinado
às tragédias do cotidiano. Digo antigamente porque hoje o
jornalismo se faz quase sómente de desgraças, não
escapando dessas nem as futilidades das colunas sociais.
A manchete da página policial, porém, por seu conteúdo
ideológico, até hoje me serve como exemplo emblemático
de parcela significativa de nossa cultura brasileira: "Menor assalta criança
na frente da escola". Menor era o infrator; criança, a vítima.
Nisso pode ser resumida toda a dificuldade para completa efetividade
da doutrina da proteção integral preconizada pelo Estatuto
da Criança e do Adolescente. Ainda se raciocina no sentido de que
crianças são os filhos bem nascidos e menores são
os outros: Os pobres, os negros, os meninos de rua, os excluídos.
-
Ver "Adolescentes em Confronto com a Lei : O ECA como instrumento de Responsabilização
ou a eficácia das Medidas Sócio-Educativas "- AJURIS 67/60.
-
"A organização penitenciária brasileira é um
instrumento de degradante ofensa às pessoas sentenciadas. O condenado
é exposto a penas que não estão no Código Penal,
geradas pela promiscuidade e pela violência. O sistema penitenciário
subverte as funções da pena. Assim, deixa de cumprir sua
meta básica, que é a de ressocialização" -
Ministro José Celso de Mello Filho, à VEJA, p.11,em 5 de
março de 1997.
-
A Reunião de Cúpula sobre o Novo Direito da Infância
e da Juventude, realizada em Porto Alegre de 22 a 24 de março de
1995, representou episódio inédito na história do
Poder Judiciário brasileiro .
-
A pauta do Novo Direito da Infância, advindo da Doutrina da Proteção
Integral da Infância preconizada pelas Nações Unidas,
fez convergir as presenças dos ocupantes dos mais elevados postos
administrativos e políticos do Judiciário nacional .
Ministros do Supremo Tribunal Federal, Ministros do Superior Tribunal
de Justiça, Presidentes dos Tribunais de Justiça, Corregedores-Gerais
de Justiça e Presidentes de Associações de Magistrados,
após refletirem sobre as inovações da ordem jurídica
de proteção à infância, selaram compromisso
com a efetividade prática do novo modelo .
Ao comemorar-se o 5° ano de vigência do Estatuto da Criança
e do Adolescente, a magistratura brasileira pode proclamar que não
se faz alheia aos problemas sociais que tanto afligem nossa Nação,
e que, respondendo à altura os reclamos na sociedade civil, encontra-se
a serviço da cidadania para levar às últimas conseqüências
práticas as transformações trazidas pelo novo ordenamento
.
-
Quando da Reunião de Cúpula do Poder Judiciário sobre
infância e juventude, o Ministro Nelson Jobim foi interrompido em
sua fala pelos aplausos de uma platéia que lotava o salão
de eventos do Plaza São Rafael, ficava a convicção
de que não se tornaria a discutir a questão da imputabilidade
penal aos menores de l8 anos na atual reforma constitucional. Os aplausos
daquele qualificado auditório ao Ministro aconteceram quando este
afirmou a posição do Ministério da Justiça
e do próprio Governo Federal de que não há o que ser
alterado na Constituição brasileira sobre este tema, que
resta muito bem equacionado no plano legal.
-
Centro Sócio - Educativo Homero de Souza Cruz Filho - O adolescente
autor de ato infracional grave passou a receber atenção do
governo. A iniciativa possibilita uma prática educativa de acordo
com o Estatuto da Criança e do Adolescente.
-
O Governo do Estado do Rio Grande do Sul desenvolve a construção
de dez unidades de internamento para adolescentes infratores, nas sedes
dos Juizados Regionais da Infância e Juventude, em cidades-pólo
no Estado, permitindo que o adolescente privado de liberdade afaste-se
o mínimo possível de sua realidade social e familiar . Estão
em andamento as obras em Caxias do Sul, Santa Maria e Porto Alegre, havendo
projetos licitados de outras sete unidades.
-
Art. 29 do Código Penal que consagra a Teoria Unitária em
nosso sistema penal.
-
Zero Hora divulgou em 06.09.94, que adolescentes participam de l0% dos
delitos da Grande Porto Alegre. A propósito, a estatística
não inclui apenas autores dos atos infracionais, mas também
como vítimas. Ora, o percentual destes no montante da população
é de cerca de 40%. Se estes se envolvem em l0% dos delitos, é
porque os 90% dos crimes são de adultos, o que permite concluir
que a lei penal para o adulto não é remédio suficiente.
Ou em resumo, querem estender ao adolescente um modelo que não está
dando certo com o adulto.
-
De 08.05.1996 a 28.02.l997 foram iniciados na "Justiça Instantânea"
2.145 procedimentos. Destes, 1.472 foram concluídos no mesmo dia
( 68,62%); 458 ( 21,35 % ) tiveram tramitação parcial - vítima
e testemunhas ouvidas em outro dia - e 215 ( 10,03 % ) foram remetidos
à tramitação normal. Dos adolescentes julgados, 67
foram encaminhados à abrigo, pois não foram localizadas suas
famílias, e 185 receberam medida de internamento.
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Instituições centenárias não podem tutelar
o Conselho Tutelar: é preciso detectar os erros para apoiar a instituição
na busca do bom caminho. No trabalho comunitário
é que se irá poder precocemente constatar o flagelo da violência
no seio da família. Hoppe, Marcel - A questão da Violência,
in Indiferença, Derrube este Muro - Seminário da Criança
e do Adolescente, Promoção da Associação dos
Procuradores do Município de Porto Alegre, anais publicados em Janeiro
de 1996.
