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A CAPACIDADE PROCESSUAL DAS CÂMARAS MUNICIPAIS

Ricardo Henrique Arruda de Paula
Consultor Jurídico da Câmara Municipal de Fortaleza

Durante alguns anos vivenciando os problemas que não se cauterizam na Consultoria da Câmara Municipal de Fortaleza, somos a todo tempo admoestados a participar processualmente de ações que, por sua natureza, existem devido a polêmica do tema aqui abordado: A CAPACIDADE PROCESSUAL DAS CÂMARAS MUNICIPAIS.

Daí advêm ações trabalhistas em que participa, indevidamente, no polo passivo o Órgão Legislativo Municipal e, até mesmo ação de indenização por Danos Materiais proposta por alguns Órgãos Legislativos que, inadvertidamente, intentam sem se aperceberem da capacidade processual destes.

Antes de mais nada, devemos, peremptoriamente, a vôo de condor, discorrer sobre que se entende universalmente sobre a "divisão" e harmonia dos "poderes" que perfazem a vontade política do "Poder Civil", visto aqui como o complexo morfológico do Estado político federativo.

"Por Poder Civil designamos um complexo de atividades e fins articulados em diferentes órgãos, cada qual com suas próprias funções. Para Locke, esse poder civil articula-se em dois distintos poderes, o Legislativo e o Executivo, ...Diz-se habitualmente que o Estado tem três poderes: Legislativo, Judiciário, Executivo. Todavia, para Locke, considerando muitas vezes, erroneamente, como o pai da teoria da separação dos três poderes, os poderes são apenas dois."(cf., in Bobbio, Noberto, e o Direito Natural, Locke, ed. UnB, Brasília, p. 231, 1997).

O termo separação de poderes, portanto, não é tão vetusto quanto pensamos sendo posterior a Locke e não designando uma esfacelação do Estado Leviático mas, uma longa manus do ente político federado.

O Parlamento, para aquele pensador, embora separado do Legislativo, deve trabalhar em harmonia com este e ambos, subordinados um ao outro formando o Poder Civil.

Contudo, o Executivo, para Locke, responde perante o Legislativo, em um modo de evitar o despotismo e este, por sua vez, além de seu mister de elaborador de leis, fiscaliza as atividades daquele, representando o "poder originário da comunidade".

A teoria que envolve o Estado moderno têm suas raízes nas idéias de Locke e de tantos outros tendo seu ápice na Revolução Francesa de 1789.

Na atualidade o Estado, servido daquela teoria, deu continuidade à distribuição de funções aos seus órgãos e, aquelas passaram a compor o corpo deste tornando-se próprias, naturais à eles.

Estes Órgãos integram-se entre si, cada qual com seus preceitos naturais intrínsecos, reservados a eles por uma Constituição Nacional e apesar de interdependentes entre si, trabalhando para a consolidação de harmonia do Estado político federado como um todo e pela paz social, em um sistema de peso e contrapeso.

Chegando ao Legislativo municipal hodierno - às Câmaras Municipais - vemos que é assente a aplicação do princípio de ser o Legislativo, o "poder originário da comunidade" definido por Locke. Ali se exercita, evidentemente, a representação popular sendo a longa manus do Estado poder político federado na fiscalização do Executivo.

A prerrogativa inerente da Câmara Municipal é a feitura de leis municipais e o desenvolvimento de sua ação de fiscalização da Administração Pública como um todo. Essa atividade de fiscalização se manifesta como um controle do Legislativo às atividades públicas e, principalmente, sobre o Poder Executivo.

Dissume-se então, que a Câmara Municipal é Poder autônomo e independente, ou seja, função individuada do Estado, que desenvolve, prima facie, duas funções basilares que carrega sobre seus ombros, quais sejam: fazer leis municipais e fiscalizar.

Exemplo de sua interdependência entre tantos que podemos citar, é o que prevê o art. 43 da Lei nº. 4.320/64(Normas de Direito Financeiro), no qual, modernamente, não se utiliza mais o conceito aplicado ao duodécimo, como forma de repasse de recursos do Executivo do Legislativo, sendo receita própria do Poder Legislativo que não mais precisa estar "mendigando" para os seus Prefeitos o que lhe é próprio.

Exerce, no entanto, outras atividades, desta feita atípicas àquelas, decorrente de seu poder de auto-organização. Isto dá-se quando dispõe, interna corporis, sobre os seus serviços administrativos e sobre seus servidores.

Sua legitimidade processual para configurar no pólo passivo ou ativo, quando se discute em juízo matéria referente às suas prerrogativas institucionais, é clara e provém de sua interdependência funcional e de ser este Poder onde se exercita o "poder originário da comunidade", a representatividade.

No entanto, é o Órgão sede da Edilidade, carentConsultor Jurídico da Câmara Municipal de Fortalezae de personalidade judiciária própria no que tange as atividades atípicas de suas prerrogativas. A jurisprudência é remansosa nesse sentido.

O Prof. Hely Lopes Meirelles escreve que: "A capacidade processual da Câmara para a defesa de suas prerrogativas funcionais é hoje pacificamente reconhecida pela doutrina e pela jurisprudência. Certo é que a Câmara não tem personalidade jurídica, mas tem personalidade judiciária. Pessoa jurídica é o Município. Mas nem por isso se há de negar capacidade processual, ativa e passiva, á Edilidade, para ingressar em juízo quando tenha prerrogativas ou direitos a defender." (cf. in Direito Municipal Brasileiro, 6ª ed., São Paulo, Malheiros, 1993, pp. 444 e 445).

Sendo, pois, despersonalizada juridicamente para atuar na defesa de suas prerrogativas afins, ou não naturais, não poderá, por força do art. 14, inciso III do CPC brasileiro, integrar lides em que o interesse defendido seja destas prerrogativas, sob pena de nulidade de todos os atos processuais.

Fato curioso e que denota essa despersonalização das Câmaras Municipais, é que os advogados públicos que integram seu quadro de servidor, são impedidos, até que haja lei específica municipal nesse sentido, de perceberem honorários e ou sucumbência por seus serviços prestados à elas, sendo seus honorários revertidos aos cofres públicos como receita orçamentária.

A Câmara Municipal também, nesse mesmo pensamento, é despatrimonializada, ou seja, os seus bens são, na realidade, bens da municipalidade, devendo a defesa destes, ser empreitada pelo Prefeito Municipal, no uso de seu múnus à frente do Executivo.

Exsurge desse pequeno esforço para revelar a capacidade processual das Câmaras Municipais: sua autonomia, que é advinda de uma longa jornada histórica que vem desde a concentração exasperadora de poder nas mãos do Rei ou, mais tarde, Executivo, até a descentralização e harmonização das tarefas do Estado democrático e, por fim, seu poder fiscalizador, que é imperativo na limitação da discricionariedade do Executivo. Contudo, não se pode olvidar de sua incapacidade em pugnar por interesses que não são naturais às suas prerrogativas funcionais, verbi gratia, não poderia a Câmara Municipal entrar com ação para ser ressarcida por Danos Materiais provindos de depredação de suas instalações por alhures pois, estaria se imiscuindo nas atividades próprias do Prefeito Municipal, tanto quanto, não poderia ser parte passiva em questões trabalhistas, pois, desta forma haveria que ser chamado à lide também, o Poder Executivo, na pessoa representativa do Prefeito Municipal.
 
 

Ricardo Henrique Arruda de Paula

Retirado de: http://www.neofito.com.br/front.htm