-
Por ocasião do III Seminário Latino Americano do Avesso ao
Direito, tratando da evolução da doutrina da situação
irregular à da proteção integral da criança
e do adolescente, em São Paulo, entre 19 e 23 de outubro de 1992,
a Oficina sobre Justiça da Infância e Juventude, entre outras
conclusões, apresentou: os sistemas de justiça "tutelar",
por estarem baseados na doutrina da situação irregular, não
atendem às expectativas dos povos da América Latina, permanecendo
em todos os países a justiça de menores como uma justiça
de menor importância. Pelo anterior sistema - da doutrina da situação
irregular, que norteava o velho Código de Menores, os juizados estavam
reduzidos a meros instrumentos de controle da pobreza.
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Marcel Hoppe, Juiz da Infância e Juventude em Porto Alegre foi responsável
pela reestruturação do Juizado da Infância e Juventude
da Capital e se constitui em uma das maiores autoridades na matéria
em nosso País.
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Os índices de recuperação e não reincidência
em infratores sujeitos a internamento autorizam um juízo otimista
em relação ao módulo máximo de privação
de liberdade fixado no ECA.
-
No episódio do homicídio da atriz Daniela Perez, o acusado
condenado recebeu pena pouco superior a dezenove anos, pelo que, cumpridos
pouco mais de tres anos, poderá ver progredido seu regime prisional.
A considerar ainda que um condenado entre 18 e 21 anos de idade, que não
era o caso daquele, tem a seu favor a atenuante prevalente da minoridade,
que sempre lhe reduz a pena. Portanto o módulo de tres anos de internamento
a que se submete o adolescente, com possibilidade de exclusão de
qualquer atividade externa, não está em desacordo com a realidade
penal brasileira.
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Art.. 37 da LEP. No sistema penal brasileiro (arts. 112, da LEP, e 33,
do CP) cumpridos 1/6 da pena, o condenado preenche requisito objetivo que
o habilita à progressão de regime ( de fechado para semi-aberto,
por exemplo). Assim, não é exagero afirmar que, para um adulto
permanecer três anos em regime fechado, privado de liberdade sem
atividades externas, há de receber pena não inferior a dezoito
anos. A insuceptibilidade de progressão, mesmo nos chamados "crimes
hediondos" , por inconstitucionalidade, divide a jurisprudência,
e no RS o entendimento prevalente nas Varas de Execução Criminal
é pelo cabimento da progressão.
-
Chega ser contraditório não poder casar sem autorização
dos pais e poder ser preso.
-
Arts. 14, § 3º, 101 e 104, parágrafo único, da
CF.
-
Homicídio Culposo ou Lesões Corporais culposas resultam em
penas de detenção, normalmente convertidas em prestação
de serviço à comunidade ou outra pena alternativa. O ECA
dispõe de medidas sócio-educativas similares aptas a darem
uma resposta tão ou mais eficaz no plano da responsabilização
dos agentes. No plano da responsabilidade civil a questão prescinde
de discussão, estando disciplinada no Código Civil.
-
Professora da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia, Mestra
e Doutora em Direito Penal pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.
-
Direito Penal da Emoção - A inimputabilidade do menor. São
Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 1992.
-
A exposição de motivos ao CP de 1940 tachava os menores de
18 de imaturos (item 19) . Já a Exposição de Motivos
da Nova Parte Geral (1984) afirma tratar-se de opção (a inimputabilidade)
apoiada em critérios de política criminal, em seu item 23.
-
Hoppe, Marcel. A questão da Violência, in Indiferença,
op. cit..
-
"A aceitação de práticas de violência contra
as crianças, vem a dar causa ao extermínio, que não
é contra a infância em geral mas contra os menores. No ano
de 1989, morreram no Brasil 400.000 crianças por causas evitáveis.
Deodato Rivera afirma que não houve nenhuma manifestação
maior da sociedade e pergunta: "O que aconteceria se fosse noticiada a
morte de 400.000 bezerros?". Seria o caos econômico. Seria a falência
da estrutura. A imprensa noticia todo o dia a violência física:
a violência urbana. Assunto permanente é a superlotação
de presídios. Presídios são interditados. Presídios
são abertos. Trocam-se agentes penitenciários por brigadianos
(PMs). O povo reclama: "Falta policiamento". Os policiais rebatem: "Não
temos condições para atender, faltam verbas, faltam veículos.
Não há nada". Mesmo nos Estados Unidos, com seu enorme potencial
econômico, o enfrentamento do problema se revelou ineficaz. Ali,
como aqui, tenta-se combater as conseqüências do problema, ocorre
o aumento do tamanho do governo. A doença com mais serviço
médico. O crime com mais aparato policial. O incêndio com
mais bombeiros. Agora naquele país está ocorrendo exatamente
o inverso. Na Califórnia, Flórida, Ilinois, está se
trabalhando na prevenção, A conclusão de que para
1 kg necessário a correção basta aplicar 1 grama na
prevenção. Atender o social é prevenir o jurídico.
A atuação dos Conselhos Tutelares é exatamente necessária
para esse desiderato. As pessoas precisam saber que essa nova instituição
tem finalidades específicas e não é subordinada a
nenhuma outra. A sua intervenção eficaz é capaz de
resolver precocemente os problemas"- Hoppe Marcel, A Questão da
Violência, op. cit..
-
Saraiva, João Batista Costa - Inimputabilidade, não impunidade,
in Relatório Azul, da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos
- Assembléia Legislativa do RS, 1995, pg. 3
BIBLIOGRAFIA
-
CURY, Munir. SILVA, Fernando do Amaral e. MENDEZ, Emílio Garcia,
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retirado de: http://www.jus.com.br/doutrina